Resumo: Este artigo objetiva constituir um panorama nacional de pesquisas stricto sensu que consideram a perspectiva charlotiana da relação com o saber, abordando aspectos relativos ao ensinar e aprender matemática. Para tanto, caracteriza-se como um mapeamento tomando como banco de dados a Rede de Pesquisa sobre Relação com o Saber, a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações e o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES. Dentre os resultados constatam-se: 269 trabalhos, cuja maioria centra-se em alunos/acadêmicos; 49 produções que enfatizam conceitos/conteúdos de matemática, nas quais a relação com o aprender possui maior abrangência em concordância com a problematização inicial.
Palavras-chave: Aprender, Ensinar, Aprender a ensinar, Saber matemático, Charlot.
Abstract: This article aims to constitute a national panorama of stricto sensu researches that consider the charlotian perspective of the relationship with knowledge, approaching aspects related to teaching and learning mathematics. Therefore, it is characterized as a mapping taking as a database the Research Network on the Relation to Knowledge (REPERES), Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations (BDTD) and CAPES's Catalog of Theses and Dissertations. Among the results there are: 269 papers, most of which focus on students/scholars; 49 productions that emphasize mathematics concepts/content, in which the relationship with learning has a greater scope in accordance with the initial problematization.
Keywords: Learn, Teach, Learn to Teach, Mathematical knowledge, Charlot.
Resumen: Este artículo pretende constituir un panorama nacional de investigaciones stricto sensu que consideren la perspectiva charlotiana de la relación con el saber, abordando aspectos relacionados con la enseñanza y el aprendizaje de las matemáticas. Por lo tanto, se caracteriza como un mapeo tomando como base de datos la Red de Investigación en Relación con el Conocimiento, la Biblioteca Digital Brasileña de Tesis y Disertaciones y el Catálogo de Tesis y Disertaciones de la CAPES. Entre los resultados se encuentran: 269 trabajos, la mayoría enfocados a estudiantes/académicos; 49 producciones que enfatizan conceptos/contenidos matemáticos, en los que la relación con el aprendizaje tiene un mayor alcance de acuerdo con la problematización inicial.
Palabras clave: Aprender, Enseñar, Aprende a Enseñar, Conocimiento matemático, Charlot.
Artigos de fluxo
A relação com o saber: um mapeamento com reflexões no campo da Educação Matemática
The relation to knowledge: a mapping with reflections in the field of mathematical education
La relación con el conocimiento: un mapeo con reflejos en el campo de la educación matemática

Recepción: 19 Junio 2022
Aprobación: 11 Diciembre 2023
Ao longo da vida firmam-se várias relações com o saber, primeiramente com a família e posteriormente com a sociedade. Desse modo, a maneira com que cada sujeito se relaciona com o outro é proveniente de seus desejos, resultante de encontros e eventos que formam e reformam sua identidade (CHARLOT, 2005).
Cada sujeito tem uma história de vida única com experiências singulares. “Não há sujeito de saber e não há saber senão uma certa relação com o mundo, que vem a ser, ao mesmo tempo e por isso mesmo, uma Relação com o Saber. Essa relação com o mundo é também relação consigo mesmo e relação com os outros” (CHARLOT, 2000, p. 63). Tal perspectiva vem sendo cada vez mais considerada, de modo que se observa uma expansão de estudos sobre a relação com/ao saber (REIS; BANDEIRA; LIMA, 2016; CAVALCANTI, 2015; BASTOS; CAVALCANTI, 2018).
Concomitantemente, compreende-se a relevância de pesquisas que analisam trabalhos já elaborados, a fim de apontar temas, enfoques, sujeitos, aproximações e distanciamentos entre as investigações, no entanto os estudos supracitados não evidenciaram aspectos relativos à matemática. A depender do banco de dados e das escolhas metodológicas, tais estudos recebem diferentes denominações, como, por exemplo, mapeamento que “[...] nos faz reconhecer os mais diversos fatores que se manifestam sobre os entes pesquisados; entender um fato, uma questão dentro de um cenário; servir-se do conhecimento produzido e reordenar alguns setores deste conhecimento” (BIEMBENGUT, 2008, p. 135).
Mas “[...] faltam estudos que realizem um balanço e encaminhem para a necessidade de um mapeamento que desvende e examine o conhecimento já elaborado e apontem os enfoques, os temas mais pesquisados e as lacunas existentes” (ROMANOWSKI; ENS, 2006, p. 38). Portanto, tão relevante quanto mapear e estabelecer aproximações e distanciamentos entre as produções acadêmicas é evidenciar resultados de estudos correlatos.
Assim, considerando distintos repositórios (Rede de Pesquisa Sobre Relação com o Saber- REPERES, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações-BDTD e o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES) e não delimitando marco temporal, este artigo caracteriza-se como um mapeamento que objetiva constituir um panorama nacional de pesquisas stricto sensu que consideram a perspectiva charlotiana da relação com o saber, abordando aspectos relativos ao ensinar e aprender matemática.
A história de qualquer indivíduo começa no seu próprio nascimento, inserido em uma sociedade que o expõe à necessidade de aprender. Durante o desenvolvimento no contexto social, o sujeito atribui sentidos que podem ser consciente ou inconscientemente estabelecidos, construindo sua personalidade a partir de experiências adquiridas (CHARLOT, 2001). Portanto, para investigar a construção do indivíduo em sociedade, pode-se concentrar em aspectos da relação com o saber.
Nesse entendimento, essa noção pode ser compreendida como “[...] a relação como mundo, com o outro e com ele mesmo, de um sujeito confrontado com a necessidade de aprender” (CHARLOT, 2000, p. 80). Sendo assim, o sujeito é simultaneamente singular e social, visto que pertence a uma sociedade ao longo da vida, atribuindo sentidos sobre ele próprio e o mundo, constituindo sua singularidade no contexto social (CHARLOT, 2021).
Desse modo, o aprender não se restringe apenas ao conteúdo intelectual, mas também às relações que o sujeito determina ao adquiri-lo, pois se pode compreender a relação com o saber na educação por meio de três vertentes, a relação com o aprender, com o ensinar e o aprender a ensinar (CHARLOT, 2020). A relação com o aprender refere-se ao aluno, ela se constitui através do sentido atribuído ao conteúdo ou a atividade. Charlot (2013) apresenta que, para o aluno aprender, é necessário conferir sentido. Em especial, a disciplina escolar matemática possui vários estereótipos, os alunos “[...] evocam espontaneamente o caso da matemática para comentar suas dificuldades ou seu sucesso na escola. A matemática tem a reputação de ser reservada para as mentes mais abstratas e, portanto, de não ser acessível a qualquer pessoa.” (CHARLOT, 2021, p. 7). Um dos reflexos de interpretação equivocada pode ser identificada em índices de reprovação na Educação Básica, ou em baixos índices de desempenho em avaliações externas, apesar de contestar tais modelos. Mesmo que o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) registre indícios de uma melhora na performance na matemática no ano de 2019 em comparação com 2017, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), realizado em 2018, indica que o Brasil tem baixa proficiência em matemática, se comparado com outros 78 países que participaram do estudo, pois “[...] 68,1% dos estudantes brasileiros, com 15 anos de idade, não possuem nível básico de matemática, o mínimo para o exercício pleno da cidadania.” (INEP, 2019, p. 1).
Além de questionar tais formas de avaliação e seus resultados também é importante ressaltar que situações de fracasso escolar não se revelam apenas no desempenho em uma avaliação, mas em um conjunto de relações do aluno com a sociedade e consigo mesmo. Charlot (2005) apresenta que é essencial estudar o fracasso e o sucesso escolar, considerando a singular apropriação do mundo, defendendo a necessidade de se aprofundar nas relações que os alunos estabelecem com o saber, destacando que “[...] o ‘fracasso escolar’ não existe; o que existe são alunos em situação de fracasso” (CHARLOT, 2000, p. 16).
A relação com o ensinar, por sua vez, está vinculada a ações e práticas docentes, além da formação profissional do professor. Nessa perspectiva, o professor aprende a partir da elaboração do planejamento e do domínio de situações vivenciadas na prática escolar, promovendo duas formas de mediação: a prática do saber e o saber da prática. A sua compreensão consiste em articular anseios entre lógicas de saberes e práticas (CHARLOT, 2005). Apesar de ninguém ser capaz de aprender no lugar do outro, contudo, o aluno só aprende se o professor oportunizar, propiciando situações e materiais didático-pedagógicos pertinentes. Assim, compreende-se que “ [...] o saber adquirido é produto direto dessa atividade do aluno e apenas indireto da atividade do professor” (CHARLOT, 2021, p. 5).
A relação com o aprender a ensinar remete aos processos formativos do professor, considerando o sentido do aprender a ensinar, emergindo mobilizações para se tornar um educador reflexivo. A formação inicial e continuada “[...] são intrínsecas à relação do professor à sua atividade docente, ao desejo de ser professor e ao sentido que dão à própria formação, se constituindo, portanto, como campo de conhecimento para o desenvolvimento da relação com o saber” (CLEMENTE; SOUZA, 2017, p. 18). Assim, essa relação pode ser identificada em processos que envolvam professores em exercício, acadêmicos de cursos de licenciatura, atividades de iniciação à docência, entre outros.
Tanto relações estabelecidas com o ensinar quanto com o aprender a ensinar podem ser vivenciadas em processos formativos, no âmbito da formação inicial ou continuada de professores, de maneira formal ou informal. Mas é fato que a ampliação de discussões que envolvem aspectos teóricos e práticos, ainda em cursos de licenciatura, favorece esse debate e pode contribuir para baixar índices de evasão. Nessa perspectiva, novas diretrizes e normativas para propostas curriculares de cursos de formação de professores ampliam essas discussões, evidenciando a prática como um elemento fundamental no processo formativo.
Em termos de políticas públicas no Brasil, atualmente existem dois programas institucionais que podem promover espaços para estabelecer relações com o aprender a ensinar no âmbito da formação inicial e continuada. Apesar de suas singularidades, tanto o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) quanto o Programa de Residência Pedagógica (RP) possibilitam que licenciandos realizem ações de articulação entre a Educação Superior e escolas da rede pública, ao antecipar o vínculo de acadêmicos com a docência. Mas também cabe destacar o Programa de Consolidação das Licenciaturas (Prodocência), criado em 2006, trouxe significativas contribuições.
Ao assumir essas três vertentes: relação com o aprender, com o ensinar e com o aprender a ensinar é possível estabelecer associações, pois nos processos de ensino e aprendizagem tanto o professor quanto o aluno aprendem e ensinam, principalmente quando tais sujeitos possuem prazer e desejo em participar desse movimento, ou seja, o professor tem que querer ensinar, e o aluno, querer aprender.
Este estudo segue pressupostos de uma pesquisa qualitativa, pois prioriza “[...] procedimentos descritivos à medida em que sua visão de conhecimento explicitamente admite a interferência subjetiva, o conhecimento como compreensão que é sempre contingente, negociada e não é verdade rígida” (BORBA, 2004, p. 2). Desse modo, os dados são expostos de forma descritiva, o que não exclui qualquer dado quantitativo (YIN, 2016), que podem ser utilizados para sistematizar resultados de levantamentos ou mapeamentos, que também são formas de se implementar pesquisas qualitativas (ROMANOWSKI; ENS, 2006).
Trabalhos do tipo mapeamento se empenham em “[...] identificar os pontos relevantes ou significativos que nos valham como guia para compreender os segmentos já pesquisados e expressos de forma a nos permitir elaborar um sistema de explicação ou de interpretação” (BIEMBENGUT, 2008, p. 93). Para tanto, este estudo considera teses e dissertações inclusas em três repositórios, a saber: a Rede de Pesquisa Sobre Relação com o Saber (REPERES)1, a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações2 (BDTD) e o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES3.
A primeira consulta foi na REPERES em 15 de novembro de 2019 e a última foi concluída em 27 de março de 2021, totalizando a identificação online de 68 estudos. A seguir, foram examinados o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES e a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). A busca inicial ocorreu a partir de 24 de novembro de 2019 e a última encerrou em 27 de março de 2021, por meio das palavras-chaves “Relação com o Saber" AND "Charlot". Foram identificadas 150 produções no repositório da CAPES e 177 trabalhos no da BDTD. Como não foi utilizado refinamento, consequentemente obtiveram-se pesquisas de diferentes áreas no conhecimento.
De modo online, foi possível acessar 250 pesquisas produzidas no Brasil. Como alguns estudos não estavam disponíveis em sua versão completa contatou-se, por e-mail, 35 pesquisadores e diante do retorno dos autores, obteve-se 19 produções. Por fim, realizou-se a exclusão de sete trabalhos que não abordaram a relação com o saber na perspectiva de Charlot (2001, 2005, 2013, 2020 e 2021). Para tanto, salienta-se que os estudos excluídos tinham como principal aporte teórico outras abordagens. Além disso, apesar das buscas encerrarem 2021, acentua-se que não foi identificado produções em 2020 e 2021.
Portanto, o corpus de análise totaliza 75 teses e 194 dissertações. Os 269 arquivos foram exportados para o Mendeley4e analisados com a finalidade de expor elementos relevantes sobre as pesquisas a partir das duas categorias constituídas a priori: Caracterização dos estudos . Investigações no campo da Educação Matemática.
A Caracterização dos estudos foi organizada com o intuito de apresentar um panorama nacional da relação com o saber, por considerar diferentes áreas abrangidas pela teoria. Para isso, analisaram-se as 269 publicações. Os dados expõem a distribuição das pesquisas quanto ao nível, ano de defesa, instituição, região, principais grupos de pesquisa, orientadores, programas de pós- graduação, produção de dados e sujeitos. Para tanto, foram apreciados os resumos de todos os trabalhos, mas, com o propósito de complementar as informações, também foram considerados os textos na íntegra.
A segunda categoria, nomeada Investigações no campo da Educação Matemática, toma as pesquisas que abordam conceitos/conteúdos de matemática, considerando trabalhos que averiguam um conteúdo específico ou de um modo geral. Para tanto, foram selecionados todos os 50 estudos que utilizaram o termo “matemática” nas palavras-chave, resumo ou objetivo. Após realizar a leitura completa e o fichamento, foi necessário fazer a exclusão de quatro produções, pois estas não tinham como foco apenas estudos sobre a matemática. Mas, foram acrescentados três trabalhos que enfatizaram conteúdos/conceitos específicos da matemática, mas não expuseram a palavra matemática no refinamento anterior, a saber: frações; cálculo diferencial e integral; Teorema de Tales de Mileto. Com isso, o corpus de análise da segunda categoria totalizou 49 estudos.
A relação com o saber pode ser compreendida em cinco fases de desenvolvimento sendo que a última é denominada universalização e se refere à difusão da noção para além do contexto francófono, sendo abordada em vários países (CAVALCANTI, 2015). Ao analisar os aspectos institucionais dos trabalhos desenvolvidos no Brasil, em relação ao nível e ano de defesa dos 269 estudos (Figura 1), observa-se que o primeiro trabalho de mestrado em 2001 é vinculado à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, enquanto o de doutorado foi defendido em 2003 junto à Universidade Estadual de Campinas.
Os trabalhos em nível de mestrado acadêmico totalizam 68,77%. Observa-se uma crescente nos anos, com exceção de 2010, 2011, 2014 e 2015. Reis, Bandeira e Lima (2016) indicam um aumento de dissertações no período de 2005 e 2012, e de teses entre 2011 e 2012, ademais, identifica-se a ampliação das produções para os sequentes anos. Salienta-se o ápice do número total de estudos publicados em 2017, após isso, ocorre um decaimento. Além disso, evidencia-se que o número de pesquisas desenvolvidas em mestrados profissionalizantes representa 3,35% do total. As instituições que desenvolveram esse tipo de estudo são: UFPEL (2), UFOP (1), UFJF (1), UFS (1), IFES (1), UFMG (1), UFFS (1) e UFSCAR (1).

Por meio da análise do Figura 1 observa-se que o número de dissertações é significativamente maior que o de teses concluídas ao longo de todo o período, o que representa apenas 27,88% do total. O único ano em que houve mais defesas de doutorado do que mestrado foi em 2014. Nesse mesmo ano, constata-se, concomitantemente, um declínio da produção de mestrado e o ápice da de doutorado.
Evidencia-se um acréscimo considerável do número de teses concluídas em 2009 quando comparado com os anos anteriores e observa-se uma frequência maior ou igual a cinco pesquisas defendidas entre 2011 e 2018. Um dos fatores que pode ter ocasionado esse crescimento são políticas de incentivo à criação de programas de pós-graduação no país, além da participação de Bernard Charlot, desde 2006, como Professor Visitante da UFS, atuando em dois programas, inclusive na Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (LOVIS; OLIVEIRA; MARIANI, 2020). Diante desses aspectos, analisa-se a distribuição das pesquisas quanto às regiões brasileiras (Quadro 1).
Ao analisar os dados do Quadro 1, verifica-se em todas as regiões pelo menos três pesquisas, mas a soma das produções das regiões Nordeste, Sudeste e Sul resultam em 94,42% do total nacional. Apesar de a região Sudeste ter o maior número de trabalhos defendidos, destaca-se a Nordeste, que possui uma média de seis trabalhos por instituição, pois dispõe de apenas 13 Instituições de Ensino Superior (IES) distintas.
Tais dados permitem afirmar que a relação com o saber, no Brasil, é territorialmente muito mais extensa que outros aportes teóricos. Na maioria dos mapeamentos, a região Sudeste se destaca em comparação às outras regiões, resultante do número expressivo de Programas de Pós- graduação. Contudo, no que tange à relação com o saber, Cavalcanti (2015) expõe que as regiões Sudeste e Sul são os principais polos da produção nacional, nessa perspectiva, observa-se no Quadro 1 a aproximação do número de trabalhos do da região Nordeste também, revelando que tal noção é analisada em várias IES do país.

Em termos de IES a acentuam-se cinco que desenvolveram mais de dez trabalhos, representando 36,80% da produção total, em especial a UFS e UEL e os respectivos grupos de pesquisa, Estudos e Pesquisa Educação e Contemporaneidade (EDUCON) e Educação em Ciências e Matemática (EDUCIM). Entre as 63 IES, identificam-se 173 orientadores distintos que pertencem à programas de 11 áreas de avaliação da CAPES (Quadro 2). Além disso, ressalta-se que oito pesquisadores foram responsáveis pela orientação de três trabalhos e 21 pesquisadores orientaram dois trabalhos; os demais, apenas uma pesquisa cada. Os nove que mais orientaram são: Bernard Charlot (13), Sergio de Mello Arruda (13), Veleida Anahí da Silva (12), Elianda Figueiredo Arantes Tiballi (8), Marinez Meneghello Passos (5), Jaqueline Moll (5), Denize da Silva Souza (4), Carlos Eduardo Laburú (4) e Teresa Cristina Rego (4). Cinco deles possuem sua dissertação e/ou tese neste corpus de análise, a saber: Denize da Silva Souza, Rosemeire Reis da Silva, José Dílson Beserra Cavalcanti, Edinéia Tavares Lopes e Messias Holanda Dieb.

Por meio dos dados do Quadro 2, constata-se que 176 estudos pertencem à área de Educação e 67 estão alocados na área de Ensino (sendo 65 em programas de Ensino de Ciências e/ou Matemática), esse fato corrobora com Cavalcanti (2015). Além disso, ao somar pesquisas produzidas em Programas de Pós-graduação avaliados nas áreas de Educação e Ensino, obtém-se 90,33% do total.
Em relação aos procedimentos metodológicos, constata-se que apenas Feitosa (2012) explicita seguir uma abordagem quantitativa, 242 das 269 pesquisas assumem uma perspectiva qualitativa, outros 27 estudos admitem seguir procedimentos quantitativos e qualitativos, concomitantemente. Para tanto, alegam a necessidade de elencar categorias, com o intuito de analisar dados por meio da frequência de respostas ou a utilização de análises estatísticas. Na produção de dados de todos os estudos mapeados, constata-se 529 estratégias que fazem referência a dez estratégias distintas (Quadro 3). Enquanto 34,20% (92 pesquisas) empregaram apenas uma estratégia, 53 dessas optaram exclusivamente por entrevista. Além disso, constata-se que 37,17% utilizam duas estratégias, 21,56% empregam três e 7,07% usam 4 ou 5 (Quadro 3).

Das pesquisas que dinamizaram entrevista observa-se que 123 podem ser caracterizadas como estruturada e as demais semiestruturada. A ascendência desse tipo de fonte pode justificar- se pela natureza qualitativa dos estudos, proporcionando maior compreensão de crenças, valores e atitudes dos sujeitos, ou seja, é um procedimento que se encontra em sintonia com a perspectiva do estudo qualitativo (BORBA, 2004). Além disso, a entrevista pode ser considerada como um método clássico na produção de dados de pesquisas embasadas na relação com o saber, uma vez que tais estudos buscam investigar a história dos sujeitos, possibilitando outorgar voz aos indivíduos (CHARLOT, 2005). Esse tipo de relação social mobiliza o sujeito a dialogar e contar sobre a sua narrativa de vida.
Além das entrevistas, observa-se um crescimento do emprego de grupo focal ao longo dos anos, o que pode se justificar pela referência na obra de Charlot (2005) evidenciando que tais grupos possibilitam identificar expressões, formas de linguagem e tipos de comentários de um determinado assunto, sendo capaz de discutir e comentar um tema a partir de experiências singulares de cada sujeito.
No que tange aos sujeitos principais e secundários de cada produção, observa-se que 68,03% dos estudos centram-se em alunos/acadêmicos, corroborando com a preocupação inicial das investigações que abrangem a relação com o saber (CHARLOT, 2021). Reis, Bandeira e Lima (2016) apontam alunos da EJA, Ensino Médio e graduações em licenciaturas como os principais níveis de ensino analisados, distinguindo-se dessa constatação, verifica-se no Quadro 4 que os anos finais do Ensino Fundamental (EF) é o nível com maior incidência totalizando 16,73% das produções, enquanto o Ensino Médio regular (EM) representa 14,13% das pesquisas. Além disso, ressalta-se o quantitativo expressivo de pesquisas que consideram o ponto de vista de acadêmicos de licenciatura (16,73%), dos cursos de Matemática, Química, Biologia, Física, Geografia, História, Letras, Pedagogia, Música, Teatro, Educação Física e Ciências Sociais (Quadro 4).

Ao analisar os dados do Quadro 4, constata-se que pesquisas que tomam professores como sujeitos representam 37,92% do total, sendo 20,45% atuam no EF e 9,66% no EM, destacando a ênfase em estudos nos anos iniciais da escolarização. Observa-se, ainda que apenas 2,23% das investigações centram-se na Educação Infantil expressando pouca ênfase em inquirir relações com a matemática nesse âmbito.
Por fim, ressalta-se que, incorporadas na classificação comunidade escolar, estão produções que investigam: famílias (9); membros da escola (7); membros de projetos (7); membros da comunidade (1) e técnico do laboratório (1). Na sociedade civil, encontram-se: sujeitos em vulnerabilidade social (7); músicos (3); indivíduos em privação de liberdade (3); artistas (3); funcionários de indústrias (2); membros da Pastoral da Juventude (1); Intercambista (1); Autor de livro (1) e funcionários da biblioteca (1).
O corpus de análise desta categoria é constituído por 49 pesquisas (Figura 2)5 que discutem conceitos/conteúdos de matemática a partir da relação com o saber. Entre elas, 37 investigações estão vinculadas à área de Ensino (sendo 36 a área Básica Ensino de Ciências e Matemática) 11 à área de Educação6 e um trabalho na área Matemática/Probabilidade e Estatística (Mestrado Profissional em Matemática PROFMAT)7.

Quanto ao âmbito dos estudos expostos na Figura 2, também se constata a tendência de centrar-se na relação com o aprender como a vertente mais investigada pelas produções (Quadro 5)8, salientando-se a relevância em pesquisar as relações com o aprender matemática em diferentes níveis de ensino, visto que se constatam frequentemente situações de fracasso (CHARLOT, 2000, 2013).

A relação com o saber com ênfase na relação com o aprender, pondera sobre diferentes maneiras de apropriação de um saber, constituindo-se dentro ou fora do contexto escolar, como as pesquisas desenvolvidas com sujeitos em privação de liberdade, que objetivam compreender a relação que os detentos mantêm com o saber matemático, refletindo sobre percepções gerais da área (P153, P165 e P195), ou especificamente na aprendizagem da geometria no universo explicativo de duas pessoas com cegueira total.
Desse modo, ressaltam-se aspectos sociais e culturais, aproximando experiências cotidianas de conceitos/conteúdos matemáticos. De modo que “[...] à questão geral da relação com o aprender acrescenta-se a questão mais específica da relação com o saber, ou seja, com o tipo de aprender que a escola oferece, e aquelas, ainda mais específicas, das relações com determinada disciplina escolar ou forma de aprender.” (CHARLOT, 2021, p. 8).
Como a relação com o saber promove reflexões sobre humanização, socialização e singularização a relação com o aprender refere-se à construção histórica indissociavelmente social e cultural (CHARLOT, 2020). Dentre os estudos mapeados, pesquisas que investigam percepções gerais de alunos em relação à matemática, dinamizadas na Educação Básica, que objetivam analisar relações com o aprender na disciplina escolar de um modo abrangente (P1, P102, P189), compreender sujeitos que tangenciam condições de sucesso/fracasso escolar através de comparação com alunos bem sucedidos (P60) e identificar aspectos presentes nas falas de estudantes reprovados no sexto ano do EF (P229).
Já no EF, observam-se três pesquisas (P89, P175, P260) que consideram conhecimentos específicos de matemática, por meio da mobilização para aprender equação de 2° grau e fórmula de Bhaskara (P89), uso da Robótica no âmbito da Educação Matemática como tecnologia capaz de contribuir no desenvolvimento do raciocínio proporcional (P175) e a utilização de estratégias de leitura na aprendizagem sobre o Teorema de Tales de Mileto (P260). E, no EM, constatam-se estudos que objetivam averiguar relações estabelecidas com o saber matemático e implicações no desempenho escolar (P75), transformações de concepções sobre a importância da matemática em atividades agrícolas (P253) e o intuito de apontar princípios concernentes aos acessos ao objeto do saber em matemática por uma estudante cega (P266).
Em espaços formais de ensino ainda existem pesquisas que envolvem alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e centram-se na relação da matemática ensinada na sala de aula com o cotidiano (P83 e P211), ou na ideia de perímetro e área, destacando a importância do conhecimento matemático dentro e fora da escola (P156). Bem como estudos dinamizados com acadêmicos de cursos de bacharelado que exploram disciplinas de Cálculo para os cursos de Gestão Pública (P140) e Engenharia (P182). Além disso, ressalta-se P183, que analisa como se desenvolve o universo explicativo de duas pessoas com cegueira total sobre a aprendizagem da geometria.
Quanto à relação com o ensinar, evidenciam-se percepções sobre o ensino de matemática, considerando metodologias, aprendizagem de matemática de um modo geral ou sobre conceitos/conteúdos. Assim, salientam-se relações estabelecidas com o outro (alunos e professores) e com o mundo (conhecimento matemático, escola), considerando processos de ensino e aprendizagem de professores e alunos (CHARLOT, 2005; CLEMENTE; SOUZA, 2017). Dessa forma, os estudos que envolvem professores em exercício e realçam percepções sobre aprendizagem de alunos destacam a mobilização e atividade intelectual (P57) e compreensões de sujeitos que possuem alguma deficiência (P149). Além disso, alguns tomam o ponto de vista de professores em exercício e consideram o próprio processo de ensino, investigando: relações com ensinar o saber matemático (P157, P163, P240); indícios de mobilização de professores da EB (P139); universo explicativo e como esses elementos se processam para ensinar Teorema de Tales (P181); práticas educativas através da modificação da prova do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM (P212); sentidos atribuídos ao exercício da docência (P163) e da Educação do Campo (P264).
Contudo, existem estudos que discutem a relação com o ensinar também se aproximam de uma perspectiva que envolve a relação com o aprender a ensinar, refletindo sobre os processos formativos e os conhecimentos docentes. Pesquisas que versam sobre aprender a ensinar com professores em exercício versam sobre desenvolvimento profissional decorrente da formação continuada de um modo geral (P61, P119); compreensões sobre relações com o saber e o aprender de professores-tutores participantes de um programa de formação continuada (P40); saberes construídos e/ou ressignificados na integração da literatura infanto-juvenil e a matemática na formação continuada (P74); elementos constituintes da formação inicial que contribuem para os primeiros anos da docência (P197);
Ao considerar os acadêmicos de cursos de licenciatura, evidenciam saberes matemáticos (P2, P242), apropriações de saberes docentes (P4, P24) e pedagógicos (P184) durante formação. P30, em específico, investiga a trajetória profissional de um egresso do Curso de Licenciatura em Matemática/UESC, identificando as modificações de seus saberes a partir de suas necessidades profissionais. Assim, salienta-se que o processo formativo do professor “[...] associa o aprofundamento dos saberes que ele deva ensinar e a aquisição de um conjunto de práticas profissionais bem definidas e estáveis e o acesso a valores a práticas sociais e a comportamentos que lhe permitirão desempenhar seu papel de mediador social. (CHARLOT, 2005, p. 96).
Além disso, existem investigações sobre iniciação à docência, centrando-se em relações com os conhecimentos matemáticos e pedagógicos durante o curso, por exemplo, P123, P134, P188 e P261 apresentam reflexões no âmbito do Pibid, investigando: relações com o ensinar, com o saber e com o aprender no contexto do programa (P123); articulações de saberes específicos de matemática e pedagógicos com experiências da docência (P134); ações estabelecidas por um dos bolsistas durante uma intervenção (P188) e o Pibid como espaço de construção da identidade docente, compreendendo o sentido que os bolsistas atribuem na sua relação com o saber para a construção da identidade professoral (P261). Desse modo, relações que licenciandos estabelecem com o meio social e cultural refletem o modo com que eles compreendem a matemática, influenciando a prática docente (CHARLOT, 2021).
O objetivo deste artigo foi constituir um panorama nacional de pesquisas stricto sensu que consideram a perspectiva charlotiana da relação com o saber, abordando aspectos relativos ao ensinar e aprender matemática. Para tanto foram sistematizadas duas categorias. A primeira analisou 269 estudos e a segunda apreciou 49 trabalhos. Dentre os resultados da segunda categoria, constata-se que a relação com o aprender foi majoritariamente mais dinamizada na literatura científica brasileira, desenvolvida principalmente nos primeiros anos da abordagem teórica no Brasil, indicando a preocupação inicial com a aprendizagem de alunos/acadêmicos, em concordância com Charlot (2021) que expõe o aprender como a apreensão originária.
Verifica-se que a maioria dos trabalhos enfatizam processos de ensino e/ou aprendizagem de um conteúdo específico da matemática escolar ou percepções gerais sobre a disciplina, considerando a história social e singular de professores e alunos. Além disso, evidencia-se um aumento das produções que centram-se em relações com o ensinar e o aprender a ensinar, expondo o desenvolvimento teórico da noção e suas relações com outras questões educacionais.
Portanto, a abordagem teórica da relação com o saber não se centra apenas no aprender, ela está difundindo-se para temas envolvendo o ensinar, seja nos processos formativos ou na prática docente. A análise dos dados possibilitou constatar que os estudos que contribuíram para o desenvolvimento da relação ao ensinar e aprender a ensinar, representam mais da metade das produções que discutem conceitos/conteúdos de matemática, com grande parte sendo desenvolvida nos últimos cinco anos.
Além disso, destaca-se a relação com o aprender a ensinar na formação continuada de professores em exercício e na formação inicial licenciandos, analisando processos formativos, o ser/tronar-se professor, conhecimentos docentes, iniciação à docência, principalmente no âmbito do Pibid, e ponderando sobre relações sociais e culturais com o saber matemático. Já a relação com o ensinar, foi identificada apenas com professores em exercício.
Portanto, destaca-se a importância deste mapeamento como abordagem metodológica para os futuros trabalhos envolvendo a relação com o saber, expondo o que já se tem produzido sobre determinado conhecimento e as carências de cada área. Além disso, torna-se pertinente a ampliação de entendimentos sobre a relação com o ensinar e aprender a ensinar, bem como as relações com a matemática, com ênfase na sua natureza.






