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Juventudes líquidas em espaços educacionais ainda sólidos
Rodrigo Koch; Elisete Medianeira Tomazetti
Rodrigo Koch; Elisete Medianeira Tomazetti
Juventudes líquidas em espaços educacionais ainda sólidos
Liquid youths in still solid educational spaces
Jóvenes líquidos en espacios educativos aún sólidos
Reflexão e Ação, vol. 32, núm. 1, pp. 65-81, 2024
Universidade de Santa Cruz do Sul
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Resumo: Este artigo contextualiza a condição e o comportamento das juventudes nas sociedades líquido-modernas e suas relações com a escola e a educação. Tais reflexões conduzem e indicam sujeitos que constituem suas identidades e interesses em formas fugazes e voláteis, havendo um natural desengajamento dos jovens com a educação, em um cenário de conflitos entre modelos ainda sólidos e necessidades líquidas.

Palavras-chave: Juventudes, Escola, Educação, Ensino Médio, Modernidade Líquida.

Abstract: This article contextualizes the condition and behavior of youth in liquid-modern societies and their relationships with school and education. Such reflections lead and indicate subjects that constitute their identities and interests in fleeting and volatile forms, with a natural disengagement of young people with education, in a scenario of conflicts between still solid models and liquid needs.

Keywords: Youth, School, Education, High School, Liquid Modernity.

Resumen: Este artículo contextualiza la condición y el comportamiento de los jóvenes en las sociedades modernas y líquidas y sus relaciones con la escuela y la educación. Tales reflexiones conducen e indican temas que constituyen sus identidades e intereses en formas fugaces y volátiles, con una desconexión natural de los jóvenes con educación, en un escenario de conflictos entre modelos aún sólidos y necesidades líquidas.

Palabras clave: Juventud, Escuela, Educación, Escuela Secundaria, Modernidad Líquida.

Carátula del artículo

Artigos do fluxo

Juventudes líquidas em espaços educacionais ainda sólidos

Liquid youths in still solid educational spaces

Jóvenes líquidos en espacios educativos aún sólidos

Rodrigo Koch
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Brasil
Elisete Medianeira Tomazetti
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Reflexão e Ação, vol. 32, núm. 1, pp. 65-81, 2024
Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 12 Septiembre 2019

Aprobación: 29 Abril 2024

JUVENTUDES LÍQUIDAS

Iniciamos o debate em torno dos conflitos e dificuldades da juventude de encontrar um sentido para as atividades e presença na escola, tentando conceituar este grupo geracional. As dificuldades para definir um conceito de juventude não são de hoje. De acordo com Savage (2009), “juventude” tornou-se um conceito abstrato, distinto da biologia, já nas primeiras décadas do século XX:

[...] a palavra só tinha uma tênue relação com a idade cronológica. Ser ‘jovem’ significava apenas possuir uma receptibilidade ao que era novo e a vitalidade necessária para enfrentar e dominar o ordálio da crise. ‘Juventude’ parecia compreender um novo tipo de força revolucionária que talvez oferecesse um terceiro caminho entre capitalismo e comunismo” (Savage, 2009, p. 203).

No período moderno, o jovem foi apresentado como um problema social, vinculado a atos de violência e ilícitos, com ênfase em sua indisciplina. “São frequentes os relatos dos noticiários televisivos ou das manchetes de jornais impressos fazendo referência à violência nas escolas, tanto entre grupos de alunos como entre alunos e professores” (Tomazetti et al. 2014, p. 21). Dayrell (2005) aponta algumas características marcantes que geralmente ainda são atribuídas à juventude contemporânea:

[...] na “falta de respeito” nas relações entre os pares e com os professores, na sua “irresponsabilidade” diante dos compromissos escolares, na sua “rebeldia” quanto à forma de vestir – calças e blusas larguíssimas, piercings, tatuagens e o indefectível boné –, o que pode ser motivo de conflito quando a escola define um padrão rígido de vestimenta. É comum também entre os professores o estereótipo das gerações atuais como desinteressadas pelo contexto social, individualistas e alienadas, numa tendência à compará-las às gerações anteriores, mitificadas como gerações mais comprometidas e generosas. (Dayrell, 2005, p. 54)

Sem abandonar completamente tais características desse passado recente, nas sociedades pós-modernas a juventude também adquiriu novos contornos, principalmente com o advento de novas ferramentas tecnológicas de comunicação e também de novas configurações familiares. Vale destacar que tais processos já estavam em curso e, que a pandemia da COVID-19 tratou de acelerar aspectos sociais que evidenciam as lacunas deixadas pela escola tradicional nas últimas décadas e que desviam o interesse dos jovens pela educação e os afastam das instituições de ensino gradativamente. São sujeitos de uma nova geração, nascidos e engendrados em uma tecnocultura; há novas mídias que subvertem completamente às antigas formas de se comunicar (Oliveira e Tomazetti, 2010), com aquisições de culturas internacionais em redes cada vez mais transnacionais. Há um ‘borramento’ de fronteiras e a juventude se expande e se confunde. Os desejos e sonhos que conduzem os jovens na sociedade de consumidores dos tempos atuais também modificam suas condutas em relação ao que estávamos habituados em tempos modernos e sólidos. Os jovens – em sua grande maioria – são nômades digitais. Segundo Lipovetsky (2016), os jovens querem viver imediatamente, sem obrigações nem entraves: a “contracultura” jovem é levada pela utopia de uma vida desembaraçada de todo o peso social.

Eles procuram incansavelmente inscrever-se na cultura globalmente reconhecida e fazer parte de uma comunidade de consumidores de artefatos em voga na mídia do momento; produzem seus corpos de forma a harmonizá-los com o mundo das imagens e do espetáculo; caracterizam-se por constantes e ininterruptos movimentos e mutações. [...] jovens que buscam infatigavelmente a fruição e o prazer e, nessa busca, borram fronteiras de classe, gênero e geração. [...] vão se tornando o que são, vivendo sob a condição pós-moderna. (Costa, 2012, p.9)

Os jovens pós-modernos foram muito mais educados pela televisão, computadores, videogames, e redes sociais; ou seja, pelas telas, do que pela escola. Eles habitam um novo espaço, a internet e as plataformas digitais de convívio social, como Instagram e TikTok (preferencias atuais contemporâneas). Este conceito de novos espaços e áreas pedagógicas é defendido por Steinberg (2004, p. 14): “são aqueles lugares onde o poder é organizado e difundido incluindo-se bibliotecas, TV, cinemas, jornais, revistas, brinquedos, propagandas, videogames, livros, esportes etc”.

Neste momento, ainda de transição de algumas instituições e espaços sociais de um período moderno para uma fase pós-moderna, Dayrell (2005) alerta que a forma como cada sociedade e cada grupo social vai lidar e representar a juventude é muito variada no tempo e no espaço. Como o próprio autor destaca em vários de seus trabalhos, existem juventudes. Há diferenças de gênero, etnia, classe social, condições de trabalho, família e escola que devem ser consideradas ao analisarmos as diferentes juventudes. Reforçamos que a pandemia evidenciou isto, principalmente, quando as escolas tiveram que adotar o ensino remoto e outras ferramentas de educação à distância. As desigualdades sociais afloraram e desencadearam ações dos poderes públicos no intuito de diminuir estas diferenças. Costa e Momo (2009) apontam que processos culturais bastante complexos estão ocorrendo fora da escola e afetando a escola. As autoras chamam a atenção para o fato de que “tudo que acontece na escola tem fios e tramas dentro e fora da escola” (2009, p. 521), e esquecer ou negligenciar isso implica sérias consequências. Sarlo (1997) e Canclini (2004), ao caracterizarem os jovens, salientam que fazer parte deste grupo é uma questão de estilo, ou seja, não há uma faixa etária determinada e sim o ‘estilo jovem’. A juventude começa cada vez mais cedo e se estende por décadas, podendo o indivíduo, por desejo, transitar nesta geração facilmente até os 40 anos de idade.

No entanto, segundo Canclini (2004), mais que trabalhadores satisfeitos e seguros se convocam os jovens a serem subcontratados, empregados temporários, e buscadores de oportunidades eventuais. Os diplomas estão sendo deixados de lado pelos jovens, que aceitam empregos que não exigem muita qualificação, com a promessa de engordar os magros salários com gorjetas de clientes. “Alguns observadores franceses estão se apressando em anunciar a chegada da geração ‘Ni-Ni’ (nem emprego, nem educação) – talvez a primeira geração realmente global” (Bauman, 2013, p. 41). A circunstância, cada vez mais comum entre os jovens brasileiros, é considerada e observada com preocupação por pesquisadores. Um em cada cinco brasileiros entre 18 e 25 anos não trabalha nem estuda. No Brasil, é a chamada "geração nem-nem". Esses jovens são vítimas de um “desalento estrutural”, ou seja, são pessoas que desistiram de procurar trabalho, porque não têm quase nenhuma qualificação, e tampouco querem voltar a estudar, porque não se sentem atraídas pela escola. É um grupo geracional que não reconhece seu passado e não sabe seu futuro, e para o qual o modelo de triunfo social é ser um ex-bigbrother.

[...] há um número enorme de jovens fisicamente aptos, em idade escolar, que são desabilitados em suas tentativas de atingir padrões estabelecidos pelo mercado de trabalho em função da circunstância de terem nascido e crescido em famílias com rendimentos abaixo da média ou em bairros pobres e esquecidos. (Bauman, 2013, p. 44)

Os jovens apresentam um caráter nômade, com vínculos flexíveis e assunção de identidades fugazes, rejeitando modelos arbitrários e verdades cristalizadas pelo tempo. Ao mesmo tempo buscam respostas em narrativas inéditas de tribos juvenis, abertos ao diálogo, à incerteza, e à fugacidade dos relacionamentos (Oliveira e Tomazetti, 2012).

A configuração das culturas juvenis está intimamente vinculada aos modos dos jovens viverem e transitarem nas cidades, sejam estas grandes metrópoles, cidades médias, ou pequenas. A cidade acalenta sonhos, fantasias e projetos que ainda estão por vir. É nos espaços urbanos que as ‘tribos’ circulam, buscam estabelecer seus ‘territórios’, com objetivo de estar junto com seus iguais, ou seja, transitar acompanhado. As cidades apresentam seus riscos e perigos e, também suas múltiplas estimulações, além de inúmeras possibilidades aos jovens, desde compromissos e tarefas que antecedem ou servem como os primeiros passos no trabalho – para aqueles que necessitam do mesmo ou que vislumbram a independência financeira dos pais –, até o lazer e a diversão que são perseguidos por todos. Deslocar-se nas urbanidades implica em ‘ter aonde ir’, assim como ‘ter como ir’, superando acessos e restrições sociais e econômicas em ambos os extremos; pois ao mesmo tempo em que jovens das periferias não têm condições financeiras de frequentar certos espaços culturais e de lazer das cidades, também jovens de classes altas – em grande parte das vezes – vivem confinados em condomínios de luxo, shopping centers e escolas muradas, longe da violência, marginalidade e, também, da realidade social.

Convocamos Maffesoli (1998), para explicar os novos vínculos compartilhados pelos jovens contemporâneos, baseados em emoções e sentimentos coletivos, unidos através da contemplação – reuniões musicais, esportivas ou apenas de consumo –, ou seja, as neotribos urbanas. Diferente do que prevaleceu até os anos 1970, os agrupamentos do novo milênio se tratam muito menos de se agregar a uma “família” ou a uma “comunidade”, são apenas um ir e vir de um grupo ao outro. Cada um pode participar de uma infinidade de grupos, investindo em cada um deles uma parte de si. As teorias de Maffesoli (1998) se assemelham aos conceitos de comunidades guarda-roupa e líquidas de Bauman (2001, 2007 e 2008).

[...] o neotribalismo é caracterizado pela fluidez, pelos ajuntamentos pontuais e pela dispersão. E é assim que podemos descrever o espetáculo da rua nas megalópoles modernas. O adepto do jogging, o punk, o look retrô, os “gente-bem”, os animadores públicos, nos convidam a um incessante travelling. [...] essas “condensações instantâneas”, tão frágeis, mas que, no seu momento, são objeto de forte envolvimento emocional. (Maffesoli, 1998, p. 107)

Este terreno movediço, pós-moderno, no qual os jovens caminham, necessita de um tratamento adequado, portanto, não é vergonha para eles fazer “surf” sobre as ondas da socialidade. É inclusive uma questão de prudência que não deixa de ser eficaz. “[...] as diversas solidariedades, os encontros esportivos e musicais são todos indícios de um ethos em formação. É isto que delimita esse novo espírito do tempo que podemos chamar de socialidade” (Maffesoli, 1998, p. 103).

Laços de entrecruzamento de ações, situações, e afetos, formam um todo. A diferença é que ao redescobrirmos que os indivíduos não podem mais existir isolados – estejam eles ligados pela cultura, comunicação, lazer ou pela moda – é que as comunidades contemporâneas não têm as mesmas qualidades daquelas da Idade Média, mas ao mesmo tempo não deixam de ser comunidades, ainda que em muitos casos comunidades virtuais ou efêmeras. Nestas situações, pode haver territórios simbólicos, qualquer que seja a sua ordem, mas que nem por isso são menos reais. Nesse sentido a delimitação territorial é estruturalmente fundadora de múltiplas socialidades, e o “estar junto à toa” é um elemento revelador para os novos modos de vida que renascem sob nossos olhos (Maffesoli, 1998). Processos de atração e de repulsão ocorrem por escolha, portanto, ao lado da existência das sensações coletivas, assistimos ao desenvolvimento de redes, ou seja, são socialidades eletivas. A vida em sociedade não se resume a pertencer a um grupo para si mesmo, próprio e absoluto. Há reencontros, situações e experiências. Os grupos se entrecruzam uns com os outros e constituem, ao mesmo tempo, uma massa indiferenciada e polaridades muito diversificadas.

Ao trazermos o debate para a educação formal, lembramos que a escola permanece sendo um espaço onde se materializam as relações de poder entre professores e alunos, e entre adultos, jovens e crianças. No contexto da juventude contemporânea, a escola se coloca como fiscal, juíza e jurada, e apenas recentemente tem assumido papel protagonista da problemática das culturas juvenis, apesar de justamente no espaço escolar/educacional circularem as culturas juvenis.

Crianças e jovens reiteram que veem a escola como o espaço de fazer e encontrar os amigos, o que consideram um dos principais aspectos dessa instituição, mais até do que aprender os conteúdos disciplinares. A escola, por sua vez, parece resistente a assumir essa função – promover a sociabilidade – como uma de suas principais vocações na atualidade. (Castro & Correa, 2005, p. 19-20)

No entanto, Dayrell (2005) alerta que ser jovem e ser estudante não são a mesma coisa, ainda que muitas vezes essas condições estejam entrelaçadas. A condição de estudante é uma possibilidade a ser assumida (ou não) pelo jovem e depende de suas pretensões presentes e futuras. Essas pretensões estão diretamente relacionadas aos sentidos que os jovens atribuem à experiência escolar, comportando possibilidades que vão da obrigatoriedade de frequentar a escola à possibilidade de atribuir a ela o significado de ser condutora de projeção social. Talvez ainda incapaz de perceber completamente que o ecossistema bidimensional família-escola tenha perdido a validade (Reguillo, 2012), a escola permaneça em certa medida ignorando os dispositivos mediadores entre uma instituição e outra, como os meios de comunicação que facilitam aos jovens o acesso simultâneo a distintos mundos possíveis. Destaca Leão (2011), que ser aluno é uma construção subjetiva, pois os sujeitos não se tornam alunos apenas por uma imposição externa. Na contemporaneidade, cada vez mais, trata-se de uma escolha e, o que é central, são os sentidos atribuídos à experiência escolar. A expansão de matrículas no Ensino Médio a partir da década de 1990 – sem que isso estivesse diretamente relacionado à qualidade do mesmo –, com a ampliação da obrigatoriedade e gratuidade desse nível de ensino, fez com que as escolas recebessem um contingente de alunos cada vez mais heterogêneo, contextualizado por uma sociedade desigual, que acabam por delimitar as ações dos jovens na sua relação com essa instituição. Os conflitos e contradições de uma sociedade excludente ficam mais explícitos no ambiente educacional, interferindo em suas trajetórias e nos sentidos que são atribuídos à escola (Leão, Dayrell e Reis, 2011). Pesquisas apontam que de uma maneira geral, os jovens atribuem à escola uma grande importância, sendo uma instituição central, mesmo reconhecendo seus limites e lacunas. Algumas juventudes depositam nela, ao menos no discurso, um alto valor. Outros jovens demonstram um distanciamento crítico maior em relação às suas condições de funcionamento.

Acreditamos que o debate está aberto neste sentido, observando que nos últimos anos houve um grande contingente de jovens que ingressaram no Ensino Médio mas não concluíram o mesmo, justamente por não encontrarem sentido nesta etapa da educação e, se questionarem sobre o ingresso no Ensino Superior e o futuro profissional, já que muitas das atividades laborais de hoje vislumbradas pela juventude não apresentam (ou necessitam) formação acadêmica.

A “ESCOLA-PALCO” DOS JOVENS PÓS-MODERNOS

Pensamos ser importante contextualizar, de forma breve, o Ensino Médio, espaço e período educacional dos jovens, que em certa medida sentem-se na obrigação de frequentá-lo com objetivo de ascender na vida pessoal e profissional, através das condições impostas pela sociedade. É curioso, inclusive, verificar como o pensamento de prolongar a permanência do adolescente na escola vem atravessando as sociedades desde o início do século XX. Segundo Savage (2009), G. Stanley Hall – um dos maiores pesquisadores da juventude nos anos 1900 – defendia que a idade de deixar a escola deveria ser prolongada por mais dois anos e que os alunos deveriam ficar isentos das exigências da vida adulta: “o estudante deve ter a liberdade para ser preguiçoso”. Segundo o pensador, para o completo aprendizado da vida os jovens precisavam de repouso e lazer; algo que em certa medida, a juventude contemporânea continua em busca através das fugas das atividades escolares, tidas como enfadonhas e desnecessárias para muitos e, ao mesmo tempo, estes jovens ‘mergulham’ nas atividades de lazer. Tomazetti et al. (2014) trazem uma breve definição do que se pressupõe que seja, ou deveria ser, o Ensino Médio e, suas muitas facetas:

O Ensino Médio é uma etapa de continuidade do Ensino Fundamental, tendo por função aprofundar e consolidar os conhecimentos adquiridos e também voltar-se para esse sujeito que busca respostas aos desafios de sua existência, próprios desse tempo de vida, como afetividade, sexualidade, encontros, socialização, independência dos pais, inserção em grupos sociais diferentes da família, mudança de conduta compatível com a transição para a vida adulta, afirmação da identidade, entre outras. Ocorrendo todas essas situações com os jovens, a escola de Ensino Médio deve potencializar no currículo: a autonomia intelectual, a cidadania de fato, a formação básica para o trabalho, o pensamento crítico e a formação ética do ser humano. (Tomazetti et al., 2014, p. 12)

Os jovens são educados pelas expressões culturais que os cercam. Escola, família, amigos e também a mídia (telas) operam estas transformações comportamentais. “Os jovens articulam os conhecimentos escolares com suas vivências cotidianas e carregam para dentro da escola também suas aprendizagens construídas nos espaços educativos não escolares” (Stecanela, 2010, p. 58). Percebemos que escola e família já não conseguem mais auxiliar esses indivíduos de forma satisfatória na construção de suas identidades, bem como no planejamento de seus projetos de vida. Fala-se constantemente em uma crise da educação ou escolar. Stecanela (2010) ao contextualizar a questão prefere adotar o termo “mutação” para substituir a palavra “crise”, convocando outros pesquisadores para ajudá-la a explicar o cenário contemporâneo. A autora considera que a escola esteve por um longo período, na modernidade, caracterizada como uma “instituição de certezas” – formadora de futuros profissionais e cidadãos que teriam seus lugares garantidos na sociedade – e ao final do milênio passou a ser uma “instituição de promessas”, transfigurando-se rapidamente para uma “instituição de incertezas” nos dias atuais. Podemos pensar também a escola como uma das instituições sólidas da modernidade que permanecem e, que precisa lidar com identidades, ou fragmentos identitários líquidos e fluídos.

Fato perceptível e inegável é que a juventude está diariamente em contato com as novas tecnologias midiáticas. “As territorialidades virtuais e seus tempos parecem já ter sido incorporados como plataformas para a construção do ‘eu’ pelas populações juvenis” (Oliveira e Tomazetti, 2010). O jovem encontra condições de forjar um sistema de referências que mescle as influências familiar, escolar e midiática, um sistema de esquemas coerente, no entanto, híbrido e fragmentado que leva em consideração dimensões econômicas, políticas, religiosas e estéticas. Portanto, a cultura midiática partilha com a família e a escola, uma responsabilidade socializadora.

Costa e Momo (2009) apontam escolas de ensino médio da rede privada em grandes metrópoles como ‘novos’ lugares reconfigurados – que, agora, parecem verdadeiros shoppings centers, com salões de estética, livrarias, farmácias, boutiques, lanchonetes, cafeterias, jogos eletrônicos em áreas de convivência, televisões espalhadas pelos corredores, sistema de internet sem fio ... –, como um dos espaços preferenciais vislumbrados por esta geração, porque “a escola é um lugar na cultura, e um lugar onde a cultura circula, onde culturas se encontram e negociam, onde se produz e consome cultura” (Costa e Momo, 2009). Vale destacar que o cenário descrito pelas autoras é apenas uma das muitas configurações do Ensino Médio que encontramos. Assim como temos escolas com avanços tecnológicos e estruturais pós-modernos – adequados à sociedade de consumidores –, seguimos também com ambientes escolares que pouco se transformaram desde o início do século XX – que ainda são maioria no sistema de ensino público do Brasil – e, que apresentam certos atrasos em sua infraestrutura, agindo justamente no sentido contrário, ou seja, causam desejo de fuga para os jovens. Falamos aqui pelos menos de duas, das muitas juventudes, já expostas por alguns autores (Castro 2004, Dayrell 2005, Leão 2011, Stecanela 2010), que perpassam pelas classes econômico-sociais. Portanto, ao mesmo tempo em que percebemos uma juventude conectada à globalização e às suas potencialidades de consumo, também há uma juventude desconectada (ou com certas limitações de conexão) e com traços de desigualdade que está presente em muitos centros urbanos, que apresenta igualmente atração pelos artefatos, mas que nem sempre consegue acessá-los. Exemplos destas condições adversas são vistos diariamente quando comparamos escolas privadas, localizadas em grandes centros urbanos, com escolas públicas de periferias ou de zonas mais distantes dos grandes fluxos econômicos.

De acordo com Tomazetti et al. (2014), os jovens querem viver na escola formas de sociabilidade que não são possíveis em seus cotidianos. “As escolas oferecem crescentemente aos estudantes a mensagem pouco sutil de que tudo está à venda, incluindo as identidades, os desejos e os valores dos estudantes” (Costa, 2012). Portanto, de acordo com Costa e Momo (2009) “ela [a escola] também começa a ser posicionada em relação a esse novo jeito da cultura operar, e também nos ensina muito sobre nosso período histórico e sobre novas funções e significados da escola na ordem contemporânea orientada para e pelo mercado” [acréscimo nosso]. Para as autoras, a escola é mais um espaço entre tantos para a difusão dos novos modos de ser jovem, de comportamentos remodelados.

Apesar das inúmeras transformações sociais nas últimas décadas, principalmente desde os anos 1990 e – ainda – na entrada do novo milênio, algumas instituições continuam sendo centrais e de referência na vida das sociedades modernas e, agora, em passagem tardia para pós-modernas. Talvez o melhor exemplo disso seja a escola, que mesmo em tempos líquidos . leves – quando os alunos são educados não mais somente pelos professores, mas também pelas mais variadas mídias e artefatos culturais –, continua ocupando o espaço formal da educação. É ponto de consenso e se convencionou e regulamentou, desde o século XIX, que qualquer criança ou jovem tenha o direito – e por que não, também o dever – de frequentar a escola para adquirir conhecimento e ser preparado para e pela sociedade na qual está inserido. No entanto, a sala de aula contemporânea se vê ameaçada pela fluidez e instantaneidade dos artefatos pós-modernos e, é encarada muitas vezes como um espaço de lazer (Oliveira e Tomazetti 2010; 2012). Os próprios métodos de aprendizagem se transformaram. “No ensino, está em andamento uma revolução digital que poderia transformar radicalmente, em um prazo mais ou menos longo, tanto a relação pedagógica quanto os modos de aquisição do conhecimento” (Lipovetsky 2016, p.128). Bauman (2013) faz analogia entre mísseis balísticos (aprendizagem moderna) e mísseis inteligentes (aprendizagem pós-moderna) para caracterizar a condição contemporânea da educação dos jovens, afirmando que o talento em aprender depressa está diretamente vinculado a capacidade de esquecer instantaneamente o que foi aprendido antes.

[...] o conhecimento que adquirem é eminentemente descartável, bom apenas até segunda ordem e de utilidade apenas temporária; e que a garantia de sucesso é não deixar passar o momento em que o conhecimento adquirido não se mostrar mais útil e for preciso jogá-lo fora, esquecê-lo e substituí-lo. (Bauman, 20013, p. 13)

Bauman (2013) aborda ainda que o ensino de qualidade precisa provocar e propagar a abertura, não a oclusão mental, e afirma que a arte de “surfar” tomou a posição, na hierarquia das habilidades úteis e desejáveis, antes ocupada pela arte de aprofundar-se. Silva (2014) salienta que a escola não leva em conta as diferenças e não tem oferecido espaço para essas manifestações, pois as disciplinas clássicas continuam sendo mais valorizadas do que os componentes curriculares que envolvem a criação ou a expressão, como música, artes, teatro e/ou educação física. Veiga-Neto (2008) destaca que “não se trata de pensar a escola apenas como produzida pela sociedade em que ela se insere, mas, também e ao mesmo tempo, de pensá-la como produtora dessa mesma sociedade” (p. 142). Neste contexto, não podemos esquecer que a escola sempre produziu e continua produzindo experiências culturais, sem querer aqui avaliar e julgar se as mesmas são boas ou más na constituição destes cidadãos.

A escola é um lugar de culturas porque seus protagonistas – os adultos, os jovens, os adolescentes e as crianças – são produtores de culturas: cultura infantil, cultura juvenil, cultura adulta. São também produzidos nas culturas em que estão envolvidos: sua condição de classe, seu pertencimento étnico, seu gênero, a escolha de sua sexualidade, são marcas de suas histórias, significantes para suas vidas. Na escola, tais protagonistas também encontram (e inventam) maneiras de produzir seus modos de ser e de estar, de partilhar sentimentos, experiências. Os tempos e os espaços da escola constituem campos de possibilidade para exercerem sua condição de seres da cultura, ao se relacionarem entre si, ao aprender, problematizar e usufruir os diversos saberes tratados na escola, compartilhando um patrimônio que a todos pertence. [...]. Em suma, escola é lugar de circular, de reinventar, de estimular, de transmitir, de produzir, de usufruir, enfim, de praticar cultura. [...]. As experiências culturais que nos constituem como humanos também têm lugar na escola, no protagonismo de seus professores e estudantes. (Vago, 2009, p. 27-28)

A escola se transformou em um grande palco para os jovens serem vistos. É neste espaço reconfigurado da contemporaneidade que os jovens produzem seus corpos, com roupas, penteados, acessórios e ferramentas tecnológicas para serem aceitos no e pelo grupo ao qual pretendem pertencer (ainda que por poucos instantes), nos diversos momentos e preponderantemente durante os intervalos, que deixaram de ter a característica de recreio – vinculada à recreação. Hoje estão mais próximos de uma grande ou pseudo festa devido aos sons e imagens que são emitidos pelas diversas caixas sonoras ou dispositivos portáteis e/ou pelo próprio sistema de áudio e vídeo da escola, assim como pelas tribos que circulam pelos pátios, corredores e demais espaços munidos de suas telas (smartphones e tablets). “[...] o sentido da escola, para os jovens transcende os objetivos da educação formal, constituindo-a como um ‘espaço sociocultural’, para o exercício de suas sociabilidades e construção de identidades” (Stecanela, 2010, p. 20). São jovens acostumados a um contexto urbano de múltiplas oportunidades de satisfação e, que consideram a escola de Ensino Médio como mais um dos espaços de brincadeiras, ‘zoações’ e gargalhadas contrapondo a ideia de lugar de vivências educacionais. Em muitas ocasiões, ouvem as palavras docentes com displicência e indiferença, configurando uma relação de estranhos entre professores e alunos. Segundo Bauman (2013), as instituições que antes representavam um meio para que os jovens – principalmente os das minorias sociais – tivessem acesso aos privilégios sócio-econômicos, a cada ano se distanciam das esperanças que elas próprias incitavam. Vale lembrar que a escola moderna foi fundada e criada a partir da “disciplina”, ou seja, a palavra serve não só para caracterizar os diversos conteúdos que devem (ou deveriam) ser absorvidos pelos alunos, mas também no sentido de “moldar” os indivíduos para a sociedade. “A crise da escola é reflexo da crise da sociedade: os velhos modelos nos quais as instituições tinham um lugar socialmente definido já não correspondem à realidade” (Dayrell, 2005, p. 65). Os sentidos da escola para os jovens parecem estar relacionados somente à necessidade de certificação e do consequente desejo de mobilidade social, em busca de oportunidades frágeis e postos de trabalho transitórios. O espaço escolar contemporâneo está muito mais próximo de um local para trocas de sociabilidades e práticas culturais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não pretendemos “demonizar” a escola contemporânea, atualmente condenada por muitos por não cumprir mais seu papel “domesticador” de tempos anteriores; pelo contrário, seguimos acreditando na mesma como espaço para a formação social e crítica do ser humano. Portanto, torna-se necessário também um contraponto, em defesa da escola.

Uma ilusão de muitos na atualidade foi imaginar que se poderia obter conhecimento exclusivamente por meios tecnológicos. Não é assim. O uso da tecnologia não dispensa o trabalho fundamental da escola. A educação, mais do que nunca, é essencial. Não se chegará pela tecnologia, a eliminar a importância da pedagogia, do ensino, do estudo e dos professores. A formação de espíritos livres e críticos requer mestres, análises, discussão, questionamento e interpretação. A sociedade hipermoderna baseia-se no cognitivo. É uma economia do conhecimento. O capital inteligência é que agrega valor. O conhecimento é o patrimônio decisivo da nossa época. Capital cognitivo. Investir no saber é a regra do presente e do futuro. Investir no saber não é despesa, mas uma exigência da inovação. Tudo passa pela inteligência dos homens. A informação abre caminhos. (Lipovetsky, 2016, p. 12, da apresentação de Juremir Machado da Silva)

Masschelein e Simons (2013) também apresentam argumentos em defesa da escola e, consideram que a mesma precisa se reinventar – abandonando a condição de apenas transmissora de saberes, adotando uma postura de formadora crítica, ou em outras palavras, preservar a escola como o tempo livre para o pensamento – e não ser extinta na contemporaneidade. Olhando pelo avesso, as críticas mais comuns dirigidas ao sistema escolar – de sua alienação, de seu exercício do poder, da desmotivação produzida por seu cotidiano, da sua ineficácia e improdutividade – os autores defendem o descolamento, ou seja, a suspensão do mundo real como a grande virtude da escola. “[...] alegamos que a escola tem o dever de continuar a acreditar no potencial da próxima geração: cada aluno, independentemente de antecedentes ou talento natural, tem a capacidade de se tornar interessado em alguma coisa e se desenvolver de maneira significativa” (Masschelein e Simons, 2013, p. 72-73), ou seja, todos podem aprender.

Pasqualini e Mazzeu (2008) lembram também que o processo educativo, como espécie institucionalizada de formação, configura-se na história humana como um fenômeno da modernidade, resultante da necessidade de uma formação generalizada, gerada pela organização social capitalista, cujo modo de produção baseia-se na indústria e na cidade. Nesse contexto, a escola passa a ser constituída como instrumento principal para viabilizar o acesso à cultura, produzida de forma sistemática e intencional pelos homens, transformando a educação em um processo igualmente sistemático e intencional de formação humana. Mas, ainda que possamos defender a continuação do sistema escolarizado, há duas questões permanentes que se colocam: o problema da seleção dos conhecimentos a serem ensinados, e o problema das formas, dos métodos e processos que possibilitem a transmissão e a assimilação dos mesmos. Não se nega, portanto, o caráter essencial da educação escolar na promoção do saber científico, menos ainda, sua finalidade de preparar os indivíduos para os enfrentamentos postos pela prática social. No entanto, Pasqualini e Mazzeu (2008) chamam atenção para um posicionamento a favor da efetiva socialização dos conhecimentos científico, filosófico e estético, retirando-os da esfera da lógica privada, do âmbito exclusivo dos detentores dos meios de produção, para promover de forma efetiva seu acesso a todos os indivíduos humanos. Em oposição à concepção do professor como um mero facilitador ou animador do processo educativo, as pesquisadoras atribuem ao educador um papel claramente diretivo, postulando a necessidade de sua ação intencional e deliberada de transmissão do patrimônio humano-genérico e atribuindo a ele a tarefa de compreender e antever o desenvolvimento de todo o processo educativo.

Segundo Lipovetsky (2016), a revolução da leveza criou uma relação inédita com o saber e a aquisição de novos conhecimentos. Instituições ‘pesadas’ como família, igreja e escola continuam desempenhando papel notável nas sociedades, mas ao mesmo tempo uma massa de conhecimentos é acessível através de vias midiáticas fluidas. O momento reflete a perda de controle daquilo que sabemos das autoridades institucionais, pois se baseiam em percursos individuais e aleatórios de cada um. O saber agora é imediato e, para os jovens ‘quando eu quero’, ‘como um jogo’ e ‘como eu quero’.

Os métodos escolares, como se sabe, baseiam-se nos valores do esforço e da disciplina, na lentidão e na progressão controlada, nos exercícios repetidos e nos programas impostos para um aprendizado sistemático. No exato oposto, a cultura interativa da tela faz prevalecer o lúdico, o rápido, o acaso, o fragmentado, a ausência de restrições e de linearidade. Dessa forma, uma relação antagônica existe entre as práticas da internet e aquelas exigidas pela Escola. Além disso, as primeiras têm como efeito desqualificar as segundas, torna-las “cafonas”, mais antiquadas que nunca. Enquanto a cultura do digital permite um acesso mais fácil aos conhecimentos, ela transforma os professores em dinossauros e torna cada vez mais pesadas as vias clássicas da transmissão dos saberes. (Lipovetsky, 2016, p. 288)

Lipovetsky (2016), ainda alerta que o universo digital pode ‘preencher as cabeças’, mas não tem por si só, o poder de criar ‘cabeças bem feitas’, portanto, o progresso tecnológico não é progresso cognitivo, e estar conectado não basta para pensar. “É inegável que muitas coisas vão mudar e que a Escola de antigamente não mais voltará”. “Reconciliar o melhor do novo e o melhor do antigo, inventar uma pedagogia nova sem cair nos desvios de um ensino light, desestruturado e não linear: este é um dos grandes desafios da educação democrática na era hipermoderna”. (Lipovetsky, 2016, p. 289 e 293).

Reconhecemos que vivemos em um período pós-moderno (porém não abandonamos os velhos problemas do período moderno, pois moderno e pós-moderno convivem juntos) e, que estamos – talvez – em uma fase de transição ou reconfiguração das relações, ou seja, a constituição de uma ou de novas sociedades. Uma “sociedade do acontecimento”, onde tempo produtivo e tempo de lazer se confundem. Os tempos dos jovens se entrecruzam, ou seja, as atividades de lazer estão inseridas nas rotinas escolares e de trabalho. Portanto, uma sociedade nas quais os indivíduos funcionam segundo a lógica do trabalho imaterial e, onde também, os espaços públicos e do cotidiano produzem seus ‘ruídos’ de vozes, seus gritos, suas reivindicações, seus gestos de exigência, suas frustações e insatisfações, e suas heterogeneidades. Estas “novas sociedades” apresentam características renovadas, como por exemplo: cooperação entre cérebros, por meio de redes; dispositivos tecnológicos arrojados, que potencializam a captura da memória e da atenção; e processos de sujeição e de subjetivação para a formação de públicos, nos quais os novos sujeitos transitam livremente. Neste contexto, o conhecimento torna-se ultrapassado quase no mesmo momento em que é produzido.

Os jovens contemporâneos operam seus pensamentos com conceitos líquidos (Bauman, 2001) e leves (Lipovetsky, 2016), abandonando as lógicas modernas e sólidas que, principalmente, a quase totalidade das escolas e a grande maioria dos professores ainda seguem em busca de uma tradição que já naufragou e está ultrapassada pela nova tecnocultura. Conforme defende Bauman (2013), a mistura de inspirações culturais é fonte de enriquecimento e motor da criatividade. Há uma nova linguagem e maneira de pensar em curso nas quais termos e conceitos que emergiram nas últimas duas décadas – como backup, download, whats, upgrade, bytes, business, feedback, megastore, drive-thru, freelance, sex appeal, ... entre outros – são utilizados para estabelecer as relações (sejam estas de qualquer ordem ou interesse) hoje vinculadas a permanente atualização, como se equivalessem a softwares ou aplicativos. São palavras, termos, conceitos, produtos e artefatos que conduzem a juventude pós-moderna para a (des)(re)construção da sociedade contemporânea. Para eles, a saída tem sido a reformulação de suas culturas, sejam elas tradicionais ou não, mediante a internacionalização do consumo cultural que lhes promete o resgate da auto-estima.

São novos modos de ‘ser’, onde – assim como na modernidade – continuam prevalecendo espaços e/ou campos culturais com as lutas de poder. Um poder que muitas vezes não pode ser mais considerado hegemônico, mas apenas momentâneo, que irá também estabelecer suas produtividades. Segundo Foucault, o poder é produtivo e está disperso em todo sistema social, estando estreitamente vinculado ao saber. O poder é produtivo porque ele não é apenas repressivo, mas também cria ‘novos saberes’ – que podem não apenas reprimir, mas também libertar. Os sujeitos contemporâneos dão origem a novos movimentos sociais e criam uma nova dinâmica de enfrentamento com antigos e novos interlocutores.

A juventude vive experiências ainda fortemente ancoradas em instituições, como a família e a escola, mas também em grupos/tribos juvenis que se organizam além das fronteiras e ‘barreiras’ familiares e escolares (Tomazetti et al., 2014). Sistemas simbólicos (como cidade, moda, escola, sala de aula, ...) podem ser analisados como uma espécie de código, ou seja, podem ser concebidos como uma linguagem. E nesse espaço há divergências e/ou ambiguidades, pois a escola contemporânea (moldada na modernidade) ainda impõe por certas vezes uma infantilização aos alunos que não é mais deles. O infantil ou o jovem na pós-modernidade também pode e deve ser uma questão de escolha individual. Neste momento, também o tempo escolar tem se configurado para muitos jovens como um palco da impaciência ou até mesmo como uma tortura diária.

Os jovens contemporâneos já abandonaram há tempos o conceito moderno de sujeito uno, indivisível e originário; na verdade, já foram constituídos na liquefação, processo que está na raiz do fenômeno pós-moderno denominado de dissolução, “borramento” ou apagamento de fronteiras etárias e geracionais. Os novos sujeitos líquidos não têm fronteiras ou limites próprios, eles se amoldam ao lugar ou às condições em que se encontram. Esta flexibilidade – propriedade hoje desejável e tida como importante – decorre do caráter líquido da pós-modernidade. O mito do sujeito moderno – singular, estável e indivisível – está superado pela instabilidade (Veiga-Neto 2008). A escola como espaço constituído na modernidade, mas que perdura com o mesmo modelo na pós-modernidade também gera inquietação.

A escola constitui-se num mundo de regularidades, de normatizações, de padrões e modelos de pensar. Sua gênese, sua história, sua própria formatação já denunciam tal esquema: seriação, disciplinas, conteúdos, planejamentos, etc. Entretanto, do mesmo modo, pode-se constatar que tal sistema não prevê nem dá conta daqueles que, de uma maneira ou de outra, não se encaixam ou se deixam formatar tão facilmente, ou seja, os diferentes. [...] são os excluídos, aqueles que não se enquadram em quaisquer modelos impostos pelo sistema ou pelas teorizações educacionais e, nesse espaço, estão não só alunos, mas também os professores. (Silva, 2014, p. 168)

Os jovens apresentam configurações de identidades múltiplas, com transições da infância/adolescência para a juventude e depois para vida adulta; variáveis de acordo com o contexto social de cada um. O quanto cada um será mais ou menos flexível, múltiplo, (in)controlável, imponderável, fluido e líquido dependerá das relações entre a sua própria subjetividade e as exigências do(s) sistema(s) no(s) qual(is) está inserido ou irá se inserir. Segundo Bauman (2013. p. 10), “não somos o que os outros fazem de nós, somos o que fazemos com aquilo que os outros fazem de nós”.

Material suplementario
REFERÊNCIAS
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BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
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Notas
Notas
1 Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – UERGS – São Francisco de Paula – RS – Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6719-1839
2 Universidade Federal de Santa Maria – UFSM – Santa Maria – RS – Brasil. ORCID: https://orcid.org/ 0000-0002-4979-7415. [TP1]Inserir e/ou revisar obra na lista final de referências [Rk2]Já está OK [TP3]Essa referência, TOMAZETTI et al, não se encontra na lista final de referências. Deve ser adicionada contendo o nome de todos os autores (de acordo com as atualizações nas normas ABNT) [TP4] [Rk5]Inserido
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