Marcela Gómez Sollano e Martha Corenstein Zaslav têm se dedicado a aportar conceitual e metodologicamente a educação e a pedagogia latino-americana, a partir da sistematização e análise de experiências concretas. Como integrantes e responsáveis pelo Programa APPeAL- México, vinculado ao Programa de Posgrado en Pedagogía e à Facultad de Filosofía y Letras da Universidad Nacional Autónoma de México (Unam), têm desenvolvido projetos de pesquisas que abrigam a categoria “alternativa” para problematizar o apagamento ou o ocultamento de sujeitos, saberes e práticas pela ideia e concepção de “modelo pedagógico”, ao longo do processo histórico da/na região.

Conforme Adriana Puiggrós (2003), integrante e colega das referidas pesquisadoras no Programa APPeAL-Argentina, a categoria “alternativa” vem possibilitando a reinserção de sujeitos diversos, com seus discursos e suas práticas, em um movimento próprio da história da educação latino-americana. Para a análise de “alternativas”, as pesquisadoras deste Programa levaram em consideração alguns desdobramentos conceituais: educador-educando; modelo político-acadêmico; fundamentos político-ideológicos; e, transcendência (GÓMEZ SOLLANO e CORENSTEIN ZASLAV, 2017). Tal desdobramento buscava situar as experiências concretas na luta pela construção de hegemonia, de modo que a própria compreensão de “transformação” - como visão fechada, curta e absoluta, desse lugar para a de processos contínuos e descontínuos das próprias alternativas. Assim, foi na apropriação e ressignificação conceitual que “sujeitos pedagógicos” foi debatido como categoria de análise, não apenas como mediação entre educador/a-educando/a, mas como expressão de posicionamento políticos, sociais, culturais e ideológicos.

Dessa maneira, o Programa APPeAL vem construindo uma dinâmica de aprofundamento e de complexificação de seus referentes de análises. “Alternativa” passou, então, a ser caracterizada

cuanto a problemática a la que responden; a las finalidades, fundamentos teóricos y metodológicos con los que operan; a los sujetos que las producen y a los que forman; al contexto, condiciones y tramas sociales en que se inscriben; a los saberes, prácticas y discursos que producen, circulan y se apropian; y a los proyectos o imágenes de futuro que construyen. (GÓMEZ SOLLANO e CORENSTEIN ZASLAV, 2017, p.24).

Além disso, vem considerando que “alternativa” se fundamenta em um projeto de longo prazo e amplo alcance, gerando significados compartilhados, já que emerge das necessidades, das experiências e expectativas dos sujeitos pedagógicos envolvidos nas experiências.

Essa edição da Reflexão e Ação dá continuidade às discussões publicadas no dossiê “Alternativas Pedagógicas e Prospectivas Educativas na América Latina” (v. 30, n. 3, 2022). Ou seja, volta a apresentar experiências educacionais e pedagógicas situadas, vivenciadas, sentidas e problematizadas em/sobre “nossa América”, sob a organização das professoras-pesquisadoras Marcela Gómez Sollano, da Universidad Nacional Autónoma de México (Unam) e Lia Pinheiro Barbosa, da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Como é de conhecimento, ambas participam ativamente do Programa Alternativas Pedagógicas y Prospectiva Educativa en América Latina (APPeAL) que oferece sentido e significado político-educacional à uma rede de pesquisadores e de pesquisadoras vinculadas a diferentes Instituições de Ensino Superior da Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia, além do México e do Brasil.

Sugerimos a leitura da apresentação do Dossiê, dos artigos que o compõem, além do conjunto de textos que recebemos continuamente para avaliação. O leitor e a leitora da Reflexão e Ação já conhece a estrutura do nosso periódico e, por isso, encontrará, ao final das seções, uma resenha de autoria de Denise Madeira de Castro Silva, Joice Lamperti e Aline Schuck, pesquisadoras da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) sobre o livro “Sistema Educativo Mundial: ensaio sobre a regulação transnacional educacional”, obra de Joaquim Azevedo, professor catedrático da Universidade Católica Portuguesa (UCP).

Na seção de artigos de fluxo contínuo, publicamos seis textos de pesquisadores e pesquisadoras brasileiras vinculadas a universidades de diferentes regiões do país. Assim, iniciamos com o artigo intitulado “Da escola para a prisão: uma revisão sobre as relações entre encarceramento, fracasso escolar e racismo” de Sérgio César da Fonseca, Rafael Sanchez Luperini e Débora Cristina Piotto, da Universidade de São Paulo (USP). Autores e autora apresentam como objetivo: analisar se as temáticas do encarceramento, racismo e fracasso escolar são abordadas de forma inter-relacionadas na área da Educação. Para isso, realizaram um levantamento nas bases de dados Scopus, SciELO, Web of Science e a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações. Os resultados mostraram que no Brasil inexistem trabalhos que correlacionam simultaneamente as três temáticas, diferentemente do encontrado nas bases de dados internacionais.

“‘Uma escola com princípios sólidos, gera contentamento’: moralidades e produção de subjetividades” é um artigo que tem como objetivo: mostrar como os professores/as entendem as moralidades presentes na escola e suas implicações nos processos de subjetivação dos alunos/as. Trata-se de um texto de autoria de Sirley Lizott Tedeschi, pesquisadora da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) que, a partir de uma perspectiva pós-estruturalista, indica que ainda circulam na escola valores que se colocam como universais, naturais e absolutos. E, conclui que a moralidade se constitui em um dispositivo de homogeneização dos processos de subjetivação, reforçando os estereótipos e subalternizando outras subjetividades.

O terceiro artigo publicado, nesta seção, é de autoria de Albert Cordeiro, pesquisador da Universidade Federal do Amapá (Unifap) e tem como título “HIP HOP e Pedagogias Decoloniais: a História de Vida de um rapper e professor afroamazônico”. Nele, o ator debate as potencialidades do hip hop enquanto instrumento educativo que auxilia na desconstrução dos sistemas de opressão instaurados a partir do colonialismo. Para tanto, analisa-se a história de vida de um rapper e professor de sociologia da educação básica.

Em seguida, é possível acessar o artigo intitulado “A produção da cachaça artesanal e o ensino de Ciências na Educação do Campo” de Magno Rodrigues Santos, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Wilson Elmer Nascimento, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Camila Lima Miranda, também da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Ao apontar as possibilidades pedagógicas na produção tradicional da cachaça, a partir de uma perspectiva dialógica da Ciência, Tecnologia e Sociedade, valorizam-se as práticas socioculturais e a emancipação humana. Autores e autora identificam a contribuição para o desenvolvimento de um ensino de ciências crítico e reflexivo, na perspectiva da Educação do Campo.

Bárbara Macedo e Adolfo Ramos Lamar, ambos vinculados à Universidade Regional de Blumenau (FURB), são autores do artigo “A Pedagogia das Competências no Brasil e no México: o Global X Local a partir da Teoria Decolonial”. Apresentam como objetivo: comparar e contrastar as tensões entre global e local na Pedagogia das Competências, tanto no Brasil quanto no México, utilizando-se da Teoria Decolonial como perspectiva teórica. Os dados foram gerados através da análise bibliográfica e documental e concluiu que educação tecnicista “molda” para o mercado.

O artigo “Decolonialidade e Estudos de Caso: articulações teórico-metodológicas” analisa a relação entre estudo de caso e decolonialidade na pesquisa qualitativa em educação, sobretudo no campo das políticas educacionais. Gabriel Santana, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Patrícia Barbosa Pereira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Alice Miriam Happ Botler, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) destacam o papel da observação etnográfica nos estudos de caso e sua potencialidade de articulação à decolonialidade, ou seja, enquanto articulação estratégica.

Por fim, “Educação e Pedagogia Socialista Soviética na escola dos Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra” de autoria de Vanderlei Amboni, pesquisador da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), tem como objetivo: refletir sobre os fundamentos do trabalho na organização da escola do MST, cujos pilares são a luta por terra, reforma agrária e transformação social. A análise documental revelou que o MST está criando em suas áreas de assentamento e de acampamento o modo de produção particular.

Com essa breve apresentação, reiteramos nossos agradecimentos às organizadoras desse segundo dossiê e à todas autoras e autores que contribuíram para que essa edição fosse possível. Convidamos à que todos/as consultem a edição que antecede a essa para poder ler os artigos selecionados para comporem o dossiê, bem como os de fluxo contínuo. Além disso, instigamos a realizar um percurso com Marcela Gómez Sollano e Lia Pinheiro Barbosa em diálogo com Adriana Puiggrós, em uma entrevista publicada em duas partes: “compartilhar um espaço de diálogo e uma atividade bem latino-americana”.

Desejamos uma boa leitura a todos/as/es.

REFERÊNCIAS

1. GÓMEZ SOLLANO, Marcela; CORENSTEIN ZASLAV, Martha. Referentes para pensar la relación entre saberes, sujetos y alternativas pedagógicas. Dimensiones de análisis y categorías intermedias. In: GÓMEZ SOLLANO, Marcela; CORENSTEIN ZASLAV, Martha. (coord.). Saberes, sujetos y alternativas pedagógicas. Contextos, conceptos y experiencias. Ciudad de México, Mx: Newton Edición y Tecnología Educativa, Universidad Nacional Autónoma de México, 2017, pp.21-40.

2. PUIGGRÓS, Adriana. Las alternativas pedagógicas y los sujetos. Reflexión crítica sobre el marco teórico de APPeAL. In: PUIGGRÓS, Adriana; GÓMEZ SOLLANO, Marcela. (coord.). Alternativas pedagógicas. Sujetos y prospectiva de la educación latinoamericana. Buenos Aires, Ar: Instituto de Investigaciones en Ciencia de la Educación-Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires, 2003, pp.95-121.