Entrevista

Recepción: 03 Septiembre 2023
Aprobación: 03 Septiembre 2023

A amplitude, rigor e transcendência das suas produções mostram uma gama diversificada de livros, capítulos e artigos da sua autoria de comprovado impacto teórico e político, ao vincular a dimensão histórico-social com as problemáticas atuais dos sistemas educativos da América Latina e do Caribe. Títulos como Imperialismo y educación en América Latina (1980, 2015); La educación popular en América Latina. Orígenes, tendencias y perspectivas (1984, 1997 y 2016), derivados de sua dissertação de mestrado e tese de doutorado, inicialmente publicados no México, contam com várias reedições. A primeira delas foi editada na língua inglesa com o título Neoliberalism and Education in Latin America (1999).
Também são dignos de destaque as obras Democracia y autoritarismo en la educación argentina y latinoamericana (1986, 1989, 1991); Discusiones sobre educación y política (1987); Imaginación y crisis en la educación latinoamericana (1990, 1994); América Latina: crisis y prospectivas de la educación (1990); Crisis y educación popular (1992); Universidad, proyecto generacional e imaginario pedagógico (1993); La educación de nuestros hijos y el futuro (1994); Volver a educar. El desafío de la enseñanza argentina a finales del siglo XX (1995 y en portugués, 1997); Qué pasó en la educación argentina. De la conquista al menemismo (1996); La otra Reforma. Desde la educación menemista al fin de siglo (1997); Educar, entre el acuerdo y la libertad (1999); El lugar del saber (2003); De Simón Rodríguez a Paulo Freire, educación para la integración latinoamericana (2005, texto que la República de Venezuela distribuyó a más de cinco mil docentes); La tremenda sugestión de pensar que no es posible (2010). La escuela, plataforma de la patria (2019).
Essa vasta publicação apresenta não só o potencial teórico-analítico da produção intelectual de Puiggrós, como também as bases que ela construiu para a geração de programas e políticas públicas alternativas. Uma referência fundamental para o estudo e a investigação pedagógica são os nove volumes do Historia de la Educación en la Argentina, de 1990 a 1997, e 2021, publicado pela editora Galerna, que foram o resultado de um importante projeto de pesquisa coletiva que Adriana Puiggrós coordenou e no qual participaram pesquisadoras e pesquisadores de várias instituições e áreas de conhecimento do país sul-americano. Além de ser um trabalho fundacional, esboça em suas páginas uma proposta teórica, epistemológica e metodológica para pensar a complexidade e a particularidade da educação, a partir de questões que vinculam a história com a prospectiva, o local com o global, os sujeitos com as instituições, o currículo com a política. O apreço por sua trajetória e compromisso está expresso nos importantes reconhecimentos que várias organizações e organismos internacionais lhe deram, tais como o Prêmio de Memoria y Pensamiento Iberoamericano 2004, outorgado pela Organización Internacional del Convenio Andrés Bello; a Menção Especial às intelectuais destacadas em Humanidades da Fundação Konex, em 1996; a Bolsa de Pesquisa John Simon Guggenheim Memorial Foundation, em 1991; o Prêmio de Producción Científica y Tecnológica da Universidad de Buenos Aires (UBA); o Reconhecimento ao “Mérito Educativo” da Universidad Mayor de San Andrés, de La Paz, Bolivia; o Prêmio “Grandes Maestros” outorgado pela UBA, o Prêmio Democracia a la Educación da Fundación Caras y Caretas de Buenos Aires, o Reconhecimento da Escuela de Altos Estudios da Facultad de Filosofía y Letras da UNAM e o Título de Doutor Honoris Causa da Universidad de la Plata . de Tucumán, Argentina.
Foi assim que apresentamos sua obra e contribuições para a educação latino-americana, na primeira parte da entrevista publicada no v.30, n.3, set./dez. 2022; e, agora, reiteramos tais característica de Adriana Puiggrós aos/às leitores/as da reflexão e Ação, nesta sequencia do diálogo realizada on-line em abril de 2022.
ENTREVISTA COM A ADRIANA PUIGGRÓS. SEXTA-FEIRA 22 DE ABRIL DE 2022
Lia Pinheiro Barbosa: Estávamos ouvindo atentamente, pensando em toda essa emocionante trajetória (latino-americana), de um debate fundamental acerca do papel político e histórico da educação e da pedagogia, sobretudo na construção de um ideário dentro de nossas sociedades. E pensamos que, dentro desse processo, o Programa Alternativas Pedagógicas e Prospectiva Educativa na América Latina (APPeAL), com mais de quatro décadas de existência, também se insere nesse debate coletivo, com um profundo arraigo de reflexão crítica sobre o que representa essa trajetória historiográfica, bem como uma política do educativo ou a educação como um fato político, no sentido teórico-analítico de Paulo Freire. Portanto, também será importante refletir contigo, Adriana, sobre quais foram, desde tua perspectiva, as principais contribuições do Programa APPeAL em termos de pensar e elaborar uma concepção pedagógica, a própria concepção de “alternativa”, enquanto eixo estruturante do pedagógico, do educativo e, também, da formação de um sujeito pedagógico. Seria possível situar estes elementos para nós?
Adriana Puiggrós: Olhe, eu acho que o lugar do sujeito, o lugar onde nos posicionamos é muito importante e APPeAL, desde o primeiro momento, e lembro-me do verdadeiro primeiro momento, que é quando estávamos definindo, com Marcela Sollano e alguns outros colegas...mas aquele primeiro momento com Marcela, desenhando o que seria um programa, um programa de reunião. Não sabíamos, então, que iria durar mais de 40 anos e talvez muito mais; sabíamos que estávamos desenhando um programa, e que naquela época estava na moda, e então se tornou estrutural, pedindo subsídios a organizações internacionais.
E nós dissemos: vejamos, tivemos a intuição de que um dos subsídios, digamos, não é que somos contra alguém que ajuda e financia algo, algumas das pesquisas que fazemos na condição de que eles não nos façam mudar nossos princípios e ideias, certo? E não nos censure, vou colocar as coisas desta maneira. Não é que sejamos contra, mas sentimos que era importante fortalecer nossas universidades públicas. E talvez, com o passar do tempo, com o apoio de alguns dos países que participam da APPeAL, com o apoio de algumas universidades, algumas universidades privadas, mas localizadas no campo democrático, mas naquela época dissemos isso, sobretudo para os que eram pesquisadores, não? Que vivem de seus salários como pesquisadores e subsídios de universidades públicas, o que nos dá a base para o trabalho no Programa APPeAL. Estávamos naquele lugar, e acho que isso foi importante porque considero que esse é um dos segredos de porquê o APPeAL continua, certo? E não depende do fato de que depois de amanhã o subsídio acabe e o relatório tenha que ser entregue, certo? Tem seu próprio ritmo, sua própria vida.
O APPeAL não é um Programa com um grande número de pesquisadores, mas é um Programa muito bem estabelecido. E, digamos, também não depende de nenhum governo, mas tem sua própria linha, certo? Tem seu próprio apoio nos grupos, em grupos que têm ideias bastante claras. Não significa que sempre pensamos tudo, tudo igual, mas que dentro de uma discussão existem muitas categorias, algumas das quais são compreendidas, e muitas outras que estamos desenvolvendo e que, digamos, o importante é que a discussão seja sustentada. Portanto, acho que APPeAL, durante estes anos, contribuiu com uma visão, com uma forma de discutir a Educação Popular que é uma forma, deixe-me dizer de forma enfática sem incorrer ao autorreferencial: parece-me que não é que escolhemos um modelo dentro da Educação Popular e o defendemos, mas que nos abrimos, utilizamos a categoria “alternativas” porque, naquele momento de fundação, houve também uma discussão sobre o que é a Educação Popular. Como se pudéssemos defini-lo, colocá-lo no dicionário e depois fechá-lo. Mas, ao contrário, a ideia era abrir, abrir e ouvir o que outros, em diferentes países da América Latina, mencionaram como alternativas, como a Educação Popular. E não para descartá-la, para escutá-lo, para ouvir o que é. E o que percebemos foi que havia aqueles que mencionavam a Educação de Adultos como Educação Popular, e nada mais. E, curiosamente, aqueles que mencionaram apenas a Educação de Adultos, tomaram Freire fortemente. Eu quase diria em uma apropriação de Paulo Freire e restringiram a Freire. Acontece, então, que a educação dos povos indígenas não foi considerada Educação Popular, se não foi das crianças, das crianças dos povos indígenas, para dar esse exemplo, certo? Ou a educação dos movimentos populares da época, especialmente os movimentos de organizações políticas na América Central e muitas organizações políticas com os militares e que não era considerada Educação Popular. Então, foi aí que marcamos e dissemos: “bem, há aqui um espectro que tem a ver com a alternativa”, certo? E não podemos elaborar uma definição fechada de alternativa como isto, isto e isto. Ao contrário, é um campo, sim, que marca um conjunto de lutas que buscam uma nova educação, uma educação em que o sujeito - sim, aqui volto para Simón Rodríguez e também para Paulo Freire - onde o sujeito central é o povo, e termino lá, o povo [risos]. Digo isto porque é um trabalho em que a história tem uma forte influência, onde os acontecimentos históricos têm uma forte influência, tanto em termos de pensamento sobre a história como, por esta razão, a história, a historiografia, teve uma forte presença no APPeAL, certo? Assim como para marcar, para falar sobre as políticas atuais ou para pensar sobre o inédito viável. Vamos ver o que não foi feito e ainda é viável, o que não fizemos e ainda é viável, o que não é viável, o que imaginamos e ainda não é viável? Mas o que imaginamos não é viável hoje, talvez seja viável no futuro, sim?
Isto é, que muitas vezes, digamos, imaginam-se situações e imaginem-se possibilidades, estratégias, categorias que não são viáveis, mas isso não significa que sejam descartáveis. Ou seja, em qualquer caso, diz-se “bem, vamos ver, eu pensei isso, hoje não é possível, mas talvez em outro momento seja”, certo? Portanto, digamos, parece-me que o APPeAL contribui nesse sentido. Em outras palavras, a liberdade de pensar, de imaginar, de propor é uma característica do Programa APPeAL. A outra questão que não quero esquecer, porque é muito importante, é esta tendência do APPeAL que, ao longo dos anos, com passos muito cautelosos, tem sido instalado em lugares muito diversos na América Latina. Marcela, você e eu não imaginávamos no início que poderia haver isso, ao contrário, naquela época havia ditaduras, estávamos em tempos de ditaduras latino- americanas planejadas, mas a verdade é que nunca teríamos imaginado, isto é, que tantas décadas depois, o Programa APPeAL se tornaria realidade em seis países (México, Argentina, Colômbia, Chile, Brasil e Uruguai). Hoje estamos em seis países. E em alguns países como a Argentina, como o Brasil, em dois, três lugares dentro de cada país, então, digamos, eu acho isso muito marcante. Olhe a experiência da cátedra APPeAL na Universidade de La Plata, na Argentina, certo? Está apenas começando, e nunca é fácil ter dois lugares, mas, digamos, decolou. É como se você colocasse a semente e ela descolasse e, então, veremos como ela cresce, como continua, e assim por diante. Então, acho isso muito marcante, vocês não acham? Esta capacidade de, estou procurando a palavra porque não é para reproduzir, de modo algum, é para reproduzir o APPeAL, mas para motivar. Motivar, sim, grupos que estão incorporados em outros países, e que, sobretudo, que ratificam o caráter latino-americanista e latino-americano do que estamos fazendo. Você sabe que estou escrevendo tudo o que estou dizendo, está me custando uma quantidade terrível de trabalho, e eu o digo, você sabe por quê? Porque as categorias não são suficientes, e que há uma, além disso, eu uso autores diferentes porque me parece que estamos em um momento em que o pós-marxismo e o pós-estruturalismo já deram seus frutos, e ainda não há outro pensamento, sim, que realmente nos permita, bem, as categorias são temporárias, certo? Não se pega o que Nietzsche disse e diz “olha o que Nietzsche diz no início do século, do século 20”, ou seja, Nietzsche, pelo amor de Deus! Entretanto, retiro esta categoria do contexto e posso usá-la no momento. Mas, digamos, não estamos em um eixo. Então, o que eu quero dizer é que existe uma espécie de salada de categorias nesta era, onde usamos uma e outra, e não existem, não existem teorias suficientes, existem? Em particular, em matéria pedagógica, existem, obviamente. Se se toma o assunto de, digamos, linhas psicopedagógicas de pensamento, psicologia, etc., toma-se campos específicos e lá se encontram categorias. Mas, digamos, do campo democrático popular... é fácil de criticar. Há um pensamento crítico. Vamos aos reprodutivistas ou vamos às discussões internas para as coisas do marxismo ou dos pós-marxistas ou o que quer que seja.
Mas, quero dizer, tenho feito muitas pesquisas após a pandemia, de Zizek a Agamben, a Agamben e a discussão com Negri, e assim por diante. Mas, digamos, não sei, diante da pandemia todos ficaram chocados, ou seja, desde Zizek que disse, no início de 2020 que tinha um pensamento completamente pessimista, até Agamben, que disse que “nada estava acontecendo”, que o vírus não existia. Foi isso que ele disse, certo? E, francamente, não consigo encontrá-lo. E enquanto isso, as fundações avançam e avançam, e ocupam todo o espaço.
O QUE SE VÊ É UM AVANÇO IMPRESSIONANTE DAS FUNDAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO PÚBLICA
Estamos fazendo uma pesquisa que acabamos de concluir. Será publicado em breve. Uma investigação no CTERA, pela equipe do instituto de pesquisa CTERA, sobre o impacto, a primeira parte já foi publicada, que é o impacto da pandemia em vários países da América Latina. É uma pesquisa já feita para a “internacional da educação” e você pode baixá-la, está no site da Internacional de la Educación1. Parece-me que ela é mais extensa no site do CTERA e no livreto publicado pelo CTERA. Mas, agora, o que acabamos de terminar esta semana2 é sobre o impacto da pandemia na Argentina, com três pontos principais: o primeiro é o que os governos fizeram; o que o governo fez e o que os governos das províncias fizeram; o segundo eixo é como o setor privado avançou. Muito bom, muito bom. As informações disponíveis são muito boas. É assustador! E o terceiro é como isso afetou os professores. E fizemos isso com uma equipe de 10 estados durante o último ano e meio.3 Eu estava encarregada de assessorá-los e isso é bom. Então, o que vemos é um avanço impressionante das fundações sobre a educação pública que explica muito sobre a posição da direita, a defesa da educação pública contra a suspensão das aulas, que ocorreu em muitos países onde se disse “bem, agora o que está acontecendo com a direita?”; “O que acontece com as mesmas vozes que são contra a educação pública e que promovem o avanço das fundações, da educação privada, etc.?”
Na Argentina, a bandeira da presencialidade foi a bandeira mais importante contra o governo e acho que foi um fator importante na perda das eleições legislativas. Então, a verdade é que aqueles entre nós que disseram que a saúde vem primeiro, ou seja, para que haja educação, primeiro a saúde; primeiro para que os estudantes estejam vivos e saudáveis, caso contrário, não! Os que dissemos isto, de repente descobrimos que éramos como, parecemos ser como, os inimigos da escola, certo? Então, observe como o neoliberalismo se move rapidamente de uma categoria para outra, ele usa nossos argumentos. Como pode ser que a educação pública esteja nas mãos da direita? Exceto os ultraliberais, que são a favor da liberdade de tudo, contra qualquer instituição, e assim por diante. O neoliberalismo, que pode tomar todo o poder na Argentina, não quero dizer, que não tem poder no momento, mas, quero dizer, pode tomar todo o poder se Macri ganhar novamente, sim? Esse neoliberalismo, o neoliberalismo que é contra López Obrador e que não é a ultradireita, certo? O neoliberalismo fala de educação pública, nos retira a bandeira da desigualdade. Mas o que está acontecendo? O avanço das empresas e fundações dentro da educação pública, pelo menos em termos da pesquisa que estamos fazendo, é enorme, não é mesmo?
Eu estava vendo ontem que, além disso, como isto não começou agora. Eu estava vendo que a Fundação Júnior Achievement é uma fundação que está dentro das mesmas escolas desde 1991, assim como a Monsanto, certo? A Monsanto aliada a estes tratores que estão avançando hoje, hoje! 22 de abril de 2022, eles estão avançando na Plaza de Mayo, na Argentina, com seus tratores, certo? Ou seja, as fundações destes senhores estão na educação pública. Eles são aliados da Monsanto. A Monsanto distribui materiais há anos e há anos vem tentando tirá-los da educação pública em muitos estados. Houve estados que não o fizeram, houve estados que os receberam e eles ainda estão lá. Então, uma das coisas que vimos foi como a urgência de ter a educação virtual penetrou nos vários estados e, sim, isso também está na pesquisa latino-americana, muitos governos latino-americanos e muitos estados ou províncias, sim, correu para o Google Class, que é o mais difundido, não é mesmo? O Google Class é o mais difundido. Na verdade, todos os programas do Google chegaram e estão instalados. Como você os tira de lá agora? Porque não se trata apenas, digamos, das circunstâncias de instalação, certo, que você pode até mesmo compreender. Na época em que não havia nada! O que não se entende é por que, o que não se aceita, é por que não, por que os governos latino-americanos não estendem as redes de fibra ótica em profundidade? Por que eles não dão computadores? É aqui que a gente argumenta: mas como pode isso acontecer? Portanto, é claro, eles fogem e contratam o Google Class. Agora, uma vez contratado o Google Class, esta é uma linguagem, esta é uma tecnologia da qual vem outra tecnologia, e outra tecnologia. Como você sai desta armadilha? Não é apenas uma mudança de governo nacional, não é apenas isso, é amanhã que o Bolsonaro4 sai, mas deve haver mais de um estado no Brasil que continuará a ter essa fundação lá e isso vale para todos os países da América Latina. A Colômbia, nem se diga.
A DISPERSÃO DOS SUJEITOS DO CAMPO POLÍTICO-PEDAGÓGICO NA AMÉRICA LATINA
Marcela Sollano: É muito delicado. As corporações e estas lógicas de pensamento, o algoritmo é uma racionalidade, é uma forma de pensamento e está em ação, que pode desmantelar a cena pedagógica, em uma dispersão, digamos assim, em um contexto de tsunami neoliberal. Há algumas questões que devem ser analisadas no conjunto da trama e não de forma isolada. Poderia apresentar alguns eixos de reflexão a respeito?
Adriana Puiggrós: Bem, por onde começo? A primeira questão é que hoje não podemos falar de um sujeito latino-americano, nem podemos falar de um sujeito, um sujeito da Educação Popular, ou um sujeito democrático popular nos países. Não podemos falar de um “povo”. É uma abstração porque precisamente, e aqui, bem, não há outra maneira senão recorrer sempre à Gramsci, não é mesmo? Bem, digamos, as pessoas não estão no poder porque estão dispersas. No dia que sei, sim, se não estivessem dispersos, estariam no poder, não estariam? Isto quer dizer que isto parece muito elementar, mas muito já foi dito. Ontem havia, na cidade de Buenos Aires, na Plaza de Mayo, um grupo que tinha reunido ambientalistas, mas eles não eram desse grupo, mas felizmente porque tinham se reunido intelectuais muito importantes e vários lutadores sociais. Pessoas interessadas, defendendo o rio Paraná, porque viram que existe todo um tipo de, bem, o rio Paraná é privatizado, os portos também. É muito grave. Muito grave. E se articulam com o Brasil, com o Paraguai. É gravíssimo. E, então, há todo um movimento em defesa do Rio Paraná. E a defesa da soberania, da soberania latino-americana, bem. Esta luta tem, digamos, 150 anos de idade, remonta ao tempo de Rosas5.A defesa dos rios interiores é a porta de entrada para a América Latina. Mas meu ponto é que, em outro lugar, houve uma manifestação, uma marcha de povos nativos. Muito forte. Em outro lugar na Plaza de Mayo havia outra tenda de outros povos originários. Em outro lugar, havia um grupo de feministas que estavam presentes por questões de direitos humanos e assim por diante. E houve também outra marcha em frente ao Ministério do Desenvolvimento Social, das organizações sociais dos desempregados ou dos setores que estão desempregados, certo? Todos eles estavam dispersos. Pareceu-me ser uma fotografia, certo? De muitas situações na América Latina. Então, isto é algo básico, certo? Ou seja, parece-me que o fato da reivindicação, tomemos um exemplo, a reivindicação dos povos indígenas, sim, em toda a América Latina é muito importante porque esta reivindicação é nova para muitos países da América Latina, é nova. E ela emerge e mostra, apresenta situações de opressão que estavam presentes e ocultas. Então, a questão da dispersão dos sujeitos é um problema porque o que está acontecendo é que a tendência dos diferentes sujeitos, quer dizer, indígenas, ambientalistas, mulheres, etc., é desta época, há uma tendência a se fecharem em si mesmos, a apresentarem suas próprias demandas, sim? Ou seja, acima de todos os outros. E a tendência fomentada pelo neoliberalismo é a de evitar, logicamente, que se unam, que formem uma série, que se condensem em um chamado, que se condensem em um, em um problema que têm em comum, porque isso é que é avançar em direção à constituição do famoso sujeito-povo, não é mesmo? Portanto, eu não concordo com a posição decolonial ou descolonial, de acordo com seu termo, radicalizada, sim? E há posições que não concordam porque, vejamos, vamos pegar o problema dos povos indígenas. Do ponto de vista pedagógico, é uma questão de substituir a cultura capitalista e ocidentalizada pelas culturas indígenas? Não. Do meu ponto de vista, não se trata de substituir, mas temos um problema muito difícil porque de que forma se vincula? Por justaposição? Por articulação? De que forma? Este é um trabalho importante do ponto de vista pedagógico, não é? O que fazemos com a medicina, com a medicina dos povos indígenas? Portanto, há toda uma discussão aqui, porque alguns dos povos indígenas, neste caso, estou pensando especificamente em um importante grupo guarani, ou seja, que trabalham para sua própria universidade e que, de nenhuma maneira, querem ser integrados às universidades públicas, esta é uma delas. Houve também um projeto de lei da Alcira Argumedo, uma importante intelectual argentina do campo popular que morreu no ano passado, muito importante, que apresentou um projeto para uma universidade nacional indígena, apenas para os indígenas, com, digamos, filiais em todo o país. E, vejamos, eu não concordo com isso. Em uma discussão, tivemos uma discussão, uma longa discussão, porque, por um lado, eles estão parcialmente certos, por que não, para evitar a assimilação, sim? Mas, por outro lado, o que estávamos dizendo era, bem, vejamos, mas a história está correndo e vivemos em um tempo muito complicado, há enormes poderes, portanto não há leigos nas populações indígenas. Vamos levá-los com todas as nossas forças às universidades públicas e não vamos colocar mais um assunto chamado "saúde, medicina, indígena", "farmacologia indígena", não. Vamos tentar integrar muito mais. Vamos aceitar a farmacologia indígena, certo? Levá-la para nossas farmácias, para ser usada por nossos médicos ocidentais. Não vamos deixá-la isolada, certo? Este é um exemplo de uma questão que não está realmente resolvida, não é mesmo? Provavelmente precisamos fazer muito mais progressos em termos de vínculos, em outras palavras, como o movimento ambiental não pode estar vinculados ao movimento pela soberania sobre o rio Paraná? Digamos, eu sinto que o ambientalismo também tem uma extensão muito mais internacional, certo? Mas a entrada para o Paraná é a entrada para a América Latina. Bem, então, avançando um pouco mais, acredito que a lógica da descolonização é muito importante. Temos que tomar isso, mas com uma visão integradora, integrando os povos, com uma visão de estabelecer laços, com uma visão de articulação, de articular às diversas demandas e, claro, agora vamos colocar isso no cenário da quarta revolução industrial, certo? A quarta revolução industrial, que tem como uma de suas condições, como parece, sim? De um enorme número, uma enorme população do mundo em miséria. Em outras palavras, a maior concentração de riqueza e uma enorme população do mundo na miséria. Portanto, a isto eu acrescentaria que, neste tempo e no curso da história, e a história muda, mas neste tempo, não encontramos em termos gerais uma atitude. Há uma palavra, que eu acho que é proativa, uma atitude, digamos, realmente de luta, de, não, pelo contrário, encontramos mais uma depressão. Então, a pandemia também ajudou a depressão. Este é um triunfo do neoliberalismo. A depressão é um triunfo do neoliberalismo. Bem, e a tudo o que estou dizendo, não quero esquecer de mencionar algo que Marcela estava dizendo, que é, digamos, como o neoliberalismo está se apropriando das diferentes consignas políticas. A questão de gênero é paradigmática. O fato de que agora não só o tema, a presença de mulheres, mas também a diversidade de gêneros está na televisão, está realmente na moda. Eles o transformaram em moda, sim? O que é uma falta de respeito pelos diferentes gêneros, para os gêneros, certo? Portanto, a capacidade do capitalismo de comer tudo, temos que entender isto, comer todas as nossas lutas, nossos lemas políticos, comer tudo. Como saímos agora? Porque agora a questão, a que isto nos leva, é entender como é que estamos dentro, estamos dentro de um sistema no qual geramos lutas, ideias, categorias, propostas, etc., e a tendência mais forte é transformar tudo, cada uma destas coisas em uma mercadoria. Tudo. É vendido e comprado. A grande questão é como sair disso, não é mesmo? Portanto, aí temos respostas muito práticas e respostas muito teóricas. Muito teórico, dizendo, bem, na realidade, é necessário um fator externo, sim, diria Laclau. E um fator externo é necessário. Ou da psicanálise, você precisa um terceiro para intervir. Bem, qual é o fator externo? Como saímos agora? A grande questão é como sair disso, não é mesmo? Portanto, aí temos respostas muito práticas e respostas muito teóricas. Muito teórico, dizendo, bem, na realidade, é necessário um fator externo, sim, diria Laclau. E um fator externo é necessário. Ou da psicanálise, você precisa de uma terceira pessoa para intervir. Bem, qual é o fator externo? É claro que não pode ser necessariamente o fator externo, está no exterior extra-planetário. O fator externo pode ser algo diferente que é gerado por dentro e que se rompe. Vamos ver, isso é diferente, sim? Isso é diferente, não pode ser tecido fora da história. Deixo isso aí como uma dificuldade. Deixo isso como uma pergunta. Se em algo diferente, na medida em que a globalização infelizmente terminou, ela foi concluída, mas foi concluída com a lógica neoliberal, com a lógica do capitalismo, certo? Portanto, hoje vivemos uma guerra inter-capitalista na qual, além disso, de qualquer forma, pelo menos do meu ponto de vista, é muito importante deter o avanço dos Estados Unidos. Os Estados Unidos devem ser detidos, os Estados Unidos devem ser detidos. A OTAN deve ser detida. Não podemos deixar de ver que é uma guerra inter-imperialista que está em curso aqui. E não podemos deixar de ver o que é uma guerra! E a guerra é o fracasso da política.
Do ponto de vista pedagógico, parece-me que o conhecimento do outro é extremamente importante. O conhecimento do outro, o reconhecimento de que existem outros, sim? Ou seja, ouvir os outros. É por isso que depois da pandemia, quando começaram a voltar às escolas, uma coisa que dissemos aos professores foi “escute, pergunte”. Não sei se isto aconteceu em outros lugares da América Latina, mas aqui o sintoma foi o silêncio. Eles não falaram. “...deixe-os falar, deixe-os contar, deixe-os dizer, deixe-os trazer à tona os conhecimentos adquiridos durante estes anos, porque foram anos. Deixe-os misturar, deixe-os misturar no conhecimento, vamos ver o que sai, vamos juntos”, certo? Vamos ver o que sai. Isto é, pedagogicamente, trabalhar em tudo o que ajuda a constituição do povo, o POVO com uma letra maiúscula.
Lia: Pois, Adriana, te escutando, com atenção, isto também significa grandes desafios de reconhecer o outro, mas dentro da diversidade e da unidade na diversidade.
Adriana: Exatamente.
O QUE NOS CARACTERIZA COMO REGIÃO LATINO-AMERICANA. PODERÍAMOS FALAR DE UMA PAIDÉIA LATINO-AMERICANA?
Lia Pinheiro: Pensando nos processos de descolonização, eu estava ouvindo atentamente, e pensava muito em Frantz Fanon e no próprio Paulo Freire, em tecer uma reflexão sobre a descolonização como um profundo processo de libertação, mas libertação do jugo colonial que faz parte de nossa história, do jugo imperialista que faz parte de nossa história. Então, a verdade é que a descolonização faz parte de um grande projeto histórico, da constituição de nossa identidade, Nuestra Americana, como diria José Martí. De nosso próprio pensamento, que foi também o grande ideário de Simón Rodríguez e José Martí, de como ter nossa própria soberania, não só a soberania política, mas também a soberania intelectual como uma região tão importante quanto as outras regiões que compõem o globo, certo? Então, para chegar ao final desta bela entrevista e também pensando na abordagem da revista, gostaria que nos respondesse uma última pergunta: você considera que dentro desta ampla trajetória da pedagogia latino-americana, tanto nas fontes teóricas de todos estes intelectuais e mulheres intelectuais que também participaram, como na própria experiência do povo, esta categoria que também se transmuta nas diferentes lutas de nossos países na defesa da educação, na defesa do pensamento pedagógico, se você considerar que já poderíamos falar de uma Paidéia latino-americana, tanto em relação a um tema pedagógico, como na construção de uma pedagogia latino-americana propriamente dita? Quais reflexões poderia tecer a respeito?
Adriana Puiggrós: Acho que temos que trabalhar para construí-la. Temos que trabalhar para construí-la, mas creio que é legítima. Eu acho que é legítimo. Há muitos, há história, há experiência, sim? Que há representações, há uma narrativa histórica, há muito a fazer, temos que criar uma nova narrativa, certo? Ou seja, pensando numa Paidéia latino-americana, certo, temos que construir uma nova narrativa, a partir da articulação das diferenças, que considero ser uma das características fundamentais de uma narrativa, é aquela que realmente nos permite recuperar a soberania intelectual, não é mesmo? Essa soberania intelectual que, como bem disse Lia, é uma condição para a soberania política, não é? Digamos, então, a soberania política, além disso, a luta pela soberania política implica em ideias, implica em entender o porquê, implica em pensar em estratégias e, acima de tudo, a soberania política não é alcançada por medidas governamentais isoladas. Não se trata de decretos, nem mesmo de leis. Não podemos editar uma lei de soberania política, mas temos que ditar, não é mesmo? Portanto, digamos, a soberania me parece ser o grande chamado neste momento, é o grande chamado. E a partir daí, digamos, muitas outras lutas específicas podem ser deduzidas, certo?
Marcela Sollano: Bem, Adriana, em nome da APPeAL, em nome da Revista Reflexão e Ação, do que em termos de uma história você nos aporta, em um conjunto de aspectos que sem dúvida olham para o futuro com a esperança ativa de que os elementos que reduziram as populações possam ser reinscritos na história, a história dos povos, a história da educação, a história do que une conhecimento e cultura, e cultura com a política, não pode se tornar apenas um ponto de referência para as pedagogias da época, e em particular para as pedagogias que na América Latina apostaram no lugar do outro e que, em termos pedagógicos, supõe uma articulação como operação política e pedagógica com as ideologias que você sintetizou de forma muito rica com as idas e vindas dos tempos, na qual a situação que se está vivendo e enfrentando como humanidade evidencia as injustiças que tem marcado com a pobreza muitos dos nossos povos, porém, apesar disso, sem a impossibilidade de açã.o
Queremos expressar-lhes em nome da Revista Reflexão e Ação, em nome do Progreama APPeAL e em nome das pedagogias de nossa região, não apenas nossa gratidão, mas também a luta que vocês sustentaram, uma luta intelectual, uma luta política, uma luta que mostra que quando há um assunto, há um chamado, e algo está inscrito no registro da política e do político.
Lia Pinheiro: Muito obrigada, Adriana, pela entrevista e o diálogo conosco.
Adriana Puiggrós: Muito obrigado a vocês. Muito obrigado à revista, muito obrigado à APPeAL. Isto é muito o Programa APPeAL. Pensando juntos, porque eu realmente acho que pensamos juntos. Eu também saio com muitas perguntas para pensar. Muito obrigada.
Notas