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ENTRE BIOMAS E EMBRIÕES: AS IMAGENS DA “VIDA” NO CATOLICISMO BRASILEIRO
Entre biomas y embriones: las imágenes de la “vida” en el catolicismo brasileño
Between Biomes and Embryos: the Images of “Life” in Brazilian Catholicism
Ciencias Sociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, vol. 25, e023007, 2023
Universidade Estadual de Campinas

Article


Recepção: 24 Janeiro 2023

Aprovação: 14 Abril 2023

Financiamento

Fonte: FAPESP

Número do contrato: 2015/26487-9

Financiamento

Fonte: FAPESP

Número do contrato: 2021/06041-7

Financiamento

Fonte: FAPESP

Número do contrato: 2021/14038-6

Descrição completa: Essa pesquisa foi realizada com auxílios da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (processos nº 2015/26487-9 e nº 2021/06041-7, FAPESP) e integra o projeto temático “Pluralismo religioso e diversidades no Brasil pós-constituinte” (processo nº 2021/14038-6, FAPESP). As primeiras versões desse texto foram debatidas no simpósio “Materialidades, Objetos e Coisas” do Museu Nacional/UFRJ [Rio de Janeiro, RJ, 2017]; no congresso “Brazilian Politics, Policies and Citizenship” da Universidade Radboud [Nijmegen, Holanda, 2019]; e na mesa redonda “Religião e Espaço Público” da UFRRJ [Seropédica, RJ, 2019]. Agradeço especialmente pelos comentários de Carly Machado, Martijn Oosterbaan, Renata Menezes, Thais Tiriba e colegas do Programa Internacional de Pós-Doutorado (IPP-CEBRAP).

Resumo: Este artigo tem como ponto de partida a composição imagética do baldaquino da “vida” na Basílica Nacional de Nossa Senhora Aparecida (Aparecida, SP). Recorrendo metodologicamente à sobreposição entre religião e mídia, considero aquele templo um lugar privilegiado para a investigação antropológica sobre o catolicismo institucionalizado. Assim, para analisar as formas pelas quais a “vida” é imaginada religiosamente, viso explorar as redes de engajamento que constroem e dão as múltiplas formas da “vida” no catolicismo brasileiro. Nessa direção, faço uma seleção de algumas das formas pelas quais essa “vida” é materializada religiosamente em outros contextos brasileiros nos quais biomas e embriões também se tornam protagonistas imagéticos: os ativismos socioambientais e os ativismos antiaborto. Longe de almejar definir cosmologicamente a “vida” enquanto uma categoria católica metafísica, tenho o intuito de mapear as disputas que certas imagens são capazes de mediar no ativismo católico contemporâneo – seja pela sua sacralidade, seja pela sua politização.

Palavras-chave: Antropologia da religião, Cultura visual, Catolicismo brasileiro, Ativismos socioambientais, Ativismos antiaborto.

Resumen: Este artículo toma como punto de partida la composición de la imagen del dosel de la “vida” en la Basílica Nacional de Nuestra Señora Aparecida (Aparecida, São Paulo, Brasil). Recurriendo metodológicamente a la superposición entre religión y medios, considero ese templo un lugar privilegiado para la investigación antropológica sobre el catolicismo institucionalizado. Así, para analizar las formas en que la “vida” es imaginada religiosamente, busco explorar las redes de compromiso que construyen y dan las múltiples formas de “vida” en el catolicismo brasileño. En esa dirección, hago una selección de algunas de las formas en que esta “vida” se materializa religiosamente en otros contextos brasileños en los que biomas y embriones también se vuelven protagonistas imagéticos: el activismo socioambiental y el activismo antiaborto. Lejos de pretender definir cosmológicamente la “vida” como una categoría católica metafísica, pretendo mapear las disputas que ciertas imágenes son capaces de mediar en el activismo católico contemporáneo, ya sea por su sacralidad o por su politización.

Palabras clave: Antropología de la religión, Cultura visual, Catolicismo brasileño, Activismo socioambiental, Activismo contra el aborto.

Abstract: This article has as a starting point the imagery composition of the baldachin of “life” in the National Basilica of Our Lady Aparecida (Aparecida, São Paulo, Brazil). Making use methodologically of the overlap between religion and media, I consider that temple a privileged place for the anthropological investigation of institutionalized Catholicism. Thus, to analyze the ways in which “life” is religiously imagined, I aim to explore the networks of engagement that build and shape the multiple forms of “life” in Brazilian Catholicism. In this direction, I select some of the ways in which this “life” is religiously materialized in other Brazilian contexts in which biomes and embryos also become image protagonists: socio-environmental activism and anti-abortion activism. Far from aiming to cosmologically define “life” as a metaphysical Catholic category, I intend to map the disputes that certain images are able to mediate in contemporary Catholic activism, whether because of their sacredness or their politicization.

Keywords: Anthropology of religion, Visual culture, Brazilian Catholicism, Socio-environmental activism, Anti-abortion activism.

Introdução

Ao entrarem por quaisquer das portas das quatro naves da Basílica Nacional de Nossa Senhora Aparecida (Aparecida, SP), com planta baixa em forma de cruz, os visitantes têm à sua frente uma vista privilegiada do altar localizado no centro do templo. Com uma estrutura de 52 metros de altura por 30 metros de diâmetro, em espaço aberto, o altar está localizado logo abaixo da cúpula central que é sustentada por quatro colunas. Para além das proporções monumentais, o baldaquino1 chama a atenção dos milhares de visitantes diários também pelos seus revestimentos que, intercalando azulejos e mosaicos, compõem grandes murais ao redor do altar central. Esse conjunto arquitetônico e artístico tem como tema a vida”.


Figura 1
Romeiros no interior da Basílica de Aparecida com vista parcial do baldaquino. Fotografia do autor, 2019.

Como já argumentei mais profundamente em minha tese de doutorado (Godoy, 2020), a Basílica de Aparecida é um caso privilegiado de investigação antropológica sobre o catolicismo brasileiro institucionalizado. Por abrigar a imagem original de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, aquela igreja é concebida como sede nacional da Igreja Católica. Desse modo, entendo que é possível investigar os modos pelos quais o catolicismo ganha formas através dos processos de elaboração, construção e inauguração de projetos artísticos e arquitetônicos naquele templo monumental. Em suma, analisar tanto as maneiras como o catolicismo institucionalizado se materializa, quanto as maneiras como é praticado em uma basílica que tem a ambição de se consolidar enquanto uma referência religiosa nacional.

É com esse intuito que, neste artigo, tenho como ponto de partida analítico o baldaquino que, como acabo de descrever, é uma das mais proeminentes obras artísticas no interior daquela basílica. Mais amplamente localizado nos campos de pesquisa que abordam a conjunção entre “religião e mídia”, neste artigo concordo que ambas as categorias sejam consideradas termos de referência sobrepostos metodologicamente:

Este entrelaçamento entre religião e mídia tem implicações metodológicas significativas. Em primeiro lugar, ele pede que os estudiosos abandonem a busca de uma experiência interior ou do sentimento de presença divina, do numinoso ou do sagrado, que de certa maneira supõe-se existir separadamente de suas condições materiais de mediação. Em vez disso, os estudiosos de religião e mídia propõem que dediquemos nossa atenção para as múltiplas formas pelas quais as experiências religiosas se materializam, se tornam tangíveis e palpáveis, são transmitidas publicamente, gravadas e reproduzidas – em suma, mediadas – através de intermediários não-humanos e elementos de mediação com os quais atores religiosos interagem. O quadro do campo religioso que emerge a partir deste ponto de partida é o de um conjunto de práticas e relações corporais entre os atores humanos, lugares e forças não-humanas – natureza, espíritos ancestrais, santos, deuses –, cujas interações permitem que as comunidades religiosas se formem, forjando a sensibilidade de seus participantes. (Stolow, 2014: 152-153)

Com essa proposta, no primeiro tópico abordo o baldaquino enquanto esse “ponto de partida” para análise de um “conjunto de práticas e relações” que visam forjar “sensibilidades” partilhadas entre aqueles que visitam a basílica. Contudo, sem desconsiderar que a Basílica de Aparecida é concebida enquanto uma referência e um modelo nacional, ao partir da composição imagética do seu baldaquino, viso explorar também as redes de engajamento que constroem e dão as “múltiplas formas” da “vida” no catolicismo brasileiro.

Nessa direção, faço uma seleção de algumas das formas pelas quais essa “vida” é materializada religiosamente em outros casos brasileiros. Para isso, em paralelo a minhas pesquisas mais recentes sobre o contexto amazônico, recorro também à literatura antropológica que explora imagens que julgo similares. Assim, no segundo tópico, exploro algumas imagens católicas que tematizam os biomas brasileiros buscan do analisar o seu embricamento no ativismo socioambiental. Ao manter o interesse nos modos pelos quais a “vida” é imaginada no baldaquino, no terceiro tópico exploro também as imagens católicas que tematizam embriões e fetos, as quais são protagonistas no ativismo antiaborto. Longe de almejar definir cosmologicamente a “vida” enquanto uma categoria católica metafísica, neste artigo me interessa mapear justamente as disputas que certas imagens que tematizam a “vida” são capazes de mediar no ativismo católico contemporâneo. Enfim, no quarto tópico, retomando a análise da composição do baldaquino, busco compreender como a Igreja Católica no Brasil busca promover uma “formação estética” (Meyer, 2019b) em que a “vida” é sacralizada e politizada através de suas imagens.

O novo baldaquino

Com a pedra fundamental lançada em 1954 e em obras contínuas até os dias de hoje, a Basílica de Aparecida tem como missão religiosa institucionalizada ser tanto “um grandioso monumento nacional” como “a sede do catolicismo brasileiro” (Godoy, 2023). Nessa trajetória ininterrupta de empreendimentos arquitetônicos, entre os anos de 2000 e 2017 houve um audacioso projeto de ambientação interna daquele edifício, com o objetivo declarado de modernizar a basílica (Godoy, 2021, 2022) e, concomitantemente, atualizar as práticas católicas conduzidas em templos tanto local como nacionalmente.

Coordenado por vários órgãos da Igreja Católica, sobretudo a Arquidiocese de Aparecida e a Congregação Redentorista, o projeto de ambientação dos anos 2000 teve a autoria criativa de Cláudio Pastro,2 contratado para criar uma arte religiosa de vanguarda. Como bem explorada por Sartorelli (2013), a obra de Pastro é caracterizada por uma proposição teológica e uma missão religiosa fortemente influenciadas pela sua leitura do Concílio Vaticano II (CV-II)3: na busca de um cristianismo primitivo materializado em uma estética minimalista, o artista encontra forte inspiração na arquitetura bizantina. Nesse mesmo sentido, ele elege o altar como o ponto mais importante dentro de um templo católico e, justamente por isso, onde centralizava o seu projeto estético. Assim, ao rodear o altar central da Basílica de Aparecida, o baldaquino e a cúpula se configuram como as mais significativas obras no projeto de modernização e ambientação interna daquele templo. Dentro da proposta arquitetônica e teológica de uma basílica que se pretende nacional, Pastro afirmava ter buscado inspiração nas formas escolhidas por Deus para povoar esse território no revestimento do baldaquino. Desse modo, cada uma das quatro colunas busca expor imageticamente as especificidades das formas de vida no Brasil e isso se dá em uma composição das colunas em três faixas.

A primeira faixa dessas colunas é composta pelos anjos étnicos que, vestindo túnicas brancas, evocam o mito nacional das três raças. Seguindo a ordem da Figura 2, no topo da primeira coluna está o chamado “anjo caboclo/mulato”, caracterizado tanto pelo seu chapéu de palha como pelo seu berrante; na segunda coluna, o “anjo índio”, vestindo um cocar, um colar e braceletes enquanto faz uso de um incensório; na terceira coluna está o “anjo negro”, vestindo uma touca e portando um pandeiro; enfim, na quarta coluna, o “anjo branco”, portando apenas uma régua.


Figura 2
Projeto artístico do baldaquino. Disponível em: < https://www.a12.com/santuario/noticias/a-grande-coroa-do-santuario-de-nossa-senhora-aparecida > (Acesso em: 03/06/2022)

Seguindo a mesma ordem, a faixa central da primeira coluna do baldaquino é composta pelo Bioma Mata Atlântica e o Bioma Pampa com imagens de árvores como a manacá-da-serra e a suinã, mas com especial destaque para as araucárias. Acompanhando a mata, foram selecionados animais da região sul, como o macaco bugio, a jacutinga e o grou-coroado. Por sua vez, a faixa central da segunda coluna é dedicada ao Bioma Amazônia e ao Bioma Pantanal, trazendo assim imagens da castanheira-do-Brasil, do cumaru e da vitória-régia, além de borboletas, do macaco uacari vermelho e do boto. Já na terceira coluna, com o Bioma da Caatinga e o Bioma do Cerrado, traz carnaúbas, palmas e mandacarus acompanhados da suçuarana, do flamingo e do tamanduá-bandeira. Por fim, a quarta coluna é também dedicada à Mata Atlântica, com bananeiras, figueiras e palmeiras, além de onças pintadas, lobos guará e antas.

Logo abaixo das imagens dos biomas há uma sequência de medalhões que têm como tema “o ciclo da vida humana”. Esse ciclo vital é apresentado primeiro com uma imagem de um casal heterossexual – Adão e Eva, no paraíso –, enquanto o segundo medalhão é formado pela imagem de um embrião: um óvulo rodeado de espermatozoides no momento da fecundação. Já o terceiro traz a imagem de um feto em gestação, como indica o cordão umbilical. Enfim, no quarto medalhão, a imagem de um bebê de braços abertos vestindo uma túnica branca.

As colunas do Baldaquino que agora concluímos nos recordam toda a criação, todo o cosmos, ou seja, tudo o que existe e foi criado por Deus. Por isso, trazemos nelas animais, plantas, flores, vegetações e o próprio ser humano. Estão dispostos de tal forma que visualizamos as fases da vida humana e da natureza. Os Ipês floridos, secos, com copas preenchidas e em fase inicial de floração recordam-nos as fases da natureza criada por Deus e em constante transformação. Também as representações das várias vegetações e animais próprios do Brasil nos recordam a mesma natureza. Tudo isso obra divina e por Jesus redimida. Com isso reforçamos o desejo sincero de cuidarmos do que o Senhor nos entregou para sermos administradores, ou seja, cuidadores. Preservar tudo isso é tarefa de todo cristão. E a Igreja tem se preocupado em nos alertar sobre esta necessidade. (...) Quem ama a Deus, ama as coisas de Deus. Assim acreditamos, assim queremos. E o Baldaquino deixa-nos estampadas essas necessidades. É bom observar as fases da vida humana, também estampadas neste grande presente a Nossa Senhora. Contemplamos na face sudoeste do Baldaquino um “medalhão” com a figura de um casal, e nas outras faces (noroeste, nordeste e sudeste) a sequência de fases da geração humana: embrião, feto e criança. É este o Ser Humano criado à imagem e semelhança de Deus. É este Ser Humano que é convidado ao cuidado e à preservação da vida, desde a sua concepção até o seu limiar. (Silva, 2017: 15-16)

Como fica verbalizado pelo sacerdote, missionário do Santuário Nacional, a composição imagética do baldaquino está intimamente atrelada a um conjunto de pautas recentes no catolicismo brasileiro. Ao concordar que “as imagens desempenham um papel fundamental na formação da religião e na comunicação do significado religioso” (Meyer, 2019a: 215), estou embasado na correlação entre “religião e cultura visual”. Ou seja, considero que no catolicismo institucional materializado na Basílica de Aparecida é intrínseco o movimento de “tornar visível” essas pautas nacionais através de certas imagens.

Em jogo aqui está a compreensão de imagens como interfaces entre o mental e o material, assim como entre o pessoal e o social. Nesse sentido, as imagens originam e otimizam a maneira como e o que as pessoas imaginam em um mundo específico de experiência vivida. Gostaria de enfatizar que essa é uma questão de poder. Imagens autorizadas que são examinadas e abordadas no contexto de práticas políticas e estéticas estabelecidas são centrais para a criação e manutenção de imaginações e imaginários compartilhados. (Meyer, 2019a: 222-223)

Concebido como uma síntese e uma poderosa vitrine institucional de como a Igreja Católica imagina a nação brasileira, assim como elege e legitima certas pautas políticas, nos próximos tópicos analisarei a composição e entrelaçamento imagético promovido pelo baldaquino. A começar pela faixa central, explorarei a interface que ele oferece a uma rede mais ampla de ativismos católicos também legitimados institucionalmente, os quais, ao defenderem a proteção da “vida” em território nacional, estão relacionados ao baldaquino através de alguns paralelos imagéticos.

A vida dos biomas

A data escolhida para a inauguração do “novo baldaquino” coincidiu propositalmente com o lançamento da Campanha da Fraternidade de 2017 (CF-2017),4 que tinha o tema “Biomas Brasileiros e Defesa da Vida: cultivar e guardar a criação”. Durante todo o ritual de inauguração foi feito um esforço, por parte dos sacerdotes, de evidenciar os paralelos daquelas imagens com algumas pautas defendidas pela Igreja Católica. Como fica explícito, a campanha levada a cabo pelos bispos católicos buscou promover uma defesa dos biomas presentes no território nacional enquanto uma forma de “defender a vida em todas as suas formas”. Em tom catequético e pedagógico, a fauna e a flora brasileira foram apresentadas naquele dia tendo em vista a sua exuberância: nas palavras dos sacerdotes, toda a riqueza e diversidade dos biomas teriam sido criadas especialmente por Deus. Por outro lado, com evocações tanto às mudanças climáticas como às ações governamentais, o alerta era de que essa criação divina estava sendo destruída por ação direta da humanidade. Não por acaso, como foi ressaltado diversas vezes, foram escolhidas as imagens dos animais em extinção para comporem o projeto artístico. Em suma, a mensagem era de que aquele baldaquino seria tanto uma homenagem à natureza enquanto criação divina quanto um clamor para que a humanidade, mais especificamente a católica e brasileira, se engajasse na sua preservação.


Figura 3
Detalhe de imagens do Bioma Amazônia no baldaquino. Fotografia do autor, 2017.

Ao não se limitar ao dia da inauguração, a evocação dessas imagens do baldaquino se aprofundou e consolidou no decorrer do tempo. Tratando-se de uma obra arquitetônica fixa e permanente, essas imagens com centralidade espacial também obtiveram centralidade temática e religiosa. Nos meses e anos seguintes, além de discursos similares passarem a ser recorrentes nas celebrações e missas cotidianas daquele templo, pautaram também os meios de comunicação católicos: os sistemas oficiais de rádio, televisão e internet5 passaram a produzir materiais de conscientização e educação socioambiental, tendo as imagens do baldaquino como referência estética e religiosa. Essas mesmas imagens também passaram a integrar os produtos comercializados no santuário, estampando desde peças de vestuário até mobiliário religioso.

Longe de ser exclusividade de Aparecida, imagens religiosas dos biomas brasileiros podem ser encontradas em outros contextos católicos contemporâneos. É o caso de um vídeo6 de maio de 2022 que foi amplamente divulgado e replicado por meios de comunicação católicos, assim como em redes sociais especializadas. Com imagens aéreas da floresta amazônica, com suas árvores, rios, pássaros e cachoeiras, uma voz feminina diz que “Quando Deus criou a Terra, fez dela um jardim. Uma casa de seres viventes. Na Amazônia vemos a explosão de beleza desse jardim. Expressada pela conexão profunda entre as águas, a terra, os bichos e os povos: aqueles que protegem a criação”. Na sequência, com imagens de pessoas indígenas sobre canoas em rios, a locução continua: “Jardim sagrado, santuário de vida. Quero que a Amazônia continue a ser jardim, onde a humanidade e a natureza sigam interconectados, entrelaçados para fazer pulsar a vida”. Segue-se, então, imagens de mãos que trabalham com alimentos, tais como coco, banana, cacau, açaí, e a voz diz que “Promover renda justa, saúde e equilíbrio para todo o planeta. Por isso votarei em projetos de governo que tenham compromisso com os direitos dos povos e com a proteção integral dos territórios amazônicos”.

Com imagens aéreas de canoas em movimento nos rios, entre casas de palafita, a locutora conclama que “Nas eleições de 2022, temos o compromisso de eleger quem cuida do jardim sagrado que é a Amazônia. Não quero a morte da floresta e os seus povos”. Há então uma quebra na locução que é substituída por sons de motores, de serras elétricas e de fogo. Já as imagens, até então coloridas, são substituídas por imagens em preto e branco da floresta amazônica em chamas, de árvores sendo derrubadas e de leitos de rios destruídos pelo garimpo. Após um breve instante de silêncio e tela preta, aparecem imagens subaquáticas de peixes com a palavra “VIDA”. A locutora completa que “É a vida que nós devemos escolher: a vida de todos os seres da Amazônia. É o presente e o futuro de todas as gerações que têm o direito de viver com esse território preservado”. Enfim, após uma série de closes em rostos de pessoas indígenas e imagens aéreas da floresta, é concluído que “Por amor à vida: eu voto pela Amazônia”.


Figura 4
Frames do vídeo “Eu voto pela Amazônia”. Fonte: YouTube.

Este vídeo marcou o lançamento da campanha “Eu Voto Pela Amazônia”, uma iniciativa da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil)7 com o propósito de incentivar que católicos votassem apenas em candidatos que assumissem certos compromissos socioambientais na região amazônica, sobretudo políticas públicas voltadas para a agroecologia e a economia solidária. Tendo em vista as eleições do mesmo ano, a campanha nacional foi centralizada em um site oficial8 que continuamente disponibilizou novos materiais de divulgação tanto para a imprensa como para as redes sociais.


Figura 5
Material de divulgação da campanha “Eu voto pela Amazônia”. Fonte: Instagram.

Assim como no vídeo descrito, as demais imagens da campanha eleitoral mesclam referenciais da fauna e flora amazônica às imagens dos povos indígenas, tendo como justificativa religiosa e política uma “defesa da Amazônia”.

Os movimentos socioambientais

São vários os paralelos imagéticos dessa campanha eleitoral tanto com os materiais da CF - 2017 quanto com a composição do baldaquino da Basílica de Aparecida. E não por coincidência. Em comum a esses três casos, para além da coordenação por parte de instituições católicas brasileiras, estão justificativas religiosas pautadas e referendadas por documentos e discursos de autoria do Papa Francisco.9 Mais especificamente, os termos usados dialogam diretamente com a sua primeira encíclica, intitulada Laudato Si (LS). Nesse texto, em que buscava indicar os anseios para o seu pontificado que se iniciava, o papa conclama os católicos de todo mundo a se engajarem na causa ambiental. Referenciado em São Francisco de Assis, o pontífice argentino argumenta que o planeta Terra é “a casa comum” criada por Deus. Logo, seria tarefa primordial dos seres humanos agirem como seus guardiões, sobretudo frente às mudanças climáticas.

Como ressalta Latour (2015) em uma análise sobre essa encíclica, são duas significativas inovações que a LS implica tanto para as tradições católicas como para o ativismo ambiental: por um lado, o reconhecimento teológico da Terra enquanto um ecossistema capaz de sofrer danos e, por outro, a ligação intrínseca entre ecologia e justiça social. O autor ressalta ainda que diferentemente das encíclicas dogmáticas de seus antecessores, o Papa Francisco faz um clamor em forma de manifesto socioambiental e em tom de urgência, porém sem traçar normas ou diretrizes religiosas.

Sem propriamente inaugurar o ativismo socioambiental católico, com uma trajetória anterior já consolidada, o pontificado de Francisco elegeu a pauta ecológica como protagonista de suas ações em nível global. Desse modo, levando-se em consideração a hierarquia institucional da Igreja Católica, a partir de 2013 as atividades religiosas nesse sentido passaram a ser mais fortalecidas e encorajadas pelo Vaticano. Assim, entendo que o Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica10 buscou, justamente, traçar quais seriam esses planos de ação – especí ficos para a região amazônica – a partir deste clamor inicial da encíclica. O sínodo ocorreu em outubro de 2019 no Vaticano e teve como lema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”. Na ocasião, foi promovida uma assembleia de bispos atuantes na região amazônica, além de eventos reunindo missionários e representantes dos povos indígenas do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa.

De maneira mais específica, houve nesse sínodo um esforço para adaptar as diretrizes pastorais dessa região, mais voltadas para as questões da terra e das desigualdades sociais, às especificidades do contexto amazônico, além de se posicionar frente a elas. Esta acomodação foi realizada reorientando a agenda pastoral de modo a responder às demandas ecológicas que nas últimas décadas têm ganhado protagonismo público em grande parte do globo.

Como bem recapitulado pelas pesquisas de Carvalho e Steil (2013), a partir dos anos 1970 a ecologia passa a ser disseminada e acolhida como um “espírito do tempo”. Concebida no contexto estadunidense, com raízes em experiências do século XIX, uma nova ecologia é formulada no final do século XX, passando a ganhar adeptos e encontrar ressonância social e política no começo do século XXI. No movimento da Nova Era, um dos frutos da contracultura, passa a ser recorrente a fusão das pautas ecológicas com algumas formas contemporâneas de espiritualidade: o sagrado é naturalizado ao mesmo tempo que a natureza é sacralizada.

Desta forma, hábitos ecológicos de cuidado responsável para com o ambiente e a natureza passam a fazer parte de sistemas de crenças religiosas que visam situar o sujeito no mundo, na sociedade e na natureza, e ao mesmo tempo de uma experiência do sagrado, no sentido de que a reconexão com a natureza passa a fazer parte de um sistema de crenças ecológicas. A convergência entre estes dois universos de práticas parece indicar horizontes imaginativos comuns entre ecologia e espiritualidade. (Carvalho & Steil, 2008: 289-290)

Essa convergência entre ecologia e espiritualidade, como apontam os autores, seria mais comum em sociedades pluralistas, avessas às centralidades institucionais. Assim, se há a elaboração coletiva de uma “imaginação ecológica” (Carvalho & Steil, 2008) partilhada, ela engaja “sujeitos ecológicos” de maneiras específicas. Nos casos por eles analisados, das chamadas espiritualidades “pós-cristãs” e das “religiões do self”, a ecologia se manifesta em conjuntos de práticas de saúde que visam sobretudo o “cuidado de si”.

Ao partilhar de grande parte do vocabulário e pautas dessa “imaginação ecológica”, considero que a encíclica Laudato Si e o Sínodo Pan-Amazônico indicam, antes de tudo, o movimento católico de sintonia com esse “espírito do tempo” das sociedades pluralistas. Porém, diferentemente dos movimentos espiritualistas da Nova Era, a Igreja Católica reivindica e imagina uma genealogia profundamente cristã para as pautas ecológicas (Monnot & Rognon, 2020). Isso pode ser percebido nas propostas das conferências episcopais latino-americanas que formulam a ideia de uma “ecologia integral”: longe de pregar um autocuidado individualizado, a ecologia católica é imaginada como social e politicamente engajada. O que, muitas vezes, aproxima a Igreja Católica de algumas organizações não religiosas, mas comprometidas com essas mesmas pautas.

Como se sabe, no caso da América do Sul, o ativismo socioambiental tornou-se uma das grandes pautas das relações internacionais, sobretudo no Brasil, pelo fato de seu território comportar a maior parte da floresta amazônica. Assim, se os governos são contínua e progressivamente cobrados – interna e externamente – para que desenvolvam ações que visem proteger esse bioma, também a Igreja Católica tem buscado se tornar protagonista nessa questão, elaborando um modelo de ativismo socioambiental próprio.


Figura 6
O topo do baldaquino da Basílica de Aparecida com o “anjo índio” sobre o Bioma da Amazônia. Fotografia do autor, 2017.

Nesse sentido, as iniciativas políticas que já existiam local e pontualmente em contextos latino-americanos passaram também a ser levadas a cabo por organizações católicas de maior alcance e influência no contexto nacional, tal qual a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Santuário de Aparecida e a REPAM. Como busco demonstrar com algumas das imagens produzidas por essas organizações católicas, os biomas brasileiros têm se firmado como um referencial estético e religioso desse ativismo socioambiental. Indo além, segundo as premissas da “ecologia integral”, os modos e meios do ativismo católico devem ser geridos conjuntamente às populações nativas que estejam sofrendo as consequências mais imediatas das mudanças climáticas.


Figura 7
Material de divulgação da campanha “Eu voto pela Amazônia”. Fonte: Instagram.

As imagens da fauna, da flora e dos povos nativos não são propriamente uma novidade na história da arte católica, mas os casos que aqui apresento indicam algumas especificidades na sua produção contemporânea. Não por acaso, seja na disposição dos “anjos étnicos” no topo do baldaquino de Aparecida como pela presença dos povos indígenas em harmonia com a floresta amazônica no vídeo da REPAM, a novidade é que essas imagens católicas integram uma “imaginação ecológica” que busca sobrepor biomas e etnias como manifestações de um mesmo fenômeno, chamado de “vida”. Uma “vida” que, sempre engajada social e politicamente, deveria ser preservada e defendida pelos católicos. Para compreender como é que a “vida” passa a ser a categoria católica capaz de sobrepor biomas e etnias, tal qual ocorre no baldaquino de Aparecida, é necessário trazer os embriões para essa equação imagética. Afinal, “[a]s imagens operam no contexto de regimes visuais (muitas vezes divergentes, mas parcialmente sobrepostos) que organizam como e o que as pessoas veem, sentem e o valor que atribuem a elas”. (Meyer, 2019a: 238). Como argumentarei no próximo tópico, ao se deter nos “regimes visuais” dessas imagens, é possível perceber que o ativismo socioambiental católico tem se firmado institucionalmente pela sobreposição parcial de premissas similares ao consolidado ativismo antiaborto.

A vida dos embriões

Diferentemente das imagens dos biomas, protagonistas da inauguração do baldaquino em 2017, presenciei poucas evocações sobre os medalhões da vida humana naquele dia. Tendo em vista que a CF - 2017 elegia a preservação da fauna e da flora como grande tema, como já explorado no tópico anterior, justamente elas se tornaram os focos dos ritos e homilias. A ausência de verbalizações, contudo, não diminuiu o protagonismo imagético.


Figura 8
Romeiros em frente ao medalhão do embrião humano. Fotografia do autor, 2019.

Diferentemente das outras duas faixas do baldaquino, cuja plena visualização requer inclinações corporais ou tomadas de distância, os medalhões estão sempre no campo de visão dos visitantes. Assim, considero que esse ato contínuo de ver as imagens dos medalhões seria:

um ato participativo incorporado em que o observador, através de um ato de animação, participa para tornar algo visível e presente. Tomar a animação como um aspecto básico da percepção de imagens, contudo, é apenas um primeiro passo. A percepção não pode ser reduzida a uma mera faculdade bioló gica individual através da qual a image invisível é extraída da imagem visível. Ela é organizada por meios ou mídias cultural e historicamente situados (Meyer, 2019a: 223).

Não por acaso, localizados sobre vãos de passagens entre as naves do templo, rodeando o altar central, os medalhões recorrentemente estão no enquadramento tanto das transmissões como das milhares de fotografias feitas diariamente naquele recinto. Contudo, localizados em um espaço controlado e fabricado institucionalmente, é necessário também entender os modos pelos quais as percepções dessas imagens são “organizadas” e “historicamente situadas”.


Figura 9
Romeiros em frente ao medalhão do feto humano. Fotografia do autor, 2017.

Como apresentadas pelo reitor do santuário no dia da inauguração (Silva, 2017), as imagens dos medalhões complementam as imagens dos biomas e das etnias ao comporem o mesmo baldaquino. Na argumentação do sacerdote, uma das maiores autoridades daquele espaço, na medida em que o ser humano também seria fruto da criação divina, um dos seus diferenciais enquanto “imagem e semelhança de Deus” estaria na sua responsabilidade pela preservação da “vida”: não só da fauna e da flora, mas também da própria vida humana “desde a concepção”.

Essa “defesa da vida desde a concepção” se refere a uma pauta mais antiga no catolicismo institucional do que a pauta socioambiental: imagens de embriões e de fetos se tornaram recorrentes em manifestações sociopolíticas no Brasil nas últimas décadas. Muitas vezes estilizadas, essas imagens embrionárias podem ser encontradas sobretudo em bandeiras e peças de vestuário portadas pelos autointitulados “Movimentos Pró-Vida”.

Os movimentos “pró-vida”

Retomando as origens dos movimentos antiaborto no catolicismo brasileiro, Luna (2010) e Sales (2021) indicam que o auge da sua consolidação institucional pode ser localizado na Campanha da Fraternidade de 2008 (CF - 2008), a qual teve como tema: “Defesa da Vida: escolhe, pois, a vida”.

A “defesa da vida” está presente em todos os materiais da campanha: no hino oficial, nas imagens e pregações. O hino possui também um videoclipe que o associa às imagens, sendo que em mais de uma passagem quando a palavra “vida” ou as palavras “escolha da vida” são mencionadas surge a imagem de uma mulher grávida ou, ainda mais emblemático, a de um feto. Essa associação traz em si a concepção de que o feto é vida. Esse é um exemplo de como as concepções científica e filosoficamente elaboradas por uma expertise vinculada ao catolicismo são amplamente veiculadas de forma imagética e musical. (Sales, 2021: 10)

Como relatado, em um forte posicionamento da CNBB contrário à legalização do aborto, as imagens de fetos passaram a ser protagonistas no ativismo católico brasileiro atreladas à defesa da concepção de que “feto é vida”. Ou, em outras palavras, de que a vida humana teria início a partir da fecundação de um óvulo por um espermatozoide: “O embrião é sagrado independentemente do seu contexto” (Luna, 2010: 100). Pauta essa que se propaga e consolida no Brasil no início dos anos 2000, mas que já era construída e defendida pelo Vaticano décadas antes.

Como demonstra a literatura especializada (Vaggione, 2012; Sales, 2021), o ativismo católico contemporâneo antiaborto foi institucionalmente estruturado pelo pontificado de João Paulo II11 e fortalecido por Bento XVI.12 Essa pauta já era encampada por Wojtyla na Polônia pelo menos desde os anos 1960, embasada em uma teologia sobre o início da vida humana com uma genealogia milenar, mas muito devedora de iniciativas do pontificado de Paulo VI13 (Luna, 2002; Faúndes & Defago, 2013). Assim, ao ser escolhida como uma das mais significativas pautas levadas a cabo no pontificado de João Paulo II, nos anos 1980 o Vaticano passou também a estimular as iniciativas religiosas e políticas contrárias à legalização do aborto em nível global. Contudo, é sobretudo a partir da década de 1990 que essas organizações católicas são fortalecidas e isso se dá, sobretudo, pelo seu caráter reativo de defesa da “família cristã” frente às organizações feministas.

Isso posto, no final dos anos 1990 e começo dos anos 2000, o que se observa é uma forte ofensiva católica na busca de reverter e minar o avanço dessas conquistas do movimento de mulheres. E essa ofensiva é articulada em três eixos: “a produção de textos doutrinais, a disseminação mundial das teorias e concepções e a formação de um ativismo católico contrário às temáticas de bioética, gênero e sexualidade” (Sales, 2021: 5). Mais precisamente, o ano de 1995 é um marco nessa ofensiva católica. Primeiro, porque é nesse ano que ocorre a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, promovida pela ONU em Pequim: na ocasião, o Vaticano se articula, porém não consegue evitar que os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres fossem reconhecidos enquanto direitos humanos. Segundo, porque é nesse mesmo ano que João Paulo II lança a encíclica Evangelium Vitae (EV), que formaliza doutrinariamente as diretrizes católicas antiaborto e “marca as principais dimensões do ativismo católico conservador que se materializa, entre outros lugares, nos países da América Latina” (Vaggione, 2012: 62).

Dentre as diversas frentes nas quais os “Movimentos Pró-Vida” e organizações católicas se articularam politicamente no Brasil, as atuações da CNBB em audiências públicas do Supremo Tribunal Federal (STF) foram as que mais causaram comoções e controvérsias públicas (Luna, 2013; Sales, 2015). Ao se opor tanto ao uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas quanto à interrupção da gestação em mulheres grávidas de fetos anencéfalos, em ambos os casos a CNBB trouxe à tona o argumento da “defesa da vida humana”.

Elementos científicos compuseram as estratégias utilizadas para comprovar a unicidade de cada embrião, o seu genoma único e irrepetível. Imagens mostravam cada etapa do desenvolvimento, desde a fecundação até o nascimento, enfatizando que aquele bebê recém-nascido (com a imagem do bebê) seria a continuidade de um processo iniciado na fertilização, processo este demonstrado por imagens, e por meio do qual o embrião, o feto e o bebê surgem como um continuum de desenvolvimento originado naquela primeira célula fecundada (Sales, 2015: 150)

Como esse trecho deixa evidente, mais uma vez as imagens embrionárias tornaram-se protagonistas na sustentação do argumento. Embasada em um discurso e uma argumentação científica, a CNBB buscou traduzir as suas concepções teológicas sobre o início da “vida” a partir da sensibilização imagética pelo continuum embrião-feto-bebê, apresentado enquanto um fragilizado indivíduo dotado de direitos jurídicos e religiosos. Esta mesma estratégia pode ser encontrada em diversas outras frentes de atuação católica.

Como bem demonstra Luna (2014) ao analisar filmes documentários favoráveis e contrários ao direito ao aborto, enquanto nos filmes pró-escolha há uma predominância de imagens de mulheres grávidas, nos filmes antiaborto são os fetos os protagonistas imagéticos. Como mote dessa distinção, recorrendo ao “estilo grotesco”, as imagens desses documentários disputam quem seria a maior vítima de uma gravidez indesejada: se a mãe/mulher ou se o embrião/feto. Dentre os casos analisados, ressalto aqui o filme “Deixe-me Nascer”, produzido pelo Movimento em Defesa da Vida da Arquidiocese do Rio de Janeiro:

As fotos dos fragmentos mostram rostos, pedaços de cabeças, mãos, braços, pés e pernas, algumas construídas, ao remontar cabeça, tronco e membros dos destroços sobre mãos com luvas descartáveis, ou compondo imagens de mãos e pés sobre moedas de dólar. O contraste com mãos de adultos ou com moedas sugere o tamanho reduzido dos embriões abortados. Em três fotos, os fetos inteiros mais desenvolvidos são apontados por mãos. A cor enegrecida sugere sua conservação em formol. A construção dessas imagens é um contraponto às dos fetos em desenvolvimento, não apenas por apontarem mortes e destruição, mas pelo isolamento dos primeiros. As fotos do desenvolvimento fetal sugerem um ente livre flutuante, como indivíduos que não dependessem de estruturas corporais maternas para subsistir, enquanto o laço social está explicitado nas mãos que mostram os fragmentos ou fetos abortados, bem como o ícone financeiro da acusada indústria representado pela moeda americana sobre a qual os destroços são arrumados. Constrói-se mais uma vez a imagem no estilo grotesco, com ênfase na monstruosidade dos fragmentos. Através desse contraste entre as belas imagens do tecnofeto desconectado e fora de contexto e dos fragmentos fetais se constitui a imagem de vítima, necessária para o apelo emocional e político desse discurso. (Luna, 2014: 315)

Como esse trecho deixa evidente, o filme católico traz uma profusão de imagens de embriões e fetos humanos usadas enquanto argumentos contrários à legalização do aborto. Isso se dá por contrastes de imagens grotescas de destroços de embriões abortados frente a imagens belas de fetos “fora de contexto”, isto é, retratados de maneira realista como seres vivos independentes do ventre materno.


Figura 10
Reproduções de imagens do site “Movimento em Defesa da Vida” da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Fonte: http://www.defesadavida.com/)

Recorrendo ao termo tecnofeto, a antropóloga demonstra como o avanço tecnológico da ultrassonografia tornou possível a produção de imagens científicas de alta definição de células embrionárias. As profusões dessas imagens, por sua vez, “tornaram o feto acessível aos sentidos e os conflitos envolvendo o feto permitiram sua entrada na sociedade” (Luna, 2014: 310). Na medida em os tecnofetos tanto os humanizam como os retratam independentes do útero em que se encontram, através de suas imagens é que o ativismo católico passa a defender que sejam concebidos como seres humanos vivos e dotados de direitos individuais. É justamente um desses casos o analisado por Menezes (2017), ao abordar as disputas ocorridas durante a visita papal ao Brasil durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em 2013. Na ocasião, a distribuição de imagens de embriões e de fetos pelas ruas do Rio de Janeiro foi o modo escolhido pelos movimentos católicos para promoverem a sua causa:

Vários movimentos pro-life de todo o mundo vieram à cidade para a JMJ, equipados para fazer campanha de sensibilização pela proibição do aborto. Com essa finalidade, uma das formas encontradas de proselitismo foi a distribuição nas ruas, igrejas e meios de transportes, de imagens de fetos e embriões de cera e de plástico, em tamanho natural ou em miniaturas, compondo terços, ou autônomas, junto a folhetos de propaganda pela vida e orações. (Menezes, 2017: 11)

Assim articulados, os chamados “Movimentos Pró-Vida” ganham protagonismo global justamente nessa virada de século e, no caso brasileiro, na medida em que as instituições eclesiais católicas passam a promover suas campanhas nacionais antiaborto.


Figura 11
Manifestantes católicos protestam em frente à Catedral de Brasília na “Marcha Pró-Vida”. Fotografia de Orlando Brito, disponível em https://osdivergentes.com.br/orlando-brito/.

Referenciadas institucionalmente em textos doutrinais e concepções católicas a respeito do início da “vida” – como a EV e a CF-2008 –, as imagens de embriões, fetos e bebês, concebidos como sinônimos de “vida”, passam a compor esse imaginário católico: de provas científicas em audiências públicas até como arte em interior de igrejas, passando por bandeiras e estampando uniformes em manifestações políticas. No mesmo sentido, ao protagonizarem visualmente muitas das práticas religiosas, as imagens embrionárias passam a agregar movimentos antiaborto para além do catolicismo, mas com os mesmos objetivos políticos.

As formações estéticas sobre a “vida” no campo sociopolítico brasileiro

Nos dois últimos tópicos busquei localizar e informar o conjunto de imagens que compõe o baldaquino da Basílica de Aparecida. Mais do que uma mera digressão, a busca pelas origens e fundamentos de como a “vida” é ali materializada apontou para duas genealogias distintas e que raramente são identificados como parte de um mesmo movimento político. Por um lado, as imagens dos biomas encontram replicação em ativismos socioambientais. Por outro lado, as imagens de embriões estão atreladas a ativismos antiaborto.

Após esse exercício de pensar essas imagens separadamente, nesse tópico retorno ao caso do baldaquino de Aparecida para pensar sua composição e planejamento. Afinal, a reprodução das imagens dos biomas e dos embriões foram abordadas na medida em que integraram movimentos católicos com respaldo institucional. Mais especificamente, o que esse exercício analítico apontou é que uma mesma organização estava direta e indiretamente ligada a esses movimentos de cunho político e religioso: as Campanhas da Fraternidade da CNBB.


Figura 12
Cartazes oficiais das Campanhas da Fraternidade de 2008 e de 2017.Fonte: CNBB.

Anualmente, a CNBB promove a sua chamada “Assembleia Geral” na qual todos os bispos católicos do Brasil são convocados para discutir e deliberar sobre os seus consensos religiosos e políticos. Entre eles, está o tema da Campanha da Fraternidade. Com ampla cobertura da imprensa nacional e internacional, católica e não religiosa, os bispos reunidos no Santuário de Aparecida costumam lançar cartas, fazer manifestos e conceder entrevistas nas quais se posicionam politicamente. Dentre as atividades diárias, a primeira delas consiste em uma missa celebrada naquela basílica, com todos os sacerdotes presentes, e transmitida ao vivo pelas redes sociais e de televisão.

Como busco evidenciar com a imagem a seguir, publicada em uma página oficial da CNBB, entre as dezenas de fotografias e vídeos divulgadas diariamente, grande parte delas é composta pelos bispos rodeados pelo baldaquino daquela basílica. As maiores autoridades nacionais do catolicismo são anualmente retratadas tendo como pano de fundo os biomas brasileiros e os medalhões do ciclo da vida. Mais que mero cenário decorativo, como argumentei até aqui, a Basílica de Aparecida promove um movimento mútuo que tanto legitima a autoridade dos sacerdotes por estarem reunidos naquele espaço considerado sagrado, quanto também legitima aquele espaço como sede nacional do catolicismo pela presença das suas autoridades eclesiais.


Figura 13
Diretoria da CNBB celebra missa na Basílica de Aparecida durante a 59ª Assembleia Geral. Fonte: Instagram.

Retomando as terminologias de Meyer (2019a; 2019b) para analisar o protagonismo imagético dos biomas e embriões em “tornar visíveis” essas pautas políticas da Igreja Católica, o conceito de “formação estética” mostra-se proveitoso para entender essa atuação da CNBB.

O termo “formação estética” captura muito bem o impacto formativo de uma estética compartilhada através da qual sujeitos são forjados pela modulação de seus sentidos, pela indução de experiências, pela moldagem de seus corpos e pela produção de sentidos; uma estética que se materializa nas coisas. Repito, minha preocupação aqui não é exatamente a de descartar o termo comunidade, mas a de lançar sobre este um entendimento dinâmico – de fato, performativo – como uma formação estética. (Meyer, 2019b: 54)

Ao eleger a Basílica de Aparecida como sede de suas conferências, ao mesmo tempo em que fomenta nacionalmente as Campanhas da Fraternidade, as atividades da REPAM e os Movimentos Pró-Vida, a CNBB propaga imagens da “vida” que criam uma “estética compartilhada” entre católicos brasileiros, a qual têm um “impacto formativo” capaz de forjar sujeitos religiosos e políticos. A intenção declarada desse órgão é, justamente, promover uma noção de “comunidade nacional” arraigada em valores religiosos, nominalmente a “defesa da vida”.

Não se tratando de uma novidade, como indica Montero (2013), a Igreja Católica tem transformado os modos pelos quais se apresenta no campo sociopolítico nacional. Além da busca de frear o constante declínio da população católica no país, antes dominante, isso se dá sobretudo porque há uma “redefinição dos parâmetros ideológicos e jurídicos da democracia pela Constituinte de 1988 e pela transnacionalização das causas humanitárias e ambientais” (Montero, 2013).

Dado o caráter liberal e pluralista do campo sociopolítico brasileiro que se instaura após a Constituição de 1988, e dada a abrangência transnacional da Igreja Católica, essa é continuamente cobrada a se justificar publicamente pelos modos como apresenta os seus argumentos políticos. Essa justificativa tem se dado ora pela adesão e ora pela disputa dos direitos humanos. Nessa mesma esteira, afirmam Steil e Toniol (2013), a Rio+2014 se demonstra um caso paradigmático para a transformação do modo como a Igreja Católica passa a pautar a sua “defesa da vida”: foi justamente nessa conferência que houve um esforço para que tanto os direitos ambientais como os direitos sexuais e reprodutivos fossem reconhecidos como direitos humanos. Ao participar ativamente da Rio+20, a Igreja Católica se posicionou a favor da primeira pauta e reafirmou ser contra a segunda.

Ao remeter a natureza para um lugar utópico, conferindo-lhe um caráter sagrado, a lei natural aparece como um absoluto que se impõe desde fora da cultura humana. Nesse horizonte ético, a vida, quer na sua manifestação na forma do feto no seio materno quer na forma originária imaginada de um momento anterior ao surgimento da cultura, reveste-se de um sentido abstrato e universal. A luta pela vida apresenta-se, assim, como um compromisso com o futuro no plano individual, no caso daqueles que contrapõem-se ao aborto, e no plano planetário, no caso daqueles que denunciam a degradação das condições ambientais para as novas gerações. Ambos, portanto, engajam-se na luta, emprestando suas vozes àqueles que não têm como se pronunciar e afirmar seu próprio direito de existir (Steil & Toniol, 2013: 288)

Nesse mesmo posto de “um lugar utópico”, o baldaquino de uma igreja que se pretende uma sede nacional não pode ser entendido sem uma contextualização política. Se no final dos anos 1940 a demanda católica encontrava forma em um templo antissecular (Godoy, 2023), já no final dos anos 2010 era também somada à sua forma um templo pró-vida. Na proposta de “formação estética” do baldaquino, o Brasil não seria só uma nação por compartilhar uma mesma cultura e história, mas principalmente enquanto o conjunto ecológico de todas as “vidas” em um mesmo território: da fauna à flora, com destaque para a humana. Ao uni-las em uma mesma parede, o baldaquino da Basílica de Aparecida sintetiza essa proposta estética e busca através dela propagar as normas religiosas e pautas políticas.

Como busquei demonstrar nos tópicos anteriores, tanto os biomas como os embriões são imageticamente publicizados enquanto um “dom de Deus”. Nessa proposição católica, a “vida” é sacralizada através da justificação da criação divina. Já que “diante de realidades ‘sagradas’, não há a possibilidade de escolha” (Luna 2010: 101), a “formação estética” proposta por esse conjunto de imagens implicaria na obrigação dos católicos defenderem as florestas, os animais, as etnias, os embriões, fetos e bebês. Ao defender uma “cultura da vida”, como argumenta Vaggione (2012), a Igreja Católica voluntária e involuntariamente explicita o que seria uma “cultura da morte”. Nas imagens analisadas nesse artigo, a “morte” é expressa pelo desflorestamento, pela extinção dos animais, pelo garimpo, pelo fogo, pelas pesquisas com célula-tronco, pela eutanásia e pelo aborto.

Ao se propor religiosamente enquanto a mediadora de Deus na Terra, a Igreja Católica se coloca em uma posição hierárquica de poder sobre todas essas formas de “vida” e justifica o seu combate a todas essas formas de “morte”. Contudo, os movimentos socioambientais e antiaborto são muito mais plurais e dinâmicos do que uma “comunidade católica nacional” propriamente dita. Fazendo uso de imagens com justificativas similares, calcadas em uma mesma “formação estética”, as suas atuações no campo sociopolítico nacional muitas vezes os colocam em lados opostos do espectro político.

Não raro, enquanto os movimentos pró-vida católicos se aliam a partidos e líderes políticos que têm como bandeira a proibição do aborto, os movimentos socioambientais católicos se aliam a certos partidos e movimentos sociais contrários a essa mesma bandeira, mas favoráveis às causas ambientais e indígenas. Enquanto olhar para as alianças sociais aponta para um aparente paradoxo político, olhar para a instituição aponta para uma harmonia imagética. Sem necessariamente buscar coerência, olhar para a proliferação dessas imagens indica formas criativas de produção e engajamento estético através das quais o catolicismo se faz presente e dinamiza a sua atuação pública: seja nos movimentos sociais, no seu maior santuário brasileiro, como também nas redes sociais. Com maior apelo, fluidez e poder de síntese, biomas e embriões passam a performar o que é a “vida”: uma imaginação político-religiosa em constante construção, reformulação e disputa.

Considerações finais

O início da “vida” é tema de diversas obras na história da arte católica, dentre as quais os afrescos de Michelangelo na Capela Sistina seriam as mais emblemáticas. No mesmo sentido, acompanhando a produção dessas imagens, os questionamentos sobre o início da vida humana marcam debates teológicos do catolicismo há séculos. Não foi objetivo desse artigo recapitular toda essa genealogia, mas sim explorar as especificidades que mais recentemente tornaram os embriões e os biomas protagonistas imagéticos no Brasil.

Nessas considerações finais, contudo, vale salientar que o catolicismo é muito mais diverso do que as hierarquias da Igreja Católica e que, por isso, “novas imagens têm o potencial de perturbar essas imaginações e imaginários compartilhados e de se tornarem precursoras de novas perspectivas, regimes visuais e modos de ser” (Meyer, 2019a: 223). Nesse sentido, em uma contundente crítica ao caráter masculino da Igreja Católica, algumas católicas feministas têm buscado disputar essa “aparência de homogeneidade absoluta” através de um “contradiscurso de caráter dialógico” (Rosado-Nunes, 2012). Cientes de que a imagem embrionária só alcança protagonismo na medida em que ignora o corpo no qual é gestado (Luna, 2014), alguns coletivos de católica feministas criam e elegem crucifixos de mulheres grávidas como protagonistas de seu ativismo “pró-escolha” (Paccillo, 2018). Já no ativismo socioambiental, para além das “imaginações ecológicas” atreladas aos biomas, alguns coletivos católicos têm como referência imagética os ativistas assassi nados enquanto mártires, identificando a fecundidade do seu sangue derramado como “continuidade da vida” e de uma “vida de luta” (Souza, 2021). Apontando para outras direções do que concebida no baldaquino, esses outros ativismos católicos contemporâneos encontram na imagem da morte na cruz e da morte na terra seus referenciais de vida.


Figura 14
Vista parcial do baldaquino com o “anjo negro”, a mata atlântica e o embrião, destacado um televisor transmitindo a homilia do sacerdote. Fotografia do autor, 2019.

Ao concordar que “para o bem ou para o mal, parece impossível separar a religião da demanda de se tornar visível” (Stolow, 2014: 154), pode-se dizer que a Basílica de Aparecida é o local institucionalmente escolhido para tornar o catolicismo nacionalmente visível. E as imagens artísticas do baldaquino são parte fundamental desse esforço, tanto na sua criação como na sua divulgação: elas informam os planos e integram a atuação sociopolítica da Igreja Católica. Como aqui foi demonstrado, a produção dessas imagens faz parte de uma “formação estética” que, dentre outras coisas, é capaz de engajar sujeitos e coletivos na defesa de certas concepções de “vida” e, por consequência, no combate ao que seria a “morte”. Como os casos aqui abordados indicam, a ampla divulgação de imagens em redes sociais tem sido uma das principais formas de “tornar visível” tais agendas. Essas imagens, contudo, não são capazes de formar uma comunidade nacional coesa, tal qual almejada pela CNBB. Além das distintas genealogias dos biomas e dos embriões, as ausências de outras imagens também têm muito a dizer sobre os ostracismos, impostos pelo catolicismo institucional, em suas pretensões homogeneizantes em definir categoricamente e dominar imageticamente o binômio entre a vida e a morte.

Agradecimentos

Essa pesquisa foi realizada com auxílios da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (processos nº 2015/26487-9 e nº 2021/06041-7, FAPESP) e integra o projeto temático “Pluralismo religioso e diversidades no Brasil pós-constituinte” (processo nº 2021/14038-6, FAPESP). As primeiras versões desse texto foram debatidas no simpósio “Materialidades, Objetos e Coisas” do Museu Nacional/UFRJ [Rio de Janeiro, RJ, 2017]; no congresso “Brazilian Politics, Policies and Citizenship” da Universidade Radboud [Nijmegen, Holanda, 2019]; e na mesa redonda “Religião e Espaço Público” da UFRRJ [Seropédica, RJ, 2019]. Agradeço especialmente pelos comentários de Carly Machado, Martijn Oosterbaan, Renata Menezes, Thais Tiriba e colegas do Programa Internacional de Pós-Doutorado (IPP-CEBRAP).

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Notas

1 Baldaquino é o nome geralmente usado na terminologia arquitetônica para uma “cobertura decorativa sobre um altar, púlpito, tumba ou trono, que pode ser sustentada por colunas” (Marcondes, 1998: 36).
2 Cláudio Pastro (1948-2016) foi um artista brasileiro de grande prestígio no catolicismo, com obras sobretudo na Europa e na América Latina.
3 O Concílio Vaticano II (1962-1965) foi uma assembleia mundial extraordinária de bispos católicos, sancionada pelo papa, que teve como mote uma profunda reforma da Igreja Católica. Essa ampla reforma buscou uma atualização ritual e administrativa visando maior consonância com as demandas sociopolíticas do século XX e, dentre essas mudanças, foram criados paradigmas e nova normas sobre arte e arquitetura religiosa.
4 Iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), as chamadas “Campanhas da Fraternidade” acontecem anualmente, desde 1964, durante o período da quaresma (entre o Carnaval e a Páscoa). Nesse período, um lema sugerido pela conferência torna-se uma proposta de iniciativa e atuação religiosa para os católicos brasileiros. Usualmente com grande capilaridade e engajamento, trazem à tona posicionamentos e projetos sociopolíticos da Igreja Católica.
5 Há inclusive um infográfico interativo do baldaquino disponível em: < https://www.a12.com/redacaoa12/igreja/o-esplendor-da-natureza-brasileira-na-arte-sacra-de-aparecida > (Acesso em 13/05/22)
6 O vídeo completo está disponível em: < https://youtu.be/MkccZq7t4vc > (Acesso em 30/05/2022)
7 A REPAM-Brasil foi criada em 2017 como uma organização religiosa sem fins lucrativos. Em seu site oficial, define-se como “um esforço da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), das Igrejas Particulares (dioceses e prelazias), paróquias, comunidades, organizações sociais, cooperadores nacionais e internacionais para a defesa dos direitos humanos de mulheres e homens, ribeirinhos, indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores, e tantas outras expressões e trajetórias de vida emersas na Amazônia. A REPAM-Brasil aposta no protagonismo dos povos amazônicos na defesa e cuidado da casa comum através de um serviço de interconexão e articulação de ações, que se dinamizam a partir de eixos prioritários: Justiça Socioambiental e Bem Viver; Comunicação para a Transformação Social; Igreja em Fronteiras; Formação e Métodos Pastorais; Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais e Direitos Humanos e Incidência Internacional. É uma rede tecida com a participação ativa e corresponsável em defesa da vida na Amazônia, que se propõe a escutar, acompanhar, animar, formar e unir forças para responder aos grandes desafios socioambientais” (Fonte: < https://repam.org.br/quem-somos-repam/> Acesso em 06/06/2022).
8 Mais informações: < https://repam.org.br/votopelaamazonia/ >. (Acesso em 06/06/2022).
9 Jorge Bergoglio (1936-) é um sacerdote argentino, nomeado arcebispo de Buenos Aires em 1992 e eleito papa em 2013.
10 Na terminologia católica, sínodo é o título conferido a uma assembleia de sacerdotes em torno de algum tema específico.
11 Karol Wojtyla (1920-2005) foi um sacerdote polonês, nomeado arcebispo da Cracóvia em 1964. Foi papa no período de 1978-2005 e declarado santo da Igreja Católica em 2014.
12 Joseph Ratzinger (1927-2022) foi um sacerdote alemão, nomeado arcebispo de Munique em 1977. Foi papa de 2005 até 2013 quando abdicou da posição e se tornou o primeiro papa emérito.
13 Giovanni Montini (1897-1978) foi um sacerdote italiano, nomeado arcebispo da Milão em 1954. Foi papa no período de 1963-1978 e declarado santo da Igreja Católica em 2018.
14 A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável aconteceu em 2012 no Rio de Janeiro.

Notas

Autor notes

* Pesquisador do Programa Internacional de Pós-Doutorado (IPP) do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) como membro do Núcleo de Religiões do Mundo Contemporâneo. Doutor em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: adriano.godoy@cebrap.org.br. ORCID iD: < https://orcid.org/0000-0002-2347-5311>.


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