Artigos

Recepción: 15 Julio 2021
Aprobación: 15 Octubre 2021
DOI: https://doi.org/10.54580/R0302.13
Resumo: A pesquisa tem por objetivo analisar o comportamento das finanças públicas no contexto em que ocorreram dois desastres naturais devastadores, nomeadamente, os ciclones IDAI e Keneth. A história destes fenómenos em Moçambique tem deixado tristes lembranças, pois, desde 1980 a 2019 o país foi assolado por 85 desastres naturais. No quesito metodológico recorreu-se à pesquisa documental e bibliográfica que produziram resultados demostrativos indicando o quão exíguas eram as subvenções financeiras alocadas pelo Estado moçambicano para dar resposta a emergência e reconstrução pós-desastre, o que aumentou o nível do endividamento do país no período em análise (2019), onde a dívida pública rondou os 20%. Finalmente, o estudo conclui que a destruição de infraestruturas, perdas de vidas humanas, culturas agrícolas, a preparação limitada e a falta de recursos financeiros inibem ainda mais a capacidade do país de adaptação e de resposta às emergências causadas por estes fenómenos.
Palavras-chave: Finanças Públicas, Desastres Naturais, IDAI e Keneth.
Resumen: La investigación tiene como objetivo analizar el comportamiento de las finanzas públicas en el contexto de dos desastres naturales devastadores, a saber, los ciclones IDAI y Keneth. La historia de estos fenómenos en Mozambique ha dejado tristes recuerdos, ya que de 1980 a 2019 el país se vio afectado por 85 desastres naturales. En el aspecto metodológico se utilizó la investigación documental y bibliográfica, que arrojó resultados demostrativos que indicaron cuán pequeños fueron los subsidios financieros asignados por el Estado de Mozambique para responder a la reconstrucción de emergencia y posdesastre, lo que incrementó el nivel de endeudamiento del país en el período de análisis (2019), donde la deuda pública rondaba el 20%. Finalmente, el estudio concluye que la destrucción de infraestructura, la pérdida de vidas humanas, los cultivos agrícolas, la preparación limitada y la falta de recursos financieros inhiben aún más la capacidad del país para adaptarse y responder a las emergencias causadas por estos fenómenos.
Palabras clave: Finanzas Públicas, Desastres naturales, IDAI y Keneth.
Abstract: The research aims to analyze the behavior of public finances in the context of two devastating natural disasters, namely, the IDAI and Keneth cyclones. The history of these phenomena in Mozambique has left sad memories, as from 1980 to 2019 the country was beset by 85 natural disasters. In the methodological aspect, documentary and bibliographic research was used, which produced demonstrative results indicating how small were the financial subsidies allocated by the Mozambican State to respond to emergency and post-disaster reconstruction, which increased the country's indebtedness level in the period in analysis (2019), where the public debt was around 20%. Finally, the study concludes that the destruction of infrastructure, loss of human life, agricultural crops, limited preparedness and lack of financial resources further inhibit the country's capacity to adapt and respond to emergencies caused by these phenomena.
Keywords: Public Finance, Natural Disasters, IDAI and Keneth.
INTRODUÇÃO
Em muitos países os desastres naturais podem afetar as finanças públicas por meio da diminuição das receitas, em função da redução da capacidade produtiva e da arrecadação de impostos na região atingida, aumento dos gastos relacionados à realização de ações prioritárias de emergência e de reconstrução (Benson e Clay, 2004). Outrossim, podem ter implicações importantes na despesa pública, visto que, concorrem para o aumento dos gastos adicionais, com o intuito de cobrir os custos de reparação e reabilitação de bens públicos, mas também, fornecer apoio às vítimas com elevadas necessidades (Rahman, 2000).
Como se pode refletir, com estes fenómenos, o governo pode ser obrigado a enfrentar pressões orçamentárias crescentes, através do aumento dos níveis de empréstimos externos, opções de financiamento que têm efeitos potencialmente significativos (MunichRe, 2006).
Esta pesquisa tem como principal objectivo analisar o comportamento das finanças públicas moçambicanas no ano de 2019, a quando da ocorrência de dois desastres naturais devastadores, nomeadamente, Ciclones Idai e Keneth. Do mesmo modo, foram eleitos os seguintes objetivos específicos: (i) apresentar a história contemporânea dos desastres em Moçambique; (ii) mapear os impactos fiscais, financeiros e socioeconómicos dos Ciclones Idai e Keneth; (iii) verificar o comportamento da despesa, receita pública e endividamento público em 2019.
REVISÃO DA LITERATURA
Finanças Públicas
De acordo com Gruber (2011), em termos mais simples, as finanças públicas são o estudo do papel do governo na economia. Esta é uma definição muito ampla que envolve responder às quatro questões importantes:
· Por que o governo deveria intervir na economia?
Por que o governo deveria intervir na economia?
Como o governo pode intervir?
Qual é o efeito dessas intervenções nos resultados económicos?
Por que os governos optam por intervir da maneira que fazem?
Como disciplina, as finanças públicas, ou economia pública ou economia do sector público, tem uma natureza interdisciplinar pois situa-se na confluência das abordagens da ciência económica, da ciência política e do direito. O seu objeto de estudo é comum ao da economia na medida em que considera, no âmbito do sector público, as questões económicas fundamentais: O que produzir? Como produzir? E para quem produzir? Isto é, o problema de saber que recursos devem ser usados na produção de bens privados e quais deverão ser utilizados na produção de bens públicos, qual a melhor forma de produzir e financiar estes bens e, finalmente, quem deverá beneficiar da sua produção (Pereira et al., 2016). Para estes autores, o estudo das finanças públicas deverá atender aos seguintes aspetos:
Nessa perspetiva, entende-se que as finanças públicas estão associadas ao estudo da aquisição e utilização de meios financeiros pelas coletividades públicas (de onde sobressai o Estado), ou seja, é a forma como o Estado gere e adquire fundos públicos. O Estado tem as suas finanças porque precisa de fazer despesas com a produção de bens. Por conseguinte, se o Estado tem as suas finanças, e se as tem em virtude de despesas com a produção de bens, é porque as finanças se destinam a satisfazer as necessidades coletivas.
DESASTRES NATURAIS
A literatura que versa sobre os desastres naturais investe algum esforço sistematizado para alertar que se alguma coisa não for feita para reduzir a poluição do ambiente e investir na resiliência, o futuro do mundo e das gerações está em risco, visto que, o número de secas, inundações, tempestades, ciclones, terramotos e maremotos vai crescer significativamente. Pode-se indicar alguns exemplos desta literatura especializada: Rahman (2000), MunichRe (2006), Wisner et al. (2004) e Masato et al. (2006). Feita essa preocupante introdução, urge responder a questão: o que são desastres naturais?
Desastres naturais são uma área de pesquisa multidisciplinar e de análise de políticas públicas. Existe, portanto, um problema de discurso, porque termos básicos na linguagem da pesquisa e prática de desastres como: perigo, desastre, vulnerabilidade e risco são aparentemente comuns, mas geralmente reflectem subtis diferenças de conceptualização entre cientistas naturais, cientistas sociais e profissionais. Esse problema do discurso é comum na maioria das questões de desenvolvimento (Rahman, 2000). Embora os desastres tenham cobrado seu preço ao longo da história, há fortes indícios de que eles se tornaram mais frequentes e graves nas últimas décadas e que essa tendência deve continuar no período à frente (MunichRe, 2006). Em parte, esse é o resultado de uma crescente concentração da população em áreas vulneráveis (Wisner et al., 2004). Mas também pode refletir um processo de mudanças nos padrões climáticos, em particular associados ao aumento das temperaturas da superfície global, que parecem ter causado um aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos adversos, como furacões, inundações e secas.
Fica claro para Masato et al. (2006), que os desastres de origem natural podem estar relacionados com a dinâmica interna ou externa da Terra, ou seja, eventos ou fenómenos internos causados pela movimentação das placas tectónicas, que têm reflexo na superfície do planeta (terramotos, maremotos, tsunamis e atividade vulcânica); ou de origem externa gerada pela dinâmica atmosférica (tempestades, tornados, secas, inundações, vendavais, etc.)
Em termos de conceptualização, um desastre natural é a ocorrência de um risco anormal ou pouco frequente que afeta comunidades ou áreas geográficas vulneráveis, causando danos substanciais, interrupções e possíveis vítimas e deixando as comunidades afetadas incapazes de funcionar normalmente. Do ponto de vista económico, um desastre implica uma combinação de perdas em termos de capital humano, físico e financeiro e uma redução na atividade económica, como renda e investimento, consumo, produção e emprego na economia "real". Também pode haver impactos graves em termos de fluxos financeiros, como receitas e despesas de órgãos públicos e privados (Freeman et al., 2003). Na visão de Masato et al. (2006), as inundações, escorregamentos, secas, furacões, entre outros, são fenómenos naturais severos, fortemente influenciados pelas características regionais, tais como, rocha, solo, topografia, vegetação, condições meteorológicas. Quando estes fenómenos intensos ocorrem em locais onde os seres humanos vivem, resultando em danos (materiais e humanos) e prejuízos (socioeconómico) são considerados como “desastres naturais”.
A literatura sobre gestão de desastres geralmente distingue desastres rápidos no local, como tempestades ou terramotos, que causam perda imediata e perturbações ou eventos lentos como a seca. Por exemplo, Masato et al. (2006), sublinham que os desastres são normalmente súbitos e inesperados, de uma gravidade e magnitude capaz de produzir danos e prejuízos diversos, resultando em mortos e feridos. Portanto, exigem ações preventivas e restituidoras, que envolvem diversos sectores governamentais e privados, visando uma recuperação que não pode ser alcançada por meio de procedimentos rotineiros.
Assim, um desastre natural, seria a correlação entre um fenómeno natural perigoso (terramoto, furacão, maremoto, etc.) e determinadas condições socioeconómicas e físicas vulneráveis (como uma situação económica precária, habitações mal construídas, solos instáveis, etc.). Em outras palavras, poderíamos dizer então que há uma alta situação de risco de desastre se um ou mais fenómenos naturais perigosos ocorrerem em situações vulneráveis (Monteiro e Pinheiro, 2012).
METODOLOGIA
Com recurso às estatísticas oficiais, os relatórios do Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA), o Orçamento do Estado (OE) de 2019, o Relatório do Risco Fiscal e Relatório das Dívidas Públicas para 2019 do Ministério da Economia e Finanças (MEF) e a Conta Geral do Estado Produzida Pelo Tribunal Administrativo (TA), foi operacionalizada esta pesquisa. Assim como, priorizou-se uma pesquisa bibliográfica para efeitos de construção duma análise sistematizada na revisão da literatura, cujos temas foram os desastres naturais e finanças públicas, tendo como suporte os livros e artigos científicos relevantes.
Segundo Gil (2008), a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.
No que concerne ao método, priorizou-se o método de abordagem indutivo. Conforme referenciou Freitas e Prodanov (2013), no raciocínio indutivo, a generalização deriva de observações de casos da realidade concreta e as constatações particulares levam à elaboração de generalizações. Nessa lógica, a partir dos ciclones IDAI e Keneth que devastaram algumas regiões de Moçambique e do comportamento das finanças públicas no ano de 2019, foi possível chegar a conclusões gerais sobre os principais desafios do país em todos os anos em que ocorrem os desastres naturais.
Em termos de procedimentos, usou-se o método de procedimento estatístico, que permitiu produzir percentagens e trabalhar com números que demostraram a tendência das despesas, receitas públicas, endividamento público, perdas financeiras, humanas e infraestruturais provocadas pelos ciclones que foram objecto desta análise.
Para Marconi e Lakatos (2003), o método estatístico significa a redução de fenómenos sociológicos, políticos, económicos etc. a termos quantitativos e a manipulação estatística, que permite comprovar as relações dos fenômenos entre si, e obter generalizações sobre sua natureza, ocorrência ou significado.
O pacote informático usado para compilar a informação numérica e produzir dados sistematizados foi o Microsoft Excel 2010.
RESULTADOS
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DOS DESASTRES EM MOÇAMBIQUE
Moçambique é um país com uma elevada frequência, alternância e intensidade de eventos extremos, sobretudo ciclones, cheias, secas, epidemias e Sismos. A vulnerabilidade do País a estes eventos resulta da sua localização a jusante de nove rios internacionais, da existência de zonas sísmicas ativas, de zonas áridas e semiáridas e ainda pelo facto do Pais possuir uma extensa zona costeira que sofre a influência de ciclones tropicais e de perdas e ganhos excessivos de humidade (Governo de Moçambique, 2018).
Nas últimas três décadas, verificou-se em Moçambique uma subida tanto na frequência como na intensidade dos desastres naturais, sendo os mais frequentes as secas, inundações e ciclones tropicais (Queface, 2009). O clima de Moçambique sofre a influência dos anticiclones subtropicais do Oceano Índico, da zona de convergência intertropical, depressões térmicas da África Austral e passagem de frentes frias no sul do País. Em consequência, o clima é extremamente variável, com influência na precipitação. As bacias hidrográficas com maiores riscos de inundações de impactos sociais e económicos severos são as do Limpopo, Incomáti e Save (no Sul) e Búzi, Pungue, Zambeze e Licungo (no Centro). Para além das bacias, algumas cidades do País, como é o caso da Beira, têm estado expostas a inundações regulares, devido à falta de sistemas de drenagem adequados, ou devido à falta de um plano adequado de ordenamento do uso do espaço físico (Federação Internacional das Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, 2012). Desde 1980 a 2019 Moçambique foi atingido por 27 cheias, 12 secas, 20 ciclones tropicais e 28 epidemias (incluindo a SARS-Cov-2), totalizando 87 desastres naturais (Conferir a figura 1).

Reparando para os desastres naturais ocorridos de 1990 à 2019, constata-se que Moçambique localiza-se numa zona propensa a esses fenómenos naturais. Assim sendo, dos eventos climáticos representados no quadro 1, fica evidente que os locais frequentemente afetados (Nampula, Zambézia, Sofala, Manica, etc.) são também zonas com boas condições agro-ecológicas e onde a agricultura constitui a principal atividade das famílias. As províncias centrais têm sido as mais propensas a cheias e ciclones tropicais, enquanto as do sul, mais afetadas pela seca.

Em termos de resposta institucional do Governo de Moçambique, destaca-se:
No ano de 2006, o Governo aprovou o Plano Diretor de Prevenção e Mitigação das Calamidades Naturais (PDPMCN) para um período de 10 anos (2006-2016);
Ao abrigo do disposto no Artigo 12 da Lei nº15/2014 (Lei de Gestão de Calamidades), o Governo elabora anualmente Planos de Contingência para a mitigação e gestão do risco de desastres que contempla intervenções intersectoriais para uma rápida resposta e recuperação resiliente pós-desastres;
Aprovação do Plano Diretor para a Redução do Risco de Desastres em Moçambique para o período 2017-2030, que tem como visão garantir que a população, os seus meios de vida e saúde e as infraestruturas públicas e privadas se tornem resilientes aos eventos estremos e aos efeitos das mudanças climáticas e com uma cultura consolidada de prevenção, prontidão, resposta e recuperação.
Entre os parceiros de cooperação multilateral, o Programa Mundial de Alimentação (PMA), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Programa das Nações Unidas para o Assentamento Humano (UN HABITAT), a Organização das Nações Unidas para Agricultura (FAO), a Organização Internacional de Migração (OIM) e o Fundo das Nações Unidas para População (UNFPA) participaram ativamente na implementação do Plano Diretor de Prevenção e Mitigação das Calamidades Naturais (PDPMCN) desde o primeiro momento (Manjoro et al., 2019).
Impactos fiscais, financeiros e económicos dos ciclones idai e keneth: O Ciclone tropical Kenneth ocorreu em abril de 2019, causando 45 mortes humanas, 18.000 deslocados e cerca de 374.000 pessoas diretamente afetada. Em termos financeiros e económicos, estima-se que os danos tenham atingido $100 milhões de dólares americanos. No caso do ciclone Idai ocorrido em Março de 2019, foi o mais severo, pois, causou 603 mortes, 400.000 deslocados, 1.8 milhões de pessoas afetadas e no âmbito financeiro, um dano de aproximadamente $773 milhões de dólares americanos e cerca de 700.000 Hectares de terras agrícolas foras destruídas (Conferir a figura 2).

Pela passagem do ciclone IDAI, ficaram assoladas cinco (5) províncias nomeadamente, Inhambane, Manica, Sofala, Tete e Zambézia onde cerca de 684.171ha de culturas diversas e afetando a mais de 433.056 famílias. Portanto, as províncias mais afetadas foram Manica e Sofala, representando cerca de 84% das perdas e prejuízos do sector agrário dessas regiões.
Os dados do Ministério de Agricultura e Segurança Alimentar (MASA, 2019), demostraram que o IDAI criou muitas perdas nas principais culturas agrárias, pois, estima-se que das áreas afetadas, o milho representa 65%, hortícolas diversas (9%), arroz (8%), feijões (7%), amendoim (6%) e outras culturas (5%). No subsector do cajú, um dos que contribui para o crescimento das exportações de Moçambique, os dados apontam para uma redução da capacidade de produção de mudas de cajueiros nos viveiros das províncias de Sofala e Manica, tendo afetado cerca de mudas. Em relação aos viveiros, ficaram destruídos 07 viveiros, sendo em Manica (1), Sofala (4) e na Zambézia (2), consoante o quadro 2 destaca.

Para o caso do subsector da pecuária, os dados apontam para perda de centenas de cabeças de gado bovino, milhares de pequenos ruminantes e produção de frangos comprometida. (Conferir o quadro 3).

No subsector da irrigação, ficaram afetados cerca 35.117 hectares infraestruturados, sendo 3.262 hectares do sector público e 31.855 hectares do sector privado. As culturas mais afetadas nos sistemas irrigados são a cana-de- açúcar, hortícolas diversas, arroz e fruteiras.
Na mecanização agrária foram afetados na província de Sofala 28 tratores, sendo nos distritos de Búzi (24) e Nhamatanda (04).
Para o caso do sector de saúde, a área de infraestruturas foi severamente afetada pela passagem do ciclone IDAI, note-se que, de um total de 94 unidades sanitárias sofreram vários graus de danos, dos quais 4 foram completamente destruídos e 90 foram parcialmente danificados, incluindo seus equipamentos, móveis, medicamentos essenciais e suprimentos médicos. Estima-se que 14% da infraestrutura de saúde nas províncias afetadas sofreram os danos – particularmente a província de Sofala (a destacar a cidade da Beira), seguida pelas províncias de Manica, Tete, Zambézia e Inhambane (PDNA, 2019).
No que concerne ao desempenho macroeconómico, a Taxa de Crescimento real da economia moçambicana em 2018 foi 3.3%, no entanto, a previsão da Lei orçamental de 2019 era uma evolução para 4.7%. Com o ciclone IDAI, houve uma atualização da previsão com um ligeiro decréscimo para 3.8% por parte do Governo de Moçambique, por conseguinte para o FMI o crescimento baixou para 1.8%. Na fase pós-IDAI o Governo baixou novamente a previsão do crescimento para 2.5% (conferir o quadro 3).
Observando para a inflação, há um crescimento assinalável neste índice do preço do consumidor, demostrando a elevação do custo de vida devido aos desastres naturais, na medida em que em 2018 a previsão era de 3.9%, em 2019 na ordem de 6.5%, em Março a quando da ocorrência do ciclone IDAI manteve-se 6.5%, contudo, o FMI atualizou a inflação para 8%, mais tarde o Governo atualizou a sua previsão pós-IDAI, subindo para 7%, da mesma forma que o quadro 4 ilustra.

Os sectores económicos mais afetados mereceram uma revisão em baixa em relação ao crescimento económico (Conferir o quadro 5), a destacar:
Na agricultura, o Orçamento de Estado para 2019 planificou um crescimento de 5.5%, mas em Marco devido ao ciclone IDAI baixou para 4.0%, no entanto, apos a revisão orçamental baixou-se para 2.0%, quase metade;
No sector de Comercio e Serviços de Reparação, a Lei do Orçamento do Estado previu um crescimento de 2.6%, em Março subiu para 3.0% e finalmente, a revisão pós-IDAIaz foi em baixa para 1.0%; e
O sector de Transporte, Armazenagem e Informações e Comunicações, teve uma previsão de 2.8% na Lei do Orçamento do Estado, em Março cresceu para 4.0 e depois do IDAI baixou para 2.0%. O fraco desempenho registado neste sector, foi influenciado negativamente devido as chuvas torrenciais que desabaram a maioria dos postes de rede móvel na zona centro. E no ramo de transporte rodoviário sendo de destacar os seguintes fatores:
Redução do tráfego de passageiros que usam o meio rodoviário devido ao efeito de chuvas torrenciais caídas, que provocaram interrupção temporária do tráfego na estrada Número 6; e
Falta de energia elétrica que se fez sentir na cidade da Beira que implicou uma paralisação do processo de carga e descarga de mercadorias no Porto da Beira.

De acordo com a Avaliação das Necessidades Pós-Desastre-PDNA (2019), estima- se que as perdas do sector saúde e nutrição em termos de esforços de resposta a desastres e fluxos económicos perdidos sejam de US $108.800.000. Nesse sentido, o sector de saúde e nutrição exigiria pelo menos US $ 202,4 milhões para a recuperação, incluindo a melhor reconstrução para garantir a resiliência. Deste montante, cerca de US $ 117 milhões são necessários para intervenções dentro de 12 meses, enquanto US $ 51,2 adicionais serão necessários para sustentar os ganhos até três anos e mais US $ 34,2 milhões para fortalecer os sistemas e construir com resiliência ao longo de um período de cinco anos.
De acordo com o MEF/DGR (2020), as projeções do crescimento económico para 2019 mudaram com os desastres naturais, alterando o cenário para o médio prazo num desvio de 2,2 pontos percentuais abaixo das projeções iniciais (Conferir a figura 3).

A redução do crescimento económico tem implicações na projeção dos indicadores macrofiscais e a sustentabilidade das finanças públicas a médio prazo. A diferença de 2,5 pontos percentuais no crescimento económico, em 2019, poderá resultar numa perda de receitas do Estado estimada entre 18,4 a 22,51 mil milhões de MT com pressões na despesa pública e implicações nas necessidades de financiamento (MEF/DGR, 2020).
Em termos sectoriais, o relatório do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC, 2019), secundado pelo Relatório de Riscos Fiscais 2020 do MEF/DGR (2020), indicava que o impacto dos ciclones induziu a redução do crescimento no sector da agricultura para 2,0% em 2019, comparado com 3,5% em 2018. No sector da indústria espera-se que o crescimento seja mantido em torno de 4,5% até 2019, compensado pela contribuição do sector extrativo combinado com o esperado efeito positivo sobre o sector de energia elétrica e reconstrução de infraestrutura. O crescimento do sector de serviços deverá desacelerar para 1,7% em 2019, devido à destruição de infraestrutura nos sectores de transportes, comunicações, comércio e turismo.
DISCUSSÃO
O Governo de Moçambique tem pautado por ações proactivas de prevenção e redução dos impactos dos desastres no país, contudo, isso tem implicado a implementação anualmente dum Plano de Contingência que deve ser suportado pelo Orçamento do Estado, conforme prevê o Artigo 12 da Lei nº 15/2014 (Lei de Gestão de Calamidades).
Os recursos aplicados acabam afetando negativamente no alargamento da base tributária, pois, acabou sendo normalizada uma verba incomum no Orçamento que deve ser suportado pelas receitas públicas, por exemplo, segundo o Plano Anual de Contingência para 2019, aprovado pela 36ª Sessão Ordinária do Conselho de Ministros, aos 20 de Novembro de 2018 (p. 8), o Governo inscreveu na proposta do Orçamento do Estado para 2019 cerca de 206 milhões de Meticais para o Plano de Contingência, mesmo assim reconheceu o défice astronómico de 1.1 mil milhões meticais que necessitavam de ser mobilizados para operacionalização deste instrumento.
Em relação aos riscos fiscais provocados pelos desastres naturais, o Gabinete de Gestão de Risco do Ministério das Finanças de Moçambique (GGR/MEF, 2020), indica que os desastres naturais são um risco fiscal quando subestimam as necessidades de financiamento para um determinado ano fiscal. Por exemplo, em 2019, o impacto dos ciclones IDAI e Kenneth foi estimado em 3,2 mil milhões de dólares, pois, causaram danos materiais estimados em cerca de 20,17% do PIB, custos superiores ao ano de 2017, que era de 800 milhões de meticais. Deste modo, os desastres naturais têm efeitos económicos e sociais consideráveis, com grandes implicações para o financiamento do Estado. Do ponto de vista de gestão orçamental, os riscos fiscais relacionados com os desastres naturais representam passivos contingentes implícitos. Muitas vezes, os custos diretos são as operações de apoio a recuperação e os esforços de reconstrução. Os custos indiretos incluem a perda de receitas do Governo (impostos) devido à redução da atividade económica.
Quando analisamos o comportamento do Orçamento do Estado (OE) que prevê as receitas que deveriam ser arrecadadas e respetivas despesas, bem como a Conta Geral do Estado (CGE) que é elaborada pelo Tribunal Administrativo, tribunal de contas, para avaliar o grau da execução e desvios das dotações orçamentais, é possível observar um desempenho positivo das finanças públicas, pois, as receitas planificadas foram superadas e o gasto público esteve abaixo do planificado, no entanto, se compararmos a capacidade da receita em cobrir as despesas, constata-se a existência dum défice orçamental, tanto na Lei Orçamental, como também na Conta Geral do Estado.

Ao efetuar-se uma leitura entre o planificado pelo Orçamento e o Realizado, tal como descreve o quadro 6, constata-se que os desvios são maiores e desfavoráveis, demandando assim por uma melhor planificação orçamental, de modo a garantir uma previsão que mais se aproxima a realidade.
A dificuldade de previsibilidade e precisão da estimação dos recursos financeiros necessários, remete-nos a perspetiva de que os desastres naturais são factores resultantes de perturbações ambientais que geram muita incerteza, por isso, não podem ser geridos apenas por meio de procedimentos rotineiros das estruturas mecanicistas de planificação do sector público moçambicano, na medida em que, nestas fases críticas tudo tende a ser relativo, os ambientes são menos estáveis e menos previsíveis.
No que concerne a resposta orçamental para o financiamento aos desastres naturais, a figura 2 evidencia que em média, no período de 2013 a 2020 (incluindo o ano da ocorrência do ciclone IDAI, 2019) foi alocado para o Plano de Contingência um valor de 193,6 mil milhões de MT para fazer face aos desastres, para uma necessidade de 207,9 mil milhões de MT, um desvio (défice) de 14,4 mil milhões de MT para fazer a melhor intervenção possível. Contudo, conforme reforça o MEF/DGC (2020), faz sentido assumir-se que a volatilidade das magnitudes dos danos causados pelos desastres dificulta a previsão e precisão na estimação de recursos necessários para a definição de amortecedores fiscais, não só, mas também, o financiamento do Plano de Emergência é feito apenas pelo Orçamento do Estado, apesar dos parceiros de cooperação intervirem diretamente no terreno com ajuda humanitária.
Em relação a execução dos valores planificados no Orçamento do Estado, há uma tendência do valor real disponibilizado para financiar as ações de resposta aos desastres naturais estar abaixo do planificado, exceto ao ano 2019, que devido ao impacto do ciclone IDAI, o valor superou o planificado (Conferir o quadro 6); logo, as alocações de recursos no Orçamento do Estado para a resposta emergencial são sistematicamente insuficientes para cobrir as necessidades estimadas pelo Instituto Nacional de Gestão de Calamidades.

Para além do financiamento público proveniente do Orçamento do Estado através dos Planos Anuais de Contingência, existem outras fontes, tais como, doações, Empréstimos de Emergência, Realocações Orçamentais e Orçamentos de Contingência a que o Estado recorre, mas dificilmente são mapeadas.
De acordo com os dados do Orçamento do Estado para 2019, ao longo dos últimos anos (2016 a 2018), os recursos externos mostraram uma tendência decrescente, conforme se pode depreender na figura 2, no entanto, para o ano de 2019 esperava-se um incremento em 0,9 pontos percentuais do Produto Interno Bruto dos recursos externos quando comparado com o ano de 2018, até que o Ciclone IDAI chegou e assolou o desempenho económico de Moçambique.
Os Relatórios Anuais da Dívida de Moçambique (Ministério da Economia e Finanças-MEF, 2017; MEF, 2018; MEF, 2019; MEF, 2020), demostram que em relação aos recursos externos desembolsados através do serviço da dívida para responder às mudanças climáticas, os montantes são insignificantes para essas operações nos primeiros três anos em análise, pois, em 2016 a rúbrica era de 7%. No ano de 2017, o valor da dívida externa financiado para às mudanças climáticas foi o menor de todos, cerca de 2%, evidenciando assim um decréscimo comparativamente ao ano anterior. No ano de 2018, o valor foi de 3%. E em 2019, o período em que ocorreram os ciclones IDAI e Keneth, o valor dos desembolsos externos dos credores para a área de mudanças climáticas cresceu exponencialmente para 20% da dívida pública. (Conferir a figura 2).

CONCLUSÃO
Os desastres naturais são fenómenos cujas consequências preocupam as Nações Unidas, os países desenvolvidos e os países em vias de desenvolvimento, razão pela qual os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) números 11 e 13, aprovados pela Agenda 2030 tem dado muita atenção nesses fenómenos, alias, a ideia de sustentabilidade já envolve uma reflexão sobre os desastres naturais. Nessa perspetiva, Moçambique não é exceção, dado que, tem sido afetado de forma sequencial pelos desastres naturais, totalizando cerca de 85, desde 1980 a 2019, envolvendo cheias, secas, ciclones, tempestades tropicais, secas, depressão tropicais e epidemias, deste modo, este estudo analisou o comportamento das finanças públicas moçambicanas em contexto de desastres naturais, com destaque para os ciclones IDAI e Keneth ocorridos em 2019.
Foi possível constatar que as subvenções financeiras alocadas pelo Estado moçambicano para dar resposta a emergência e reconstrução pós-desastre são exíguos, o que aumentou o nível do endividamento do país no período em análise (2019), onde a dívida pública rondou os 20%, por conta dos grandes estragos causados pelos ciclones Idai e Keneth. Finalmente, chegou-se a conclusão de que devido a destruição de infraestruturas, perdas de vidas humanas, culturas agrícolas, a preparação limitada e a falta de recursos financeiros inibem ainda mais a capacidade do país de adaptação e de resposta às emergências causadas por estes fenómenos.
REFERÊNCIAS
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