Resumo: Com o objetivo de apresentar como as caravanas evangélicas para a Terra Santa se relacionam com os conceitos de filossemitismo e sionismo cristão, este estudo faz uma análise do movimento trans-eclesiástico evangélico chamado Visão Celular no Modelo dos 12 e dos significados atrelados às suas viagens a Israel. Trata-se de uma pesquisa de viés socioantropológico, de abordagem qualitativa e de cunho etnográfico. Como resultados alcançados, foi possível verificar que as viagens à Sião são parte da ideologia político-religiosa ligada ao sionismo cristão, que ecoa no uso de aparatos, linguagem, musicografia e outros elementos do universo judaico, representando um filossemitismo dos evangélicos brasileiros ligados a esse movimento.
Palavras-chave: Evangélicos, Turismo religioso, Peregrinações, Filossemitismo, Sionismo.
Resumen: Con el fin de presentar cómo las caravanas evangélicas a TierraSanta están conectadas con los conceptos de filosemitismo y sionismocristiano, este estudio analiza el movimiento evangélico transeclesiásticodenominado Visión Celular en el Modelo de los 12 y los significados quese atribuyen a sus viajes a Israel. Se trata de una investigación socio-antropológica con un enfoque cualitativo y etnográfico. Los resultadosmuestran que los viajes a Sion forman parte de la ideología político-religiosa vinculada al sionismo cristiano, que se refleja en el uso de losaparatos, el lenguaje, la musicografía y otros elementos del universojudío, representando un filosemitismo de los evangélicos brasileñosvinculados a este movimiento.
Palabras clave: Evangélicos, Turismo religioso, Peregrinaciones, Filosemitismo, Sionismo.
Abstract: To present how the evangelical caravans to the Holy Land areconnected to the concepts of philo-Semitism and Christian Zionism,this study analyzes the trans-ecclesiastic evangelical movement calledCell Vision in the Model of the 12 and the meanings attached to theirtrips to Israel. It is socio-anthropological research with a qualitative andethnographical approach. As were its achieved, it was possible to verifythat the trips to Zion are part of the politico-religious ideology linked toChristian Zionism, which echoes in the use of apparatuses, language,musicography, and other elements of the Jewish universe, representinga philo-Semitism of Brazilian evangelicals linked to this movement.
Keywords: Evangelicals, Religious tourism, Pilgrimages, Philo-Semitism, Zionism.
Article
EM AMOR A SIÃO: AS CARAVANAS PARA ISRAEL DA VISÃO CELULAR NO MODELO DOS 12 (M12) COMO UM PROJETO DE ALIJAH ESPIRITUAL
En amor a Sion: Las caravanas a Israel de la Visión Celular en el Modelo de 12 (M12) como proyecto de alijah spiritual
In Love of Zion: the Visão Celular no Modelo dos 12 (M12) Trips to Israel as a Project of Spiritual Alijah
Recepção: 29 Maio 2023
Aprovação: 24 Agosto 2023
Os vínculos entre o judaísmo e o cristianismo podem ser encontrados desde a sua origem, no patriarca Abraão. Tendo o cristianismo surgido em meio a um grupo de palestinos que creram ser Jesus de Nazaré o seu messias e o seu livro sagrado sendo um compêndio que inclui não apenas ensinamentos e cartas dos primeiros cristãos, mas ainda os livros sagrados dos judeus, a relação entre essas duas religiões ocorre desde os seus primórdios.
Apesar de historicamente vinculadas, essas duas grandes religiões tomaram caminhos distintos ao longo dos séculos, mantendo um certo distanciamento e, em alguns momentos, até mesmo assumindo uma relação de oposição. Porém, no final do século XIX, começa a ocorrer um movimento de reaproximação entre cristãos e judeus, especialmente os sionistas, o que acontece com maior expressividade a partir do estabelecimento do Estado de Israel, em 1948. Esse vínculo, muitas vezes, resulta na manifestação do filossemitismo por parte dos cristãos e no compartilhamento do ideal sionista entre judeus e cristãos.
Na igreja evangélica brasileira, esse movimento de aproximação ocorreu de forma sutil, mas constante, ao longo do século XX, se tornando mais visível a partir do século XXI. Todavia, apesar dessa transformação vir ocorrendo há relativo tempo, este tema se tornou evidente aos cientistas sociais da religião brasileiros, especialmente – mas não exclusivamente –, a partir do mandato de Jair Bolsonaro como presidente da república. Isto porque boa parte das pesquisas que tangenciam o tema se apresentaram de forma mais robusta a partir do ano de 2018, como pode ser observado em uma breve busca em portais como o Google Acadêmico e o Portal de Periódicos da Capes.
A ponta do iceberg apareceu quando setores político-religiosos ligados à eleição deste candidato começaram a se movimentar em favor do Estado de Israel. Isso ocorreu tanto na proposta que a embaixada brasileira em Israel fosse transferida para Jerusalém, quanto nos discursos de congressistas nos palanques do Congresso Nacional em defesa do Estado de Israel (Gonçalves, 2015; Paganelli, 2018; Machado, Mariz & Carranza, 2021; Wachholz & Reinke, 2020; Reinke, 2022).
Entretanto, a montanha de gelo por baixo desse iceberg vem sendo edificada há alguns anos, um tanto quanto discreta aos pesquisadores brasileiros, que pouco observaram os caminhos que vinham tomando parte do segmento evangélico no Brasil em relação ao filossemitismo e ao sionismo cristão. O que alguns evangélicos denominam como “Visão de Sião” não surgiu de forma abrupta em meio aos religiosos, mas a partir de inserções, inicialmente discretas e constantes, de elementos da cultura/religião judaica nos seus templos, vestimentas, linguajar e rituais, assim como de uma doutrina escatológica que atribuísse uma centralidade à Jerusalém terrestre, e não a celestial.
Buscando desvendar essa lacuna, os trabalhos de Machado, Mariz e Carranza (2021) e de Reinke (2022) apontam que a genealogia do sionismo e do filossemitismo evangélico brasileiro ocorreu sob influência de religiosos norte-americanos e europeus, ao compartilharem a crença na doutrina dispensacionalista, por meio de literatura, programas televisivos, instituições para-eclesiásticas ou mesmo da presença pessoal em eventos no Brasil, o que teve início nos últimos anos do século XIX, mas que vem se intensificando entre o final do século XX e início do XXI. Para Reinke (2022: 16), o entrecruzamento de narrativas entre judeus e evangélicos, com o retorno dos judeus à Terra Santa e a instituição do Estado de Israel, trouxe aos “protestantes a aparente confirmação histórica de suas expectativas escatológicas tanto para o presente como para o futuro”, resultando com que o que ocorre naquele território adentre “no imaginário protestante como um fato do ‘relógio de Deus’” (Reinke, 2022: 21). Assim, em conjunto às doutrinas escatológicas e ao uso de objetos judaicos (Gherman, 2009; Topel, 2011), as viagens para Israel vêm se consolidando como um meio para aproximação com o judaísmo, para revelar o amor à Sião ou para demonstrá-lo.
Nas páginas que se seguem apresento parte de um estudo maior sobre as caravanas evangélicas para a Terra Santa (Frossard, 2013), fazendo um recorte do conteúdo no qual, através da pesquisa de campo, foi possível examinar a relação entre as viagens a Israel, o filossemitismo e o sionismo cristão. Apesar de tentar entender o universo desse tipo de viagem em meio aos evangélicos brasileiros em sua multiplicidade (Frossard, 2013), neste trabalho apresento, em específico, o caso do grupo que acompanhei mais de perto, vinculado ao ministério do apóstolo Renê Terra Nova, chamado de Visão Celular no Modelo dos 12 (M12). A escolha desse grupo, à época, se deu pelo grande número de fiéis que eram levados anualmente a Israel, especialmente por ocasião da Festa dos Tabernáculos. No entanto, durante a investigação, foi possível verificar que o tipo de viagem praticada em meio a esse subsegmento se encaixava no conceito de filossemitismo e tinha propósitos sionistas.
Em termos metodológicos, tomei como princípio a proposição de Geertz (1978) em torno das “teias de significado”, através da qual não parti em busca de leis, mas à procura dos significados, como uma ciência interpretativa. Logo, visando reconhecer os significados, foi preciso observar as pessoas, como se comportam, de que ponderam, como raciocinam e agem e, para isso, conversar com elas, observá-las e refletir sobre seus atos fez com que tomasse corpo, através do método etnográfico, aquilo que estava significado em todo lugar.
Portanto, lancei sobre o objeto desse estudo um olhar interpretativo em busca dos significados envolvidos no ato de viajar à Terra Santa. Nessa investigação, participar pessoalmente de uma caravana para Israel foi imprescindível para a compreensão do grupo, assim como partilhar de suas experiências durante a viagem. Mas não bastou apenas observar, foi necessário buscar explicações dentro da própria comunidade pesquisada, isto é, através de sua história e doutrinas, para ser capaz de fazer uma interpretação de suas próprias interpretações, intentando realizar uma “etnografia do pensamento”, no sentido de Geertz (1997).
A viagem empreendida para a pesquisa ocorreu em setembro de 2010, teve duração de 17 dias e passou pelos Emirados Árabes Unidos, Egito e Israel. Inicialmente, o grupo contava com cerca de 45 pessoas advindas dos diversos estados da federação, como Amazonas, Pará, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, São Paulo, dentre outros. Esse grupo tinha como diferencial a visita à Dubai e o acompanhamento, nesse trajeto, pelo apóstolo Renê Terra Nova. Posteriormente, no Egito e em Israel, outras caravanas vinculadas ao M12 se uniram à nossa e passamos a acompanhar um grupo de mais de 600 pessoas. Para a realização das viagens, o M12 conta com agências de turismo que são selecionadas pela Terra Nova Group, o que, em 2010, ocorreu por meio das empresas US Travel e Viaje Bem (ambas localizadas em São Paulo), TKR Turismo (da Bahia) e Evans Tur (de Santa Catarina). A coleta de dados durante a viagem se deu, basicamente, por meio da observação participante e de conversas informais advindas da minha presença no grupo, registradas em um diário de campo.
Além da viagem, foi realizada uma netnografia, entre o ano de 2006 e 2021, no universo virtual dessas caravanas. Houve o acompanhamento de redes sociais, websites e de uma gama de publicações relativas a esse grupo religioso, às agências de viagens a ele vinculadas e a seus líderes, bem como foram realizadas entrevistas e visitas a representantes desses segmentos (fiéis, líderes e agências), conforme pode ser observado em estudos anteriores (Frossard, 2013, 2018; Frossard & Quadros, 2022).
Assim, o objetivo desse trabalho está em apresentar as caravanas para a Terra Santa, vinculadas ao movimento trans-eclesiástico evangélico Visão Celular no Modelo dos 12, como uma interface entre propósitos cristãos e judaicos, com ênfase nas práticas de filossemitismo e na ideologia sionista. Para este propósito, com o intuito de contextua lizar o grupo pesquisado, foi essencial que algumas de suas doutrinas e cosmovisão fossem explicitadas aqui, o que se ocorreu na primeira parte desse artigo. Posteriormente, foram apresentados os dados relativos ao universo dessas caravanas para a Terra Santa, destacando os elementos que se vinculam ao tema transversal desse estudo: o sionismo cristão e o filossemitismo.
Visto que há uma heterogeneidade do segmento evangélico no país, não é possível generalizar comportamentos e interpretações e, portanto, entender a cosmovisão e doutrinas principais em que se assentam as igrejas vinculadas ao M12 é essencial para a compreensão de suas caravanas à Terra Santa. Vale ressaltar que a escolha por investigar esse grupo vem de sua estreita relação com Jerusalém e o Estado de Israel, bem como por ser uma das maiores caravanas evangélicas a levar, anualmente, um expressivo número de fiéis a Sião, reatualizando a tradição das peregrinações (Frossard, 2013). Além disso, esse movimento alcançou igrejas em todos os estados brasileiros e pertencentes aos mais variados tipos de protestantismos, tendo as viagens e suas decorrências repercussão por todo o território nacional.
Esse movimento trans-eclesiástico, que tem em seu cerne as mesmas características das igrejas neopentecostais (Mariano, 1999), se assemelha a uma estratégia de gestão e marketing multinível, a partir de um esquema de pirâmide hierárquica. Como diversas outras novidades em meio aos evangélicos, esse modelo para crescimento de igrejas foi um importado, tendo surgido, inicialmente, a partir do modelo G12 ou Visão Celular no Governo dos 12. Foi trazido ao Brasil pela apóstola Valnice Milhomens e pelo apóstolo Renê Terra Nova, tendo sido criado/proposto pelo pastor colombiano César Castellanos (Coelho, 2000). Rompendo com o G12, em 2005, o apóstolo Terra Nova criou a Visão Celular no Modelo dos 12, em que, no topo da pirâmide, estaria ele próprio. Além de manter as estratégias de evangelismo trazidas pelo G12, o M12 acrescentou práticas veterotestamentárias e o discurso de obediência e honra às autoridades (Dias, 2009).
Em termos doutrinários, além de compartilharem com as igrejas neopentecostais a Teologia da Prosperidade, a Confissão Positiva, os Atos Proféticos, a Batalha Espiritual e a Teologia do Domínio, a principal “novi dade” foi a implantação da Visão de Sião (Frossard, 2013). Nesta proposição, os discípulos são ensinados a entender que é a partir de Israel, e não de Roma, que irradia a fé cristã. Por conta disso, o apóstolo Terra Nova, “como um porta-voz dessas instruções bíblicas (...) tem despertado na Igreja o amor por Sião e o retorno aos princípios da Palavra, bradando para que o povo de Deus saia de Roma e volte para Jerusalém” (Israel, 2012).
Desse modo, nesse grupo evangélico os fiéis são incentivados a romperem com as tradições advindas do Império Romano e do Catolicismo Romano – como, por exemplo, a comemoração do Natal (Nova, 2010) – e a guardarem as festas judaicas e o sábado (História, 2012), além de realizarem diversas outras bricolagens com elementos do universo judaico. Esse incentivo a que o fiel tenha uma relação com Jerusalém e Israel faz com que muitos elementos da cultura/religião judaica adentrem às igrejas pertencentes à Visão Celular. De acordo com Topel (2011),
(...) é cada vez mais comum a apropriação de símbolos, rituais e trechos da liturgia judaica. Entre eles têm destaque a estrela de David (na bandeira do Estado de Israel ou simplesmente como um ornamento dentro das igrejas), a menorá (candelabro de sete braços), o shofar (chifre de carneiro cujo som tem lugar destacado nas comemorações do Ano Novo Judaico e no Dia da Expiação), o talit (acessório em forma de xale usado pelos judeus ortodoxos), réplicas da Arca da Aliança e passagens escritas em hebraico, tanto nos livros litúrgicos como nas paredes dos prédios dessas igrejas. Em algumas denominações evangélicas é comum que se celebre a Páscoa Judaica e a Festa dos Tabernáculos (…). Finalmente, quase todas as igrejas evangélicas organizam viagens a Israel nas quais seus membros e simpatizantes visitam, além dos lugares santos cristãos, os lugares sagrados do judaísmo, como o Monte Sião e o Muro das Lamentações. (Topel, 2011: 36)
Contudo, diante de acusações como a de sincretismo ou bricolagem religiosa, o apóstolo Terra Nova prontamente faz sua defesa e justifica o uso desses elementos e práticas nas igrejas da Visão:
Me desculpe, mas alguém dizer que a Visão é judaizante é uma ignorância teológica. Essa pessoa não sabe o que é judaísmo. O judaísmo nasceu depois do cativeiro babilônico e nem as festas judaicas que os judeus celebram são festas judaicas, são festas hebraicas. As pessoas não mergulharam nesse sentido porque a Igreja, ao ser cristianizada por Constantino, não teve o entendimento do que é a visão de Jerusalém. Então, a visão de Jerusalém é a visão que a Bíblia diz, que de Jerusalém saiu a Palavra e de Sião a lei para toda a terra. Nós sabemos que há um sinal em Jerusalém para as nações (Rosário, 2008).
Topel (2011: 38) corrobora a versão de que essa reaproximação ao judaísmo indicaria um “retorno” dos evangélicos ao Antigo Testamento, fixando uma posição contrária às diretrizes da igreja romana. Ela complementa afirmando que “a leitura de versículos da Bíblia hebraica levaria quase que naturalmente à incorporação de trechos da liturgia judaica nos cultos dessas igrejas, bem como à utilização dos símbolos judaicos”. Por esse motivo, nas comunidades do M12, é comum que cantem músicas hebraicas em suas solenidades. O apóstolo do M12, Gilmar Britto, que foi responsável por produzir um conjunto de álbuns contendo músicas hebraicas, justifica que “estes CD’s trazem de fato os louvores de Sião para a Igreja, conduzindo as pessoas para Jerusalém” (Músicas, 2009).
Igualmente, é possível observar que a presença de elementos da tradição judaica se apresenta como um meio de conexão com o divino e com Jerusalém, e, por isso, não somente as músicas, mas todo um linguajar e o uso de objetos judaicos estão presentes nos templos das igrejas vinculadas ao M12. O que também é observado por Gherman (2009), ao apontar que:
A presença do judaísmo pode ser sentida nos cultos pentecostais através de palavras e canções em hebraico ou a partir de símbolos sionistas ou judaicos encontrados dentro das igrejas. Diferentemente de outros grupos cristãos brasileiros, que mantêm uma relativa distância de elementos judaicos ou do Estado de Israel, o pentecostalismo brasileiro transmite um sentimento de forte afinidade para com Israel. Esta afinidade traz resultados econômicos e políticos, como o vigoroso incremento de turismo do Brasil para Israel e o aparente apoio político dado a Israel pelos políticos das igrejas pentecostais. (Gherman, 2009: 58)
Mas cabe ressaltar que esse “voltar a Jerusalém” não é novidade em meio à igreja cristã, ocorrendo desde a sua origem, conforme relatos bíblicos nas cartas do apóstolo Paulo e no livro de Atos dos Apóstolos. No entanto, atualmente, apesar da roupagem religioso-espiritual, há também um posicionamento político de apoio ao Estado de Israel. Gherman (2009) acredita que em termos simbólicos, as igrejas brasileiras apoiam Israel ao fazer uso de símbolos sionista e de elementos da tradição judaica. Para ele,
conceitos como ‘Terra Prometida’ e ‘Povo Escolhido’ são repetidos diversas vezes pelos pastores em sermões e rodas de oração. O Estado de Israel se torna assim um exemplo de benção divina. Nesta perspectiva, o ‘Povo de Israel’ e o Estado de Israel passam por um processo de santificação dentro das igrejas pentecostais (...). (Gherman, 2009: 58)
Isto coloca o judeu moderno e o moderno Estado de Israel sob uma missão messiânica. Essa missão messiânica estaria atrelada à visão escatológica abarcada pelas igrejas do M12, pois creem que haverá o reestabelecimento do reinado davídico em Jerusalém, através do Cristo que governará o mundo a partir dali, ou, “mais precisamente: na segunda vinda, Jesus se manifestará em Jerusalém e dessa cidade iniciará seu reinado messiânico. Em poucas palavras: o ponto de partida já não se encontra em Roma, mas tem retornado a Jerusalém (Schaly, 1992)” (Tofel, 2011: 40).
Nesse sentido, Tofel (2011: 40-41) infere que as igrejas neopentecostais apoiam a “existência de um Estado judeu nas terras de Israel por acreditar que o mesmo tem papel central no plano divino, constituindo um pré-requisito para a volta de Jesus e o início de seu reinado messiânico.” Portanto, essa visão messiânica de Israel toma contornos não apenas religiosos-espirituais, mas também uma forma política de vislumbrar o atual Estado de Israel, conforme é possível observar no website do MIR12, a igreja pastoreada pelo apóstolo Renê e referência para as demais seguidoras da Visão:
Como cristãos, não podemos fechar nossos olhos para a nação de Israel. Deus preparou, a partir de Abraão, o caminho para formar um povo separado e que Lhe fosse nação sacerdotal, povo santo e propriedade exclusiva – o povo israelita. Desse povo que trazia o sinal da aliança com Deus, nasceu Jesus, o Messias que nos reconciliou com Deus, abolindo a parede de separação entre judeus e gentios e nos fez um único povo – o povo de Deus. As raízes cristãs estão firmadas na Lei, nos Profetas e no Messias Jesus, que nasceu em Belém de Judá, viveu e pregou o Evangelho nas regiões de Israel, morreu e ressuscitou em Jerusalém, e um dia voltará para Jerusalém, conforme ensinam as Sagradas Escrituras. O nosso desejo é que você se disponha a conhecer mais sobre Israel, a amar esta terra e a cumprir o chamado de orar pela paz de Jerusalém, consolar o povo israelita e celebrar as Festas Bíblicas! (Israel, 2012)
Para consolidar essa estreita relação entre as igrejas da Visão Celular e o Estado de Israel, além do que já foi descrito aqui, ocorrem eventos esporádicos que abordam a temática. Para exemplificar, em um congresso da Visão, realizado em 2012, um dos palestrantes, Jürgen Bechler, da Embaixada Cristã Internacional de Jerusalém (ICEJ), ministrou a respeito da relação que o fiel brasileiro deve ter com o Estado de Israel. Para ele, Deus abençoaria de maneira extraordinária aqueles que abençoassem o povo judeu e a nação de Israel. Ao final de sua preleção, ele conclamou os fiéis presentes no evento a apoiarem Jerusalém e terem compromisso com a “nação de Deus” por meio de três atitudes: orar por sua paz, falar bem dessa cidade e ir até Jerusalém. Por fim, ele rogou aos fiéis que:
mostre publicamente que você ama Israel e que você toma uma decisão estratégica de somar com Jerusalém. Eu peço a Jesus que os abençoe e sele essa decisão pelo Espírito Santo. E que vocês sejam lembrados pelo próprio Espírito a não arrefecerem nessa decisão. E que através de suas vidas, o povo judeu seja abençoado através de visões, sonhos. (Decisões, 2012)
Além desses eventos públicos que propagam a Visão de Sião entre os fiéis, a relação política também ocorre nos bastidores, onde os líderes do movimento são convidados a apresentar “propostas para atividades mais impactantes e ações mais efetivas em prol do povo Judeu e do Estado de Israel” (Apóstolos, 2008). Em um episódio ocorrido em 2008, por exemplo, Renê e outros dois apóstolos sob sua autoridade participaram, em Nova Iorque, de eventos realizados na sede da ONU e da Embaixada Israelense, promovidos pela Eagle’s Wings.1 Tais eventos tiveram como objetivo reunir autoridades políticas e religiosas ligadas a Israel para que pudessem orar por Jerusalém e traçar estratégias de apoio a este Estado. Conforme documento divulgado no website do MIR12:
As lideranças hebraicas têm entendido que os cristãos evangélicos no mundo inteiro têm servido de apoio integral ao povo judeu. Eles olham hoje os evangélicos como aqueles que podem apoiar diretamente o Estado de Israel através de suas várias representatividades sociais, políticas e redes de influências por todo o mundo. Tudo isso baseados em determinados princípios, como por exemplo, a crença no mesmo Deus. Tal como os judeus, os cristãos creem no Deus de Abraão, Isaque e Jacó; creem num Deus de amor e não de ódio; creem que Jerusalém é a capital religiosa do povo judeu, única e indivisível. Com tais pensamentos semelhantes, judeus e cristãos evangélicos tornam-se mais fortes e unidos em prol de uma mesma causa que agrada a Deus. (Apóstolos, 2008)
Interessante observar que essa relação com Sião extrapola o universo religioso. Em 2009, por exemplo, o apóstolo Terra Nova enviou uma carta de repúdio ao Gabinete da Presidência da República pela visita agendada do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, demonstrando sua reprovação por causa da estremecida relação entre o Irã e Israel.
Outro acontecimento, também no ano de 2009, fez com que o MIR12 se manifestasse em seu website, mobilizando cristãos a orarem e a manifestarem apoio a ações de Israel contra Gaza. Em uma postagem, o pastor Paul Robert Philips, assessor da Embaixada de Israel, enviou um comunicado no intuito de mobilizar as lideranças evangélicas a manifestarem apoio a Israel, documento esse que foi compartilhado por Terra Nova em sua rede de comunicação, dizendo:
No comunicado, o Reverendo Paul incentiva os cristãos a enviarem uma mensagem de apoio a Israel, através dos diversos meios de comunicação, aos cadernos de opinião de jornais, editores, blogs, mostrando que também nesta hora tão difícil, Israel, a Terra Santa, pode contar com os pastores e com o povo evangélico do Brasil.
O povo de Deus deve estar alerta quanto ao assunto, pois a maioria das notícias são produzidas através de uma mídia antissemita que, muitas vezes, acaba distorcendo imagens e fatos. Através do site da Embaixada de Israel no Brasil, http://brasilia.mfa.gov.il, você pode acompanhar os comunicados oficiais de Israel sobre esta guerra. (Terra, 2009)
Em 2018, ano em que o Estado de Israel celebrava 70 anos e o M12 20 anos de existência, a comemoração do Fruto Fiel (evento em que celebram a multiplicação da semente /células) do MIR12 saudou Israel com “uma queima de fogos [que] abrilhantou os céus de Manaus acompanhada de uma intensa intercessão por Sião” (Bandeira, 2018). E, por causa da Visão de Sião, as igrejas vinculadas ao M12 celebram todas as festas do calendário judaico em seus cultos, estendem a bandeira do Estado de Israel e/ou da cidade de Jerusalém dentro do templo, fazem diversos Atos Proféticos relacionando a bandeira israelense à brasileira, e fazem uso de aparatos religiosos dos judeus. Isso ecoa no cotidiano dos fiéis que, também, passam a decorar suas casas com objetos da religião judaica, como por exemplo a menorah e a mezuzah (Frossard, 2013).
Assim, o resumo dessa relação entre as igrejas do movimento M12 e o Estado de Israel pode ser encontrado na página do MIR12, que diz:
Devolver a Igreja ao cristianismo genuíno, saindo dos conselhos de Roma e voltando para a visão de Jerusalém é um dos propósitos da Visão Celular no Modelo dos 12, alicerçada na certeza de que a Visão de Sião é, primordialmente, bíblica (...) (Isaías 2:3).
Deus nos deu a revelação de que a “salvação vem dos judeus” (I João 4:22) e que Israel é o propósito divino para a Redenção de toda a humanidade, por isso voltamos os nossos olhos para Israel convencidos de que os acontecimentos que marcaram a vida do povo judeu no passado e tudo o que ocorre naquela Nação nos dias de hoje são sinais para os [sic] creem que Sião é o relógio profético do Eterno.
Relembrar o passado desse povo ajuda cada um de nós a entender o que acontece na Terra neste século e, principalmente, a se preparar para o que ainda está por vir. Passado, presente e futuro se juntam para o cumprimento de tudo aquilo que o Guarda e Redentor de Israel prometeu para o Seu povo e para todos aqueles que creem no Seu nome.
Convicto de que há um sinal em Jerusalém para toda a Terra, o Apóstolo Renê Terra Nova tem ensinado aos discípulos e incutido em seus corações o amor por Sião, celebrando as Festas Bíblicas e entendendo que Deus ama a nação de Israel e quer que sua Igreja a ame também. Ele lidera caravanas anuais para a Terra Santa e já ascendeu a Israel mais de 60 vezes, além de realizar muitas outras ações em prol de Sião que ganharam notoriedade ao longo dos anos e o tornaram Embaixador da Embaixada Cristã Internacional, ICEJ, no Brasil e países sul-americanos.
(...) Israel é a nação primogênita, escolhida por Deus, preferida por Ele para fazer dela a Sua habitação, e será para sempre o Seu repouso. Ore, ame, respeite e viva a Visão de Jerusalém! (Pinheiro, 2018)
Enfim, a Visão Celular, como um movimento trans-eclesiástico de cunho neopentecostal, vem compartilhando boa parte das doutrinas presentes nas demais igrejas neopentecostais, mas estas estando especialmente embasadas nos ensinamentos e doutrinamentos do apóstolo Renê Terra Nova, que, no topo da pirâmide, transmite aos seus discípulos a sua visão e missão religiosas, dentre elas, o amor por Sião. Portanto, no próximo item deste artigo serão elucidados os significados envolvidos no ato de subir a Jerusalém pelos fiéis e líderes evangélicos do M12.
Talvez você não veja muita coisa santa em Israel, mas a terra é santa. Deus disse que a terra é santa. O que não é santo não elimina o decreto de Deus. Precisamos honrar a promessa que Deus liberou. Portanto, devemos crer que nossa sorte mudará depois que a multidão vir e que a colheita chegar. Podemos observar a grandeza de Deus, como Ele tem sido bom apesar de nós e de nossas atitudes. A mudança de sorte que virá sobre a sua vida será notória. No próximo ano, 2010, retornaremos a Sião com nossa família. (Costa, 2009)
Como essa fala registrada acima, dia após dia o apóstolo Renê Terra Nova vem se esmerando em doutrinar seus seguidores na perspectiva de que aquele território é sagrado e que, mesmo que haja problemas, isso não invalida o adjetivo. Sendo, então, uma terra santa, ele acredita que haverá uma “mudança de sorte” se seus seguidores e, quiçá, todos os cristãos, subirem a Jerusalém e experimentarem da colheita advinda de Sião.
Desse modo, como um entusiasta do Estado de Israel, invariavelmente, Terra Nova convoca seus liderados a se tornarem embaixadores de Israel em todos os lugares que estiverem. E o primeiro passo para que isso aconteça se refere a visitar e conhecer, não apenas de ouvir falar, a terra que tanto amam. Pois, conforme afirma em seu website,
estar em Israel, pisar na Terra Santa, realmente não é fazer turismo, é atender a uma chamada profética, é sair dali com a missão de um Embaixador, contrariando as notícias deturpadas da mídia e testemunhando a todos que o Deus de Israel é Fiel e não mente jamais em Suas promessas. (Teixeira, 2012)
Como uma das mais importantes missões que o cristão vinculado ao M12 tem ao ir a Israel, essa incumbência é ressaltada também no documento que realiza uma retrospectiva da caravana do ano de 2009. Conforme foi relatado:
trouxemos de Sião muitas palavras, dentre elas a de que somos embaixadores. Mas sabemos que trouxemos muito mais que palavras. Cada peregrino pode trazer de Sião a imagem certa e não a que a mídia insiste em propagar. Esta Caravana volta com uma missão: proclamar nos céus do Brasil e por onde for o mesmo que Josué e Calebe proclamaram. Porque a verdade sobre a terra é: a terra é boa e mana leite e mel. (Retrospectiva, 2009)
Portanto, visitar Israel e ascender a Jerusalém transcende a ideia de turismo, uma vez que quem participa dessas caravanas é destacado para a missão de representar e defender o Estado de Israel onde quer que esteja, enfatizando que se trata de uma terra sagrada e boa. E, ter estado lá é, de certa forma, uma credencial que avaliza tal posicionamento.
Usar as viagens como estratégia de propagação de sua mensagem, de acordo com Cohen (2004), faz parte de um movimento que tem seus fundamentos estabelecidos e incentivados por um pequeno, mas influente, grupo de cristãos sionistas. Eles acreditam que foram divinamente nomeados para trazer o povo escolhido de volta da diáspora, reconstruir o Reino de Israel dentro das fronteiras mandatadas biblicamente e reestabelecer o Templo de Salomão e seus rituais. E o ICEJ seria uma dessas instituições que estaria trabalhando para apressar o cumprimento da profecia bíblica ao ensinarem sobre a Visão de Sião e ao promoverem, anualmente, um grande evento em Jerusalém para que os cristãos de todo o mundo, adeptos dessa visão, celebrem a Festa dos Tabernáculos:
Esse tipo de viagem, segundo a Embaixada, divinamente inspirada, visa não a visitação de lugares históricos da vida e morte de Cristo, mas em ver a maneira que Cristo, por meio de seus trabalhadores no mundo contemporâneo está preparando o caminho para seu retorno. (Frossard, 2013: 282)
Tendo participado da Festa dos Tabernáculos em 1984, Cohen (2004) percebeu que tal peregrinação tratava-se de um projeto político que visava integrar cristãos do mundo todo fazendo-os embaixadores do Estado de Israel, ao uni-los ao povo judeu em sua história e sua luta. Ele relatou que durante os dias da celebração do evento os cristãos sionistas apresentavam e analisavam estratégias que pudessem trazer para eles o fim do presente exílio dos judeus e dos judeus espirituais, conclamando o prometido reino messiânico feito por Deus. Contudo, Cohen ainda ressalta que por mais que esse encontro soasse como um workshop político, não deixava de haver o caráter religioso.
Esse mesmo propósito continua ecoando e foi o que pude observar na caravana que participei para a celebração da Festa dos Tabernáculos em 2010. Todos os anos o apóstolo Renê leva suas caravanas para subir a Jerusalém para celebrar a festa promovida pela ICEJ, se tornando um dos maiores apoiadores desse projeto. A importância da presença dos brasileiros, especialmente conduzidos por Terra Nova, resultou inclusive na inserção, no evento, de uma celebração feita para os brasileiros, que ocorre todos os dias da festa, no período da manhã.
Por seu empenho em levar a cada ano caravanas ainda maiores, Terra Nova é tido com alguém de renome e prestígio para os propósitos da instituição (Frossard, 2018). No ano de 2008, por exemplo, ele capitaneou um grupo de cerca de mil e quinhentos fiéis para participar da festividade, o que repercutiu em sua imagem no evento. Conforme narrado por Beatriz Teixeira (2008a):
Na primeira noite da Festa no BHU [Centro de Convenções Internacional de Jerusalém, chamado anteriormente de Binyanei HaUma] os brasileiros foram honrados pelo Diretor da ICEJ, Malcom Hedding, que declarou: “Este ano, esta Festa é dos brasileiros”. Muitos gritos de júbilos foram ouvidos e uma olhada ao redor via 70% do auditório tomado por brasileiros. A Ministra do Turismo, Ruhama Avraham Balila, deu as boas-vindas a todos e reconheceu que via nos olhos de cada um o amor por Israel. “Eu me alegro com sua visita. Saibam que as portas de Jerusalém estão abertas a todas as nações em todos os tempos. Espero que você volte, porque vocês são bons embaixadores.” Dirigindo-se ao apóstolo Renê Terra Nova, agradeceu pelo trabalho que ele desenvolve gerando amor nas pessoas por Jerusalém, e por ter conseguido trazer 1.500 peregrinos este ano a Sião. (Teixeira, 2008a)
Interessante que no ano de 2004, durante a Intifada, o governo israelense também se manifestou aos peregrinos que haviam subido a Jerusalém para celebrar a Festa, conforme relato a seguir:
O ministério do turismo de Israel disse que nem Osama Bin-Laden nem Yasser Arafat podem impedir, com seus ataques terroristas, que as multidões venham à cidade do rei Davi, a única capital perpétua e indivisível do Estado de Israel. Disse mais que o governo israelense sente ainda mais força para prosseguir com sua luta contra os extremistas quando vê a cidade receber tantos amigos e amantes de Sião. E que a presença de tantas nações por ocasião das festas de Sucot animam os judeus, trazem o sorriso aos seus rostos tão cansados de dissabores. Israel, disse o ministro, precisa que cada um que veio aqui para esse evento traga pelo menos mais um amigo no próximo ano (…). Autoridades civis, miliares e da sociedade do alto escalão de Israel estavam presentes na noite das nações que em sua apresentação teve seu apoteosar marcado por palmas, gritos e a manifestação peculiar a cada país. (...) A noite foi encerrada quando o representante de Israel entrou. Nesse momento todos os povos, sem distinção de raça ou cor, deram as mãos e cantaram o hino de Israel (Celebração, 2004).
Nesse relato é possível verificar a forte relação política entre os peregrinos cristãos e o Estado de Israel na festividade de Tabernáculos organizada pelo ICEJ, uma vez que não apenas políticos do país participam do evento e fazem discursos sionistas, como também os fiéis, que se unem em uma cerimônia de caráter religioso e entoam o hino de Israel, mesmo em meio a um conturbado período político. Quanto aos peregrinos brasileiros, o apóstolo Gilvan Santos (2009) afirma que as caravanas do apóstolo Renê são reconhecidas “pelo Estado de Israel, pois mesmo em momentos de guerras e repressões, nos posicionamos como amantes incondicionais de Sião e não cancelamos nossas viagens”.
Por conta desse empenho dele em se posicionar a favor de Israel, ensinar sobre o amor a Sião e levar muitos visitantes para lá anualmente é que Renê foi, em algumas ocasiões, homenageado. Em 2008, o apóstolo foi honrado pela ICEJ e também pelo Ministério do Turismo de Israel (Teixeira, 2008b). Em 2009, o diretor da ICEJ afirmou que “nós sabíamos que os brasileiros viriam a Festa dos Tabernáculos. Deus vos deu uma reputação em Sião” (Costa, 2009). Em outra oportunidade, a ICEJ prestou homenagem “como reconhecimento pelo trabalho que o apóstolo tem desenvolvido em mais de 20 anos, quando levou milhares de brasileiros à Festa dos Tabernáculos, em todos os anos” (Nobre, 2010).
Contudo, talvez as homenagens mais importantes da “carreira religiosa” de Renê tenham sido conferidas por órgãos governamentais israelenses. Em 2013, o apóstolo foi homenageado pelo Parlamento de Israel com o reconhecimento de líderes que incentivam fiéis a irem à Israel, contribuindo com o crescimento econômico daquela nação (Líder, 2013). E em 2019 ele recebeu a Medalha Jerusalém de Ouro das mãos do então presidente Jair Bolsonaro e do Embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley, em solenidade que marcou os 71 anos de fundação do Estado de Israel e reuniu nomes de diferentes segmentos da sociedade que fortalecem os laços entre Israel e Brasil. O apóstolo foi lembrado como “amante incondicional de Sião” e por levar caravanas a Jerusalém há mais de 30 anos (Costa, 2019).
Como enfatizado anteriormente, o amor a Sião ocasiona, inclusive, assumir os inimigos do Estado de Israel e dos judeus como seus próprios inimigos políticos, o que tem reflexo nas caravanas desse grupo religioso. Em 2009, por meio de uma circular, Renê informou aos participantes da caravana que iria acontecer no período da Festa de Pentecostes que a rota precisou ser reformulada, havendo o cancelamento do trecho que passaria pela Turquia, por conta do apoio do governo turco ao presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad (Frossard, 2013). Talvez, por motivos semelhantes, “as caravanas do apóstolo não visitem locais que estejam dentro do território governado pela Autoridade Nacional Palestina, como Belém e Jericó” (Frossard, 2013: 286-287).
É importante ressaltar que:
As relações políticas entre as peregrinações evangélicas e o Estado de Israel já foi tema de estudo de Belhassem e Santos (2006), em que, analisando as caravanas de grupos evangélicos (evangelicals) norte-americanos para a Terra Santa, identificaram que o turismo era usado para promover uma visão teológica e ideológica, que possuía ramificações políticas com o Estado de Israel e suas circunstâncias políticas. (...) Diversos pesquisadores têm examinado a política como uma parte integrante da atividade turística, uma vez que envolve relações de poder entre diferentes atores que participam desse setor. Entretanto, grande parte desses estudos têm se debruçado em entender o papel político e as suas intervenções na estruturação e no desenvolvimento dos destinos turísticos, deixando de lado o enfoque em que as políticas e ideologias são transmitidas, através do turismo, a turistas e anfitriões. (Belhassen & Santos, 2006) (Frossard, 2013: 283)
É esse o sentido que os estudos de Eade e Sallnow (1991) apontam para as peregrinações, uma vez que nas sociedades modernas e complexas, essas viagens se apresentam como arenas onde competem discursos seculares e religiosos, ortodoxias oficiais e interpretações populares de uma doutrina. Tudo isso coexistindo e se articulando em um sistema abrangente de trocas econômicas e políticas, como se pode observar nessas caravanas para a Terra Santa (Frossard, 2013).
Israel do tempo presente vem se configurando como um local, nesse mundo, no qual os fiéis evangélicos podem experimentar um pouco da glória eterna dos céus, transpondo o conceito da Jerusalém eterna, aguardada pelos cristãos, para a Jerusalém atual. Isso pode ser observado através de uma chamada para a caravana de Renê:
Subir a Jerusalém é uma experiência sobrenatural, pois se rompe barreiras físicas e espirituais como: atravessar fronteiras, muralhas, desertos, adversidades e incredulidades. Israel é uma terra de contrastes, pois vemos a terra que floresce no deserto, a neve que cai em uma terra seca, a paz que reina em meio à guerra e o possível acima do impossível. [É] como chamar à existência aquilo que não existe e contemplar com os olhos materiais o invisível. Andar pelas ruas de Israel é como caminhar sobre a palavra de Deus, a percepção que temos é que o céu desce sobre nós e somos tomados por uma alegria inefável. A sensação que se tem é que fazemos parte daquele lugar e que estamos voltando para nossa casa! Ir para Israel, é mais que um mero turismo, é cumprir um mandamento bíblico que está registrado em Zacarias (14:16-18) em que todas as nações da terra subirão de ano em ano a Jerusalém para adorar o Grande Rei, o Senhor dos Exércitos! Portanto, subam conosco: Ano que vem em Jerusalém! Até Lá! (Iarc, 2012)
Após conectar tantos predicados àquele espaço geográfico e ao ato de pisar em solo sagrado, os fiéis são desafiados a experimentar o que já vivenciaram na imaginação. Nessa representação, Israel físico, atual e moderno, é capaz de trazer à existência o que não existe, possibilitando que, por meio dele, o invisível seja visto e a fé seja materializada. Ou seja, tudo que se encontrava na imaginação do fiel, especialmente pelo universo simbólico produzido ao longo de sua existência, a respeito de uma terra prometida, é, finalmente, tornado visível e real através da viagem à Terra Santa.
Porém é o amor a Sião, bem como as promessas a ele vinculadas, que têm levado centenas de pessoas a subirem a Jerusalém, ano após ano, nas caravanas promovidas pelo apóstolo. Como fruto desse amor, a prosperidade atinge aqueles que seguem esse ensinamento, conforme o próprio Renê afirma:
Com relação a Israel, as promessas de prosperidade e chuva sobre a família e sobre a nação, estão também ligadas a algumas condições: orar e amar! (...) O amor a Sião desata nossa fé para ascender a Jerusalém e celebrar ao Senhor durante Suas Festas. (Nova, 2012a)
Ascender a Jerusalém deve, assim, ser resultado do amor por Sião e da obediência à Deus ao ter como objetivo celebrar as festas bíblicas, que, segundo Terra Nova, “são, antes de tudo, Festas do Senhor” (Celebração, 2016).
As festas bíblicas, que aparecem no antigo testamento, foram, durante séculos, substituídas ou ressignificadas pelo cristianismo, a exemplo da Páscoa e Pentecostes. Contudo, corroborando seu posicionamento ideológico-religioso, Renê acredita que seja melhor que os cristãos celebrem as festas presentes no texto bíblico do que as que são “repletas de fantasias” que têm feito parte da religiosidade ocidental (Festa, 2011).
Ao retornarem às festas bíblicas, no entanto, esse grupo de fiéis as reatualiza conforme os significados culturais, históricos e religiosos que fazem, a partir da leitura atual desses acontecimentos (Hervieu-Léger, 1997; Hobsbawn & Ranger, 2008). E isso pode ser observado no trecho a seguir, a partir da alocução do apóstolo.
Estamos em dias de celebração das festas bíblicas – Qual é a nossa porção de bênção? Por que será que o diabo trabalhou tanto para esconder as celebrações bíblicas? Por que ele lutou tanto e matou pessoas para que não descobrissem os mistérios divinos? Por que o inimigo tenta impedir que as pessoas saibam como podem ser abençoada nas épocas e estações que o próprio Deus escolheu para trazer alegria e felicidade ao Seu povo? O que esta por trás das festas bíblicas? Cada festa bíblica é: UMA ESTAÇÃO DE BÊNÇÃO. As festas bíblicas são sempre estações de milagres. é exatamente quando começa uma nova onda de bênçãos sem medidas sobre toda a Terra e sobre o povo de Deus. (Yom, 2008, grifo no original)
Por esse motivo que durante todo o ano o apóstolo se esforça em promover as suas caravanas a Israel, especialmente para a Festa de Tabernáculos, seja presencialmente ou seja por vídeos ou circulares que remete aos seus liderados em todo o Brasil. Esses documentos são importantes no sentido de fornecer uma teia de significados para o produto que ele promove, fazendo com que não seja simplesmente uma viagem, mas uma experiência espiritual para a vida.
Em suas circulares ele sempre reafirma seu amor a Sião e seu compromisso com aquela terra, além de ensinar que ascender a Jerusalém é uma chamada divina, sonho de todo servo de Deus e que ele próprio é o facilitador para esse cumprimento. E, aos que forem a Israel, especialmente em Tabernáculos, eles experimentam a fé “desatada”, recebem a visão de Sião e, principalmente, uma colheita assombrosa, além de honrar aquela nação (Frossard, 2013).
A ida à Jerusalém para a Festa dos Tabernáculos é baseada no texto do profeta Zacarias, que diz que:
Todos os que restarem de todas as nações que vieram contra Jerusalém subirão de ano em ano para adorar o Rei, o SENHOR dos Exércitos, e para celebrar a Festa dos Tabernáculos. Se alguma das famílias da terra não subir a Jerusalém, para adorar o Rei, o SENHOR dos Exércitos, não virá sobre ela a chuva. (Zacarias (14:16-21)
Conforme Terra Nova, “a Festa dos Tabernáculos é a festa do Messias, a festa que trará de volta o Messias”. Sendo assim, ao celebrarem a festa, não apenas garantem as bençãos dela advinda, mas prepara a volta do messias. Por isso, para ele, subir para essa festa deve ser prioridade para os seus discípulos, uma vez que, ao optarem por outra coisa em detrimento da viagem, o fazem porque perderam a visão e estão atraindo para si maldição e impedindo o agir de Deus (Frossard, 2013). De acordo com Renê:
Que sonho mais uma vez estarmos em Sião. Nada pode ser nosso desejo maior do que a preferência que devemos ter por Jerusalém, de acordo com Salmos 137. Não podemos dissociar nossa prosperidade de Sião. Entrarmos em Sião já nos dá direito a um pacote de bênçãos completo. E como tem sido extraordinário o que Deus tem nos ministrado, de acordo com a legitimidade. Jerusalém é o único lugar no Planeta que Deus escolheu e deu nome. Deus elegeu Israel e proclamou esse nome. O nome Israel, o nome Jerusalém é bradado desde o céu. Deus jamais esqueceu da Sua promessa sobre Israel, o povo do Senhor. E nós que estamos debaixo dessa visão, também podemos nos alegrar porque temos direito a mesma promessa. (Nova, 2012b)
Com a promessa de prosperidade é que a Festa dos Tabernáculos tem se tornado a mais popular entre esse grupo religioso, havendo oportunidades em que as caravanas do apóstolo envolveram mais de 2 mil pessoas. Todavia, ainda que não alcance esse número todos os anos, são centenas de fiéis levados anualmente, de uma única vez, para celebrar a festa em Jerusalém. E existem fiéis que sobem ano após ano para garan tirem sua colheita e expressarem seu amor por Sião e sua obediência ao seu líder. Saem de lá convencidos de estarem de posse da benção e recebem a incumbência de serem “embaixadores” de Israel (Frossard, 2013).
É por isso que o enfoque da caravana do apóstolo está muito mais na experiência e nos cultos ministrados em locais estratégicos, bem como na participação no período da manhã e da noite no evento do ICEJ, em detrimento à visitação a lugares históricos ou culturais da fé cristã. Ainda que existam essas visitas, a maior parte dos lugares visitados têm o enfoque de serem um lugar para a ministração do líder, havendo músicas e prédicas e muitas vezes rituais, como o ofertório e o batismo.
Sobre as festas celebradas, curioso é o fato de que também festejam Hanukkah ou Festa das Luzes, que não é uma festividade ordenada aos hebreus, mas uma tradição judaica. O apóstolo defende a sua comemoração pelos cristãos afirmando que Jesus celebrou essa festa enquanto esteve na Terra (Entramos, 2020). Sendo assim, substituem a festa cristã do Natal, a qual atribuem como pagã por ter sido criada por Roma, pela festa judia, refletindo uma espécie de filossemitismo.
Além de tudo o que foi exposto, alguns momentos da viagem precisam ser trazidos à luz, no sentido de revelar ainda alguns outros laços entre as caravanas do apóstolo Renê, a referência cruzada entre o Israel celestial e o Estado de Israel e o filossemitismo.
Dentre os fiéis há a crença de que “os olhos do Senhor” estão sobre Israel e, portanto, seus ouvidos mais propensos a atender as orações ali apresentadas. A começar do Muro das Lamentações, espaço sagrado para os judeus, esse lugar é tomado por brasileiros evangélicos que, acreditando ser um local de contato poderoso com o divino, depositam suas orações em papéis inseridos nos buracos do muro e ali se dirigem para orar. De alguma forma, se é sagrado para os judeus, para os cristãos também o é, como se pode notar. Outra crença observada é a de que devem “semear em solo fértil”, sendo a Terra Santa este lugar. Assim, fazem diversas coletas de ofertas durante toda a viagem, seja no evento do ICEJ, sejam nas ministrações nos passeios. E de tal modo, os fiéis que plantam em shekels, ou seja, fazem ofertas em Israel, colhem a prosperidade em reais, como afirma o apóstolo:
E eu creio que Deus nos abençoará de forma tão maravilhosa que teremos para abençoar outros, pois estamos plantando debaixo dos céus que têm o melhor solo. Você colherá de acordo com a sua semente. Você terá exatamente a resposta do que você planta. Não seja tímido nas suas plantações. [É] pelo entendimento da semente que faremos uma poderosa colheita. Mas, só terá direito a uma poderosa colheita quem plantar uma poderosa semente. Aí o Senhor regará e colheremos abundantemente, porque Deus sempre tem uma colheita especial para nós. (Nova, 2012b)
Outro elemento curioso das caravanas é o tipo de consumo realizado em Israel, especialmente de souvenires. Em geral, os objetos fruto da Terra Santa não precisam ser “ungidos”, como outros objetos do universo religioso evangélico (Birman, 2001; Mariano, 1999). O fato de virem da própria terra de Deus os legitima. É comum observar peregrinos recolhendo terra, pedras e água do Jordão como souvenir da viagem. Elementos esses que terão alguma serventia (geralmente mágica) no retorno para casa (Oro, 2006, Frossard, 2013). Durante a viagem, um fiel me confidenciou que queria colocar as pedras na fundação de sua casa, “pois se a minha casa está edificada sobre a rocha, ela não vai cair”, dizia ele ao se referir ao trecho do sermão do monte associando à sua crença no poder daquela terra.
Mas não apenas os elementos da natureza daquele lugar são objeto de consumo dos fiéis evangélicos que acompanhei. Diferente do que Mariano (1999) afirma sobre a oposição dos evangélicos ao uso de objetos sagrados por medo de serem levados a idolatria, em meio aos fiéis vinculados ao M12, o consumo de souvenirs ou objetos da cultura ou do ritual religioso judaico é ativo. Não vi no grupo que fazia parte pessoas usando crucifixo, mas vi diversas mulheres portando colar com pingente de Estrela de Davi e homens com anéis com 12 pedras, simbolizando as 12 tribos de Israel (numa referência a um objeto que compunha a roupa do sacerdote hebreu). Também observei a compra de artigos como Menorah, Mezuzah, Shofar, Kippah, Talit e a bandeira de Israel e, em nenhum momento, vi pessoas comprando objetos que rememorasse a Cristo ou ao cristianismo.
Ao questionar um fiel a razão de estar adquirindo uma Mezuzah, fui informada que aquele artigo promovia a benção e proteção de Deus sobre a casa, uma vez colocado no batente da porta. Em sua apropriação, o fiel ressemantiza o objeto da fé judaica e atribui a ele poderes mágicos de proteção e benção. Me chamou atenção, igualmente, uma fiel comprando um Talit para a cerimônia de Bar Mitzyá de seu filho. Além de estranhar um cristão celebrando um ritual judaico, me surpreendeu o fato de que o objeto, nas entrelinhas do diálogo com a peregrina, tinha um valor mais especial por ter sido adquirido em Jerusalém.
Interessante que Topel (2011) remete o uso desses objetos ao retorno protestante às suas raízes judaicas, mas também o coloca como um ponto de contato com o catolicismo, visto criar e recriar rituais e símbolos que dificilmente seriam acusados de idolatria. Os peregrinos do M12 não somente se apropriam de “elementos simbólicos preexistentes na relação com o sobrenatural (…), ela não somente ‘engole’ as crenças apreendidas de outros segmentos religiosos. Ela também as ‘digere’ e transforma de acordo com o seu próprio ‘aparelho digestivo’” (Oro, 2006: 323).
Assim sendo, é possível observar que nessas caravanas do M12, o território israelense assume o caráter de lugar sagrado, de contato íntimo com o divino e fecundo para a prosperidade, além de servir como legitimador de objetos para o ritual religioso do fiel, geralmente importada da cultura/religião judaica, contudo, ressemantizada.
É interessante perceber que existe também uma luta por legitimidade, prestígio e poder nas caravanas do apóstolo e sua relação com o ICEJ e o Estado de Israel, o que revela parte do que Eade e Sallnow (1991) aludem. Em circular enviada a seguidores, o apóstolo deixa claro que os que participam de sua caravana, mas não integralmente do seu roteiro, “viram apenas turistas em Israel e perdem o legado de peregrino, que foi buscar uma chuva e a nuvem se foi” (Nova, 2012c). Para ele, estar em Israel, mas não participar de todo o seu roteiro, ou ainda, estar em Israel, mas não em suas caravanas, descredibiliza o fiel e este não recebe efetivamente o que foi buscar.
Em diversas comunicações realizadas no ano de 2009, Renê exigiu que os seguidores que o honram, sigam-no em suas caravanas, visto que alguns outros líderes, sob sua cobertura, estavam organizando suas próprias caravanas para Tabernáculos, desprestigiando-o e medindo forças com ele. Ele argumentou que “a visão primeira é dele e os líderes aprenderam com ele e, portanto, devem fidelidade e honra a ele” (Frossard, 2013: 365). Contudo, o que fica evidente é uma disputa pelo poder:
O apóstolo Renê é muito honrado e colhe muitos benefícios por levar grandes caravanas a Sião. Quando seus discípulos começam a fazer trabalhos paralelos, ele perde sua força perante aqueles a quem ele quer se fazer forte. Além da perda financeira para seus projetos que a divisão dos “lucros” acarreta. Por isso, ele escreve essa dura crítica àqueles que não seguem seus comandos, não somam as forças para trabalhar em prol do seu projeto. (Frossard, 2013: 366)
Afora se posicionar em relação aos demais líderes que estavam concorrendo com ele, nesses comunicados ele também “ameaça” as agências de turismo que o estavam “traindo”. Ele deixou claro que algumas agências que trabalharam com ele no passado não estavam autorizadas a venderem pacotes até segunda ordem, e que nenhum discípulo teria a sua benção se se envolvessem com tais agências. Pelo que parece, algumas agências não incluíram a Festa dos Tabernáculos da ICEJ no pacote e, assim, muitos fiéis seguiram para Jerusalém naquele período mas não participaram do evento, maculando a reputação do apóstolo perante a instituição (Frossard, 2013).
O que se percebe é que há uma clara relação entre prestígio, honra e poder quando se trata do papel do apóstolo frente às entidades, sejam elas governamentais, religiosas ou mercadológicas. Muito distante de “um céu na Terra” o que se observa é um conjunto de disputas de diversas ordens, tal qual apontada e discutida por Eade e Sallnow (1991).
Quanto às peregrinações a Jerusalém, Erik Cohen (2004) ressalta que há uma multiplicidade nessas práticas, que recaem na diversidade de comunidades interpretativas que constroem seus discursos. Nesse sentido, ele chama a atenção para que os estudiosos desse fenômeno se atenham a observar os complexos entrelaçamentos dos discursos sobre a natureza de Deus, história e tipos de lugares, pois, no caso dos peregrinos que ascendem a Jerusalém, não há como tomar apenas um modelo de peregrinação para entender essa prática entre os inúmeros grupos que para lá se dirigem. De acordo com ele, as peregrinações são jornadas para o sagrado, mas o sagrado não é algo que fica no domínio do cultural; isso é, imaginado, definido e articulado como uma prática cultural.
Cabe enfatizar, ainda, que, conforme formularam Eade e Sallnow (1991), as peregrinações devem ser vistas sob os diferentes prismas, que abrangem tanto aspectos políticos, culturais, religiosos e comportamen tais, não podendo ser investigadas, diante de tamanha heterogeneidade, sob um único viés. No caso do grupo pesquisado, as viagens para as terras bíblicas e em especial para Israel têm sido motivadas, sobretudo, por questões teológico-ideológicas. Algumas lideranças evangélicas, especialmente as ligadas ao movimento M12, vêm incentivando massivamente uma espécie de “aliyah” da igreja evangélica para as suas raízes, o que, consequentemente, tem implicado nas peregrinações para Israel. A partir disso, a associação entre o “reino de Deus” e o Estado de Israel acaba aparecendo, ocasionando o enaltecimento e a proteção de suas ações e de seu povo, pois assim creem estarem “apressando” o retorno do Messias.
Os vínculos entre as caravanas para a Terra Santa, o filossemitismo e o sionismo cristão reverberam em muitas outras práticas que, por limitações deste trabalho, não puderam ser contempladas. Todavia, nesse estudo fica evidente um círculo de causas e consequências: o amor à Sião faz com que as pessoas desejem visitar Israel e desfrutar das bençãos materiais advindas disso, ao passo que as caravanas têm servido ao propósito das lideranças em incutir na missão religiosa dos fiéis o papel de serem “embaixadores” de Israel. Enfim, a volta se completa ao realizarem um “aliyah” espiritual da igreja brasileira para a sua terra natal, Israel.