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Em defesa da educação democrática: um convite à leitura
In defense of democratic education: an invitation to read
En defensa de la educación democrática: una invitación a leer
Reflexão e Ação, vol. 32, núm. 1, pp. 169-173, 2024
Universidade de Santa Cruz do Sul

Resenhas


LAVAL Christian, VERGNE Francis. Educação democrática: a revolução escolar iminente.. 2023. Petrópolis. Vozes

Recepción: 03 Enero 2024

Aprobación: 28 Enero 2024

DOI: https://doi.org/10.17058/rea.v32i1.19044

Resumo: A presente resenha apresenta ao público brasileiro a recente publicação da obra "Educação democrática: a revolução escolar iminente", escrita pelos pesquisadores franceses Christian Laval e Francis Vergne. A obra apresenta referenciais importantes para pensar sobre a renovação crítica da escola pública, orientada para uma forma democrática social e ecológica.

Palavras-chave: Escola, Democracia, Teoria educacional.

Abstract: This review presents to the Brazilian public the recent publication of the work "Democratic education: the imminent school revolution", written by French researchers Christian Laval and Francis Vergne. The work presents important references for thinking about the critical renewal of public schools, oriented towards a social and ecological democratic form.

Keywords: School, Democracy, Educational theory.

Resumen: Esta reseña presenta al público brasileño la reciente publicación del trabajo "Educación democrática: la inminente revolución escolar", escrito por los investigadores franceses Christian Laval y Francis Vergne. El trabajo presenta importantes referentes para pensar la renovación crítica de la escuela pública, orientada hacia una forma democrática social y ecológica.

Palabras clave: Escuela, Democracia, Teoría educativa.

“[...] devemos aprender a discernir as oportunidades não realizadas que estão adormecidas nos recessos do presente” (André Gorz).

A recente publicação da tradução brasileira de “Educação democrática: a revolução escolar iminente”, de Christian Laval e Francis Vergne (Vozes, 2023), tem oferecido ao leitor brasileiro um novo horizonte de reflexões sobre a escola democrática em suas perspectivas futuras. Inspirados em uma leitura crítica, de caráter heterodoxo e permeada por temas e autores contemporâneos, os pensadores franceses reinscrevem o debate que estamos diante de uma nova ordem para o mundo, acrescentando – em sintonia com sua perspectiva crítica – a defesa da questão da revolução. Uma revolução que seja democrática, social e ecológica e que, principalmente, materialize-se no entendimento de que uma verdadeira democracia segue requerendo uma educação universal. O debate adquire urgência tanto pela predominância da agenda neoliberal nas políticas educacionais e da necessidade de construir novos modelos educativos frente à crise climática que estamos experimentando, quanto pela crise dos setores progressistas para produzir novas indagações e novos enfrentamentos políticos na defesa da educação democrática.

A obra de Laval e Vergne recoloca críticas importantes acerca da idealização da empresa como referente principal para as políticas públicas e também dos desenhos curriculares que assumiram a competitividade e a rentabilidade como princípios organizacionais. O convite realizado pelos autores é que sejamos capazes de “repolitizar a questão da escola”, oferecendo outros caminhos reflexivos para o atual estágio de democratização desta instituição no Ocidente. Não resta dúvidas de que a escolarização se converteu em um imperativo político na maioria dos países; todavia, como percebemos cotidianamente nas escolas de nosso país, “a democratização quantitativa da escola não levou à conquista da igualdade de oportunidades”. Desde a década de 1990, a literatura crítica já vem denunciando certo desencanto com a escola, devido à sua incapacidade em cumprir plenamente as suas promessas.

A resposta a este desencanto, ou aos paradoxos do processo de democratização, tem sido a emergência e a predominância de políticas utilitaristas. Mínimo de conteúdos, competências para a empregabilidade, matrizes de desempenho em exames globais ou mesmo - como no caso brasileiro - uma base nacional curricular. Aliás, uma das provocações estabelecidas por Laval e Vergne é que a democratização não pode ser somente escolar. Estamos diante de um momento oportuno para recolocar em discussão a questão da igualdade, não reduzindo-a à promoção de oportunidades apenas ao nível educacional. Defendem uma igualdade engendrada por meio do poder instituinte de todos os cidadãos e cidadãs e que favoreça com que a educação democrática seja reconfigurada sob novas bases. Distanciando-se da possibilidade de reduzir a educação democrática a uma doutrina, uma organização institucional e de práticas pedagógicas, os pensadores franceses defendem que “a originalidade de uma educação democrática, por conseguinte, é permitir que alunos e estudantes façam a experiência da autonomia individual e do autogoverno coletivo”.

Inspirados em autores distintos e importantes, como Cornelius Castoriadis e John Dewey, Laval e Vergne oferecem-nos a significativa reflexão que apresentamos a seguir.

A tarefa da educação democrática não é, portanto, somente fazer com que cada indivíduo se sinta membro de um grupo para com o qual tem obrigações, mas também ensiná-lo a tornar-se um participante ativo na determinação coletiva das regras da vida em comum, e mais geralmente, um participante ativo da vida social e cultural, da sua renovação e da sua criatividade (p. 24).

Oferecendo novos caminhos para a autonomia individual e para o autogoverno coletivo, visando a construção de uma democracia social e ecológica, o livro dos pensadores franceses vem carregado de significativas proposições. Consideramos valiosa a preocupação de Laval e Vergne em reiterar a pertinência de um reposicionamento político e epistemológico da educação, deslocando-a do “imaginário industrialista e produtivista” que se tornou hegemônico no decorrer do último século. Para que a educação possa se constituir em um ‘bem comum’, efetivamente, faz-se necessário abrir espaços para uma outra concepção da instituição: autogovernada pelos coparticipantes e regida por princípios coletivos. Em outras palavras, não se trata de reforma ou inovação (palavras mágicas do imaginário neoliberal); mas de uma aposta em “práticas alteradoras”, que seriam apoiadas por coletivos de professores e pesquisadores. De modo sistemático, afirmam que “a instituição democrática da educação não se proclama, ela se realiza praticamente nas lutas e nas experimentações”. Para a realização destas lutas e experimentações, os pensadores franceses oferecem cinco princípios para nossa reflexão, princípios estes destinados à preparação da educação democrática do amanhã. De modo breve, comentaremos cada um dos cinco princípios.

O primeiro princípio refere-se à liberdade de pensamento, isto é, “a escola deve estar inteiramente emancipada dos poderes que até agora buscaram subjugá-la e instrumentalizá-la, sejam religiões, governos ou empresas capitalistas”. A educação democrática requer liberdade: na educação das crianças pequenas até a universidade. O livro de Laval e Vergne, em torno deste princípio, considera como uma finalidade pública da escolarização a garantia da liberdade no ensinar e no aprender e o acesso universal aos conhecimentos, posicionados como um bem comum. Ainda merece ser enaltecida a sua preocupação em justapor liberdade e racionalidade, uma vez que seria “um erro pensar que uma escola democrática deva adaptar-se ao estado das opiniões, aos modos e aos costumes sob o pretexto de que são populares”.

Em continuidade, o segundo princípio apresentado é a busca da igualdade no acesso à cultura e ao conhecimento. Expressam uma defesa de duas lutas importantes: por um lado, uma ação no âmbito escolar; por outro, a retomada da questão no âmbito social e político. Essa retomada da questão da igualdade implica no enfrentamento dos desníveis entre os estabelecimentos de ensino e entre os indivíduos no acesso e na relação com os saberes. Implica também no reconhecimento de que as desigualdades são multidimensionais e que falsas respostas tem se popularizado nas falas dos professores como a medicalização ou a psicologização. Construir uma nova pedagogia da igualdade, de acordo com a proposição dos pensadores franceses, requer que enfrentemos o excesso de individualização e seus paradoxos na escola contemporânea.

Como o terceiro princípio para as práticas alteradoras na escola, os pensadores franceses advogam pela “implementação de uma cultura comum”. Distanciando-se dos dogmas atuais das políticas neoliberais (base comum, conteúdos mínimos ou patamar de competências, por exemplo), ou mesmo de apostas progressistas centradas na diferenciação, Laval e Vergne consideram a importância de uma cultura comum para a democracia. O desafio seria a escolha de conteúdos que favoreçam experiências compartilhadas e responsáveis com o futuro da Terra. Essas escolhas não seriam reduzidas a demandas individuais, uma vez que a responsabilidade pelo mundo seria compartilhada. Segue um pequeno excerto em que os pesquisadores descrevem um pouco mais essa cultura comum.

A questão é, portanto, de saber que conteúdos culturais uma democracia deve transmitir por meio da educação para que ela seja a mais realizada possível, ou seja, para que os indivíduos que a fazem viver sejam realmente iguais em todos os domínios da existência, livres em seus julgamentos políticos e éticos, ativos na cooperação social e econômica, responsáveis pelo vínculo com as espécies não humanas e com a Terra (p. 125).

A definição de uma pedagogia instituinte é o quarto princípio apresentado na obra. Os pensadores franceses convidam-nos a reingressar no estudo das teorias educacionais, para além da denúncia da escola tradicional e seus métodos disciplinares. Por meio de uma releitura de autores clássicos como Freinet, Makarenko, Dewey, Freire e outros, apresentam caminhos para a compreensão de aspectos fundamentais nestas distintas tradições: como o clima democrático na aula, o diálogo e as novas formas de autoridade ou a valorização das vozes dos estudantes. Em uma retomada do debate construído por Laval e Vergne, podemos sintetizar que “a autonomia intelectual e a prática do autogoverno coletivo pressupõem uma mesma atividade reflexiva, questionadora e deliberativa, que constitui a coerência dessa pedagogia instituinte” (p. 194).

Para finalizar, vamos ao quinto princípio destacado pelos autores: o autogoverno das instituições de conhecimento. Defendem com isso que “todo estabelecimento escolar e universitário deve ser regido por princípios realmente democráticos, ao contrário do atual reforço da hierarquia e da burocracia central” (p. 31). A realização desse princípio encaminha-nos para pensar não somente novas práticas organizativas, mas também os próprios espaços e tempos das escolas e das universidades na direção de um comum educacional. O autogoverno, encarregado do bem-estar e do bem viver da população, seria agenciado em práticas coletivas que envolvessem associações, coletivos, sindicatos e diferentes atores políticos interessados na educação democrática. Mas, por que, atribuir centralidade à instituição da educação como um bem comum? De acordo com os pensadores franceses, “por que a experiência concreta da democracia nas instituições educativas é uma das condições para que se expanda e se desenvolva na sociedade uma cultura democrática e ecológica indispensável nos anos e décadas vindouros” (p. 242).

Laval e Vergne não oferecem receitas ou soluções; mas, o livro aqui comentado proporciona um roteiro de reflexão e ação criativa para a educação democrática neste século. Seja por meio de um desejo compartilhado de saber, seja pela via do comum educacional, a luta por uma outra escola requer educadores democráticos e comunidades instituintes de novas relações (sociais e pedagógicas). Esta obra é um permanente convite - corajoso e esperançoso - para a construção de novos horizontes e outras experiências formativas nas brechas do presente. Recorrendo a André Gorz, que nos serviu de epígrafe e recorrentemente foi citado pelos autores, “devemos aprender a discernir as oportunidades não realizadas que estão adormecidas nos recessos do presente”. Recomendamos fortemente esta obra aos leitores e leitores de nosso país!

REFERÊNCIA

LAVAL, Christian; VERGNE, Francis. Educação democrática: a revolução escolar iminente. Petrópolis: Vozes, 2023.



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