Resenhas
Metapesquisa no campo da Política Educacional
Meta-research in the field of educational policy
Meta-investigación en el campo de la política educativa

| MAINARDES Jefferson. Metapesquisa no campo da Política Educacional. 2021. Curitiba. CRV |
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Recepción: 25 Mayo 2022
Aprobación: 13 Junio 2022
Jefferson Mainardes é pedagogo, mestre em Educação e doutor. Atualmente, é professor associado do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, do Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado e Doutorado) e editor da revista Práxis Educativa (UEPG) da Revista de Estudios Teóricos y Epistemológicos en Política Educativa. Empreende pesquisas no que concerne às políticas educacionais, ancorando-se na tônica das epistemologias e do Ensino Fundamental.
Esta obra é destinada ao público de pesquisadoras e pesquisadores, especialmente, do campo da Política Educacional, que almejem aprofundar reflexões acerca da metodologia de metapesquisa. Mainardes e colaboradores desenvolvem e esclarecem alguns aspectos teórico- epistemológicos dessa pesquisa, em razão de ser uma temática recente. Assim, coadunam seus objetivos para identificar características, contribuir com o fortalecimento das pesquisas do Campo1 e ampliar a rigorosidade científica. A análise proposta é uma argumentação conceitual, empírica e crítica, em que os autores evidenciam os conceitos da metapesquisa, apresentam evidências empíricas e reconhecem as fragilidades e os pontos fracos que o campo ainda apresenta.
Redigido numa conjuntura histórica, política, social e educacional desafiadora, marcada pela fragilidade epistemológica do Campo, os autores entendem que essa perspectiva de pesquisa não tem o intuito de julgar, mas colabora para a compreensão das principais tendências. Mainardes destaca alguns marcos da constituição da metapesquisa. O primeiro, em 2010, quando ele e colegas latino-americanos criaram a Red Latinoamericana de Estudios Teóricos y Epistemológicos em Política Educativa (ReLePe); o segundo corresponde ao início dos estudos da metapesquisa, com a escrita do artigo de César Tello, que apreendeu elementos conceituais do Enfoque das Epistemologias da Política Educacional (EEPE); e o terceiro, a partir de 2015, no qual se desenvolveu uma proposta embasada em conceitos compreensivos para metapesquisa.
A metapesquisa é conceitualizada por Mainardes como “pesquisas sobre pesquisas” (2021, p. 11). Nessa perspectiva, a obra é desenvolvida em dez capítulos. O primeiro se inicia com a exploração de prismas teórico-conceituais e metodológicos da metapesquisa; do segundo ao quinto são expressos resultados de metapesquisa em diferentes temáticas. Do sexto ao oitavo capítulos, os pesquisadores não apresentam propriamente metapesquisa, mas estudos que podem consistir em “pesquisas sobre pesquisas”, realçando que o oitavo faz uma análise sobre a Argentina. O nono capítulo é perpassado pelas investigações das produções de metapesquisa, entre 2015 e 2020. O livro culmina, na décima parte, com uma entrevista com o estudioso Stephen Ball, com proposições para o teor epistemológico do Campo.
No primeiro capítulo, Mainardes evidencia a metapesquisa (meta-research) com suas especificidades dentro dos estudos de meta-designs e ressalta suas características, assim como as de metaestudo, metassíntese e estudos de revisão. O pesquisador elenca as quatro etapas da metapesquisa: definição de propósitos com uma busca exaustiva; registros em planilha contemplando diversos itens, como o enfoque epistemológico; leitura de textos completos e análise; e redação do relatório da pesquisa. O autor ressalta que há desafios. É importante que o metapesquisador exerça reflexão em todo o processo e considere tanto os aspectos epistemológicos quanto os éticos, não evidenciando e julgando trabalhos. O autor sublinha que a temática requer diálogo e aprofundamento.
Carina Tonieto e Altair Fávero desenvolveram no segundo capítulo uma metapesquisa com 27 teses, das linhas de pesquisa do Campo, defendidas entre 2010 e 2012. Os autores ressaltam nos resultados algumas fragilidades quanto à vinculação da linha de pesquisa, visto que vinte trabalhos não mencionavam a nomenclatura correta; quanto à evidenciação da produção do conhecimento, dado que nenhuma das linhas transpareceram sua intencionalidade; quanto aos aspectos da gênese da pesquisa e das contribuições da pesquisa; quanto ao referencial teórico, pois apenas três o mencionavam no momento de análise; quanto às perguntas, uma vez que apenas três teses apresentavam pergunta única; e quanto ao método e objetivos, delimitaram por somente sete e seis teses, respectivamente. Os pesquisadores reforçam que prioridade deve ser dada à teorização para a melhoria do Campo.
Lélia Moreira, no terceiro capítulo, discorre sobre os resultados da metapesquisa que focalizou as características de 23 teses relacionadas ao Programa Universidade para Todos (Prouni), entre 2007 e 2017. Moreira divide as teses em três grupos, Análise da política, com ênfase nos bolsistas; Avaliação da política e de alguns aspectos da política, direcionado para aspectos da avaliação do Prouni; e Outros, relacionado aos sentidos atribuídos pelos sujeitos. A autora revela que cinco das 23 teses explicitaram sua perspectiva epistemológica segundo o esquema analítico- conceitual do EEPE. Quanto à sistematização dos níveis de abstração, há muitas teses descritivas. A autora volta a atenção para a ausência, na maioria das pesquisas, de discussões a respeito do Prouni, à luz de conceitos como democratização, inclusão social e equidade.
No quarto capítulo, Michele Morais e Marilda Schneider apresentam a proposta investigativa de metapesquisa acerca da avaliação e da accountability desenvolvida por Morais. As autoras evidenciam desafios à desordenação dos subsídios no mapeamento do material, que acarretam desperdício de tempo e esforço para compreender as informações; a maturidade epistemológica dos estudantes; o domínio da linguagem científica e a vigilância epistemológica. Elas constatam que a abordagem da accountability nas políticas de avaliação é um campo recente e em construção e avaliam que a accountability está alinhada a premissas neoliberais, cuja maioria das pesquisas tende a uma análise unidimensional. As autoras frisam a importância da autovigilância constante do pesquisador para o desvelar do conhecimento.
Roberta Carvalho e Altair Fávero expõem a análise epistemológica de 47 artigos científicos publicados em periódicos especializados do Campo que utilizaram princípios da teoria da complexidade, entre 2014 a 2018, conduzindo a organização metodológica por meio da referência do EEPE. Os resultados evidenciam que apenas 7,8% dos artigos operam a complexidade; que a compreensão teórica e a aplicação de métodos analíticos ainda são comuns na produção científica brasileira; que 42,6% dos trabalhos eram de natureza empírica; e que apenas cinco textos salientaram a perspectiva epistemológica, e quatro o posicionamento. Os autores destacam que, apesar de todos os artigos contemplarem os termos da teoria da complexidade, apenas quatro operaram esses princípios, indicando que ainda não são (re)conhecidos e assumidos como referencial racional.
Ângelo de Souza faz pesquisa sobre pesquisa no sexto capítulo, apresentando um panorama do campo da Política e da Gestão, entre 1998 e 2015, por meio de artigos científicos publicados em revistas acadêmicas do campo da Educação, desenvolvido a partir da classificação de Wittmann e Gracindo (2001). Alguns resultados apontados são: a categoria com o maior número de trabalhos foi Gestão Escolar, esquecida a relação gênero ou raça dos dirigentes; houve aumento de trabalhos sobre Financiamento, com ausência das políticas de bolsas, e trabalhos que contemplam acesso, permanência e qualidade, face ao direito à educação e à relação entre público e privado. O autor enfatiza que a pesquisa desse campo parece se centrar na relação entre as demandas educacionais e a (não) ação do Estado.
Maria Jacomini e Antonia Silva, no sétimo capítulo, expõem o resultado de uma pesquisa que mapeou as características epistemológicas e teórico-metodológicas de vinte e duas teses e dissertações da área educacional, entre 2000 e 2010. As autoras ressaltam que parece haver dificuldade na articulação entre epistemologia, referencial teórico e método, pois em vários casos não há preocupação em manifestar os referenciais teórico-metodológicos — principalmente acerca de como usar o referencial e produzir novas contribuições. As pesquisadoras observam uma lacuna na maioria dos trabalhos: a ausência constante de levantamentos prévios de pesquisas anteriores da temática. Jacomini e Silva sinalizam que a explicitação das perspectivas epistemológicas, articuladas teórica e metodologicamente, não se manifestou como uma preocupação das teses e das dissertações da pesquisa.
No oitavo capítulo, Pablo Pastore e Jorge Gorostiaga, explanam dez produções que realizaram pesquisas sobre pesquisas, chamadas de “segunda ordem”, na Argentina entre 2010 e 2020. Os pesquisadores ressaltam que a quantidade de trabalhos encontrados espelha uma área acadêmica pouca desenvolvida, e assinalam a presença de poucas pesquisas próximas da definição de metapesquisa. Pastore e Gorostiaga identificam um consenso na caracterização metodológica da Argentina, com predominância das abordagens qualitativas e das abordagens em escala microssocial (estudo de caso). Reforçam a necessidade de dispor de mais estados da arte que sintetizem a produção do Campo, tanto em relação ao seu valor acadêmico quanto ao seu uso potencial na esfera política.
Jefferson Mainardes, Silvana Stremel e Patricia Lucia de Freitas, no nono capítulo, apresentam uma investigação minuciosa que contemplou pesquisas e publicações de metapesquisa no campo da Política Educacional, tanto os trabalhos de metapesquisa propriamente dita quanto os que não utilizam tal terminologia. Os pesquisadores destacam que, no período de 2015 a 2020, foram catalogados 19 trabalhos de metapesquisa, e ressaltam que já existe um quantitativo considerável de pesquisas sobre pesquisas.
O último capítulo presenteia-nos com uma entrevista com Ball, renomado pesquisador do campo educacional na atualidade. Foi realizada por Mainardes em 2015 e publicada no mesmo ano, mas agregaram-se as duas últimas perguntas para esta obra. Ball evidencia em sua fala a importância da alfabetização teoria e da teoria para o estudo de política; compreende que uma epistemologia profunda diz respeito a problemas e questões com bases intencionais ao processo de política de interpretação; argumenta sobre a necessidade de olhar para além das características epistêmicas neoliberais da política; ressalta que o objeto de estudo é construído pela epistemologia com a qual o pesquisador opera; e ratifica que há uma nova geração de acadêmicos que tem prosperado na sociologia das políticas.
Da obra analisada depreendem-se reflexões valorosas para pesquisadoras e pesquisadores, não exclusivamente do Campo, mas para todos os campos de pesquisas. O livro satisfaz seu sentido social e ético proporcionando reflexões pertinentes, não somente sobre pesquisadores iniciantes, mas também sobre profissionais mais experientes, pois os estudos apontam fragilidades em diversos níveis de pesquisa. Consideramos que a obra avança no quesito vigilância epistemológica, tão necessário para o desvelamento do conhecimento. Propomos a leitura do livro a todas/todos as pesquisadoras(es), pois suas contribuições compreendem desde aspectos epistemológicos e teórico-metodológicos até os de vigilância epistemológica. É por considerar a riqueza da temática da obra abordada que recomendamos sua leitura. Acreditamos que em breve encontraremos nas livrarias uma segunda edição da coletânea, e, tendo em vista sua relevância, recomendamos à editora uma nova e cuidadosa revisão.