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Lambert, J. (2023). Translation Ethics. Routledge.
Cadernos de Tradução, vol. 44, no. 1, e95989, 2024
Universidade Federal de Santa Catarina

Resenha

Lambert J. Translation Ethics. 2023. Routledge

Received: 11 July 2024

Revised document received: 22 November 2024

Accepted: 15 October 2024

Published: December 2024

DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2024.e95989

O livro Translation Ethics, de autoria do renomado conferencista Joseph Lambert, da Universidade de Cardiff, é a segunda obra de uma série de livros intitulada “Routledge Introductions to Translation and Interpreting” e editada por Sergey Tyulenev, da Universidade de Durham. Publicado pela Routledge em março de 2023, Translation Ethics emergiu como fruto de um curso ministrado por Lambert e conta com 204 páginas que introduzem, por meio de nove capítulos, a ética na tradução nos seus mais variados aspectos característicos, tendo estudantes, pesquisadores e tradutores profissionais como principal público-alvo.

O referencial teórico do livro é robusto, consistente e fundamentado nos Estudos da Tradução e na Filosofia – mais especificamente na Teoria Moral –, apresentando as principais contribuições da área e alocando a ética como elemento-mor na prática profissional do tradutor, que, por sua vez, é considerado na obra como um agente ativo e interventor no ato de tradução. Cada um dos nove capítulos que compõem o livro apresenta, no início, uma caixa de texto contendo três questionamentos centrais que norteiam o conteúdo exposto no texto, além de conceitos-chave das áreas, pontos de discussão, sugestões de tópicos para futuros trabalhos, apresentações e/ou debates em sala de aula e uma grande variedade de exemplos devidamente contextualizados e estudos de caso. Além disso, a obra também conta com links de acesso a vídeos e demais endereços da web, atividades on-line e apresentações de slides em Power Point presentes no Portal de Estudos da Tradução da Routledge, disponibilizando ao leitor, portanto, um valioso aparato didático-pedagógico que pode ser utilizado nos mais variados âmbitos educacionais.

Na “Introdução” da obra, Lambert traz, de início, algumas considerações acerca dos trabalhos inaugurais sobre a ética nos Estudos da Tradução e da Interpretação, mencionando Mona Baker (1953-) e Christiane Nord (1943-) como duas das principais pesquisadoras responsáveis por introduzir a ética em versões atualizadas de seus trabalhos anteriormente publicados, e discorre, em seguida, sobre os principais assuntos que têm sido debatidos por teóricos nos últimos cinco anos, a exemplo das temáticas da responsabilidade social, da representatividade na tradução e da tradução automática (TA) sustentável. Além disso, o autor expõe que, apesar de os tradutores e intérpretes terem tido suas histórias marcadas pela neutralidade e invisibilidade desde os alvores de suas respectivas profissões, ambos têm se mostrado mais engajados ética e politicamente em seus ofícios, fomentando (direta e indiretamente) novas discussões e debates teóricos acerca da ética como elemento essencial na prática tradutória. Ademais, Lambert reitera que o conteúdo da obra representa uma tentativa de fornecer uma base teórica de forma acessível para estudantes, educadores e profissionais no geral a partir da reunião dos principais tópicos atinentes à questão ética, e, a partir dos conceitos de micro e macroníveis da ética propostos por Andrew Chesterman, o autor passa a dissertar sobre o processo de aprendizado das mais variadas perspectivas do campo da ética, alegando que o agrupamento de termos proposto por Chesterman é um ponto de partida viável para que esse aprendizado ocorra de forma lógica e organizada.

Após apresentar, de forma direta e resumida, os conteúdos gerais de cada um dos nove capítulos que compõem a obra, Lambert dedica, no subtópico intitulado “About this book”, três seções que a delineiam. São elas: (i) “Audience and features”; (ii) “A case study-based approach”; e (iii) “In the classroom”. Em “Audience and features”, o autor acertadamente busca encorajar o leitor a explorar fontes complementares e a considerar a aplicabilidade das ideias centrais de cada capítulo ao seu campo de atuação profissional, convidando-o à reflexão crítica no tocante ao conteúdo da obra. Além disso, Lambert também retoma a questão da acessibilidade e do público-alvo ao qual o livro é destinado e discorre com detalhes acerca da estruturação de cada capítulo, destacando as marcações nos conceitos, os questionamentos intercalados para fins de reflexão, os três tópicos de discussão, apresentação e atribuição ao final e, por fim, os recursos didático-pedagógicos que constam no site da Routledge. Na segunda seção pontuada pelo autor – “A case study-based approach” –, o autor faz menção aos múltiplos estudos de caso acerca da ética na tradução presentes na obra, estudos estes que, por sua vez, buscam fornecer uma abordagem integrada da ética que extrapole “os muros da teoria” e considere, também, a perspectiva prática a partir da incorporação da ética à prática e à formação de tradutores. Sobre esse ponto, Lambert destaca que os leitores são, portanto, incentivados a buscar e refletir acerca de “seus próprios estudos de caso” em seus respectivos idiomas de trabalho e/ou espaços profissionais, objetivando aplicar as ideias apreendidas de forma concreta e abrir espaços de discussão em sala de aula ou em plataformas dedicadas a tradutores e a trabalhos de tradução, a exemplo do ProZ.com e do TranslatorsCafe. Por fim, na terceira seção – “In the classroom” –, Lambert destaca que todo o conteúdo didático-pedagógico da obra pode ser facilmente adaptado para diversas realidades presentes em sala de aula, destacando o caráter de treinamento que o conteúdo pode assumir em virtude da sua flexibilidade. Em outras palavras, cada professor, instrutor ou tradutor poderá adaptar o conteúdo às suas necessidades específicas e a públicos-alvo distintos, o que faz da obra de Lambert um importante material de apoio à pesquisa e ao ensino de tradução.

No primeiro capítulo da obra, intitulado “Philosophical foundations”, Lambert introduz, a partir da Filosofia, o conceito de ética e suas características intrínsecas com base nas definições presentes no The Oxford Dictionary of English, diferenciando-o dos conceitos de “moral” e “etiqueta” e ressaltando algumas concepções tradicionais e inconsistências semânticas acerca desses termos. Em seguida, o autor passa a destacar algumas questões fundamentais da área, ingressando na seara religiosa – sobretudo na perspectiva cristã – para esclarecer como a ética atua no comportamento humano permeado pela dicotomia divina entre o bem e o mal e como essa dicotomia “molda” as noções de certo e errado no comportamento do indivíduo e daqueles que o rodeiam. Após dissertar acerca dessa ligação entre a ética e a religião, Lambert dedica algumas subseções aos múltiplos territórios de estudo do campo da ética, a exemplo da metaética, das éticas normativa e aplicada, da ética deontológica, do consequencialismo e da ética da virtude, sendo todas essas abordagens devidamente introduzidas, contextualizadas e aplicadas à atualidade.

Por ser a ética um campo que não fornece respostas “definitivas”, mas sim auxilia na identificação de potenciais decisões corretas em determinados contextos, Lambert ressalta que a área em si fornece um “mapa moral” que ajuda a sociedade a resolver certos impasses sociais a partir do incentivo à conscientização, contribuindo para que cada indivíduo possa exercer eticamente sua responsabilidade moral em situações concretas. Dito isso, “Philosophical foundations” é, portanto, um capítulo que busca, acertadamente, introduzir o leitor ao universo da ética a partir da apresentação de conceitos-chave e concepções tradicionais da área com base na Filosofia, levantando questões éticas fundamentais, discutindo abordagens e apresentando percursos possíveis para que o leitor conquiste uma base teórica que lhe forneça uma compreensão mais consistente dos capítulos posteriores da obra – os quais se voltarão para o contexto da tradução e da interpretação – e para que aplique o conteúdo apreendido aos mais variados contextos sociais em que se encontra inserido.

No capítulo 2, intitulado “Translation ethics”, Lambert ingressa na questão ética no macrocampo dos Estudos da Tradução e da Interpretação, propondo uma consistente revisão de literatura de ambas as áreas e alinhando a dimensão ética a várias ideias centrais que sustentam o universo da tradução. Com base no Juramento Jeronímico de Andrew Chesterman (2001), o qual propõe um código de ética profissional para tradutores a partir da divisão da ética em quatro partes – verdade, lealdade, compreensão e confiança –, Lambert dá ênfase aos quatro domínios éticos propostos pelo referido teórico – (i) a ética da representação; (ii) a ética do serviço; (iii) a ética da comunicação; e (iv) a ética de base normativa –, destacando que esses domínios se encontram em rota de conflito devido às diferenças no tocante aos valores éticos de cada um. Em seguida, Lambert dedica uma subseção do capítulo à discussão acerca do conceito de fidelidade nos Estudos da Tradução e da Interpretação, apresentando diversos teóricos que introduziram e desenvolveram ideias sobre o termo, e destaca que a fidelidade, independentemente do ponto de vista a ela atribuído, encontra-se no cerne da maneira como uma dada tradução é ensinada, marcada e avaliada, sendo ela, também, um dos conceitos fundamentais para se “julgar” a qualidade de uma tradução no âmbito profissional. Em seguida, o autor discorre acerca da problematização da tradução e do conceito de fidelidade a partir da conferência intitulada “On the different methods of translating” (em alemão “Über die verschiedenen methoden des übersetzens”), proferida no ano de 1813 pelo filósofo Friedrich Schleiermacher (1768-1834), e destaca que as ideias do referido teórico foram de suma importância para o desenvolvimento de ideias sobre a tradução e a ética tradutória, esclarecendo, ao final do capítulo, que o ponto de partida por ele (Lambert) adotado para discutir sobre a ética na tradução a nível simplista é a distinção entre a abordagem orientada ao texto fonte e a abordagem orientada para o texto alvo, a qual será mais detalhadamente discutida no capítulo posterior.

O capítulo 3, intitulado “Truth”, é dedicado às discussões sobre a aplicabilidade do método deontológico nos Estudos da Tradução e da Interpretação. Nele, Lambert parte das teorizações de diversos autores sobre o que é ser ético ao traduzir e sobre as ideias moralizantes envolvidas na prática tradutória, e, a partir disso, apresenta um leque de teóricos e estudos acerca da questão ética na tradução e suas influências na prática tradutória. De início, o autor dedica uma subseção para explorar a teoria da deontologia no universo da tradução, descrevendo, mais especificamente, os valores éticos relacionados às ideias tradicionais – e ainda perdurantes em certos contextos – acerca das noções de fidelidade textual e expandindo a ideia proposta por Chesterman de que uma ética textual e a noção de verdade estão intimamente relacionadas ao grau de proximidade existente entre o texto alvo e o texto fonte. Em seguida, o autor discorre sobre algumas teorizações do teórico francês Antoine Berman (1942-1991), um dos pioneiros no que se refere à construção de uma ética da tradução, cujos estudos sobre a ética especificamente baseada em texto são, ainda hoje, utilizados em pesquisas no escopo dos Estudos da Tradução. Ao mencionar o trabalho mais influente de Berman, intitulado “L’épreuve de l’étranger: culture et traduction dans l’Allemagne romantique” e publicado originalmente em 1984 (em inglês “The experience of the foreign: culture and translation in romantic german”, traduzido por Stefan Heyvaert, em 1992), além de outros trabalhos, Lambert destaca a influência metodológica de Berman no que se refere às suas ideias sobre as concepções de tradução desenvolvidas e praticadas na tradição romântica alemã, abrindo um leque de discussões acerca do conceito de fidelidade na tradução.

Com base no conteúdo exposto no capítulo 3, é evidente, como já sabido pela comunidade acadêmica, que o conceito de fidelidade, assim como todas as características que o compõem, é de grande representatividade nos Estudos da Tradução. Entretanto, a questão da deontologia na tradução, apesar de ser onipresente na prática tradutória, ainda carece de investigações no tocante aos aspectos morais e à aplicabilidade de regras morais universais na tradução, “campos” estes que, por sua vez, podem fomentar o debate na área e contribuir para que a ética seja um assunto facilitador necessário de ser compreendido e aplicado em contextos profissionais diversos para que, assim, tradutores recebam o devido amparo teórico-metodológico para a prática tradutória. Lambert reconhece que não é fácil conceber regras gerais na tradução; como alternativa viável para auxiliar o tradutor, o autor propõe, acertadamente, que, ao aprender a traduzir, é necessário que o profissional adote uma maneira de orientar a si mesmo como forma de fundamentar suas próprias decisões tradutórias, buscando ciência da gama de métodos disponíveis e passíveis de serem aplicados a determinados contextos e dos potenciais impactos dessas decisões.

No capítulo 4, intitulado “Responsibility”, Lambert focaliza a temática da responsabilidade pelo que se traduz e como essa responsabilidade pode ser devida e eticamente ponderada na prática de tradução, afastando-se da análise das questões éticas a nível meramente textual. Aqui, o autor destaca que o capítulo se concentra, sobretudo, na ética do serviço, um dos quatro domínios éticos propostos por Chesterman – como exposto no capítulo 2 (“Translation ethics”) –, apresentando algumas considerações acerca das necessidades e expectativas dos clientes e dos objetivos de cada tradução. Na primeira parte do capítulo, Lambert discute acerca dos conceitos de função, fidelidade e lealdade, contextualizando os termos a partir da retomada das teorias éticas apresentadas no primeiro capítulo da obra como forma de traçar um paralelo entre a perspectiva deontológica e o consequencialismo no escopo das teorias funcionalistas da tradução, citando a teoria do skopos de Hans Vermeer (1930-2010) e algumas perspectivas teóricas de Christiane Nord. Já na segunda parte, o autor se debruça sobre a contribuição do teórico da tradução Anthony Pym (1956-) para a ética (de base consequencialista) nos Estudos da Tradução e da Interpretação, a qual ele define como particularmente significativa. Ao mencionar a obra de Pym intitulada “Pour une éthique du traducteur”, publicada em 1997 e traduzida para o inglês, em 2012 sob o título “On translator ethics”, Lambert traz à tona teorizações de Pym acerca do humano enquanto figura central no processo de tradução, destacando, também, termos como responsabilidade, cooperação, interculturalidade, risco e confiança.

Como se pode notar durante todo o capítulo, Lambert, ao convocar Berman, Nord e Pym, por exemplo, alude a questões que versam sobre a ética não apenas na perspectiva puramente textual, mas também a partir das dimensões contextuais, pessoais e ideológicas, situando sujeito e situação como dois fatores que, de certa maneira, proporcionam equilíbrio quando se traduz e/ou interpreta. Ao retomar Chesterman, que se faz presente desde o primeiro capítulo da obra, Lambert rememora as características centrais no tocante à distinção entre o macro e micronível da ética e lembra ao leitor que o capítulo se afasta do nível micro e se volta aos vários níveis de responsabilidade para com o cliente, o público, os tradutores e a própria profissão, destacando, por fim, que, apesar de o texto se afastar do micro, este é, ainda assim, alimentado a partir do envolvimento do tradutor com o texto, havendo, portanto, uma interação mútua entre os níveis que será mais bem detalhada no capítulo seguinte.

Em “Justice”, quinto capítulo da obra, Lambert destaca a não neutralidade da tradução e da ética, além de apresentar o tradutor como agente-chave na formação e transmissão do conhecimento a partir das concepções éticas do teórico norte-americano Lawrence Venuti (1953-) e de suas ideias acerca do conceito de visibilidade, da inovação cultural e do desafio às normas dominantes (Venuti, 2002). Conforme foi relatado pelo autor no capítulo anterior, a interação mútua entre os níveis micro e macro da ética é central para a cobertura das ideias de Venuti que são expostas neste capítulo e para que o leitor expanda ainda mais seus horizontes a partir do compromisso de se considerar outras línguas e culturas dentro de uma estrutura pessoal e isenta de neutralidade.

Para além das teorizações de Venuti, Lambert também dedica parte do capítulo para discutir acerca das ideias de justiça propostas pela pesquisadora e professora Moira Inghilleri (1957-), que, por sua vez, problematiza as noções de neutralidade e imparcialidade no contexto dos Estudos da Interpretação e levanta importantes questionamentos acerca do choque – ou da sobreposição – entre as éticas pessoal e profissional, defendendo, de forma provocativa e embasada, a importância da prevalência da ética pessoal no que se refere ao trabalho do intérprete. Para a autora, o tradutor é um ator essencial em eventos globais que se encontram constantemente em situações de conflito, sejam estes políticos, ideológicos, sociais ou linguísticos – podendo, aqui, serem escolhas linguísticas caracterizadas, dentre outras formas, como domesticadoras ou estrangeirizadoras (Venuti, 1995) –, e a tradução se configura como uma atividade que vai além do julgamento linguístico ou cultural, assumindo dimensões éticas e políticas que, por sua vez, exigem uma ética da tradução que tenha as condições sociais reais sobre as quais o tradutor opera como princípio-chave, ponto este que aproxima o pensamento de Inghilleri ao de Diaz Cintas (2012) no que se refere à necessidade de se considerar o aspecto ético nas questões relativas ao poder, domínio, à ideologia, intervenção, identidade e manipulação na tradução audiovisual (TAV), por exemplo. Com base nessas teorizações apresentadas no capítulo, Lambert dá ênfase à quebra dos fundamentos da neutralidade e da imparcialidade na prática tradutória, acenando para a inclusão da participação pessoal e social do tradutor nos estudos éticos. A partir do exposto, o capítulo 5 se configura, portanto, como um texto-base para que se possa conceber a exploração de papéis ativistas, que, por sua vez, será devidamente apresentada no sexto capítulo da obra.

No capítulo 6, intitulado “Commitment”, Lambert enfatiza os pontos de vista que podem ser enquadrados na escola ética de pensamento conhecida por particularismo moral, destacando as noções de contexto, responsabilidade e prestação de contas e consolidando, a partir de então e de acordo com suas próprias palavras, a transição de ações para pessoas. Neste capítulo, o autor ressalta o papel de mediador ativo com certo potencial para papéis ativistas do tradutor, que, por sua vez, é responsável direto pelo seu trabalho e pelos resultados gerados a partir deste.

Logo na subseção que abre o conteúdo teórico do capítulo, Lambert traz à luz uma importante e necessária diferenciação entre as éticas pessoal e profissional nos Estudos da Tradução e da Interpretação, incrementando à discussão os conceitos de responsabilidade e compromisso. Em seguida, o autor passa a discorrer acerca da esfera estritamente pessoal do tradutor, apresentando este como um ativista e mediador cultural a partir da teoria narrativa, que, por sua vez, se configura como uma importante contribuição de Mona Baker (1953-) para os estudos da ética na tradução, a qual considera a narrativa como uma ferramenta ativa de construção da realidade. Mais à frente, Lambert destaca, mais uma vez, o pensamento de Chesterman nos Estudos da Tradução, tratando, mais especificamente, sobre a ideia de telos na prática tradutória, a qual traz a responsabilidade individual e o consequencialismo como elementos simultâneos no traduzir. Em outras palavras, Lambert destaca que Chesterman, a partir desse pensamento, transfere o objetivo do texto para o tradutor, destacando os desejos pessoais deste e a responsabilidade que o profissional adota a partir das escolhas feitas, afastando-se das ideias de fidelidade textual e de neutralidade. Com base no conteúdo exposto no capítulo, ao citar Baker e Chesterman como autores que defendem o envolvimento ativo do tradutor no meio social, por exemplo, Lambert abre espaço, de forma acertada, para o questionamento de como os tradutores podem e devem lidar com os prováveis impactos sociais do presente e do futuro no trabalho de tradução, mantendo o leitor informado acerca do assunto e suscitando uma válida reflexão acerca do ofício e do papel do próprio tradutor enquanto ativista de seu próprio trabalho.

O capítulo 7, intitulado “Standards”, marca uma mudança de foco na obra: se, nos capítulos anteriores, deu-se ênfase a uma série de questões éticas que tradutores e intérpretes devem levar em consideração em seus respectivos ofícios, a partir do sétimo capítulo da obra, Lambert passa a destacar pontos sobre como a ética foi fundamentada no contexto profissional. De início, o autor promove uma exploração do surgimento dos códigos de ética para tradutores e intérpretes, definindo-os e apresentando, de forma consistente, suas principais pretensões no contexto de atuação dos referidos profissionais. Em seguida, Lambert discute acerca dos oito princípios-chave contidos nesses códigos – precisão (fidelidade e integralidade), competência (e habilidades necessárias), confidencialidade, conflitos de interesse, desenvolvimento profissional contínuo, imparcialidade/neutralidade, integridade/profissionalismo e limitações –, apresentando exemplos concretos de códigos de algumas renomadas associações de tradução e intepretação do mundo, a exemplo da Australian Institute of Interpreters and Translators (AUSIT), e aponta limitações desses códigos pontuadas por tradutores e intérpretes a partir da investigação de Hale (2007), tecendo, por fim, algumas reflexões sobre como o profissional pode ir além das limitações pontuadas e de outros entraves da esfera trabalhista.

Em linhas gerais, no capítulo 7, Lambert abre espaço para o papel fundamental dos códigos de ética na prática de tradução e interpretação em contexto profissional, reconhecendo a existência desses códigos sem deixar de ressaltar, por outro lado, a importância de se considerar as críticas a esses documentos, que são compostos, às vezes, por diretrizes confusas e inconsistentes. Trata-se de um capítulo que, conforme foi mencionado anteriormente, representa uma alteração de foco na obra, demarcando o lugar da inserção da ética no contexto tradutório profissional.

No oitavo e penúltimo capítulo da obra, intitulado “Ethical professionals”, Lambert expande as ideias do capítulo anterior sobre os códigos de ética e estende suas teorizações mais especificamente para as questões que afetam os tradutores e intérpretes profissionais. De início, o autor busca explanar e reconhecer as várias restrições impostas à profissão a partir da apresentação de uma série de questões e desafios éticos enfrentados pelos tradutores e intérpretes, buscando enxergar os fatores externos e internos, tais como questões referentes aos honorários, à saúde mental e demais assuntos passíveis de acordo, com o intuito de considerar os impactos gerais e os mais específicos no ofício do profissional e harmonizá-los a visões socialmente responsáveis, buscando uma melhor convivência. Em seguida, Lambert destaca a importância de os profissionais se engajarem nos debates acerca da ética profissional e das questões que a permeiam, apresenta algumas considerações sobre a responsabilidade social envolvida no exercício da profissão e discorre sobre o “desgaste ético” existente no trabalho de tradutores e intérpretes, comentando, em seguida, acerca da questão do pagamento por parte das empresas, das taxas envolvidas e das práticas éticas que permeiam o pagamento em si. Mais à frente, Lambert dedica uma subseção à temática da ética nas tecnologias de tradução, abordando os tipos de tecnologias, a questão do status profissional e da sustentabilidade no que se refere ao uso da pós-edição de textos traduzidos automaticamente – Machine Translation Post-Editing (MTPE) –, a remuneração (considerada junto aos avanços tecnológicos), o compartilhamento de dados, a privacidade e a confidencialidade como elementos necessários no que se refere ao compartilhamento dos dados, os conceitos de colaboração, qualidade e fidelidade no tocante às tecnologias de tradução e a temática da hegemonia cultural, destacando, por fim, que todas essas abordagens, ainda que conflitantes em alguns casos, interagem entre si, tornando a ética, nesse caso, uma questão desafiadora na esfera profissional.

No capítulo que encerra a obra, intitulado “Other viewpoints”, Lambert rememora o caráter multidimensional e complexo da ética nos Estudos da Tradução e da Interpretação, cujo aparato teórico-metodológico encontra-se em constante evolução, e apresenta algumas correntes de pensamento emergentes ou de menos notoriedade na área. Por ser a área de natureza ampla e em fase de evolução – cuja ocorrência tem sido bastante rápida, vale ressaltar –, o autor reconhece, como limitação, a impossibilidade de se abordar uma revisão aprofundada acerca de cada um dos temas abordados no livro, destacando, em virtude disso, apenas alguns casos particulares enquanto alude a várias outras potenciais linhas de investigação. Por fim, Lambert resgata a questão da responsabilidade, reunindo as inúmeras preocupações de caráter ético elencadas no livro e convidando o leitor à reflexão sobre qual seria o seu posicionamento no que se refere a certos impasses éticos, e fecha a obra apontando para uma série de perspectivas futuras que evidenciam, conforme foi amplamente demonstrado no decorrer dos capítulos, a multiplicidade de questões que a área comporta em termos de pesquisa e de mercado.

Em suma, com base nos nove capítulos que compõem o livro, os quais versam sobre os fundamentos filosóficos, os aspectos éticos da tradução, os conceitos de verdade, responsabilidade, justiça, compromisso e norma, as características do profissional ético e outros pontos atinentes à grande área da ética nos Estudos da Tradução e da Interpretação, Lambert traz à luz uma obra que, decerto, será muito bem quista por aqueles que se interessam pela questão ética na tradução e pela comunidade acadêmica no geral. Translation Ethics é um livro isento de normativismos e de estaticidade. Pelo contrário: trata-se de uma obra dinâmica, teoricamente atualizada e didaticamente acessível, cujo conteúdo se encontra disposto não apenas de forma textualmente “corrida”, mas também por meio de hipertextos e de recursos pedagógicos presentes dentro e fora das páginas do livro. Trata-se, por fim, de uma obra que, ao mesclar, de forma certeira e consistente, conteúdos referentes aos universos da Filosofia e dos Estudos da Tradução e da Interpretação, certamente abrirá um leque de possibilidades para que professores, pesquisadores, tradutores e demais interessados aprimorem seus projetos de pesquisa e/ou de tradução, contribuindo, assim, para que a academia e o mercado avancem em termos de teoria e prática.

Referências

Chesterman, A. (2001). Proposal for a Hyeronimic Oath. The Translator, 7(2), 139–154. https://doi.org/10.1080/13556509.2001.10799097

Díaz Cintas, J. (2012). Clearing the Smoke to See the Screen: Ideological Manipulation in Audiovisual Translation. Meta: Translators’ Journal, 57(2), 279–293, 2012. https://doi.org/10.7202/1013945ar

Hale, S. (2007). Community Interpreting. Palgrave Macmillan.

Lambert, J. (2023). Translation Ethics. Routledge.

Venuti, L. (1995). The Translator’s Invisibility: A History of Translation. Routledge.

Venuti, L. (2002). Escândalos da tradução: por uma ética da diferença. (L. Pelegrin, L. M. Villela, M. D. Esqueda, & V. Biondo, Trad.). Edusc.

Notes

Conjunto de dados de pesquisa Não se aplica.
Financiamento Não se aplica.
Consentimento de uso de imagem Não se aplica.
Aprovação de comitê de ética em pesquisa Não se aplica.
Publisher Cadernos de Tradução é uma publicação do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução, da Universidade Federal de Santa Catarina. A revista Cadernos de Tradução é hospedada pelo Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

Author notes

Editores de seção Andréia Guerini – Willian Moura
Revisão de normas técnicas Alice S. Rezende – Ingrid Bignardi – Kamila Oliveira

Jgsilveira96@gmail.com

Conflict of interest declaration

Conflito de interesses Não se aplica.


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