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LIBERTÉ, ÉGALITÉ, FRATERNITÉ? A PROIBIÇÃO DA AYAHUASCA NA FRANÇA
Henrique Fernandes Antunes
Henrique Fernandes Antunes
LIBERTÉ, ÉGALITÉ, FRATERNITÉ? A PROIBIÇÃO DA AYAHUASCA NA FRANÇA
¿Libertad, igualdad y fraternidad? La prohibición de la ayahuasca en Francia
Liberté, égalité, fraternité? The Ban on Ayahuasca in France
Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, vol. 25, e023016, 2023
Universidade Estadual de Campinas
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Resumo: O presente artigo analisa a proibição do uso da ayahuasca na França. Para isso, nos valemos de um amplo acervo documental que abrange a literatura acadêmica, documentos de órgãos governamentais, decisões judiciais, tratados internacionais, relatórios farmacológicos e entrevistas com atores-chave envolvidos no processo. Inicialmente, descrevemos a inserção da ayahuasca na França e a prisão do grupo do Santo Daime. Em seguida, analisamos os primeiros relatórios farmacológicos sobre a ayahuasca no país, os processos legais e a decisão do governo francês de proibir a ayahuasca em 2005. Após esse panorama, consideramos os desdobramentos da decisão para o uso da ayahuasca na França. Por fim, problematizamos o enquadramento legal da ayahuasca como entorpecente e o estigma dos grupos ayahuasqueiros. Pretendemos demonstrar que a posição da França não é aleatória, mas remete a posição do país em relação à questão das seitas e movimentos sectários.

Palavras-chave: Ayahuasca, Proibição, Entorpecente, Seitas, Submissão química.

Resumen: Este artículo analiza la prohibición del consumo de ayahuasca en Francia. Para ello, hacemos uso de un amplio marco documental que abarca literatura académica, informes de organismos gubernamentales, decisiones judiciales, tratados internacionales y entrevistas con actores clave implicados en el proceso. Inicialmente, describimos la inserción de la ayahuasca en Francia y la detención del grupo Santo Daime. A continuación, analizamos los primeros informes farmacológicos sobre la ayahuasca en el país, los procesos legales y la decisión del gobierno francés de prohibir la ayahuasca en 2005. Después de esta visión general, consideramos el desarrollo de la decisión para el uso de la ayahuasca en Francia. Por último, problematizamos el marco jurídico de la ayahuasca como estupefaciente y la estigmatización de los grupos ayahuasqueros. Pretendemos demostrar que la posición de Francia no es aleatoria, sino que se refiere a la posición del país en relación con la cuestión de las sectas y los movimientos sectarios.

Palabras clave: Ayahuasca, Prohibición, Estupefaciente, Sectas, Sumisión química.

Abstract: This article analyzes the prohibition of ayahuasca in France. We analyze a broad documental framework that covers academic literature, reports from governmental bodies, judicial decisions, international treaties, and interviews with key actors involved in the process. Initially, we describe the insertion of ayahuasca in France and the arrest of the Santo Daime group. We then analyze the first pharmacological reports on ayahuasca in the country, the legal processes, and the French government’s decision to ban ayahuasca in 2005. After this overview, we consider the unfolding of the decision for ayahuasca use in France. Finally, we problematize the legal framework of ayahuasca as a narcotic and the stigmatization of ayahuasca groups. We intend to demonstrate that the position of France is not random, but refers to the position of the country in relation to the issue of sects and sectarian movements.

Keywords: Ayahuasca, Prohibition, Narcotics, Cults, Chemical submission.

Carátula del artículo

Article

LIBERTÉ, ÉGALITÉ, FRATERNITÉ? A PROIBIÇÃO DA AYAHUASCA NA FRANÇA

¿Libertad, igualdad y fraternidad? La prohibición de la ayahuasca en Francia

Liberté, égalité, fraternité? The Ban on Ayahuasca in France

Henrique Fernandes Antunes*
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Brasil
Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, vol. 25, e023016, 2023
Universidade Estadual de Campinas

Recepção: 17 Fevereiro 2023

Aprovação: 15 Junho 2023

Introdução

Ayahuasca é um dos nomes pelos quais é conhecido um chá psicoativo feito pela mistura de duas plantas nativas da floresta amazônica:1 o cipó banisteriopsis e as folhas de chacruna, um pequeno arbusto.2 A bebida é consumida há séculos por diversas etnias indígenas amazônicas no Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia, Venezuela e Equador, possuindo um valor histórico e cultural, além de ocupar um papel central no desen volvimento da agenda política contemporânea dos povos indígenas da Amazônia (Antunes, 2022, Caicedo Fernández, 2023;Labate, Antunes & Antunes, 2023).

Além do uso indígena, o qual vem se expandindo e se inserindo nos circuitos urbanos de consumo da ayahuasca na América do Sul e além, é possível encontrar nos centros urbanos de países como Peru e Colômbia especialistas em plantas medicinais, também denominados de vegetalistas. Esses especialistas utilizam uma série de plantas psicoativas, incluindo a ayahuasca, para fins de cura, englobando tradições indígenas, elementos do cristianismo e do esoterismo, apresentando uma nova roupagem urbana do uso da ayahuasca. No Brasil, particularmente, existem grupos fundados entre os anos 1930 e 1960, como o Santo Daime, a União do Vegetal (UDV) e a Barquinha – conhecidos na literatura como as religiões ayahuasqueiras brasileiras –, que incorporaram diferentes elementos do cristianismo popular, de tradições afro-brasileiras, dentre outras, ao uso ritual da ayahuasca. Ademais, houve, nas últimas décadas, uma pluralização sem precedentes do uso da ayahuasca, caracterizada por desenvolvimentos recentes no cenário urbano, os quais incluem meditação, psicoterapia, rituais neoxamânicos, o uso para expressão artística, para o tratamento de dependência química, entre outras práticas (Labate, 2004).

É necessário destacar, contudo, que a crescente expansão e diversificação do uso da ayahuasca nas últimas décadas vai além da América do Sul. Desde os anos 1990, mas, sobretudo, a partir dos anos 2000, o uso da bebida começa a atingir uma escala global, chegando em países da América Latina, América do Norte, Europa, Oceania e Ásia (Labate & Jungaberle, 2011;Labate, Cavnar & Gearin, 2017;Labate & Cavnar, 2018). Esse movimento foi impulsionado principalmente pelas religiões ayahuasqueiras brasileiras. Na maior parte dos casos, se trata de estrangeiros que conheceram a bebida no Brasil e, posteriormente, constituíram grupos em seus países de origem. Essa expansão sem precedentes teve como resultado a emergência de uma série de controvérsias que ganham publicidade a partir do momento que o uso da ayahuasca deixa seu contexto geográfico e cultural de origem e se insere em novos cenários sociais, históricos, culturais e econômicos.

Essas controvérsias se devem, frequentemente, ao fato de uma das plantas que compõem a ayahuasca, Psychotria viridis, conter DMT (N, N-dimetiltriptamina), uma substância proscrita de acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre Substâncias Psicotrópicas (CSP) de 1971.3 Assim, embora a ayahuasca e as plantas utilizadas em sua feitura não constem na lista de convenções internacionais, um de seus componentes é considerado uma substância controlada com alto risco de abuso. Vale lembrar que, apesar das leis que regem o uso de substâncias psicoativas variarem de acordo com o país, a maioria dos Estados nacionais aderem à convenção da ONU. Tal fato cria problemas em relação à regulamentação da ayahuasca, pois, na maioria dos países, as plantas não estão sujeitas à regulamentação ou controle, mas uma delas contém uma substância proibida mundialmente, inserindo a ayahuasca e seus usuários em uma área legal cinzenta.

No Brasil, o uso religioso da ayahuasca é permitido pelo Estado brasileiro desde a década de 1980. Além disso, os grupos do Santo Daime, Barquinha e UDV são reconhecidos pelo governo brasileiro como manifestações culturais e religiosas que remetem às tradições indígenas e afro-brasileiras. Podemos destacar também o caso do Peru, que reconheceu o uso indígena da bebida como patrimônio cultural do país, ou o caso colombiano, em que entidades indígenas se uniram para estabelecer parâmetros de autorregulação a fim de preservar a tradição indígena de uso do yagé (ayahuasca). Para além da América do Sul, é possível encontrar em alguns países, como Estados Unidos e Canadá, exemplos de regulamentação bem-sucedidos, em que alguns grupos conquistaram o direito de importar e consumir a ayahuasca em um contexto religioso, abrindo um precedente para a acomodação das práticas religiosas de grupos ayahuasqueiros.

Em contrapartida, na maioria dos casos, o uso da ayahuasca é acompanhado de problemas legais e estigmas sociais. De fato, são frequentes os episódios em que grupos religiosos ayahuasqueiros e lideranças indígenas encontram restrições legais, como a confiscação de remessas de ayahuasca e ameaças de prisão. A reação por parte dos Estados nacionais à expansão sem precedentes deste fenômeno – que até as últimas décadas do século XX permaneceu relativamente desconhecido e geograficamente circunscrito a determinadas partes da América do Sul – tem sido muitas vezes de desconfiança e de repressão. As ações são, via de regra, baseadas em acusações de uso ilícito e tráfico de drogas (Labate & Feeney, 2014), levantando questões complexas sobre os limites dos direitos culturais e da liberdade religiosa de grupos minoritários do Sul Global (Labate, Antunes, Assis & Cavnar, 2023).

Esse é o caso do continente europeu, que vem apresentando forte resistência à ayahuasca. O caso da Holanda é um dos mais notáveis. Após quase vinte anos da decisão legal que autorizou as práticas de um grupo de Santo Daime no país em 2001, as cortes holandesas decidiram, em 2019, proibir o uso da bebida no país, relegando instituições até então legítimas e legais à clandestinidade da noite para o dia. Na Itália, o Ministério da Saúde proibiu, em março de 2022, não somente a ayahuasca, mas as plantas que a compõem e seus princípios ativos. Tal decisão surpreendeu o grupo de Santo Daime do país – um dos maiores da Europa –, levando seus membros a beber água ao invés de Daime (ayahuasca) em seus rituais, como forma de protesto.

No caso da Espanha, até o momento, a ayahuasca não foi proibida. Todavia, o uso da bebida está longe de ser aceito. É digno de nota o recente caso de um YouTuber, Carles Tamayo, que se infiltrou secretamente em um grupo de Santo Daime, participando de quatro cerimônias nas quais fez registros de vídeo com uma câmera oculta sem o conhecimento do grupo. Na última cerimônia em que participou, Tamayo foi descoberto e fugiu do local. O YouTuber entregou todo seu material à polícia espanhola, além de formalizar uma queixa por tentativa de sequestro contra o grupo. O caso ganhou uma enorme repercussão, haja vista que um vídeo publicado por Tamayo possui, até o momento da escrita deste artigo, mais de quinhentas mil visualizações.4 Ele também foi convidado para uma série de programas de TV nos quais apresentou relatos com tons sensacionalistas, acusando o Santo Daime de ser uma seita destrutiva que distribui drogas perigosas a seus integrantes, sem prover medidas de segurança ou saúde adequadas. Pouco tempo depois, a polícia espanhola prendeu integrantes de dois grupos ayahuasqueiros neoxamânicos no país. Suas residências foram invadidas na madrugada por policiais, tratando-os como integrantes de uma perigosa quadrilha de tráfico internacional de drogas (Labate, Antunes, Assis & Cavnar, 2023). De agosto de 2021 até o momento, a polícia fez operações em seis cerimônias com o uso da ayahuasca no país.

Diante desse contexto crescente de políticas proibicionistas voltadas para o controle e repressão sobre o uso da ayahuasca, sobretudo na Europa, o presente artigo pretende focar especificamente no caso da França. Assim como os demais países europeus mencionados acima, a França possui uma postura de “tolerância zero” com relação à ayahuasca. Contudo, o caso francês também apresenta uma particularidade, pois, não somente a ayahuasca é classificada como uma droga proibida, como também os grupos ayahuasqueiros são considerados seitas perigosas. Para entender o enquadramento legal da ayahuasca na França e seus desdobramentos, focamos nas decisões judiciais e nos relatórios farmacológicos franceses, bem como nas formas pelas quais o Ministério da Saúde enquadrou a ayahuasca como uma droga perigosa e classificou os grupos que a utilizam como seitas que apresentam um sério risco à saúde e ordem pública do país. Para isso, nos valemos de um amplo acervo documental que abrange a literatura acadêmica disponível sobre o caso francês, decisões legais, pareceres e relatórios de agências governamentais e não governamentais, cartas enviadas ao governo francês questionando a proibição da ayahuasca, documentos institucionais de grupos ayahuasqueiros, além da produção midiática, bem como entrevistas com atores-chave envolvidos no processo.

Ficará claro que a proibição do uso da ayahuasca na França ultrapassa o debate sobre substâncias psicoativas. Veremos que a proibição da ayahuasca pelo governo francês não pode ser reduzida simplesmente a uma questão de saúde pública, adentrando o debate teológico sobre “seitas” e “religiões”. Pretendemos demonstrar que, no caso francês, não se trata somente de definir se uma substância apresenta riscos para saúde, mas também de saber se os grupos que a consomem podem ser reconhecidos como religiões ou devem ser criminalizados enquanto seitas.

A inserção do uso da ayahuasca na França e o início dos problemas legais

Há décadas o uso da ayahuasca é conhecido na França. Como apontam Novaes e Moro (2023), a bebida começou a ganhar notoriedade a partir do trabalho do médico francês Jacques Mabit, que fundou no início dos anos 1990 o Centro Takiwasi (La Maison Qui Chante) no Peru, uma instituição que fornece tratamento com ayahuasca a dependentes químicos.5 A ayahuasca também chegou ao público francês através dos filmes, livros e palestras do cineasta francês Jan Kounen, cujo trabalho focou principalmente no contexto do xamanismo Shipibo-Conibo.

No entanto, a inserção da bebida na França, como em vários outros países, ocorreu através das religiões ayahuasqueiras brasileiras. Em 1997, dois franceses e um brasileiro que cursava pós-graduação no país criaram um pequeno núcleo do Santo Daime em Paris. Durante os primeiros anos do grupo, eles recebiam o Daime (ayahuasca) do Brasil sem grandes dificuldades, por intermédio do estudante brasileiro que também era membro de uma igreja de Santo Daime no Brasil. No entanto, em 1999, os problemas para o grupo de Paris se iniciaram. De acordo com Claude Bauchet, dirigente do grupo daimista parisiense, as dificuldades na Europa começaram a partir do caso holandês. Em 1999, a igreja de Santo Daime de Amsterdã foi alvo de uma denúncia de uso de drogas, no caso, de DMT. Após a denúncia, a polícia holandesa deu início a uma investigação sobre o uso da ayahuasca no país, alertando todas as agências de polícia europeias (Bauchet, 2022).

Segundo Claude, seu grupo foi alvo de investigações por oito meses, até a sua prisão em dezembro de 1999. No dia de sua prisão, a polícia foi à sua empresa pela manhã. Em seguida, os policiais o conduziram até sua residência. Após vasculharem sua casa, os agentes encontraram aproximadamente dez litros de Santo Daime, que foram apreendidos. Além de Claude, outros membros do grupo foram presos, permanecendo em prisão preventiva por três semanas, até serem liberados sob fiança para aguardarem seus julgamentos em liberdade. No total, foram a julgamento setes membros do grupo, os quais responderam por uma série de crimes, sendo a principal acusação de tráfico internacional de drogas (Bauchet, 2022).

Outro caso que atraiu a atenção das autoridades francesas sobre a ayahuasca diz respeito a um caso relacionado ao Centro Takiwasi. O centro se tornou notório após a queixa, em junho de 2000, de um pai cuja filha de vinte e cinco anos realizou um tratamento psicoterapêutico com uma psicóloga e um psiquiatra franceses. O pai, acreditando que sua filha teria alterado bruscamente de comportamento, contratou um detetive particular para investigar as pessoas responsáveis pelo tratamento de sua filha. A investigação levou dois anos e meio, do início de 1998 até meados de 2000, período em que foi estabelecido que a psicóloga e o psiquiatra fizeram viagens regulares ao Centro Takiwasi no Peru. O pai, convencido de que sua filha estaria sendo vítima de uma seita alucinógena que recrutava pacientes para enviá-los ao Peru para tomar drogas, escreveu um relatório de mais de sessenta páginas repleto de alegações, mas sem evidências. O relatório foi enviado para uma série de instituições, como a Missão Interministerial de Vigilância e Combate a Seitas (MIVILUDES),6 o Ministério do Interior, a Igreja Católica e a Associação para a Defesa da Família e dos Indivíduos. O tom alarmista do documento atraiu o olhar das autoridades francesas, reverberando também na mídia (Bourgogne, 2011: 356).7

A denúncia resultou em dois julgamentos dos profissionais de saúde envolvidos no caso, os quais foram acusados de participarem de uma seita e também de burlarem a lei de drogas francesa. Os acusados foram absolvidos em ambos os julgamentos. Com relação ao primeiro processo, a acusação foi baseada na lei “About-Picard”, de 2001.8 A lei foi fruto da atuação de diferentes comissões governamentais que definiram as práticas de grupos sectários como manipulação mental, abuso de pessoas em situação de fragilidade e fraude. A medida criou um instrumento legal inédito capaz de responsabilizar indivíduos e organizações civis, os quais poderiam sofrer multas ou serem condenados à prisão. Segundo o governo francês, a lei teria por objetivo prevenir e reprimir seitas que estariam atentando contra os direitos humanos e as liberdades fundamentais dos cidadãos franceses. A absolvição dos profissionais de saúde com relação à acusação de serem uma seita se deu devido ao fato da jovem mulher não ser reconhecida no Centro Takiwasi, por nunca ter viajado ao Peru e tampouco ter consumido ayahuasca. A acusação referente ao segundo julgamento também foi desconsiderada, pois o Centro Takiwasi opera no Peru, não possuindo uma filial na França. Além disso, à época, a ayahuasca não possuía um enquadramento legal no país, de modo que não foi possível defender o argumento de que os acusados estariam burlando a lei de drogas francesa (Bourgogne, 2011: 361).

Apesar do Takiwasi estar situado na América do Sul, o caso em pauta despertou a atenção dos franceses de um modo bastante negativo com relação à ayahuasca. Assim, é inegável que a visibilidade midiática e as repercussões do caso foram centrais para que a ayahuasca começasse a ser percebida como um problema de interesse público, assim como um objeto de receio por parte das autoridades do país.

Ayahuasca e submissão química: os primeiros relatórios farmacológicos

Em junho de 2001, a Comissão Nacional de Entorpecentes e Psicotrópicos (CNEP)9 da França emitiu seu primeiro relatório sobre a ayahuasca. O documento foi o resultado de um pedido feito pela comissão no ano anterior, meses após a prisão do grupo de Santo Daime em Paris. O objetivo do relatório era avaliar o potencial de dependência da ayahuasca, bem como propor sua possível regulamentação a fim de limitar seu uso abusivo e recreativo.

Além dos aspectos técnicos, tais como composição, princípios ativos, toxicologia, efeitos etc., o relatório aborda uma série de questões relativas às práticas em torno do uso da ayahuasca. Ele menciona o uso tradicional da bebida por xamãs na América do Sul e também por “movimentos religiosos neocristãos” que surgiram no Brasil na primeira metade do século XX – o Santo Daime e a União do Vegetal. Apesar de reconhecer o caráter religioso dos grupos em pauta, a comissão adverte para os riscos de usos não tradicionais que tendem a se desenvolver em seitas ou em práticas de “etnomedicina” (como no caso da Takiwasi), transformando-se em um problema de saúde pública. O documento também aborda a prisão dos membros do Santo Daime na França, em 1999, na Espanha, no ano 2000, e na Holanda, em 2001. A comissão demonstrou claramente um sentimento de inquietação em relação à ayahuasca e a seus usuários, recomendando que a MIVILUDES fosse informada sobre o uso da bebida na França, e solicitando que o Centro de Avaliação e Informação sobre Toxicodependência (CEIP) fiscalizasse suas filiais com relação à presença de usuários de ayahuasca (Commission Nationale des Stupefiants et des Psychotropes, 2001).

Três anos mais tarde, dois relatórios farmacológicos sobre a ayahuasca foram publicados na França. O primeiro foi desenvolvido pelo laboratório Toxlab e escrito pelos especialistas em farmacologia e toxicologia, Gilbert Pépin e Gaëlle Duffort (2004). A introdução do relatório menciona que plantas alucinógenas têm sido utilizadas pelas sociedades primitivas desde o período proto-histórico. De acordo com os autores, até recentemente, o uso de tais plantas esteve limitado a um círculo restrito de índios sul-americanos, associado a práticas místicas, religiosas e terapêuticas, sendo utilizadas também durante circunstâncias excepcionais, como a iniciação de jovens ao final da puberdade. Após essa breve menção aos usos arcaicos dos alucinógenos, o relatório se volta para a cena urbana contemporânea, destacando o surgimento de novos alucinógenos naturais no mercado das drogas recreativas, integrando um movimento cada vez maior de retorno à natureza. Dentre esses alucinógenos naturais, afirma o relatório, a ayahuasca estaria experimentando um novo boom na Europa.

Após essa análise socioantropológica do uso de psicoativos, o relatório abordou a questão dos possíveis riscos da ayahuasca, indicando que “até hoje, não há casos de toxicidade aguda ligados à ayahuasca” (Pépin & Duffort, 2004: 82). Com relação à toxicidade a médio ou longo prazo, os especialistas mencionam os achados do Projeto Hoasca.10 Apesar de reconhecer que o projeto não encontrou nenhum indício de riscos à saúde com relação ao uso prolongado da bebida, o relatório defendeu que, além dos distúrbios psicológicos e psiquiátricos que a ayahuasca pode causar – como náuseas, vômitos, diarreia, vertigem, suor, estados eufóricos ou agressivos, intensificação da percepção, alucinações visuais etc. –, seu consumo fora de seu quadro tradicional, entendido pelos autores do relatório como as práticas restritas a determinadas populações indígenas amazônicas, poderia levar à fraude e manipulação. Sem dúvida, o perigo mais evidente, segundo o relatório, é o risco de “submissão química”. Apesar de não apresentar um caso concreto, o relatório ressalta que foram observados na Europa casos de “seitas” que drogaram seus seguidores com a ayahuasca, sem prover a preparação psicológica e física necessária para reduzir os efeitos tóxicos da droga a curto e médio prazo (Pépin & Duffort, 2004).

É importante sublinhar que a Agência Francesa de Segurança de Produtos de Saúde (AFSSAPS) define a “submissão química” como “a administração para fins criminais (estupro, pedofilia) ou delituosos (violência, roubo) de substâncias psicoativas sem o conhecimento da vítima” (Commission Nationale des Stupefiants et des Psychotropes/Ceip-Paris, 2005: 5, tradução minha). De acordo com o Relatório Nacional sobre Submissão Química, realizado pelo CEIP de Paris em 2005, das duzentas e sessenta queixas, quase a metade foram consideradas como casos comprovados de submissão química. As vítimas eram principalmente mulheres com uma idade média de trinta anos. O caso mais frequente refere-se a agressões sexuais, associadas ou não a roubos. Por outro lado, os homens eram majoritariamente vítimas de roubo, com ou sem agressão física. De acordo com o relatório, os atos ocorreram principalmente na casa da vítima ou do agressor, assim como em locais de entretenimento.

Haja vista as definições e dados da agência francesa, fica claro que a questão da “submissão química” ultrapassa os limites da farmacologia, adentrando o domínio das motivações e intenções dos atores que oferecem determinadas substâncias a suas vítimas com o intuito de cometer crimes ou delitos. Em outras palavras, o cerne da definição de um ato de “submissão química” não reside no componente farmacológico, no princípio ativo, nos efeitos, tampouco na toxicologia das substâncias psicoativas, mas nas motivações dos atores, mais precisamente, no ato de induzir um estado alterado de consciência sem o conhecimento da vítima, a fim de cometer um assalto ou abusos sexuais.11 Nesse sentido, o uso recorrente da noção de “submissão química” em relatórios farmacológicos e toxicológicos sobre a ayahuasca é interessante, pois a categoria assume uma roupagem inteiramente nova. A ayahuasca é associada a movimentos sectários que praticariam uma forma coletiva de “submissão química” que se assemelha a práticas de lavagem cerebral (brainwashing), supostamente drogando seus seguidores sem a devida assistência psicológica e física, e criando um possível problema de saúde pública (Pépin & Duffort, 2004: 83).

O risco de submissão química associado à ayahuasca também está presente em um relatório publicado pela Comissão Nacional de Entorpecentes e Psicotrópicos, o qual foi produzido pelo CEIP- Bordeaux. Como o relatório Toxlab, o CEIP Bordeaux também classificou o Santo Daime e a União do Vegetal como seitas provenientes de movimentos neocristãos. Ao contrário do relatório anterior, contudo, o documento em questão não apresentou uma tipificação de “submissão química”, mas três supostos casos relacionados ao consumo de ayahuasca. O primeiro menciona apenas o caso de uma mulher que tomava ayahuasca a cada duas semanas em um grupo de Santo Daime, a qual emagreceu quinze quilos. O segundo menciona uma psicóloga que pretendia escrever um artigo sobre pseudoxamanismo. Ela se infiltrou em um grupo ayahuasqueiro, não identificado no relatório, e participou de duas sessões. Segundo o documento, a psicóloga teve experiências ruins e questões psiquiátricas que duraram meses após suas participações nas cerimônias. O terceiro trata de um potencial caso de submissão química que poderia estar relacionado à ayahuasca, no qual um homem de trinta e dois anos de idade alegou que seu cartão de crédito foi roubado por uma mulher. Ele relatou ter problemas de visão, fadiga e perda de memória meia hora após consumir álcool. Sua análise de urina mostrou a presença de cannabis, nicotina, codeína, cafeína e harmina. Esse último trata-se de um dos princípios ativos presentes na ayahuasca. O teste não encontrou, entretanto, vestígios de DMT, uma substância presente na ayahuasca.

Sobre a questão da relação entre ayahuasca e submissão química, Dupuis (2021) argumenta que o uso de substâncias psicodélicas nos rituais coletivos de vários grupos indígenas poderia sugerir que essas substâncias atuariam enquanto catalisadores de afiliação social, enculturação e transmissão de crenças. Dupuis destaca que a suposta propriedade das substâncias psicodélicas de aumentar os sentimentos de pertencimento coletivo e a transmissão de valores ou crenças específicas foram percebidas como problemáticas pelas autoridades de alguns países europeus, alegando que essas substâncias poderiam ser usadas para manipulação mental. Para o autor, o ressurgimento do conceito de “lavagem cerebral psicodélica” para o uso da ayahuasca pode ser interpretado como consequência do pouco conhecimento sobre a dinâmica por meio da qual a experiência psicodélica contribuiria ou não para a persuasão. Com base em dados coletados em um centro xamânico na Amazônia peruana, Dupuis defende que, longe do modelo de lavagem cerebral, a agência do receptor ocupa um lugar central nas práticas com a ayahuasca. Seu argumento é que, em última análise, a dinâmica psicodélica se baseia nos esforços do receptor para testar o objeto da crença por meio de um processo de verificação experimental.

Para além do debate sobre o potencial de sugestibilidade da ayahuasca ou da questão se esta se presta ou não a fins de submissão química, a menção dessa possibilidade nos relatórios farmacológicos atesta o crescente interesse das autoridades públicas francesas (especialmente do Ministério da Saúde) e de vários especialistas do país na questão do uso da ayahuasca e de seus impactos para a sociedade francesa. Tais iniciativas foram de extrema relevância para a esfera legal e para o enquadramento dado ao uso da ayahuasca, tornando-se provas determinantes no julgamento dos membros do Santo Daime em 2004.

O julgamento dos membros do Santo Daime de Paris

Em 15 de janeiro de 2004, após uma audiência na qual foram ouvidos as testemunhas e especialistas de ambas as partes, o tribunal de Paris proferiu sua decisão sobre o caso dos membros do Santo Daime presos em 1999. Todos os membros foram acusados dos seguintes crimes: importação, aquisição e posse de entorpecentes; uso de entorpecentes; e tráfico de drogas.

A defesa dos membros do grupo se baseou em três pontos: a preeminência da liberdade religiosa como um direito constitucional maior; o fato de que nem a França, nem os tratados internacionais incluíam a ayahuasca em sua lista de substâncias controladas; e, finalmente, que as doses de DMT eram irrisórias e não eram capazes de produzir os efeitos alegados pela promotoria. Além disso, a defesa argumentou que a ayahuasca não apresentava riscos à saúde.

Em sua decisão, o juiz enfatizou o depoimento de Pépin, um dos autores do relatório Toxlab sobre a ayahuasca, destacando seus efeitos alucinógenos e o risco de distúrbios psicológicos indesejados. Apesar de reconhecer a superioridade do princípio da liberdade religiosa, o tribunal argumentou que o mesmo não poderia se sobrepor à manutenção da ordem pública. Nas palavras do juiz: “É evidente que a legislação sobre o consumo ou fornecimento de drogas não pode ser refutada sob uma cobertura religiosa cujo único propósito poderia ser o de contornar a legalidade” (Tribunal de Grande Instance de Paris, 2004: 16, tradução minha). O tribunal reconheceu, conforme alegou a defesa, que a ayahuasca não está presente na lista de substância proscritas, tanto na legislação francesa, quanto na legislação internacional.

Todavia, com base no testemunho de Pépin, a corte argumentou que a ayahuasca era uma preparação que continha DMT, acrescentando que “as pessoas que (...) extraem a substância ativa e alucinógena, DMT, não podem valer-se do fato de que esta substância é encontrada naturalmente em muitas plantas” (Tribunal de Grande Instance de Paris, 2004: 17, tradução minha). Na visão do juiz, os membros do Santo Daime trouxeram plantas estrangeiras para a França com o objetivo de extrair uma substância ilegal. Com base nesta posição, o tribunal proferiu sua sentença: os acusados foram considerados culpados e condenados a uma sentença de dezoito meses de suspensão condicional da pena.

É importante destacar que o termo “seita” aparece apenas duas vezes nas vinte e três páginas da sentença e está relacionado a uma declaração de uma mãe cujo filho havia sido supostamente raptado pela “seita” do Santo Daime. Ela argumentou que seu filho havia sofrido uma deterioração mental e física, sem apresentar maiores detalhes ou provas. Ao se referir ao Santo Daime, o juiz o define como uma prática religiosa que tem origem em uma religião sincrética. Nota-se que a questão do Santo Daime ser uma seita ou religião pouco interessou à corte, e tampouco as práticas dos membros do grupo foram objeto de escrutínio. Ao contrário, a condenação foi baseada unicamente no procedimento de extração de uma substância classificada como ilegal no país.

Esse último ponto é particularmente relevante, pois teve um papel decisivo na apelação. Após serem considerados culpados, os membros do Santo Daime contataram o farmacêutico e membro da CNEP, Patrick Beauverie,, o qual escreveu um breve relatório sobre a farmacologia e enquadramento legal da ayahuasca na legislação de drogas do país (Beauverie, 2004). Seu relatório atestou que o decreto de 22 de fevereiro de 1990, que estabelece a lista de substâncias classificadas como narcóticos, inclui a DMT como uma matéria-prima, bem como as preparações a partir dela. No entanto, o farmacêutico ressaltou que a legislação de drogas exclui da lista animais e plantas contendo DMT ou preparações feitas a partir dos últimos. Segundo o especialista, a ayahuasca não seria uma preparação feita a partir da extração de DMT, mas uma preparação feita de plantas. Beauverie destacou que a preparação consiste em mergulhar as plantas em trinta a quarenta litros de água e reduzir este volume para quatro ou cinco litros. Este procedimento, afirmou, trata-se uma decocção seguida de uma redução, não podendo ser comparado a uma técnica de extração para a produção de DMT. O farmacêutico concluiu seu relatório afirmando que até aquela data, a ayahuasca não tinha sido classificada como ilegal na França (Beauverie, 2004).

Esse documento de duas páginas apresentado pela defesa teve um papel crucial na absolvição do grupo no processo de apelação. A decisão do Tribunal de Apelação de Paris destacou, conforme o testemunho de Pépin, que a ayahuasca poderia ser utilizada para fins de “submissão química”. Entretanto, a corte reconheceu que, na França, a ayahuasca não tinha sido classificada como narcótico e não estava presente na lista de substância controladas do Ministério da Saúde. O juiz argumentou que a toxicidade de um produto por si só não permite que o Estado o classifique como um narcótico. Quanto à DMT, a sentença se apoiou no relatório apresentado pela defesa, ressaltando que a DMT obtida por extração, ou seja, separando-a do composto do qual faz parte para obter uma substância em estado puro é, sem dúvida, proibida. Por outro lado, a corte afirmou que “as operações de ‘decocção’, ‘infusão’ ou ‘maceração’ não poderiam permitir obter uma ‘substância’, (...) já que não permitem isolar ‘os elementos químicos e seus compostos presentes em seu estado natural ou produzidos pela indústria’” (Cour d’appel de Paris, 2005: 17, tradução minha). Logo, a corte absolveu os membros do Santo Daime e encerrou o processo por falta de base legal.

É importante ressaltar que o tribunal não inocentou os membros do Santo Daime por reconhecer a proeminência da liberdade religiosa em relação à legislação francesa antidrogas. Foi uma decisão pautada exclusivamente em critérios técnicos, haja vista que o procedimento de produzir ayahuasca não estava tipificado na legislação do país. Também é digno de nota que, em ambos os julgamentos, as alegações de “seita” e de “submissão química” tiveram um papel menor ou mesmo insignificante. O cerne do debate foi a questão da classificação da ayahuasca como narcótico e não as práticas dos grupos que a consomem.

Ao contrariar a decisão da primeira instância, o Tribunal de Apelação estabeleceu um precedente legal para que a ayahuasca não fosse considerada ilegal na França. O impacto desta decisão, contudo, foi de curta duração, pois, três meses após a absolvição do grupo, o governo francês emitiu uma decisão proibindo a ayahuasca. A medida foi um importante revés para os membros do Santo Daime de Paris, pois o enquadramento jurídico que afirmava que a ayahuasca não era contemplada pela legislação de drogas do país caiu por terra. Assim, o grupo passou da liberdade à ilegalidade apenas cem dias após a decisão da justiça que os absolveu (Bourgogne, 2011).

A Comissão de Entorpecentes e a proibição da ayahuasca

No dia 16 de dezembro de 2004, a CNEP realizou uma reunião, cujo relatório foi publicado em fevereiro de 2005. Dentre suas principais resoluções, o relatório classificou todas as plantas e princípios ativos presentes na ayahuasca como ilícitos. De acordo com o documento, a AFSSAPS, através da rede CEIP, vinha monitorando o uso da Ayahuasca na França há vários anos, destacando que a avaliação de seu potencial de abuso e dependência foi objeto de uma apresentação à comissão pela primeira vez em 2001 (Commission Nationale des Stupefiants et des Psychotropes, 2005: 18).

O relatório também apresentou uma tipologia ad hoc sobre os usos da ayahuasca: a) o “uso tradicional”, presente há séculos em toda a bacia amazônica no Peru, Equador, Colômbia, Bolívia e Brasil, como parte das práticas religiosas, iniciáticas e terapêuticas de povos indígenas; b) a utilização por “seitas neocristãs”, que, segundo o relatório, se propagaram desde o início do século XX para grande parte da América do Sul, particularmente a partir de movimentos religiosos neocristãos brasileiros como o Santo Daime ou UDV, “as duas principais e mais conhecidas correntes sincréticas entre as muitas seitas que usam a ayahuasca como sacramento”; c) o “uso recreativo”, indicado como sendo um fenômeno raro; d) o “turismo da ayahuasca”, que consiste em operadores turísticos que oferecem seminários e retiros em diferentes países com xamãs amazônicos; e) o “uso terapêutico”, uma prática entendida como um desenvolvimento alheio ao contexto tradicional, criando um movimento de “etnomedicinas” para o tratamento de dependência química, como no caso do Centro Takiwasi no Peru, “dirigido por um ‘médico’ francês iniciado no xamanismo e na medicina tradicional”, Jacques Mabit; f) e por último, “psico-espiritual”, descrito apenas como rituais coletivos com ayahuasca (Commission Nationale des Stupefiants et des Psychotropes, 2005: 20, tradução minha).

De acordo com essa tipologia, o Santo Daime e a UDV não são vistos apenas como “seitas”, mas são excluídos da rubrica de “uso tradicional”. Em outros termos, são enquadrados como desenvolvimentos sectários que se originam da única tradição reconhecida pelo governo francês, o uso indígena da ayahuasca restrito ao contexto amazônico. Outra característica digna de nota do relatório foi a intervenção do representante da MIVILUDES sobre o uso da ayahuasca em movimentos sectários.

Segundo sua apresentação, incorporada ao relatório da comissão, não existe uma definição legal de seita ou grupo sectário, mas algumas características podem ser delineadas: uma seita possui uma estrutura exclusiva; pode ter objetivos religiosos ou outros (não explicitados no relatório); se apresenta sob a forma de associação ou organização de formação profissional; pode exibir características de psicoterapia; pratica exploração financeira e econômica, dependência psicológica e se vale da fraqueza crônica ou temporária dos indivíduos; é um movimento que opera clandestinamente em células dormentes organizadas mas invisíveis; sua organização financeira é construída e regularmente remodelada para impedir formas de controle; os movimentos são estáveis mas evolutivos, capazes de modificar suas chefias, seus nomes e sua localização geográfica; educação, saúde, treinamento profissional são suas esferas de predileção, mas atuam também em áreas estratégicas como a proteção à juventude, assistência social às crianças, idosos e portadores de deficiência; e, por fim, as seitas buscam apresentar um ar de respeitabilidade aos olhos do público (Commission Nationale des Stupefiants et des Psychotropes, 2005: 22).

É digna de nota a amplitude dos traços apontados pela MIVILUDES sobre movimentos sectários. Eles podem transitar entre os domínios religioso, terapêutico, profissional e educacional. Se organizam em células possivelmente terroristas, mas podem promover a assistência social, saúde e proteção de segmentos menos favorecidos. São invisíveis e, ao mesmo tempo, procuram passar uma boa imagem pública. Possuem uma estrutura exclusiva, mas que pode ser transformada a qualquer momento, mudando completamente suas formas de apresentação e suas áreas de predileção. São estáveis, mas em constante evolução.

Com relação especificamente à ayahuasca, o representante da MIVILUDES argumentou que sua promoção e consumo se baseiam em grupos com projetos focalizados na psiquiatria e na “dimensão espiritual”, oferecendo cursos e sessões de treinamento. Sua apresentação destacou a associação desta rede com o Centro Takiwasi, no Peru. Além disso, o representante mencionou o suposto caso de um psicoterapeuta (não identificado no relatório) que frequentava comunidades religiosas e assumia o controle de jovens através de um tratamento psiquiátrico.

Para além dos argumentos presentes no relatório, é relevante considerar o depoimento de Jules Vincent (pseudônimo), membro da CNEP à época. Segundo Jules, o representante da MIVILUDES afirmou que havia uma nova seita perigosa no território francês, chamada Santo Daime, que promovia o uso da ayahuasca e que a comissão deveria intervir no caso. Em resposta, Jules argumentou que a discussão sobre o Santo Daime ser uma seita ou uma religião não concernia à CNEP, que deveria se limitar a analisar os aspectos químicos, toxicológicos e farmacológicos da ayahuasca (Vincent, 2022).

Apesar da posição de Jules, a comissão aprovou, com o placar de quinze votos a favor, um contra e cinco abstenções, a proibição da ayahuasca. Segundo o relatório, a comissão decidiu que, por causa de sua composição, a ayahuasca tinha efeitos alucinógenos e possuía um potencial óbvio para abuso e dependência. O documento afirma na conclusão que “seu uso em um contexto sectário faz dela um produto particularmente sensível”. Segundo a comissão, “todos estes elementos permitem propor a aplicação de medidas de controle mais rigorosas, em particular uma classificação na lista de narcóticos” (Commission Nationale des Stupefiants et des Psychotropes, 2005: 23, tradução minha).

O relatório evidencia uma questão central para a compreensão da proibição da ayahuasca na França, a saber: que o foco da comissão não se limitou a uma avaliação farmacológica, adentrando o debate sobre seitas e seus riscos para a ordem e saúde pública francesas. Não havia, portanto, apenas um temor em relação à bebida ayahuasca, mas, sobretudo, em relação às práticas de determinados grupos.

A proibição da ayahuasca se efetivou a partir de uma parceria até então inédita e inesperada entre o Ministério da Saúde e o Ministério do Interior, representado pela MIVILUDES.12 É digno de nota que uma comissão que tem por objetivo regular o potencial e riscos de substâncias, de um ponto de vista farmacológico e toxicológico, reivindique a autoridade para definir que tipos de práticas e grupos devem ser considerados como potencialmente perigosos e enquadrados na rubrica de seitas. Ao contrário das decisões judiciais, pautadas apenas na farmacologia e no enquadramento legal da ayahuasca, o Ministério da Saúde deixou a arena secular da farmacologia e adentrou o debate teológico sobre seitas e religiões.

Entre a liberdade religiosa e a saúde pública: repercussões da proibição da ayahuasca

A decisão da CNEP criou um problema legal para os integrantes do Santo Daime. No mesmo ano, membros do grupo e representantes de Takiwasi solicitaram ao Ministério da Saúde e, posteriormente, ao Conselho de Estado, a retirada da ayahuasca da lista de plantas e substâncias classificadas como narcóticos (Bauchet et al, 2005). O pedido foi escrito por Francis Caballero, um célebre advogado francês especialista em matéria de drogas. Caballero argumentou que a decisão do Ministério da Saúde foi pautada em relatórios de toxicologia não-científicos (Bourgogne, 2011: 358). Além disso, o advogado alegou que a proibição da ayahuasca constituía uma violação de liberdade religiosa, de acordo com o artigo 10 da Declaração dos Direitos Humanos de 1789 (Déclaration des Droits de l’Homme), o Artigo 2 da Constituição de 1958, o Artigo 9 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e de acordo com os artigos 18 e 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

O pedido foi rejeitado inicialmente pelo Ministério da Saúde e uma segunda vez após o recurso ao Conselho de Estado. Com relação à questão dos riscos à saúde da ayahuasca, a decisão do Ministério da Saúde retomou os três casos apresentados pelo relatório do CEIP Bordeaux. No que tange à acusação de violação do princípio de liberdade religiosa, o Ministério da Saúde alegou que “uma regulamentação rigorosa do comércio de entorpecentes é necessária para atender ao requisito essencial de proteger a saúde pública”, defendendo que “a classificação de uma substância como droga narcótica não infringe de forma alguma os princípios estabelecidos no Artigo 9 da CEDH e no Artigo 4 da Declaração dos Direitos Humanos de 1789” (Ministère de la Santé et de la Prévention, 2006: 3, tradução minha). De modo análogo, o Conselho de Estado declarou, sobre a toxicidade da ayahuasca, que:

Para classificar estas plantas como narcóticas, o Ministério da Saúde, citando o trabalho de especialistas, indica que (...) a Ayahuasca ou Daime, podem constituir um fator de desestruturação psicológica do indivíduo e também levar a uma forma de submissão química dos usuários desta bebida; (...) que o consumo de Ayahuasca pode causar complicações cardiovasculares, como o aumento da pressão arterial e do ritmo cardíaco; (...) que a Ayahuasca, em virtude de sua composição, tem efeitos psicoativos comprovados, que causa efeitos somáticos significativos e que é neurotóxica em animais. (Conseil d’Etat, 2007: 3, tradução minha)

Quanto à questão da liberdade religiosa, o Conselho de Estado declarou que “as violações provocadas pela decisão não são excessivas nem desproporcionais às preocupações de saúde pública” (Conseil d’Etat, 2006: 3, tradução minha). Todavia, é necessário ressaltar que, em outras ocasiões, o Conselho de Estado referendou pedidos de remoção de substâncias psicoativas da lista de narcóticos. Um dos casos mais emblemáticos é, sem dúvida, a decisão de anular, por duas vezes, em 2009 e 2013, a proibição dos “poppers”13 após forte pressão da comunidade LGBTQIA+. A remoção dos poppers por duas vezes da lista de entorpecentes evidencia que as decisões do Conselho de Estado em nome da saúde pública da população francesa estão frequentemente sujeitas a pressões e lobbies por parte de movimentos sociais e setores organizados da sociedade civil, podendo eventualmente contrariar as orientações do ministério da saúde.

Apesar das decisões desfavoráveis do Ministério da Saúde e do Conselho de Estado, os membros do Santo Daime solicitaram, por meio de cartas enviadas ao Ministério da Saúde e ao Ministério do Interior, a reconsideração da medida, propondo um diálogo para encontrar uma alternativa para o uso da ayahuasca na França. Na maioria dos casos, as cartas foram ignoradas. Outras vezes, os pedidos foram rejeitados com base nos mesmos argumentos expostos acima.

Tal cenário relegou de modo definitivo os membros do Santo Daime na França à clandestinidade. Após mais de uma década de prática do Santo Daime em segredo, sem incidentes, Claude Bauchet foi preso novamente em 2019, após uma denúncia anônima às autoridades. Ele passou quatro dias sob custódia e está aguardando em liberdade seu segundo julgamento. Mas agora suas perspectivas legais são bastante distintas com relação ao primeiro processo, pois a ayahuasca não possuía um status legal na França à época. Se condenado, Claude pode cumprir vários anos de prisão.

Conclusão: os desafios do uso da ayahuasca para a laicidade francesa

Não resta dúvida de que situação atual da ayahuasca na França apresenta reflexos claros da política proibicionista que emergiu nas primeiras décadas do século XX e assumiu um papel crescente nos Estados nacionais a partir de então. De fato, a França pode ser considerada um dos países mais rígidos da Europa no que diz respeito a políticas de drogas (Bourgogne, 2011). Apesar de reconhecermos a importância de tal conjuntura, entendemos que a posição do governo francês com relação à ayahuasca não pode simplesmente ser reduzida aos impactos do poder hegemônico do paradigma proibicionista no país.

Como demonstramos ao longo do artigo, havia uma preocupação não somente com relação aos riscos à saúde da ayahuasca, mas também com as práticas dos grupos ayahuasqueiros enquanto perigosas seitas que estariam realizando uma nova forma de lavagem cerebral. Para compreender, contudo, a particularidade do caso francês, é interessante olhar para a trajetória da noção de “seita” e seus impactos políticos para grupos religiosos.

Como aponta Introvigne (2023), no início do século XIX, o termo seita passou a ser usado em documentos oficiais e relatórios policiais para se referir às atividades da maçonaria. Nesse período, a categoria em pauta assume um novo significado, para além da referência do universo católico a movimentos heréticos, referindo-se a organizações consideradas subversivas e suspeitas de apresentarem riscos para o Estado.

Esse enquadramento, afirma Introvigne, foi amplamente estendido a grupos muito diferentes nos anos 1970 e 1980, posteriormente classificados pelos estudos de religião como “novos movimentos religiosos”. É precisamente nasce período que nasce o moderno movimento anticultos nos Estados Unidos. Na época, um grupo de psicólogos importou a noção de “lavagem cerebral” da propaganda americana da Guerra Fria contra o comunismo, argumentando que os integrantes não aderiam aos grupos voluntariamente, mas eram manipulados por meio de técnicas misteriosas de controle da mente. Por meio de um empréstimo de tal concepção, os movimentos classificados na rubrica de seitas passaram a ser vistos como grupos que praticavam uma forma de “lavagem cerebral” a seus membros.

Consequentemente, o estigma associado ao termo “seita” fez com que o termo fosse abandonado pela maioria dos cientistas sociais, pois, além de implicar uma carga valorativa negativa, a categoria havia se tornado uma ferramenta para discriminar grupos minoritários (Introvigne, 2023: 207). Apesar de cair em desuso enquanto instrumento analítico no âmbito dos estudos de religião, o termo “seita” permaneceu na agenda estatal e nos olhares da opinião pública em alguns lugares do mundo, como no caso da França.

Nesse sentido, a proibição da ayahuasca na França não pode ser plenamente compreendida se não considerarmos a postura oficial do país e sua preocupação em relação à vigilância e controle de grupos sectários no território francês. A particularidade do caso francês apresenta, portanto, um elemento complicador para os grupos ayahuasqueiros, pois a possibilidade de regulamentação da bebida implica o reconhecimen to legal dos grupos ayahuasqueiros enquanto religiões, algo que, até o momento, o governo francês não parece disposto a fazer.

Material suplementar
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Notas
Notas
1 O artigo é fruto de uma pesquisa que contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo: 2021/11399-8.
2 A ayahuasca também pode ser feita a partir de outras plantas análogas presentes no bioma amazônico.
3 Vale lembrar que somente a DMT produzida sinteticamente é considerada proscrita pela Convenção. A DMT encontrada in natura em animais e plantas não está sujeita a formas de controle legal.
4 Disponível em : <https://www.youtube.com/watch?v=Y1WC28neTVM&t=2s> (Acessado em: 15/01/2023).
5 Para uma análise detalhada das práticas e controvérsias em torno do Centro Takiwasi, ver Dupuis (2016).
6 Originalmente chamado de Observatório Interministerial de Seitas, a MIVILUDES foi criada em 1996 após um relatório de uma comissão parlamentar de investigação sobre seitas em que menciona cento e setenta e dois grupos, a maioria deles ligados ao universo Nova Era, os quais foram bastante estigmatizados após sua publicação. Entre 1996 e 2001, houve uma série de comissões e relatórios parlamentares sobre o tema e, em 1998, tornou-se possível instaurar ações civis contra grupos sectários. A principal associação era a União Nacional das Associações de Defesa da Família e dos Indivíduos (UNADFI), a qual teve um papel importante na campanha midiática contra o Santo Daime e Takiwasi (Bourgogne, 2011: 360-361).
7 Títulos como “Uma terapia alucinógena”, “Ligações com uma seita investigada por manipulação psíquica e fraude”, “Grupo de psicólogos obscuros”, “O estranho doutor Mabit”, explicitam o tom sensacionalista com que o tema foi abordado na mídia francesa. Por meio dessas coberturas, o Centro Takiwasi foi acusado de manipulação mental e envolvimento com potenciais suicídios, abusos e fraude. A repercussão para os acusados foi catastrófica: além do estigma social e da perda de clientela, o psiquiatra chegou a ser temporariamente suspenso pela Associação Francesa de Medicina (Bourgogne, 2011). Devido às repercussões do caso, o Centro Takiwasi divulgou, em 2002, um documento de trinta páginas que denunciava a “campanha de difamação” instaurada contra a instituição, abordando uma série de temas, inclusive a acusação de ser uma seita (La Maison qui Chante, Takiwasi, 2002).
8 A lei ganhou esse nome por causa de seus proponentes, o senador Nicolas About e a deputada Catherine Picard.
9 A Comissão Nacional de Entorpecentes e Psicotrópicos é uma agência governamental atrelada ao Ministério da Saúde Francês que tem o poder de decidir sobre a regulamentação ou proibição de substâncias psicoativas na França. Além dos membros titulares pertencentes a diversas agências governamentais, também integram a comissão uma série de especialista de várias áreas da saúde.
10 Entre 1991 e 1996, a convite da UDV, um grupo de biomédicos dos Estados Unidos, Finlândia e Brasil realizou uma pesquisa sobre os efeitos bioquímicos e psicológicos do uso prolongado da ayahuasca. A pesquisa selecionou quinze membros da UDV filiados à instituição há mais de dez anos e quinze pessoas que nunca haviam consumido a ayahuasca. O objetivo do projeto foi empreender um estudo comparativo para avaliar as condições físicas e psicológicas, passadas e atuais, dos dois grupos. Dentre os principais resultados, a pesquisa concluiu que o consumo a longo prazo da ayahuasca em um contexto religioso não apresentou nenhum indício de efeitos tóxicos, tampouco de prejuízos psicológicos aos seus usuários. Ao contrário, os membros da UDV obtiveram resultados na média, ou ligeiramente melhores, do que os do grupo de controle. Para mais detalhes sobre o projeto, ver Grob et al (2002) e Callaway (2011).
11 De acordo com o relatório de 2019 da Agência Nacional de Segurança dos Medicamentos e Produtos para a Saúde (ANSM), a substância mais utilizada em casos de submissão química na França é, de longe, o álcool, que responde a 96% dos casos (Agence Nationale De Sécurité Du Médicament Et Des Produits De Santé, 2019).
12 Durante a pesquisa, entramos em contato com a MIVILUDES com o intuito de obter a posição oficial da instituição com relação à ayahuasca e também para esclarecer a contribuição do órgão na comissão que proibiu a bebida. Recebemos uma resposta afirmando que deveríamos entrar em contato com a MILDECA (Mission interministérielle de lutte contre les drogues et les conduites addictives), o órgão responsável pelo dossiê sobre a ayahuasca. Escrevemos para a MILDECA, mas, até a escrita deste artigo, não obtivemos uma resposta do órgão.
13 Poppers é o nome dado aos nitritos alquílicos. Eles são comumente usados para intensificar a experiência sexual ou para obter um breve estado de euforia, induzido após a inalação da substância. Os poppers são bastante populares entre a comunidade LGBTQIA+ (Beck, Guignard & Richard, 2014). A ANSM registrou na França, entre 1999 e 2001, seis mortes e cento e quarenta e seis casos de intoxicação grave devido ao uso de poppers. Disponível em: <https://poppers-pascher-blog.com/poppers-mort/> (Acessado em: 15/01/2023).
Autor notes
* Pesquisador do International Postdoctoral Program do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Doutor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail: hictune@yahoo.com. ORCID iD: < https://orcid.org/0000-0002-4215-9314 >.
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