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O problema concreto de um viés problematizador na metodologia interdisciplinar das representações
The concret problem under a problematizing bias in the methodology of interdisciplinary representations
El problema concreto sobre un sesgo problematizador en la metodología interdisciplinaria de las representaciones
Reflexão e Ação, vol. 31, núm. 2, pp. 21-39, 2023
Universidade de Santa Cruz do Sul

Artigos do fluxo


Recepción: 03 Mayo 2022

Aprobación: 03 Mayo 2022

DOI: https://doi.org/10.17058/rea.v31i2.17600

Resumo: O presente artigo apresenta um estudo sobre teses e dissertações brasileiras, publicadas no período 2009-2020, que abordaram a metodologia de Ilhas de Racionalidade Interdisciplinar na formação de professores de ciências. A busca realizada no site da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações resultou em seis trabalhos, os quais foram analisados via Análise Textual Discursiva, com o objetivo de compreender o que tratam as pesquisas que abordam a metodologia na formação de professores de ciências. Assim, apresentamos como compreensões emergentes a importância de um caráter problematizador para o problema concreto, a fim de propiciar uma Alfabetização Científica e Tecnológica, bem como a necessidade de o problema concreto emergir de um estudo da realidade em que os estudantes estão inseridos, desvelando um tema gerador, a partir do processo de Investigação temática.

Palavras-chave: Problema Concreto, Viés Problematizador, Alfabetização Científica e Tecnológica, Tema Gerador.

Abstract: This manuscript covers a study on Brazilian thesis and dissertations that approach the methodology of Interdisciplinary Islands of Rationality in the education of science teachers. Our search on the Digital Theses and Dissertations Library gave us six works we analyzed via Discursive Textual Analysis. We present emerging understandings about the importance of a problematized character for the concrete problem, providing a Scientific and Technological Literacy. We also suggest that the concrete problem should start from studying the reality in which the students inserted, creating a generative theme based on the Thematic Investigation methodology.

Keywords: Concrete Problem, Problematized Bias, Scientific and Technological Literacy, Generative Theme.

Resumen: Este artículo presenta un estudio sobre tesis y disertaciones brasileñas que abordaron la metodología de Islas Interdisciplinarias de Racionalidad en la formación de profesores de ciencias. La búsqueda realizada en el sitio web de la Biblioteca Digital de Tesis y Disertaciones arrojó como resultado seis trabajos, los cuales fueron analizados mediante Análisis Discursivo Textual. Presentamos como comprensiones emergentes la importancia de un carácter problematizador del problema concreto, a fin de proporcionar una Alfabetización Científica y Tecnológica, así como la necesidad de que el problema concreto emerja de un estudio de la realidad en la que se insertan los estudiantes, revelando un tema generador, a partir del proceso de Investigación Temática.

Palabras clave: Problema Concreto, Sesgo problemático, Alfabetización Científica y Tecnológica, Tema generador.

INTRODUÇÃO

A interdisciplinaridade é um conceito polissêmico, tem seu início pautado nas iniciativas de propor uma nova forma de compreender o conhecimento e como sua construção se efetiva, em contraponto a uma abordagem disciplinar. Fávero (2020) comenta que mesmo transcorridos 48 anos do primeiro evento sobre pluridisciplinaridade e interdisciplinaridade, ocorrido na França, ainda se percebe dificuldades conceituais acerca do termo “interdisciplinaridade”. Tal fato, se dá pelas diversas definições e classificações realizadas por vários estudiosos. No contexto internacional, por exemplo tem-se as contribuições de Georges Gusdorf na década de 1960, Jean Piaget e Erich Jantsch em 1970, Julie Thompson Klein e Gérard Fourez na década de 1990 e Allen Repko no final da década de 2000. Já no cenário brasileiro tem-se como pioneiros Hilton Japiassú e Ivani Fazenda, com pesquisas iniciadas na década de 1970, que atualmente são consideradas referências no âmbito da interdisciplinaridade.

Hilton Japiassu, buscou uma compreensão epistemológica do conceito de interdisciplinaridade, considerando que não se trata apenas de uma teoria, mas se fundamenta como prática e como ação. Japiassu (1976) indica que a interdisciplinaridade possibilita a ultrapassagem da fragmentação das disciplinas, possibilitando o conhecimento do sujeito em sua totalidade, não em fragmentos, como na concepção positivista de conhecimento.

Para Ivani Fazenda a interdisciplinaridade constitui-se em uma atitude, forma de ser e fazer relacionada com uma maneira inovadora de lidar e compreender o conhecimento. Ademais,

a interdisciplinaridade visa à recuperação da unidade humana através da passagem de uma subjetividade para uma intersubjetividade e assim sendo, recupera a ideia primeira de Cultura (formação do homem total), o papel da escola (formação do homem inserido em sua realidade) e o papel do homem (agente das mudanças no mundo) (FAZENDA, 2002, p. 48).

Desenvolver o potencial do indivíduo em ser sujeito-efetivo, capaz de tomar decisões conscientes e agir como agente de transformação da realidade na qual se insere é um trabalho árduo, tanto quanto colocar em prática a interdisciplinaridade. A falta de clareza de seu significado, bem como de como aplicá-la são os dois obstáculos apontados por Hartmann e Zimmermann (2007) na sua efetivação no contexto educacional.

Neste sentido, Fourez (1997), referencial adotado neste estudo, apresenta uma metodologia para o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar denominado Ilhas de Racionalidade Interdisciplinar (IRI). Para Fourez e colaboradores “a interdisciplinaridade vai além de uma simples justaposição de pontos de vista. (...) ela constitui uma prática integradora com vistas à abordagem de certos problemas na sua particularidade” (MAINGAIN, DUFOUR e FOUREZ, 2008, p. 68). O autor argumenta que a prática escolar da interdisciplinaridade objetiva aquisição pelos estudantes de uma “competência interdisciplinar”, neste sentido, para os autores “aprender é abandonar uma representação para adotar uma outra mais prometedora” (MAINGAIN, DUFUOR e FOUREZ, 2008, p. 81).

Fourez (1995) argumenta ainda que a interdisciplinaridade não se destina a criar um discurso que se situaria para além das disciplinas particulares, mas sim, uma prática específica visando à abordagem de problemas relativos à existência cotidiana, ou seja, um problema concreto. O autor expõe ainda que neste viés,

(...) a interdisciplinaridade é vista como uma prática essencialmente “política”, ou seja, como uma negociação entre diferentes pontos de vista, para enfim decidir sobre a representação considerada como adequada tendo em vista a ação. Torna-se evidente, então, que não se pode mais utilizar critérios externos e puramente “racionais” para “mesclar” as diversas disciplinas que irão interagir. É preciso aceitar confrontos de diferentes pontos de vista e tomar uma decisão que, em última instância, não decorrerá de conhecimentos, m as de um risco assumido, de uma escolha finalmente ética e política. (FOUREZ, 1995, p. 137).

Desta forma, como meio para atingir as questões supracitas, bem como desenvolver nos sujeitos o potencial em ser sujeito-efetivo, Fourez (1997) propõe a metodologia de IRI como uma proposta para o trabalho interdisciplinar, tendo como objetivo principal fomentar a Alfabetização Científica e Tecnológica (ACT). Neste artigo defendemos o ponto de vista de que, no ensino de ciências a Alfabetização Científica e Tecnológica (ACT) tem como objetivo central promover a compreensão e o domínio da Ciência e da Tecnologia, atreladas aos aspectos históricos, epistemológicos, políticos, econômicos, ambientais e éticos, oportunizando aos estudantes uma atuação responsável, crítica e cidadã em sociedade (SASSERON e CARVALHO, 2016). Desta forma, compreende-se que a ACT pode ser concebida como uma alternativa para uma educação mais comprometida com a formação de sujeitos críticos e com capacidade de tomada de decisões conscientes acerca de questões sociais. Também neste sentido, Chassot (2003) sinaliza que essa deve ser uma preocupação significativa no ensino fundamental, mas deve ser estendida ao nível médio e ao ensino superior, mesmo que cause arrepios em alguns.

Concebemos que um ensino de ciências para ultrapassar os muros da escola, precisa ser pensado para fomentar uma ACT, tal como proposto pela metodologia de Ilhas de Racionalidade Interdisciplinar (IRI). (FOUREZ, 1997). Ela é uma proposta que visa uma representação ou modelização de resposta para um problema concreto que pode contribuir para contextualização no ensino de ciências, a prática da interdisciplinaridade e a ACT. (FOUREZ, 2003;MAINGAIN, DUFOUR e FOUREZ, 2008).

O processo, constituído pelas oito etapas apresentadas no esquema da Figura 1, resulta em uma representação teórica, uma resposta apresentada pelos envolvidos na análise da situação problema concreta (professores e estudantes, no caso de um percurso interdisciplinar empregado como ferramenta didática). Tal representação é fruto de um processo em que se faz uso de negociações para selecionar: especialistas e especialidades, tais como livros, artigos e pesquisadores, cujas contribuições e pontos de vista serão empregadas na construção da IRI. A forma de concretização da resposta, pode ser um relatório, um vídeo, uma poesia, uma música, dentre outras possibilidades de representação.


Figura 1
Etapas do desenvolvimento da IRI
Fonte: Elaborado pelas autoras.

Fourez e colaboradores argumentam que as etapas que compõem a metodologia, não sinalizam apenas “[...] o estabelecimento de um percurso interdisciplinar [...] uma ferramenta especificamente didática” (MAINGAIN, DUFOUR e FOUREZ, 2008, p. 119), mas também epistemológica, com a possibilidade de proporcionar aos participantes uma ACT. Ela contempla todos os objetivos da ACT - quais sejam - a capacidade de tomada de decisões; capacidade de negociar e comunicar com os demais, bem como a de construir sua autonomia a partir dos conhecimentos científico-tecnológicos. O processo didático destaca a necessidade de possibilitar aos professores e estudantes vivenciar uma educação que possa ser estendida para a vida, propiciando uma leitura crítica da realidade. Neste sentido, possibilita compreendermos o ensino de ciências como forma de enxergar a realidade e de agir sobre ela, com o intuito de transformá-la, ao possibilitar uma tomada de decisão crítica sobre assuntos de caráter social.

A vivência desse percurso interdisciplinar possibilitaria aos estudantes e professores, os construtores da IRI, uma tomada de consciência de teorias e modelos científicos permitindo aos primeiros abandonar a postura de receptor passivo para adquirir certa autonomia no universo em que está inserido. Segundo o autor:

(...) uma alfabetização científica e técnica dever passar por um ensino de ciências em seu contexto e não como uma verdade que será um puro fim nela mesma. Alfabetizar técnico-cientificamente... não significa que se dará cursos de ciências humanas no lugar de processo científicos. Significará sobretudo que se tomará consciência de que as teorias e modelos científicos não serão bem compreendidos se não se sabe o porquê, em vista de que, e para que foram inventados... (FOUREZ, 1997, p.81, tradução nossa, grifos do autor).

Esse ponto de vista de Fourez (1997), nos possibilita uma aproximação com o dizer de Freire de que “(...) a alfabetização é mais que o simples domínio psicológico e mecânico de técnicas de escrever e de ler. É o domínio destas técnicas em termos conscientes. (...) Implica numa autoformação de que possa resultar uma postura interferente do homem sobre seu contexto.” (FREIRE 1980, p.111).

Consideramos que, a aproximação com o contexto promovido pela ACT pode ser uma rota de fuga da abordagem conteudista, a partir da qual o conhecimento científico é ensinado sem o objetivo claro de explicar o porquê. Entretanto, é importante ressaltar que uma abordagem pautada na ACT ou na interdisciplinaridade, não implica que o professor, em sala de aula, esteja colocando o conhecimento disciplinar escolar em segundo plano, ou trocando um por outro.

O ensino de ciências necessita de uma organização metodológica para se alcançar os objetivos da ACT. Isso não ocorrerá por meio de rodas de conversa sem planejamento dos objetivos a serem alcançados. É necessário compreender as especificidades dos estudantes envolvidos no processo, e tratar o conhecimento científico de modo com que os educandos tenham a capacidade de construir sua autonomia e serem capazes de uma tomada de decisão consciente, frente a assuntos que envolvam ciência e tecnologia. Entretanto, concebemos que a escolha do ponto de partida para a organização metodológica, tal como a proposta por Fourez, pede ser uma dificuldade: “O que é um problema concreto?”, “Quais aspectos se deve considerar para abordar um problema concreto na metodologia de IRI?”, “O problema concreto deve apresentar significados para quem?”. Esses são alguns dos questionamentos que surgem no ponto de partida do processo.

METODOLOGIA

Este trabalho foi elaborado a partir de recorte de uma pesquisa bibliográfica mais ampla, realizada para fundamentar uma discussão sobre as investigações que abordam a metodologia de IRI na formação de professores de ciências.

A constituição de dados para este artigo foi realizada no site da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), a partir dos termos “Ilhas Interdisciplinares de Racionalidade” e “Ilhas de Racionalidade Interdisciplinar”, utilizando como recorte temporal o período 2009-2020. Tal recorte, se deu pela necessidade em compreender os encaminhamentos das pesquisas que abordam a metodologia de IRI após a publicação traduzida da obra “Abordagens didáticas da interdisciplinaridade” de Fourez e colaboradores em 2008. Como resultado da busca, obtivemos vinte trabalhos, dos quais, após a leitura do título, das palavras chaves e resumo, selecionamos seis trabalhos, pois atendiam ao critério de inclusão: abordar a metodologia de IRI na/para a formação de professores de ciências.

Os seis trabalhos foram analisados via Análise Textual Discursiva (ATD), metodologia pautada na abordagem qualitativa, que teve origem com a fenomenologia de Husserl e de Merleau- Ponty com a pesquisa naturalística, com o existencialismo e com a hermenêutica existencial de Heidegger (MORAES e SOUSA, 2020). Moraes e Galliazzi (2016, p. 33) afirmam que “A ATD, inserida no movimento da pesquisa qualitativa não pretende testar hipóteses para comprová-las ou refutá-las ao final da pesquisa; a intenção é a compreensão, a reconstrução de conhecimentos existentes sobre os temas investigados”. Pode ser concebida por meio de quatro movimentos de análise: desmontagem de textos, estabelecimento de relações, captando o novo emergente e um processo auto-organizado.

Moraes e Galliazzi (2016, p. 33) afirmam que “A ATD, inserida no movimento da pesquisa qualitativa não pretende testar hipóteses para comprová-las ou refutá-las ao final da pesquisa; a intenção é a compreensão, a reconstrução de conhecimentos existentes sobre os temas investigados”. Pode ser concebida por meio de quatro movimentos de análise: desmontagem de textos, estabelecimento de relações, captando o novo emergente e um processo auto-organizado.

O primeiro movimento de nossa análise, constitui-se a desmontagem dos textos, objetivando destacar unidades de significado, ou seja, trechos que consideramos pertinentes e que apresentasse significados ao fenômeno investigado. Após a seleção, deu-se início ao processo de codificação, logo desenvolvemos um código para cada unidade de significado para que fosse possível retornar ao material original, caso necessário. Na sequência foram elaboradas palavras- chave, e em seguida um título, representando a discussão da unidade de significado.

Em seguida, por meio da análise dos títulos deu-se início ao processo de categorização que se baseia em um processo de estabelecimento de relações. Logo, foram aproximados os títulos que abordam a mesma discussão. Com o objetivo de nominar estas categorias, foram elaboradas palavras-chave, títulos, e por fim um argumento parcial para cada categoria inicial. Esse argumento objetiva sinalizar os sentidos expressos nessa categoria, e nas unidades de significado que a constituem. Esse movimento de análise foi repetido por mais duas vezes, constituindo as categorias intermediárias e as categorias finais.

O terceiro movimento de análise é compreendido como um exercício de captar o novo emergente, ou seja, comunicar as compreensões atingidas pelo processo de análise, possibilitando a escrita de metatextos. Os metatextos são escritos a partir da articulação entre as unidades de significados, os teóricos emergentes da análise e as compreensões construídas pelo pesquisador no percurso de análise.

Todo o processo de Análise Textual Discursiva volta-se à produção do metatexto. A partir da unitarização e categorização constrói-se a estrutura básica do metatexto. Uma vez que construídas as categorias, estabelecem-se pontes entre elas, investigam-se possíveis sequências em que poderiam ser organizadas, sempre no sentido de expressar com maior clareza as intuições e compreensões atingidas. (MORAES e GALIAZZI, 2016, p. 54-55).

O quarto movimento de análise envolve os três movimentos anteriores, é compreendido como um processo auto-organizado de construção de novos significados onde emergem as compreensões sobre o fenômeno. Desta forma, Moraes e Galiazzi (2016) argumentam que o processo de ATD baseia-se em um efetivo aprender, aprender auto-organizado, resultando sempre em um conhecimento novo.

O percurso de ATD realizado nesta pesquisa resultou em 283 unidades de significado, sete categorias iniciais, três categorias intermediárias e uma categoria final, que oportunizaram a escrita do metatexto intitulado: “Nuances compreensivas na metodologia de IRI: a formação crítica, a problematização e a ACT como possibilitadoras da emancipação”. No próximo item, apresentamos uma paisagem compreensiva, relacionada às especificidades do problema concreto na metodologia de IRI.

A IMPORTÂNCIA DO PROBLEMA CONCRETO PARA A METODOLOGIA DE REPRESENTAÇÕES INTERDISCIPLINARES

A importância da situação problema é ressaltada na discussão de Maingain, Dufuor e Fourez (2008) ao discorrerem sobre o início da metodologia de IRI. Eles orientam que na etapa de formulação da situação problema, sejam feitos alguns questionamentos, pelos construtores:

O que se pretende tratar exatamente? O que está em jogo na problemática escolhida? Que ponto de vista se vai privilegiar? A partir de que posição se pretende falar? Quem está envolvido (como construtor e destinatário)? Quem se pretende sensibilizar, mobilizar, implicar? O que se vai ter em conta? (MAINGAIN, DUFOUR e FOUREZ, 2008, p. 86-87).

Com relação a esses questionamentos identificamos no fragmento T2U991 algumas considerações que dialogam com essas orientações dos autores, ressaltando a importância do problema na metodologia de IRI:

T2U99: (...) é fundamental formular um problema que esteja relacionado à realidade dele, que o leve a refletir, a mobilizar continuamente o seu pensamento; a sentir a necessidade de construir outros conhecimentos; a buscar nas teorias subsídios para resolvê-lo; e que o possibilite a trabalhar com colegas que possuam diferentes visões de mundo (...). (RUAS, 2017, p. 78, grifo nosso).

Assim como a autora, também consideramos fundamental uma situação problema concreta que apresente significado para os estudantes, e que desperte o interesse deles para participarem ativamente do percurso interdisciplinar. No entanto, destacamos nossa preocupação com relação ao que a mensagem parece sugerir, ao pontuar que “é fundamental formular um problema”. O problema deve partir de quem? Será que se o professor formular um problema, os objetivos apresentados no fragmento T2U99 serão alcançados? O problema formulado pelo professor, sem a participação dos estudantes, será concebido por eles como algo presente em seu cotidiano?

Neste viés, o fragmento T2U46 apresenta aspectos importantes a serem consideradas na situação problema, e que reforçam os questionamentos realizados anteriormente, bem como despertam outros.

T2U46: É importante lembrar que no dia a dia o aluno está sujeito a várias situações - na esfera social, familiar, escolar -, sendo assim, a situação problema deve contemplar algo que desperte o seu interesse; que o motive e garanta a permanência dele durante todo o projeto; abordando um tema inovador e que esteja relacionado com o seu cotidiano; tendo aspectos relevantes, tanto para o contexto educacional quanto para o contexto social. (RUAS, 2017, p. 44, grifo nosso).

A autora sugere que a relação com o cotidiano dos estudantes pode ser contemplada com a seleção de algo que seja inovador, mas isso é suficiente para despertar o interesse do estudante para participar ativamente do percurso e possibilitar a compreensão do mundo? O problema ser inovador é importante para fomentar o interesse e envolvimento dos alunos no projeto interdisciplinar. No entanto, compreende-se que para possibilitar com que os estudantes explorem e compreendam seu próprio mundo, como sugere Fourez (1997), não basta o problema ser inovador, ele deve partir da realidade concreta do educando e ser adequadamente problematizado, de modo que desperte, no estudante e demais construtores da IRI, o interesse de realizar uma análise crítica para compreender o seu mundo e buscar mecanismos para transformá-lo. Esse ponto de vista sinaliza que uma situação problema deve ser construída com os estudantes, ou para os estudantes após um estudo do seu contexto. Nesse segundo caso, o papel do professor é fundamental ao realizar a problematização, pois a mediação realizada na problematização precisa promover uma análise crítica da situação problema, para que ela seja reconhecida pelos estudantes e assim assumida como concreta: uma situação problema presente no seu contexto.

Neste sentido, destacamos que, o propositor da metodologia sinaliza que o percurso interdisciplinar não deve ser compreendido como sinônimo de um ensino de tipo temático, pois ele não explora uma problemática particular “com vistas a uma ação comum” promovendo uma abordagem integrada (Maingain, Dufour e Fourez, 2008, p.70). O ensino por tema, poderá até fomentar a interação dos professores envolvidos na abordagem estruturada, propiciando que cada envolvido apresente sua visão no decorrer do processo, mas geralmente cada um faz a sua parte do trabalho sem contribuir com a do outro. Esse é o ponto diferencial com a metodologia para construção de uma IRI: a negociação entre as partes envolvidas, para construção de uma resposta, comum para todos.

Inferimos, portanto, que seja nesse sentido a crítica de Fourez e colaboradores ao ensino de tipo temático, pois se tratado apenas como elemento motivacional apresenta um caráter reducionista, multidisciplinar, ou até mesmo, disciplinar. Esta perspectiva geralmente desconsidera a existência de construções subjacentes à produção de conhecimentos científicos e tecnológicos. Neste cenário, as aulas continuam pautadas em um viés conteudista, fragmentado e acrítico; e o emprego dos temas nas aulas, de uma ou mais disciplina escolar, servem para “dourar a pílula”, ou seja, apenas mascara a fragilidade da abordagem puramente tradicional do ensino.

Para propiciar a ACT o tema precisa se apresentar como uma situação problema exposta aos estudantes por meio de uma problematização, suscitando discussões que envolvam aspectos científicos, tecnológicos, sociais e políticos, que de alguma forma esteja presente no seu contexto. A resolução da situação problema precisa motivar os estudantes a buscar novas representações que os ajudem a compreender quais os impactos dela na realidade por eles vivenciadas.

O fragmento T3U05, reforça esse ponto de vista ao sinalizar que:

T3U05: No ensino, a [ilha de racionalidade] IR deve buscar solucionar problemas relacionados ao cotidiano do aluno, baseando-se na construção de modelos derivados de uma situação concreta. A representação através de IR deve trazer uma melhor compreensão e capacidade de decisão frente a uma situação complexa. (NICOLETTI, 2017, p. 75, grifo nosso).

Destacamos nesse fragmento aspectos que sinalizam a importância de uma situação problema, vinculada ao cotidiano do estudante, concebida por ele como concreta, e por esse motivo com potencial de impulsionar uma tomada de decisão, envolvendo-se ativamente na análise da situação para encontrar uma solução para algo que, de alguma forma, realmente o afeta. Por este motivo diversos autores (PIETROCOLA, PINHO ALVES e PINHEIRO, 2016; NEHRING et al., 2002; BETTANIN; 2003; SCHMITZ, 2004), sinalizam a necessidade de incluir mais uma etapa para o desenvolvimento de uma IRI. Endossamos a necessidade sinalizada por esses autores de uma etapa zero, pois entendemos que ela não foi indicada explicitamente na discussão em que Maingain, Dufour e Fourez (2008) resumem a metodologia para construção de uma IRI. Este momento seria vivenciado por aqueles construtores com maior conhecimento sobre a metodologia que orienta a prática interdisciplinar e outros com conhecimento do contexto real. Juntos assumiriam à elaboração da situação problema, o planejamento das demais etapas e das atividades que as compõem, e a elaboração de um cronograma para execução do percurso interdisciplinar.

Os fragmentos T2U41 e T3U11, apresentam indícios sobre a relevância da etapa zero na elaboração de uma IRI.

T2U41: Neste trabalho, considera-se a etapa zero como um elemento de extrema relevância para a elaboração e execução de uma Ilha de Racionalidade, pois é nessa fase que o professor elabora a situação problema que fundamentará o projeto; desenvolve o planejamento da Ilha de Racionalidade e analisa as estratégias que serão adotadas (RUAS, 2017, p. 43, grifo nosso).

T3U11: Para que uma IIR fique bem organizada é necessário que o professor esquematize tudo o que é possível ser trabalhado acerca do tema que escolher. A própria escolha do tema é algo a ser pensada, ela poderá surgir de uma necessidade local do município, da comunidade onde a escola está inserida ou até mesmo uma particularidade da própria turma. Para tanto, faz-se necessário um levantamento prévio das atividades pelo professor. Vários autores apontam a importância dessa etapa, descrita como ‘etapa zero’ da metodologia (NICOLETTI, 2017, p. 77-78, grifo nosso).

A importância do professor ao planejar o percurso interdisciplinar, selecionando adequadamente a situação problema que dispara a prática da interdisciplinaridade, segundo a metodologia IRI, fica evidente nos dois fragmentos. Desta forma, inferimos que a etapa zero pode ser concebida como o momento de identificar e compreender quais são as necessidades dos estudantes e possibilitar a compreensão da realidade em que estão inseridos.

O segundo fragmento reforça nossa compreensão e defesa de que o problema concreto deve apresentar uma complexidade mobilizadora, ou seja, deve estar articulado aos projetos de vida dos estudantes, apresentando um significado social em que seja possível “desencadear todo um processo no qual o sujeito deverá recorrer às suas representações e verificar, a pertinência das mesmas”. (MEIRIEU, 1998, p. 62).

As discussões tecidas até o momento permitem inferir que é necessário escolher e problematizar uma situação problema que seja concreta para os estudantes, pensada pelo professor em momento anterior ao início do percurso, tomando como referência uma particularidade do contexto (NICOLETTI, 2017). Entretanto, ainda não sinalizam uma resposta para o questionamento: De que forma uma situação problema concreta pode fomentar os objetivos da ACT, apresentando um significado real para os estudantes, bem como uma tomada de decisão crítica e consciente sobre questões de caráter social?

Compreendemos que a situação problema concreta deve integrar a dimensão epistemológica da existência humana com a experiência da vida cotidiana dos construtores, estudantes e professores, alcançando uma dimensão ética, política, econômica, dentre outras. Neste sentido, recorremos a algumas considerações de Andreola (1993) para alicerçar algumas compreensões.

O conhecimento engloba a totalidade da experiência humana. O ponto de partida é a experiência concreta do indivíduo, em seu grupo ou sua comunidade. Esta experiência se expressa através do universo verbal e do universo temático do grupo. As palavras e os temas mais significativos deste universo são escolhidos como material para (...) a elaboração do novo conhecimento, partindo da problematização da realidade vivida” (ANDREOLA, 1993, p. 33, grifo nosso).

Corroboramos com as compreensões do autor, de que para atingir os objetivos da ACT pela metodologia proposta por Fourez para construção de uma IRI para uma situação particular é necessário que ela seja um problema concreto, vinculado a experiência concreta dos indivíduos. Logo, o desvelamento deste problema deve estar pautado no estudo da realidade dos estudantes, sua escola, sua comunidade, seu mundo.

Concebemos, assim como os autores dos trabalhos aqui discutidos, que atualmente é ainda mais urgente possibilitar uma ACT aos educandos, de qualquer nível de ensino. Realizar um ensino de ciências que almeje que os estudantes, a partir da vivência ativa do processo didático, compreendam e analisem de maneira crítica os construtos advindos da Ciência e Tecnologia.

O trabalho de Ruas (2017) sinaliza as contribuições da abordagem de temas geradores, no entanto, a autora não realizara o processo de Investigação Temática, visto que não era o objetivo de sua pesquisa. No entanto, seus argumentos possibilita a compreensão sobre a importância de um viés problematizador para o problema concreto. Desta forma, sinalizamos que uma possibilidade de efetivar a ACT a partir da metodologia de IRI, seja a partir do desvelamento de um tema gerador a partir do processo de Investigação Temática (FREIRE, 1987). Desta forma, ele seria desvelado a partir do estudo da realidade dos estudantes, apresentando reais significados e possibilitando uma leitura crítica da realidade. No entanto, as discussões de Fourez (1997; 2008) indicam a necessidade da integração de conhecimentos de pelo menos duas disciplinas distintas no percurso interdisciplinar, mas não sinaliza que uma delas precisa necessariamente explorar um caráter social-político, para assim promover a ACT. Essa concepção é identificada de forma explicita na discussão sobre a ACT concebida por Fourez, em um dos trabalhos analisados.

T6U9: dentro da ACT o objetivo é o indivíduo saber dialogar e se comunicar com os outros. Para que haja comunicação é preciso que as duas ou mais pessoas tenham conhecimento sobre o assunto, caso contrário, fará de uma pessoa apenas um receptor A comunicação é importante pois a falta de diálogo impossibilita a negociação. (STREFEZZA, 2020, p. 63).

A autora sugere que seria importante privilegiar uma discussão contemplando aspectos sociais e políticos, mas não considera que só assim é possível promover ACT. Contrário a esse ponto de vista, defendemos que para a metodologia fomentar uma ACT nos sujeitos, o problema concreto deve apresentar a mesma essência do Tema Gerador. Compreendemos que desta forma é possível proporcionar uma ACT para que todos tenham a possibilidade de se situar culturalmente perante as construções da ciência e tecnologia e compreender a realidade em que está inserido.

Verificamos nos trabalhos que buscam aproximação da metodologia para construção de uma IRI que esse entendimento fica implícito na discussão sobre a situação problema concreta a partir da qual inicia-se o percurso interdisciplinar.

T1U1 O problema deve estar presente nos interesses da comunidade e da sociedade onde os participantes estão imersos e pode ter um caráter sociocultural, político ou tecnológico. Deve ser pensado de modo a ser exequível no tempo disponível e com os recursos materiais e humanos disponíveis (LISBOA, 2017, p. 37).

Além disso, é possível possibilitar a análise crítica sobre situações do dia a dia, desenvolvendo a autonomia nos indivíduos, a possibilidade de “negociar” perante algumas situações ou com algumas pessoas que emergirem ao longo da caminhada cotidiana, e, analisar de forma crítica e consciente as informações que se desvelam pelos meios de comunicação.

Ao longo das discussões expressas, sinalizamos como compreensão emergente que a situação problema concreta desenvolvida em uma IRI apresente a mesma essência de um tema gerador, ou seja, que seja desvelado a partir do processo de Investigação Temática. Neste sentido, nos fragmentos T2U88 e T2U90 é explicitado uma discussão sobre a importância dos temas geradores:

T2U88: (...) a opressão tem como principal instrumento a educação, baseada no “depósito” da informação, na qual o aluno não tem liberdade para produzir novos conhecimentos, ser criativo e transformar o seu meio. Essa concepção freiriana aponta para a necessidade do professor compreender a estrutura e a dinâmica das ideias e do pensamento do aluno. Exigindo, assim, um processo de busca e investigação, o qual Freire denomina de investigação temática, pelos temas geradores. (RUAS, 2017, p. 74, grifos da autora).

T2U90: A investigação temática se dá, justamente, por meio do diálogo. Diálogo esse entre aluno e professor, envolvendo algo que lhe é familiar, valorizando o que lhe é significativo, como por exemplo, os desafios vividos por ele em sua realidade. Esse diálogo deve ser estabelecido com o aluno e não sobre ele, e sempre sobre alguma coisa, para que ele tenha condições de participar. Caso isso não aconteça, a investigação temática corre o risco de ser reduzida a esquemas rígidos e o aluno passa a ser “objeto passivo de sua ação investigadora”. (RUAS, 2017, p. 75, grifos da autora).

A autora sinaliza as contribuições da abordagem de temas geradores, no entanto, não realiza o processo de Investigação Temática, visto que não era o objetivo de sua pesquisa. Usamos seus argumentos para reforçar nossas compreensões sobre a importância de um viés problematizador para a situação problema concreta. Contudo, desenvolver práticas sob tal viés torna-se um grande desafio, pelo fato de estarem desconectadas das práticas cotidianas dos professores. Emerge a necessidade de pensar a formação de professores.

T5U11: (...) saber quais aspectos seriam necessários para formar professores capazes de promover a ACT com seus futuros alunos (OLIVEIRA, 2019, p. 28)

Se queremos estudantes alfabetizados científica e tecnologicamente estamos cuidando para formar os professores com saberes necessários para orientar uma prática interdisciplinar tal como Fourez propõe? Concordamos que as interações discursivas merecem atenção (OLIVEIRA, 2019, p. 46), pois “[...] o discurso dos professores e a resposta dos alunos são interligados”. A problematização da situação problema concreta selecionada pelo professor, com objetivo de promover a ACT pode direcionar a resposta dos estudantes e as argumentações por eles construídas. Mas para “que um professor possa desacorrentar” os estudantes do ensino tradicional vivenciado desde seu primeiro contato com a escola, “precisa primeiro desacorrentar a si mesmo (STREFEZZA, 2020, p.50).

Concordamos que é preciso abandonar a prisão do ensino tradicional, no qual se formou como estudante e depois como professor para orientar um percurso interdisciplinar com vistas a ACT, promovendo a

T6U3: (...) valorização da discussão, do conhecimento, do diálogo, do pluralismo, da racionalidade que, de uma forma ou de outra, são alicerces de conceitos e proposições de Fourez (STREFEZZA, 2020, p. 58).

Ao discutir uma situação problema concreta com os estudantes um professor desvela sua posição política sem precisar fazer militância, no sentido de apoiar fervorosamente uma causa esquecendo-se de que a discussão de problemas sociais potencializa a aproximação e compreensão de conceitos científicos. Ao envolver o estudante em uma discussão com o objetivo de efetivar a problematização da realidade, tal como a proposta por Freire (1992), o professor o ajuda a construir um conhecimento a partir da intersubjetividade do diálogo, mediado pelo mundo. Sua posição política seria reflexo de uma participação ativa no processo de ensino de ciências e que percebe a escola como ambiente para promover a transformação social. A escola não seria um local para transmitir ou depositar conhecimentos e valores aos estudantes, no qual sobrevivem concepções mecanicistas, positivistas e bancárias de ensino, mas sim um espaço como Andreolla (2006) sinaliza, local de construção coletiva de conhecimentos pautados no diálogo.

T6U4: Para isso, o professor deve desenvolver uma postura dialógica em suas aulas, promovendo debates em que o aluno possa tomar parte com suas próprias ideias. Nesse sentido, o papel do professor não está em revelar a realidade dos educandos, mas de ajudá- los a desvendar a realidade por si mesmos. Dessa forma, o papel do professor não é impor valores ou simplesmente fornecer a solução para problemas [...], mas de ajudar o educando a compreender diferentes valores e alternativas para selecionar por si mesmo o caminho possível a percorrer (STREFEZZA, 2020, p.58).

Os fragmentos apresentados conduziram a reflexão sobre a importância da situação problema, tornando possível expressarmos uma síntese das compreensões no Quadro 1:

Quadro 1
SÍNTESE DA DIFERENCIAÇÃO ENTRE ENSINO DE TIPO TEMÁTICO, SITUAÇÃO PROBLEMA CONCRETA E TEMA GERADOR.

Fonte: Freitas (2023).

Defendemos que para que a metodologia de IRI contemple os objetivos da ACT o problema concreto deve apresentar a mesma essência de um tema gerador, apresentando desta forma significados reais para que os estudantes possam compreender a realidade em que estão inseridos. Além disso, sinalizamos que caso a situação problema concreta seja escolhida pelo professor, deve ser realizada sua problematização para que os estudantes possam compreendê-la como concreta, e se engajem no percurso da prática interdisciplinar.

CONSIDERAÇÕES EMERGENTES

O processo de análise possibilitou-nos tecer algumas compreensões acerca do conceito de tema, problema concreto e situação problema na metodologia de IRI. Assim como Gérard Fourez entendemos que o ensino de tipo temático não possibilita uma abordagem interdisciplinar, nem solicita uma solução concreta, construída pela negociação com os construtores. Enquanto o problema concreto e a situação problema na perspectiva de Fourez exige uma solução concreta, que parte da negociação e da integração de conhecimentos dos construtores.

Além disso, a característica fenomenológica da ATD permitiu-nos tecer algumas compreensões, sobre a importância do problema concreto na metodologia de IRI. Alguns aspectos dos trechos apresentados dão indícios, mesmo que implícitos, sobre importância de o problema concreto ser problematizado, partir do aluno, ou de experiencias vivenciadas por eles, pois é algo que deva apresentar significados reais para ele. Além disso, alguns indícios manifestados nos fragmentos como: a necessidade de o problema concreto estar relacionada ao cotidiano dos estudantes, apresentar aspectos relevantes para o contexto social e a importância de buscar subsídios para resolvê-lo, despertou-nos para a necessidade de o problema concreto ser problematizado, propiciando uma leitura crítica da realidade. Desta forma, compreendemos que para que a metodologia de IRI promova os objetivos da ACT, é necessário que o problema concreto seja desvelado a partir de uma problematização realizada com os estudantes, a fim de compreender o contexto em que estão inseridos e situações concretas que apresente significados reais.

Neste cenário, defendemos que a metodologia para construção de uma IRI deve ter a mesma essência da ATF. Compreende-se que a abordagem de um tema gerador, concebido pelo estudo da realidade local, se constitui como uma alternativa para obter um problema concreto que possibilite com que os estudantes possam realizar uma leitura crítica do contexto em que estão inseridos e possibilitar a ACT.

Contudo, desenvolver práticas sob tal viés torna-se um grande desafio, pelo fato de estarem desconectadas das práticas cotidianas dos professores. Desta forma, é necessário que se efetivem reflexões acerca da formação de professores, pois esta deve estar pautada nos mesmos ideais que a ACT. Assim, sinalizamos a necessidade de a formação docente estar pautada em um viés crítico- transformador (FREITAS e QUEIRÓS, 2019, 2020; FREITAS e ERROBIDART, 2021). Inferimos que apenas assumindo a postura de intelectuais transformadores é que os professores poderão compreender o reconhecimento da potencialidade de sua voz e da posição que exerce na sociedade. Além disso, a formação pautada em um viés crítico-transformador propicia aos professores requisitos teóricos para encarar as adversidades que emergem de seu contexto com vistas a transformá-la.

REFERÊNCIAS

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Notas

1 Uma das etapas da metodologia de ATD é a codificação. Desta forma, o código apresentado refere-se ao trabalho analisado e a unidade de significado extraída. T2U99, representa o Trabalho 2 e Unidade de significado 99.


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