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Como chegamos à Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (2018)?
How did we got to the National Curricular Common Basicsof High School (2018)?
Como llegamos la Base Nacional Común Curricular de Enseñanza Media (2018)?
Olhar de Professor, vol. 25, pp. 01-24, 2022
Universidade Estadual de Ponta Grossa

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no contexto das reformas educacionais



Recepción: 28 Abril 2022

Aprobación: 13 Octubre 2022

DOI: https://doi.org/10.5212/OlharProfr.v.25.20406.057

Resumo: A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio é o documento que prescreve a política curricular da etapa e tem sido alvo de inúmeras críticas, sobretudo por destoar das versões que constituíram seu processo de construção. Diante disso, este artigo objetiva identificar e problematizar as principais rupturas no processo histórico de construção da BNCC/EM, bem como os deslocamentos no conteúdo dos textos que a precederam. Para tanto, tomou-se como perspectiva teórico-metodológica o modo de pensar e fazer pesquisa de Michel Foucault, mais precisamente o conceito de problematização. Verificou-se que o processo de construção da BNCC/EM foi permeado por diferentes forças e conflitos políticos que acabaram influenciando diretamente na versão final do documento. À luz das rupturas e deslocamentos que constituíram a BNCC/EM (2018) concluiu-se a necessidade de resistir ao projeto educacional que a política curricular em voga prescreve. Palavras-chave: Base Nacional Comum Curricular. Ensino Médio. Políticas Curriculares.

Palavras-chave: Base Nacional Comum Curricular, Ensino Médio, Políticas Curriculares.

Abstract: The National Curricular Common Basis (BNCC) of high school it’s the document that prescribes the curriculum policy of this phase and it has been the target of countless criticism, mainly because it clashes with the versions that constituted its construction process. From that, this article aims to identify and problematize the main ruptures in the BNCC/EM constructional historical process, as well as the displacement in the content of the texts that preceded. For that, it took as a theoretical-methodological perspective the way of thinking and doing research of Michel Foucault, more precisely the concept of problematization. It was found that the constructional process of BNCC/EM was permeated by different forces and political conflicts that ended up directly influencing the final version of the document. The light of the ruptures and displacements that constituted the BNCC/EM (2018), concluded the necessity to resist the educational project that the current curriculum policy prescribes for us.

Keywords: National Curricular Common Basis, High School, Curricular Policies.

Resumen: La Base Curricular Nacional Común (BNCC) para la enseñanza media es el documento que prescribe la política curricular de la etapa y ha sido objeto de numerosas críticas, sobre todo por ser diferente a las versiones que constituyeron su proceso de construcción. Ante esto, este artículo pretende identificar y problematizar las principales rupturas en el proceso histórico de construcción del BNCC/EM, así como los desplazamientos en el contenido de los textos que lo precedieron. Para ello, se tomó como perspectiva teórica y metodológica la forma de pensar y hacer investigación de Michel Foucault, más precisamente el concepto de problematización. Se comprobó que el proceso de construcción del BNCC/EM estuvo permeado por diferentes fuerzas y conflictos políticos que acabaron influyendo directamente en la versión final del documento. A la luz de las rupturas y desplazamientos que constituyeron el BNCC/EM (2018) se concluyó la necesidad de resistir el proyecto educativo que prescribe la política curricular en boga.

Palabras clave: Base Nacional Común Curricular, Enseñanza Media, Políticas Curriculares.

Considerações Iniciais

Na história da política educacional recente, da Constituição Federal de 1988 em diante, gradualmente se construiu a necessidade de elaborar uma política curricular nacional para a educação básica, um documento que apresentasse os conteúdos mínimos necessários para garantir uma formação básica comum, isto é, um conjunto de direitos e objetivos à aprendizagem e ao desenvolvimento. Além das expectativas sobre o conteúdo de tal documento, a legislação disciplinou o modo como este deveria ser construído: sob condução do Ministério da Educação (MEC) em diálogo com os Entes Federados e a população em geral, sendo submetido ao Conselho Nacional de Educação (CNE) para discussão e deliberação3. Os movimentos em prol da construção do referido documento tiveram início no interior do MEC em meados de 201 e sua construção se estendeu até dezembro de 2018, ocasião em que o CNE homologou a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCC/EM), unindo-a ao documento da educação infantil e ensino fundamental, publicado em 2017; seu processo de construção conta com três versões, a saber: versão consulta pública (2015), versão revista (2016), versão final (2017/2018), e uma versão preliminar, de 2014.

A BNCC (BRASIL, 2018) como a conhecemos destoa das versões que a precederam, o debate inicial pautou um documento curricular que apresentasse os direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento que refletissem os conteúdos mínimos constituintes de uma formação básica comum. No entanto, o documento instituído prescreve uma formação básica comum centrada em dez competências gerais a serem desenvolvidas pelos(as) alunos(as) ao longo da educação básica; torna central um projeto de formação por competências e as apresenta como similar aos direitos e objetivos de aprendizagens essenciais. Instituiu-se, portanto, uma proposta pedagógica que não foi discutida no processo de elaboração do documento em questão, desde as versões que o precederam.

Instituída, a Base Nacional Comum Curricular (2018) é apresenta como documento normativo que prescreve o conjunto das aprendizagens a serem desenvolvidas pelos(as) alunos(as). Trata-se de um documento de suma importância, cujo conteúdo incide diretamente sobre outras políticas educacionais e sobre o modo como as escolas e seus(as) professores(as) têm atuado. Nesse sentido, pensar, refletir, analisar, problematizar a BNCC é um dos compromissos mais prementes da educação brasileira em nossos dias, sobretudo se considerarmos a previsão de revisão do documento em 2025, conforme disciplina o artigo 19 da Resolução CNE/CP nº 4/2018.

Mobilizados por tal necessidade, desenvolvemos uma pesquisa no âmbito do curso de Mestrado em Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que resultou na dissertação intituladaA Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (2018): implicações para o Ensino da Filosofia. De modo geral, buscamos compreender as incidências da BNCC/EM (2018) sobre o Ensino da Filosofia no contexto do novo ensino médio (pós Lei 13.415/2017). Um dos primeiros movimentos que a referida pesquisa nos exigiu foi a compreensão do processo histórico de construção da BNCC (2018), especialmente em relação a área das Ciências Humanas (e Sociais Aplicadas) do Ensino Médio, por ser onde a Filosofia é um dos componentes curriculares.

Este artigo é um recorte da pesquisa mencionada, no qual nos interessa discutir a seguinte questão: como chegamos a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (2018)? Trata-se de uma questão genealógica de inspiração foucaultiana. Para responde-la tomamos como perspectiva teórica-metodológica o trabalho intelectual de Michel Foucault (2004a; 2004b; 2013; 2019; 2020a; 2020b). Buscamos no modo de pensar e fazer pesquisa do filósofo francês uma atitude analítica para inquirir o processo de emergência da BNCC. Essa atitude pode ser definida pelo conceito de problematização. Em linhas gerais: trabalho do pensamento sobre si mesmo, entendido como exercício que permite um distanciamento crítico em relação aquilo que adentra o domínio de pensamento para tomá-lo como um problema a ser pensado4.

O pensamento é sempre pensamento em relação a ‘algo’. Tomar esse ‘algo’ no pensamento como um problema, a partir da perspectiva de Foucault da problematização, exige referência a um momento histórico em que ele surge como problema, em que se torna passível de problematização (gera dúvidas, incertezas, controvérsias); a referência é sempre imanente, histórica, mundana. Em suma, inspirados por Foucault (2020), problematizar é o empenho de pensar outros modos de ser e estar no mundo, buscando ‘pensar diferentemente do que se pensa’: encontrar saídas, desenhar planos de fuga, linhas de resistências. Problematizar o instituído, em nosso caso a BNCC enquanto norma, para a partir dela e desde o seu processo histórico, encontrarmos brechas que nos possibilitem práticas de liberdade. Portanto, o objetivo deste artigo, desde sua perspectiva teórico-metodológica, é identificar e problematizar as principais rupturas no processo histórico de construção da BNCC/EM, bem como os deslocamentos no conteúdo dos textos que a precederam.

Breve histórico do processo de construção da BNCC: continuidades e rupturas

A narrativa hegemônica do processo de construção da BNCC menciona três versões do documento, trata-se da versão Consulta Pública (2015), Versão Revista (2016) e versão final (2017/2018). De fato, são três os documentos que carregaram o título de Base Nacional Comum Curricular. No entanto, segundo Silva, Neto e Vicente (2015, p. 335), o trabalho de elaboração da BNCC no âmbito do Ministério da Educação teve início em 2011 com a criação do Grupo de Trabalho Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento (GT-DiAD), responsável por formular uma proposta inicial para o debate do que viria a ser o documento de base curricular nacional. Assim, em 2014, sob a coordenação da Diretoria de Currículos e Educação Integral, a Secretaria de Educação Básica do MEC disponibilizou o documento intitulado Por uma política curricular para a educação básica: contribuição ao debate da base nacional comum a partir do direito à aprendizagem e ao desenvolvimento. Versão Preliminar5. É compreendido como a primeira versão da BNCC, ou ainda como documento ‘inicial’ ou texto ‘preliminar’, conforme expressões utilizadas no texto da versão em questão.

No período em que o MEC iniciou os movimentos em prol de um documento curricular nacional, o Ministério foi dirigido, respectivamente, por Fernando Haddad (29/07/2005 a 24/01/2012), Aloizio Mercadante (24/01/2012 a 02/02/2014) e José Henrique Paim (03/02/2014 a 01/01/2015), todos filiados ao Partido dos Trabalhadores. No conturbado segundo mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), envolto em uma crise política que se iniciou com a contestação de sua reeleição6 e culminou na cassação de seu mandado, em 31 de agosto de 2016, no curto período em que esteve na presidência o Ministério da Educação foi dirigido por Cid Gomes – PDT (02/01/2015 a 19/03/2015), Renato Janine Ribeiro - PT (06/04/2015 a 04/10/2015) e Aloizio Mercadante – PT (05/10/2015 a 11/05/2016).

A passagem de Cid Gomes pelo MEC foi curta, mas não sem efeitos. Conforme Silva, Neto e Vicente (2015, p. 336), ao ser nomeado ao cargo de Ministro da Educação, Cid Gomes “[...] reestruturou as equipes da Secretaria de Educação Básica como um todo.”. Segundo registro feito pelo professor Luiz Carlos Freitas7, o trabalho realizado no âmbito do MEC pelo GT-DiAD, que culminou na Versão Preliminar de 2014, foi abandonado pela gestão Cid Gomes “[...] para que se desse início a uma Base Nacional Curricular Comum (BNCC) vinculada a um processo de avaliação padronizador” (FREITAS, 2018, texto em meio eletrônico)8. A tese do abandono/silenciamento da Versão Preliminar de 2014 parece encontrar respaldo na ausência de sua menção na linha do tempo construída e disponibilizada no portal da base9, cujo objetivo é registrar a história da BNCC.

Ao assumir o MEC, Renato Janine Ribeiro manteve a reestruturação das secretarias realizada pelo seu antecessor, Cid Gomes, e deu início a construção do primeiro documento que levou o nome de Base Nacional Comum Curricular. Para tanto, foi constituído um grupo composto por 14 assessores e 116 especialistas em educação, responsáveis por redigir a BNCC. Fizeram parte deste grupo professores(as) pesquisadores(as) em universidades, professores(as) em exercício em escolas das redes Estaduais e Municipais de ensino, do Distrito Federal, bem como profissionais ligados as Secretarias de Educação dos Entes Federados10.

O professor Edgar de Brito Lyra Netto, na época assessor da Secretaria de Educação Básica do MEC na elaboração da área de Ciências Humanas da BNCC, afirma, em entrevista concedida à Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF), que um dos primeiros movimentos da equipe na construção da primeira versão da BNCC foi consultar os currículos dos Estados por considerarem importante, nas palavras de Lyra (2016, em meio eletrônico11): “[...] fazer um exame comparativo das propostas curriculares estaduais vigentes e disponíveis para consulta [...].”. Cortinaz (2019, p. 22), em sua tese de doutorado, afirma que o grupo de 132 especialistas buscou inspiração naVersão Preliminar (2014) para redigir a primeira versão da BNCC, contrastando – em uma primeira leitura – com a tese do abandono/silenciamento mencionada anteriormente. No entanto, nos parece possível, dado a pluralidade de agentes e agências que influíram na construção do documento e da extensão do mesmo, que ambos os movimentos tenham sido feitos: tanto do abandono da Versão Preliminar em algumas etapas da educação básica quanto a busca em reafirmar suas proposições; sobretudo se considerarmos que parte da equipe que redigiu a Versão Preliminar (2014) compôs a equipe de redação das versões subsequentes da BNCC.

A primeira versão que carrega o título de Base Nacional Comum Curricular, resultado do trabalho inicial da equipe de especialistas formada pelo MEC, foi disponibilizada ao público em 16 de setembro de 2015 sob o carimbo Consulta Pública, expressando sua finalidade: iniciar o debate nacional sobre o documento. Assim, do dia 25 de setembro de 2015 ao dia 15 de março de 2016 houve a possibilidade de a população em geral acessar o portal da base, realizar cadastro e contribuir com a consulta pública em questão. Além das contribuições via portal, o MEC convidou alguns professores(as) na condição de leitores críticos, especialistas reconhecidos em suas áreas de atuação para emitirem pareceres críticos sobre o documento12. Ademais, conforme consta nas notas e relatórios acerca do tratamento e publicação dos dados gerados pela consulta pública, a própria não se restringiu apenas as contribuições via portal ou pareceres críticos de especialistas convidados: “Envolve também pareceres realizados por associações científicas, bem como as contribuições advindas da participação dos assessores e especialistas em reuniões com associações científicas, em universidades e escolas das diferentes regiões do país.”. (BRASIL, 2016b, p. 06).

Segundo Manuel Palácios13, Secretário de Educação Básica do MEC na época, a consulta pública registrou mais de 300 mil cadastros no portal da base e mais de 12 milhões de contribuições. A respeito disso, destacamos a aparente inconsistência entre os mais de 300 mil cadastros e as mais de 12 milhões de contribuições. A inconsistência é aparente, pois ‘contribuições’ não deve ser compreendida como sinônimo de ‘contribuintes’. Nesse sentido, o professor Fernando Cássio (2017), da Universidade Federal do ABC, problematiza esses números divulgados e superexplorados pelo MEC pontuando que as mais de 12 milhões de contribuições dizem respeito a soma das diversas respostas de uma mesma pessoa/instituição multiplicada pelo real quantitativo de contribuintes cadastrados e que participaram da consulta. Além disso, há a crítica de que a consulta pública, por meio do questionário, não permitiu que os(as) contribuintes pudessem colocar no centro do debate os pressupostos teóricos e epistemológicos do documento, discutindo o sentido de currículo, as finalidades e concepção de educação que sustentam os objetivos e direitos de aprendizagem já definidos, sobre os quais restaram concordar, discordar e sugerir a exclusão ou adaptação do mesmo; assim, podemos dizer, junto com a Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação e a Associação Brasileira de Currículo (2015, p. 7), que as coordenadas do documento já estavam estabelecidas e não foram postas em debate.

A partir das discussões e contribuições geradas no período do debate público sobre a primeira versão da BNCC, foi redigida a segunda versão do documento e disponibilizada ao público em 03 de maio de 2016 sob o carimbo Versão Revista. Logo após, em 12 de maio, o Senado Federal aprovou a abertura do processo de impeachment14 de Dilma Rousseff (PT). A ex-presidenta foi afastada imediatamente do cargo e em seu lugar assumiu como presidente interino Michel Temer (MDB), na ocasião vice-presidente. No mesmo dia Temer apresentou novo plano de governo e nomeou José Mendonça Bezerra Filho (DEM) Ministro da Educação, que permaneceu no cargo até 06 de abril de 2018, dando lugar a Rossieli Soares da Silva que dirigiu a pasta até o final da gestão Temer. Dessa forma, os trabalhos sobre a segunda versão da BNCC (2016), que culminaram na versão final do documento aconteceram no governo de Michel Temer.

A Versão Revista (2016) foi discutida em seminários estaduais que ocorreram entre 23 de junho e 10 de agosto de 2016 por todo o país, cujo objetivo foi justamente mobilizar os Entes Federados para a discussão do documento. Os seminários foram organizados pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Os resultados do debate no âmbito dos seminários foram organizados em relatórios15 e entregues ao MEC como contribuição para a redação da versão subsequente. Portanto, apesar da ruptura política na passagem da segunda versão para a terceira versão, podemos marcar certa continuidade nos espaços de debate previstos sobre a segunda versão – aqui não estamos pensando na qualidade/conteúdo dos debates, mas na existência de espaços para tanto.

A terceira versão da BNCC começou a ser redigida em agosto de 2016 e foi entregue ao CNE em abril de 2017. No entanto, diferente das versões anteriores, o texto se referia apenas a etapa da educação infantil e do ensino fundamental. O documento foi discutido em cinco audiências públicas organizadas pelo Conselho Nacional de Educação, uma em cada região do país: Manaus, Recife, Florianópolis, São Paulo e Distrito Federal16. Assim, a versão passou pelo CNE, sofreu alterações e foi instituída em 22 de dezembro de 2017 pela Resolução CNE/CP nº 2/2017. A terceira versão da BNCC/EM foi entregue ao Conselho Nacional de Educação em 02 de abril de 2018. O CNE organizou cinco audiências públicas17 para discutir o texto. Após esse percurso, a BNCC/EM foi homologada em 14 de dezembro de 2018. A justificativa do MEC para a exclusão da etapa do ensino médio da versão publicada em 2017 foi a necessidade de repensar o documento de modo a atender as proposições da reforma no ensino médio, instituída pela Lei 13.415/2017. Assim, o documento curricular nacional que vinha sendo construído em unidade entre seus níveis, sofre uma cisão. É nesse momento que podemos demarcar a maior ruptura no processo de construção da BNCC que, por sua vez, afetou diretamente o seu conteúdo – trataremos desse tópico na sequência.

A equipe que elaborou o texto da versão final da BNCC não foi a mesma que trabalhou nas versões anteriores, muitos docentes foram desligados do grupo sem sequer serem notificados. Segundo Cortinaz (2019, p. 52), do grupo de 132 especialistas que redigiram as versões anteriores, ficaram apenas 7 e a estes somaram-se outros agentes, formando um grupo reduzido de 22 pessoas que elaboraram a BNCC como a conhecemos. Os efeitos da ruptura no processo de construção do documento ficam mais evidentes na análise do conteúdo dos documentos constituintes do processo. Mas, antes de passarmos para tal análise, cabe pontuar que a ruptura no Estado Democrático de direito, no injusto impeachment de Dilma Rousseff, possibilitou que no campo político adentrassem forças que mudaram as regras do jogo e forjaram as condições materiais que garantiram a mudança drástica sobre o que se estava construindo, dando continuidade ao trabalho da Lei 13.415/2017 em recuperar o projeto educacional dos anos 1990.

Portanto, se as forças no campo político-educacional em pleno curso de construção do documento conseguiram subverter os termos sobre os quais este estava sendo elaborado, podemos construir, desde as nossas práticas de pesquisa e ensino, posições de resistência sobre a Base Nacional Comum Curricular, especialmente a do Ensino Médio (2018). Para tanto, um começo possível, a luz do processo de construção do documento, é questionarmos a legitimidade do projeto educacional que a BNCC/EM nos prescreve, pois ele não condiz com o que foi discutido e projetado nas versões antecedentes. Para explorarmos esse ponto, passaremos a análise do conteúdo dos documentos que resultaram do processo brevemente narrado até aqui.

Os principais deslocamentos entre as versões da BNCC do Ensino Médio

Conforme mencionamos anteriormente, compreendemos que o processo de construção da BNCC é constituído por quatro textos: Versão Preliminar (2014); Versão Consulta Pública (2015); Versão Revista (2018); e, por fim, a Versão Final (2018), instituída como documento que prescreve o conjunto das aprendizagens essenciais a serem desenvolvidas pelos(as) estudantes ao longo da Educação Básica. Portanto, na sequência vamos nos ater, no contexto desses textos, ao que se discutiu e se projetou para o documento que viria a estabelecer a política curricular nacional e o que de fato se consolidou como Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (2018).

O texto da Versão Preliminar (2014) foi estruturado em três partes principais e contém 170 páginas. Na primeira parte, o documento apresenta uma síntese das principais ideias das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (2013)18, base normativa sobre a qual o texto em questão se fundamenta. Na segunda parte o documento sustenta a proposta curricular com base na ideia de ‘direito à aprendizagem e ao desenvolvimento’. Por fim, apresenta (14) quatorze macro direitos de aprendizagem e desenvolvimento e disserta sobre a contribuição de cada área do conhecimento na garantia dos mesmos.

Na apresentação do documento, a redação anuncia que os debates educacionais no contexto das Diretrizes Curriculares Nacionais (2009; 2010; 2012) operaram um deslocamento na tônica das diretrizes, marcado pelo abandono da noção de ‘expectativas de aprendizagem’ em detrimento da ideia de ‘direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento’. A principal crítica que levou a tal deslocamento compreendeu que o enunciado ‘expectativas de aprendizagem’ perspectivava uma série de obrigações imputadas às e aos estudantes, ignorando uma série de pressupostos e fatos evidenciados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais.

Nesse sentido, em vistas de sustentar a proposição de direito à aprendizagem e ao desenvolvimento, em detrimento da ideia de expectativas de aprendizagem, a Versão Preliminar (2014) se ocupa em delinear o perfil do público alvo da ação educativa afirmando que as propostas curriculares deveriam tomar como referência as identidades e peculiaridades dos sujeitos da aprendizagem a fim de cumprir as finalidades da educação básica e oferecer formação integral para todos(as). Assim, o documento parte de trabalhos acadêmicos sobre juventudes e educação para pontuar a necessidade de conceber os(as) jovens da etapa em sua historicidade, isto é, como sujeitos circunscritos a condições específicas de seu tempo e dos espaços em que habitam. O documento rompe com o ideal de um sujeito universal – ‘o jovem do ensino médio’ – e afirma a noção de ‘juventudes’ para marcar as condições concretas da vida dos sujeitos da etapa, evidenciadas por alguns marcadores, tais como: classe, gênero, credo, etnia, acervo cultural, e etc., constituintes de suas identidades.

A Versão Preliminar (2014) expressa a concepção de educação escolar sobre a qual se fundamenta da seguinte maneira:

Escola e educação são formas sociais de humanização e hominização, de singular e subjetiva aculturação, de produção do homem para a vida social, para o mundo do trabalho, para a apropriação da cidadania crítica e não tutelada, para a autonomia ética e para a elevação estética, para a construção de mediações sócio-políticas solidárias, engendradas a partir de processos esclarecidos e participativos. Não podem, portanto, ser reduzidas às mediações estritas do mercado de trabalho. (BRASIL, 2014, p. 11).

Com base nessa concepção, sentido da educação escolar, a centralidade da proposta de construção da ação educativa visa a garantia do direito à aprendizagem e ao desenvolvimento de: conhecimentos, saberes, vivências, experiências e atitudes. Nesse contexto, o currículo escolar é compreendido como instrumento que expressa a seleção de conhecimentos produzidos pelas sociedades em diferentes tempos históricos e espaços geográficos, considerados pertinentes para a formação dos(as) educandos(as), bem como busca relacioná-los com as vivências e saberes dos(as) estudantes, que são permeadas pelas relações sociais das quais são oriundos(as). Ao fazer isso, a escola opera criativamente, inventando formas de oferecer aos(as) estudantes os conhecimentos social e historicamente construídos. Nesse sentido, o documento elenca os (14) quatorze macro direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento, a serem garantidos e aprofundados ao longo do percurso formativo da educação básica, apresentados como balizadores das escolhas curriculares das escolas, tanto em termos de conhecimentos específicos em cada componente curricular, quanto em termos de metodologias de ensino e organização pedagógica.

Para o ensino médio, o texto em questão segue a estrutura curricular posta pelas DCNEM/2012 e apresenta suas proposições na perspectiva das quatro áreas de conhecimento. Na apresentação de cada área o documento identifica os componentes curriculares que as constituem no espaço escolar, mas não discrimina conteúdo específico para cada um deles. A base de conhecimentos que os(as) estudantes têm direito de acessar na educação escolar é apresentada na perspectiva da área de conhecimento considerando dois pressupostos: a interdisciplinaridade no trato do conhecimento entre os componentes curriculares e a contextualização quanto ao seu pertencimento a área de conhecimento. Esses conteúdos são expressos por binômios conceituais, categorias/temas comuns aos componentes da área em questão.

Embora o documento tenha apresentado sua proposta, em termos de conteúdo a que os(as) estudantes teriam direito, na perspectiva das áreas do conhecimento (e também por se tratar uma versão preliminar), o texto reafirma o que as DCNEM/2012 já haviam prescrito (BRASIL, 2014, p. 126): “A interdisciplinaridade que se busca não se faz sobre os escombros das disciplinas, mas ergue-se como ponte entre os sólidos edifícios teóricos, metodológicos e didáticos que cada uma delas construiu ao longo de sua história.”. Portanto, no contexto da Versão Preliminar (2014), estava claro que o currículo por áreas de conhecimento não deveria excluir e nem anular os componentes curriculares, apenas assinalava a necessidade de uma abordagem que buscasse fortalecer as relações entre os diferentes campos de conhecimento e seus contextos.

Na sequência do processo, o primeiro documento que leva o título de Base Nacional Comum Curricular foi publicado em 2015 sob o carimbo Consulta Pública. Seu texto está dividido em duas partes principais, distribuídas em 302 páginas. As primeiras sessões do documento apresentam os princípios orientadores da BNCC, onde se encontram os direitos e objetivos à aprendizagem e ao desenvolvimento; uma mudança na tônica do documento, acrescenta-se a proposição de ‘direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento’ a noção de ‘objetivos’. A segunda parte do documento apresenta as áreas do conhecimento que compõe o ensino fundamental e o ensino médio e seus respectivos componentes curriculares; apresenta objetivos gerais por área do conhecimento e objetivos específicos para cada componente curricular, para o ensino fundamental e ensino médio. O documento tem como fundamento as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (2013) e o Plano Nacional de Educação (2014-2024).

A versão Consulta Pública (2015) apresenta (12) doze direitos de aprendizagem gerais, para toda a educação básica. Esta versão centraliza sua proposta em objetivos de aprendizagem, tanto gerais quanto específicos. Apresenta dois tipos de listagem de objetivos gerais para as áreas de conhecimento: em relação a sua contribuição para toda a educação básica e, mais especificamente, em relação a sua contribuição no ensino fundamental e no ensino médio. O documento também apresenta objetivos específicos para cada componente curricular, articulados aos objetivos gerais da área e da etapa em que são enunciados. Conforme o documento: “A definição dos objetivos de aprendizagem se faz, portanto, pela articulação entre a singularidade das áreas do conhecimento e de seus componentes e as especificidades dos estudantes ao longo da educação básica.” (BRASIL, 2015, p.10). A finalidade dos objetivos enunciados é demarcar certa progressão na garantia dos direitos de aprendizagem ao longo do processo de escolarização (BRASIL, 2015, p. 16). Tais objetivos foram apresentados como referência para a escolha dos conteúdos de ensino em cada componente curricular e série que compõe o ensino médio.

A versão Consulta Pública (BRASIL, 2015, p. 15) entende que os ‘conteúdos mínimos’ se traduzem no conjunto de “[...] conhecimentos fundamentais aos quais todo/toda estudante brasileiro/a deve ter acesso para que seus Direitos à Aprendizagem e ao Desenvolvimento sejam assegurados.”. Para assegurá-los, esta versão propôs os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. Nota-se, portanto, que o documento aqui discutido incorpora a proposição central da versão que o precedeu e constrói a necessidade de objetivos como garantidores dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento.

No entanto, para um documento cujo foco é a aprendizagem, nota-se a ausência de considerações específicas sobre os sujeitos da educação básica ou de algum pressuposto que indique a necessidade de considerar suas especificidades na construção dos currículos, tal como observamos no documento de 2014. A única menção a respeito é a seguinte (BRASIL, 2015), “Em todas as áreas, os objetivos de aprendizagem para as diferentes etapas da educação básica são propostos tendo como referência as características dos estudantes em cada etapa da educação básica, suas experiências e contextos de atuação na vida social (p. 16)”.

Isso nos faz questionar a real capacidade do documento, por meio dos objetivos listados, de ter mapeado a diversidade de contextos de atuação em que os sujeitos da educação básica estão inseridos, bem como a pluralidade de identidades desses(as) estudantes, visto a extensão e diversidade cultural, econômica e social do país. Além do mais, o documento não se ocupa em dissertar acerca da concepção de educação escolar da qual parte para a elaboração da proposta, ao menos não explicitamente. Todavia, há uma breve menção sobre a participação da escola no processo de garantia dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento dos(as) estudantes e o que se espera que cada etapa da educação básica ofereça no sentido de garanti-los. O documento compreende o papel da escola da seguinte maneira:

Para que possa cumprir este papel [garantir os direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento], ao longo da educação básica serão mobilizados recursos de todas as áreas de conhecimento e de cada um de seus componentes curriculares, de forma articulada e progressiva, pois em todas as atividades escolares aprende-se a se expressar, conviver, ocupar-se da saúde e do ambiente, localizar-se no tempo e no espaço, desenvolver visão de mundo e apreço pela cultura, associar saberes escolares ao contexto vivido, projetar a própria vida e tomar parte na condução dos destinos sociais. (BRASIL, 2015, p. 8, acréscimo nosso, grifo do autor).

Depreende-se disso que a escola cumpre seu papel na formação das crianças, adolescentes, jovens e adultos ao garantir ao público da educação básica os tempos e espaços, a partir de seu currículo, para o acesso aos conhecimentos social e historicamente construídos pela humanidade e entendidos como pertinentes para uma formação básica, para que aprendam a mobilizá-los na compreensão da realidade vivida a fim de que sejam capazes de agir na vida social.

Ao final da apresentação geral do documento, o texto destaca dois aspectos a serem considerados no debate público. O primeiro aspecto menciona certa preocupação na direção de pensar as condições de acesso dos(as) estudantes com deficiências específicas aos conhecimentos propostos pela BNCC (BRASIL, 2015, p. 17). O outro aspecto refere-se a como a BNCC, enquanto parte comum do currículo, poderia “[...] contribuir para a proposição de diferentes trajetórias acadêmicas para os estudantes do Ensino Médio.” (Ibidem, p. 17); reconhece que é uma discussão em curso, tratada na perspectiva da parte diversificada dos currículos, mas entende a importância de que ambas as partes estejam articuladas e de maneira alguma esse é um aspecto central no texto – o texto não conceitua o que compreende por ‘diferentes trajetórias acadêmicas’, mas sabemos o resultado desse movimento em prol da diversificação das trajetórias/percursos formativas do ensino médio.

Sobre a organização da proposta curricular por áreas do conhecimento, a versão Consulta Pública (2015) dá continuidade a justificativa já apresentada pela Versão Preliminar (2014): “[...] visa superar a fragmentação na abordagem do conhecimento escolar pela integração e contextualização desses conhecimentos, respeitando-se as especificidades dos componentes curriculares que integram as diferentes áreas.” (BRASIL, 2015, p. 15). Quanto ao desenho curricular do ensino médio, a versão Consulta Pública (2015), assim como a versão precedente, segue a estrutura posta pelas DCNEM/2012, isto é, quatro área de conhecimentos e seus respectivos componentes curriculares – Linguagens: Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Educação Física, Arte; Ciências Naturais: Biologia, Física, Química; Matemática: Matemática; Ciências Humanas: História, Geografia, Sociologia e Filosofia.

A Versão Revista (2016) consistiu na revisão e ampliação do texto elaborado em 2015. O documento conta com 652 páginas. Em termos gerais, esta versão centraliza sua proposta na relação entre os direitos e os objetivos de aprendizagem listados. Apresenta sete (7) direitos de aprendizagem e desenvolvimento para toda a educação básica. Articulados a esses direitos, o documento apresenta objetivos de aprendizagem gerais para cada área de conhecimento que compõe o ensino fundamental e ensino médio, bem como objetivos específicos para cada componente curricular, relacionados aos objetivos gerais da área a que pertencem.

Para o ensino médio, o documento apresenta a mesma estrutura curricular das versões precedentes, quatro áreas de conhecimento e doze disciplinas obrigatórias, formando um percurso formativo único. Uma novidade em relação as outras versões é que aVersão Revista (2016) apresenta quatro eixos formativos para o ensino médio, aos quais relacionam os objetivos em cada área do conhecimento. Os eixos são os seguintes: Eixo 1 – Pensamento crítico e projeto de vida; Eixo 2 – Intervenção no mundo natural e social; Eixo 3 – Letramento e capacidade de aprender; Eixo 4 – Solidariedade e sociabilidade. Esses eixos serviram de base para alguns componentes curriculares pensarem seus objetivos específicos.

Em termos de conteúdos de ensino, além dos objetivos enunciados para os componentes curriculares em cada área, o documento apresenta e elucida os ‘temas especiais’ (na versão Consulta Pública, 2015, mencionados sob o título de ‘temas integradores’) a que os(as) alunos(as) têm direito de acessar. São eles: Economia, Educação Financeira e Sustentabilidade; Culturas Africanas e Indígenas; Culturas Digitais e Computação; Direitos Humanos e Cidadania; Educação Ambiental. Aos temas especiais foram atribuídas siglas a fim de serem identificados nos objetivos específicos das unidades curriculares, pois o documento sugere abordagem transversal dos mesmos.

Como sua versão predecessora, esta apresenta os objetivos de aprendizagem e desenvolvimentos no sentido de garantir os direitos enunciados, retomando-os em cada etapa da educação básica em consonância com as especificidades dos sujeitos escolares e da etapa em que são apresentados. Nesse sentido, no que se refere ao ensino médio, o documento tece quatro parágrafos sobre os(as) estudantes da etapa onde recupera as proposições das DCNEM/2012 acerca da pluralidade de identidades dos(as) alunos(as) para reafirma a juventude como categoria social, histórica e cultural – trata-se de uma apresentação sintética e reduzida do que a Versão Preliminar (2014) apresentou. Na construção dos currículos da etapa, o documento aposta no conceito plural de ‘juventudes’ como possibilidade de superação da histórica dualidade formativa da etapa: formação propedêutica preparatória para o ensino superior ou profissionalizante para o mercado de trabalho.

Em relação a versão Consulta Pública (2015), a Versão Revista (2016) opera uma síntese nos direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento: de doze (12) passa a apresentar sete (7) direitos gerais para toda a educação básica; também sintetiza os objetivos gerais de aprendizagem das áreas de conhecimento. Do ponto de vista da estrutura curricular para o ensino médio, os documentos seguiram as Diretrizes Curriculares Nacionais da etapa, portanto, apresentam o mesmo: percurso formativo único composto por quatro áreas de conhecimento e doze componentes curriculares obrigatórios para as três séries do ensino médio. No que diz respeito ao Ensino Médio, nos três documentos apresentados brevemente até aqui, compreendeu-se que os direitos de aprendizagem e desenvolvimento estariam garantidos pelo acesso a um conjunto comum de conhecimentos fundamentais que a BNCC deveria prescrever. Nesse sentido, o documento estava sendo elaborado com base na relação entre direitos e objetivos de aprendizagem desde as disciplinas escolares, no contexto das áreas de conhecimento sem descuidar dos princípios da interdisciplinaridade e contextualização dos conhecimentos.

Conforme afirmamos anteriormente, houve uma ruptura no processo de construção da BNCC que incidiu diretamente no seu conteúdo, especialmente em relação ao documento do ensino médio. De modo geral, e já podemos perceber a diferença, a BNCC/2018 apresenta dez (10) competências gerais para a educação básica e centraliza sua proposta formativa no desenvolvimento de certas competências e habilidades, que são apresentadas como o conjunto de direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento. No âmbito do documento, o conceito de ‘competências’ e ‘habilidades’ são definidos da seguinte maneira, respectivamente:

[...] mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho. (BRASIL, 2018, p. 8).

Para garantir o desenvolvimento das competências específicas, cada componente curricular apresenta um conjunto de habilidades. Essas habilidades estão relacionadas a diferentes objetos de conhecimento – aqui entendidos como conteúdos, conceitos e processos – que, por sua vez, são organizados em unidades temáticas. (BRASIL, 2018, p. 28).

Assim, se as competências dizem as ações/capacidades que os(as) alunos(as) devem desenvolver ao longo dos percursos formativos da educação básica, as habilidades nos dão pistas acerca dos conhecimentos a serem trabalhados na escola. As competências e habilidades, tanto as gerais quanto as específicas, são expressas em verbos de ação: ações sobre (ou a partir de) conhecimentos, habilidades, atitudes ou valores. Entretanto, o pressuposto não explicitado pela BNCC/EM é a necessidade do ensino, isto é: para desenvolver as competências a condição sem a qual não se segue o efeito (a capacidade de) é a oferta dos conhecimentos (conceitos, teorias) a partir dos quais é possível o exercício/atividade escolar (procedimentos), a fim de que os(a) alunos(as) tenham a oportunidade de desenvolver habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais). Portanto, a condição sine qua non para o desenvolvimento de habilidades e competências é a garantia do acesso aos conhecimentos, espaços e tempos escolares: ao direito à aprendizagem e ao desenvolvimento desde a escola; as capacidades de movimentar e aplicar tais conhecimentos surgem como efeitos, consequência da aquisição daquilo que é necessário para a mobilização e a aplicação.

A BNCC recorre a LDBEN/1996, inciso IV do artigo 9º, para marcar a referência aos termos ‘competência’ e ‘habilidades’ a fim de justificar a proposta de competências’ como similar a ‘direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento’ – conforme havia determinado o PNE (2014-2024) e a partir dos quais as versões anteriores foram construídas. A redação é a seguinte:

IV – estabelecer em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum (1996, Apud BRASIL, 2018, p. 10, grifo do autor).

É com base nessa proposição que a BNCC expressa a interpretação de seus(as) redatores(as) acerca do que a LDBEN/1996 determinou para a BNCC: que os conteúdos curriculares são meios para o desenvolvimento das competências e, por isso, “[...] a LDB orienta a definição das aprendizagens essenciais, e não apenas dos conteúdos mínimos a ser ensinados.” (BRASIL, 2018, p. 11). Esse é o marco legal apresentado pela BNCC para estabelecer ‘competências gerais’ para a educação básica ao invés de ‘direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento’. Nesse sentido, o professor Edgar Lyra (2017)19, que foi assessor da Secretaria de Educação Básica do MEC na elaboração da área de Ciências Humanas na construção das versões de 2015 e 2016, em entrevista concedida à Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia, pontua que a única menção historicamente posta na LDBEM/1996 acerca do termo ‘competência’, utilizada pela redação da BNCC (2018) é o artigo 9º em seu inciso IV, que combina ‘competências’ com ‘diretrizes’, portanto, registra o professor:

Não passe sem registro que todas as outras ocorrências específicas do termo na Lei de Diretrizes e Bases, por exemplo, combinado no termo competências e habilidades, foram introduzidas pela MP 746/2016 ou pela Lei 13.415/2017. A linguagem das competências, bem entendido, é uma linguagem dos PCNS, não do PNE ou historicamente da LDB, trazida para esta última somente pelo novo governo. (LYRA, 2017, meio eletrônico).

Uma rápida leitura do sumário nos possibilita perceber que a organização das etapas não segue um padrão. Para a educação infantil encontramos a proposição de ‘direitos de aprendizagem e desenvolvimento’ a serem garantidos pelos currículos da etapa; são eles: conviver, brincar, participar, explorar, expressar, conhecer-se. Para garantir tais direitos, a estrutura curricular é organizada em cinco ‘campos de experiência’: O eu, o outro e o nós; Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons, cores e formas; Escuta, fala e imaginação; Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Para o ensino fundamental, a BNCC apresenta ‘competências’ específicas para cada uma das cinco áreas do conhecimento propostas para a etapa (Linguagens; Matemática; Ciências da Natureza; Ciências Humanas; Ensino Religioso), bem como ‘competências’ específicas para cada componente curricular das áreas do conhecimento. Além disso, apresenta também: unidades temáticas ou práticas (de linguagem, exclusivamente), objetivos de conhecimento e habilidades para cada componente curricular (Língua Portuguesa; Arte; Educação Física; Língua Inglesa; Matemática; Ciências; Geografia; História; Ensino Religioso).

Já a estrutura do ensino médio e as proposições para a etapa na BNCC/2018 difere radicalmente da estrutura e proposições apresentadas e discutidas nas versões anteriores. As áreas do conhecimento que compõe a etapa têm nomenclaturas distintas das do ensino fundamental e das que foram apresentadas nas versões precedentes. As quatro áreas do conhecimento do ensino médio seguem a nomenclatura empregada pela Lei 13.415/2017(BRASIL, 2017). São elas: Linguagens e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Trata-se de uma mudança qualitativa, o resgate da terminologia ‘e suas tecnologias’ quer acentuas a dimensão pragmática e utilitarista dos conhecimentos, como só tivesse razão de estar no currículo da escola o rol de conhecimentos com valor imediato para a vida social. Outra diferença é a proposição de apenas dois componentes curriculares obrigatórios nas três séries da etapa: Língua Portuguesa e Matemática, para os quais há a proposição de habilidades e competências específicas. Não há proposição específica para os demais componentes historicamente presentes no currículo do ensino médio.

A BNCC/EM apresenta os temas, competências e habilidades na perspectiva das áreas do conhecimento que a compõe. Essa organização expressa, também, a política de flexibilização dos conteúdos de ensino, dos conhecimentos históricos e socialmente referenciados, pois o centro da proposta é o desenvolvimento de competências muito genéricas e não, necessariamente, a aquisição desse ou daquele conhecimento, que eram oferecidos desde as disciplinas escolares. Na área das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (CHSA), por exemplo, a BNCC/EM apresenta (11) categorias conceituais/temáticas como o conjunto das aprendizagens essenciais de direito dos e das estudantes do ensino médio. Elas são aglutinadas em 4 grupos: Tempo e Espaço; Território e Fronteira; Indivíduo, Natureza, Sociedade, Cultura e Ética; Política e Trabalho. Essas categorias expressam timidamente o que restou dos conteúdos de ensino das ciências humanas. Elas reaparecem nas habilidades e competências da área, ou melhor: são mobilizados por elas. Para as CHSA, a BNCC/EM prescreve seis (6) competências específicas e para cada uma delas um conjunto de habilidades, somando 32 ao total.

Nessa configuração, resta aos professores e professoras garimpar elementos para suas práticas de ensino nas habilidades, competências e temas da área de conhecimento a que pertencem.

A BNCC/EM reafirma a ‘flexibilidade’ como princípio obrigatório na organização curricular do ensino médio (independente se for por área, componentes curriculares, centros de interesse, projetos ou qualquer outra possibilidade). O texto aciona o Parecer CNE/CEB nº 5/2011 para justificar tal princípio com base na “[...] necessidade de ‘romper com a centralidade das disciplinas nos currículos e substituí-las por aspectos mais globalizadores e que abranjam a complexidade das relações existentes entre os ramos da ciência no mundo real’ [...]”. (BRASIL, 2018, p. 479). Para tanto, a BNCC/EM aciona Resolução CNE/CEB nº 3/2018 e sugere aos professores e professoras que adotem abordagens metodológicas que favoreçam o protagonismo dos(as) estudantes e a contextualização e relação dos conteúdos de ensino entre si e em relação as vivências no mundo social contemporâneo (BRASIL, 2018, p. 2018).

Em suma, a BNCC/EM (2018) apresenta uma outra proposta político-pedagógica para a formação básica, especialmente para o ensino médio, cuja finalidade é o desenvolvimento de competências muito genéricas. Retomando a conceituação do termo ‘competências’, no âmbito da BNCC, como capacidade de mobilizar recursos (conteúdos, conceitos, procedimentos, valores, etc.) para resolver demandas e problemas da vida prática, podemos formular uma série de questões que nos permitem questionar uma formação básica, isto é, desde a escola, por competências. Será que é possível em uma formação básica aligeirada (1.800 horas), preparar nossos estudantes para os ‘problemas e demandas da vida’? Será que a BNCC dá conta de prever, em um mundo tão volátil e em constante transformação, quais serão os problemas e demandas que nossas juventudes irão enfrentar? Ela define adequadamente os recursos necessários para nos pedir que nos dediquemos a uma espécie de treinamento de certas competências genéricas de cunho utilitarista/pragmático? Pensando o Brasil, esse é o projeto político-pedagógico adequado? Qual outro lugar, senão na escola, as novas gerações têm contato qualificado com os conhecimentos histórico e socialmente referenciados para que nos dediquemos ao treinamento de competências genéricas pressupondo que nossos(as) jovens tenham os recursos necessários? O contato com as Filosofias, as artes, as ciências? Com o saber elaborado? A final, qual o sentido da escola?

Vamos defender, juntamente com Masschelein e Simons, na obra Em defesa da Escola: uma questão pública (2017), desde a filosofia da educação de Hannah Arendt, que o sentido da escola é a democratização do tempo livre. Tempo Livre para o pensamento, para o estudo e a prática dos conhecimentos e procedimentos que constituem o mundo. Para Arendt (2016), mundo não se confunde com o pragmatismo e utilitarismo da vida social contemporânea, ele é o conjunto dos artifícios humanos, aquilo que a humanidade produziu ao longo do tempo e tem perenidade, poderíamos dizer: no campo da Filosofia, das artes, das ciências, dos seus procedimentos e suas tecnologias. Escola, portanto, é sobre criar o tempo livre dos outros tempos: do tempo da família, da sociedade, do mercado de trabalho, das inúmeras categorias que de antemão dizem até onde os nossos alunos e alunas são capazes de ir, aprender, fazer, ser. Um lugar de potência e experimentação, em que as novas gerações possam ter contato com o que as antecederam e, ao mesmo tempo, liberdade de criar novos começos. Nesse sentido, citamos uma passagem clássica do texto A crise na Educação, de Hannah Arendt:

A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum. (ARENDT, 2016, p. 247).

Preservamos o mundo na medida em que o apresentamos às novas gerações, dando a oportunidade para que conheçam e reconheçam o acúmulo cultural produzido até elas, salvando o mundo de cair no esquecimento e perder-se por falta de memória. Renovamos o mundo pela educação na medida em que garantimos as crianças, jovens e adolescentes a sua natalidade, uma educação que os possibilite experimentarem-se como uma nova geração, isto é, que encontrem a partir do velho, um novo começo. Esse é o papel político, histórico e pedagógico da escola.

A vida das nossas juventudes não termina ao final do Ensino Médio. Há espaço para múltiplas aprendizagens depois da escola, há inúmeras possibilidades e situações para que nossas juventudes sigam aprendendo e se desenvolvendo, adquirindo, desde suas opções de trabalhos e estudos, as competências e habilidades requeridas. Não precisamos de uma escola que antecipe, de modo banal, o mundo da vida prática: educação financeira, declaração de imposto de renda, que exija de nossos jovens que decidam aos 15/16 anos no que se especializar, que carreira seguir sem sequer oferecer o contato qualificado com um mínimo de possibilidades. Nossas juventudes não precisam sair da escola formatados, pré-moldados em um perfil social flexível e facilmente adaptável as mazelas do tecido social. Elas precisam sair da educação básica munidas do mundo: das filosofias, das artes, das ciências, do conjunto de saberes e práticas, com subsídios para sustentar uma existência plena, digna e cheia de sentidos e possibilidades perante as incertezas do porvir. Garantir isso é a nossa responsabilidade pública, política e pedagógica enquanto representantes da geração mais velha.

Uma possibilidade para nós, professores e professoras do ensino médio, diante da política de flexibilização que ocasionou a diluição dos componentes curriculares e conteúdos escolares, é operarmos uma leitura das competências e habilidades propostas pela BNCC/EM para as nossas respectivas áreas de conhecimento a fim de garimparmos ali, nas habilidades e competências, subsídios, pistas, elementos que possam nos auxiliar a ocuparmos o espaço curricular de nossas disciplinas no contexto do novo ensino médio. Podemos citar como exemplo uma iniciativa do Grupo de Trabalho Filosofar e Ensinar a Filosofia, da Associação de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF), na carta aberta intituladaSem Filosofia não tem Base (2021)20, em que seus emissários(as), a partir da crítica ao documento, analisam as competências gerais da BNCC e as competências da área das CHSA para demonstrar a presença da Filosofia, alguns elementos possíveis para os(as) professores(as) da disciplina reconstruírem suas práticas no contexto pós-BNCC/EM. Nesse mesmo sentido, no contexto de nossa dissertação (BUGS, 2021), pensando as incidências da BNCC/EM sobre o componente curricular Filosofia, analisamos algumas das habilidades específicas da área de Ciências Humanas e Sociais aplicadas apontando possibilidades, mostrando que apesar da diluição de seus conteúdos e flexibilização do componente, há elementos que podem ser tomados para defender e sustentar a presença do Ensino da Filosofia no novo ensino médio, mesmo em um contexto tão adverso.

Considerações finais

Até aqui oferecemos uma breve incursão pelo processo histórico de construção da BNCC, passando rapidamente pelos textos das versões que constituíram o processo e resultaram na BNCC/EM (2018). Esse percurso nos possibilitou afirmar que tal processo foi marcado por conflitos políticos mais amplos que influenciaram diretamente na construção do documento, mudando radicalmente a tônica da BNCC em sua versão final.

Inicialmente, houve um deslocamento gradual e sutil no conteúdo da BNCC entre suas primeiras versões, marcado pela introdução da noção de ‘objetivos de aprendizagem’, oriunda do PNE (2014-2024), que foi acrescida a proposição inicial de ‘direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento’. Na sequência, marcamos o deslocamento mais drástico dessa história: o abandono do projeto construído nas versões precedentes para dar lugar a BNCC das competências e habilidades. Esse deslocamento radical foi possível, como marcamos anteriormente, como efeito da ruptura do Estado Democrático de Direito, no processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016, que ocasionou a mudança da equipe que conduzia o processo de elaboração da BNCC na troca de gestão do Ministério da Educação, impôs a reforma do ensino médio (MP 746/2016) e sua posterior instituição (Lei 13.415/2017), e atualização, sem discussão, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio de 2018.

Portanto, embora se possa dizer que a BNCC/EM (2018) tem legalidade, pois é amparada por um conjunto de dispositivos da legislação educacional que lhe atribuem o caráter normativo de prescrever a política curricular nacional, nós podemos, desde a ruptura em seu processo de construção e o deslocamento que trouxe para o centro do documento a formação por competências, questionar sua legitimidade. O projeto educacional centrado em competências e habilidades é bastante discutível, pois as forças em movimento no campo político, na ocasião da ruptura no Estado Democrático de Direito, mudaram as regras do jogo e forjaram as condições materiais que garantiram, no curso de construção do documento, a mudança drástica em seu conteúdo, dando continuidade ao trabalho da Lei 13.415/2017 em recuperar o projeto educacional dos anos 1990.

Se a BNCC/EM (2018) que temos não foi o documento discutido amplamente desde a consulta pública, então, temos, no mínimo no campo moral, o direito de resistir a ela. Portanto, considerando a natureza normativa da BNCC, que os(as) professores(as) em exercício na Educação Básica, de uma maneira ou outra estão sendo responsabilizados por implementá-la, seja em seus planejamentos, práticas ou relatórios de ensino, a resistência a que convidamos se vale da sabedoria do surfista da qual o professor Charles Feitosa nos fala no texto Revolução, revolta e resistência: a sabedoria dos surfistas. Nesse texto, o professor pensa a resistência para além das noções de revolução e revolta, resistência “(...) que não seja mais um resistir contra algo, mas um re-insistir.” (2007, p. 25-26). Desde Nietzsche e Deleuze, Feitosa (2007) aproxima a resistência ao ato de criar artisticamente como forma de reagir diante do mundo, do real, dizendo, inevitavelmente, sim e não ao ter que encará-lo.

Uma maneira de construirmos essa resistência é insistirmos naquilo que a BNCC/EM insistiu em deixar à margem do processo educacional: resgatarmos os conteúdos e reconstruirmos o lugar das disciplinas escolares, oferecermos aos nossos alunos e alunas a herança histórica que lhes é de direito, munindo as nossas juventudes dos conhecimentos que significam o mundo para que tenham as mínimas condições de construir uma vida emancipada. Para tanto, precisamos construir as nossas subversões para que a norma não nos imobilize, fazendo das nossas práticas na docência (ou na pesquisa) um reduto de resistência, de subversões da versão oficial. Pensar essas práticas de liberdade na escola não nos impede, no campo das disputas políticas, de seguirmos pautando a revogação da reforma do ensino médio e a revisão da BNCC, que é prevista, inclusive, pela resolução que a instituiu. Não se trata, portanto, de defender a aceitação e implementação ingênua da norma, mas de um convite ao pensamento para construirmos possibilidades desde a norma, nos contextos institucionais que nos obrigam a encará-la, e para além dela em vistas da possibilidade próxima de mudanças no cenário da política educacional vigente.

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LÝRA, E. BNCC: para professor Edgar Lyra, formação básica não deve ter o mercado de trabalho como termo. [Entrevista cedida a] ANPOF. 2017. Disponível em: http://anpof.org/portal/index.php/en/2014-01-07-15-22-21/entrevistas/1139-bncc-para-professor-edgar-lyra-formacao-basica-nao-deve-ter-o-mercado-de-trabalho-como-termo. Acesso em: 26 abr. 2022.

MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública. Tradução Cristina Antunes. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

SILVA, I. L. F.; NETO, H. F.A.; VICENTE, D. V. A proposta da Base Nacional Comum Curricular e o debate entre 1988 e 2015. Ciências Sociais Unisinos, v. 51, n. 3, set./dez., p. 330-342, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.4013/csu.2015.51.3.10. Acesso em: 26 abr. 2022.

Notas

3 Os enunciados ‘formação básica comum’, ‘conteúdos mínimos’ e ‘direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento’, que dizem da expectativa expressa pela legislação acerca do conteúdo de um documento de base nacional para (re)formulação de currículos, bem como bem como a prescrição em relação ao modo como ele deveria ser construído, aparecem no artigo 210 da CF/1988, no artigo 22 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e no Plano Nacional de Educação (2014-2024) em suas metas 2 e 7, mais especificamente das estratégias 2.1, 2.2 e 7.1.
4 Ao assumir a problematização como uma atitude analítica, afastamo-nos da pretensão de realizar, neste artigo, uma genealogia da BNCC, antes, tratou-se de dar os primeiros passos, em um nível muito preliminar e superficial, em direção a uma genealogia da BNCC/EM – ainda a ser feita. Para uma explicação detalhada do modo como operamos com o conceito problematização, sugerimos a leitura do capítulo II da dissertação: A Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (2018): implicações para o Ensino da Filosofia, defendida em 2021, de nossa autoria, disponível no seguinte link: https://repositorio.ufsm.br/handle/1/23625. Acesso em 14 de abr. 2022.
5 No preambulo do documento pode-se ler os nomes e instituições de origem dos mais de 70 especialistas/educadores(as) colaboradores (as) que o elaboraram. O histórico de construção da BNCC com os marcos legais que a sustentam, disponível no site do MEC, não registra a versão preliminar de 2014. O documento pode ser acessado no link a seguir: https://drive.google.com/file/d/18u1DfxNFeb-rJvBLoS2x1RdM-eq-w31p/view?usp=sharing. Acesso em 14 mai. 2021.
6 O Partido da Social Democracia Brasileira acionou o Supremo Tribunal Eleitoral a fim de estabelecer uma auditoria para verificar a lisura do processo eleitoral de 2014, foi constatado que não houve nenhuma fraude.
7 Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Campinas (UNICAMP). O registro mencionado no texto foi feito no blog Avaliação Educacional – Blog do Freitas; endereço: https://avaliacaoeducacional.com/2018/06/08/bnc-alternativa-sera-entregue-ao-cne/. Acesso em: 19 abr. 2022.
8 Em seu blog, o professor Luiz Carlos Freitas publica outros textos em que comenta esse ‘abandono’ em termos de um boicote e silenciamento da versão preliminar de 2014 construída nas gestões anteriores pelo GT-DiAD. A respeito disso, ver: https://avaliacaoeducacional.com/2015/07/20/documento-silenciado-pela-seb/. Acesso em: 19 abr. 2022. Ver também: https://avaliacaoeducacional.com/2018/06/07/uma-outra-bncc-e-possivel-atualizado/. Acesso em: 19 abr. 2022.
9 A linha do tempo registra algumas proveniências da BNCC, momentos na história recente da educação brasileira em que se mencionou a necessidade de um documento de referência curricular nacional, até o momento de sua emergência, mas oculta ou negligencia a versão preliminar de 2014. Ver: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/historico. Acesso em 19 abr. 2022.
10 A equipe mencionada foi instituída pela Portaria do Ministério da Educação nº 592, de 17 de junho de 2015. Para mais detalhes acerca da mesma, ver o ato normativo disponível no link a seguir: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=21361-port-592-bnc-21-set-2015-pdf&Itemid=30192. Acesso em 19 abr. 2022.
12 Os pareceres podem ser encontrados em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/relatorios-e-pareceres. Acesso em: 19 abr. 2022.
14 O impeachment foi compreendido por parte da sociedade brasileira como um ‘golpe político-institucional e midiático’ que ocasionou uma ruptura no Estado Democrático de Direito. De fato, a luz dos acontecimentos da época e do que vivemos hoje, podemos afirmar que se tratou de um processo bastante duvidoso, de lisura questionável.
15 Os relatórios podem ser encontrados no link a seguir: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/relatorios. Acesso em 19 abr. 2022. Os dados sobre os seminários estaduais podem ser acessados em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/numeros-dos-seminarios. Acesso em 26 abr. 2022.
16 Sobre os seminários regionais: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=57031. Acesso em 19 abr. 2022.
17 Foram realizadas de maio a agosto de 2018, uma em cada região do país. Para conferir o cronograma das audiências públicas com a data, o horário e o local em que aconteceram, ver: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/37551. Acesso em 19 abr. 2022.
18 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-pdf/13677-diretrizes-educacao-basica-2013-pdf/file. Acesso em: 23 abr. 2022.


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