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QUANDO A EXPOARI VISITA A ESCOLA: CULTURA REGIONAL E PRÁTICAS DE ESCRITA
Muiraquitã, vol. 11, no. 1, pp. 249-263, 2023
Universidade Federal do Acre

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Muiraquitã: Revista de Letras e Humanidades is licensed under CC BY-NC-ND 4.0

Received: 04 January 2023

Accepted: 22 June 2023

Resumo: O artigo discute o uso da Língua Portuguesa em ações educativas, com foco nas práticas de escrita dos alunos do Ensino Técnico-Médio do Instituto Federal de Rondônia. Ele explora as representações do mundo dos estudantes e as diferentes manifestações de linguagem presentes na vida social, considerando sua organização cultural e histórica. Inspirado na teoria dialógica (BAKHTIN, 2006), numa abordagem qualitativa, apresenta a ideia de que a língua se produz nas relações sociais. No contexto do IFRO, Campus Ariquemes, foi realizada uma sequência de atividades que envolveram leitura, pesquisa, compartilhamento, produção escrita e exposição, com o tema da festividade cultural local, EXPOARI. Os estudos na área de Linguagem, especialmente no campo da escrita, auxiliam na reflexão sobre as relações entre o mundo e a linguagem.

Palavras-chave: Práticas educativas, Educação Rondoniense, Cultura regional, Práticas de escrita.

Abstract: The article discusses the use of the Portuguese language in educational activities, focusing on the writing practices of Technical-High School students at the Federal Institute of Rondônia. It explores the students’ representations of the world and the different manifestations of language present in social life, considering their cultural and historical organization. Inspired by the dialogical theory (BAKHTIN, 2006), a qualitative approach presents the idea that language is produced in social relations. In the context of IFRO, Campus Ariquemes, a sequence of activities was carried out involving reading, research, sharing, written production, and exhibition, with the theme of the local cultural festival, EXPOARI. Studies in the field of language, especially in the field of writing, help to reflect on the relationship between the world and language.

Keywords: Educational practices, Rondônia Education, Regional culture, Writing practices.

O PAPEL DA LÍNGUA MATERNA NA ESCOLA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Se o mundo fosse perfeito,

Todo som era sertanejo, Todo barulho era viola e Toda poeira era rodeio. Seguuuuraaaaa, peão!

Os versos acima são um convite para introduzir a festividade regional chamada Exposição Agropecuária de Ariquemes (EXPOARI)[1]. Esse evento anuncia a vida sociocultural do Vale do Jamari, região rondoniense formada por nove municípios, sendo a cidade de Ariquemes, de destaque histórico, onde se realiza a festa de natureza agropecuária[2]. Revisitando a história ariquemense, é possível examinar a diversidade linguístico-cultural a partir dos sujeitos migrantes das inúmeras localidades brasileiras, que hoje habitam esse território do Norte. Nessa acepção, percebe-se que a festividade se desnuda num mosaico polifônico, procurando apresentar os bens culturais, as artes, a literatura, expressões, músicas, linguagens dos bairros e da própria escola, que são possíveis patrimônios regionais, representações histórico-culturais na perspectiva da vida social dos sujeitos.

É para esse cenário sociocultural que o presente artigo procura privilegiar as práticas de escrita[3] com os sujeitos do Ensino Técnico-Médio de Agropecuária do Instituto Federal de Rondônia (IFRO), campus de Ariquemes. Quais as ações educativas com a língua materna nas quais é possível refletir a respeito dos bens culturais ariquemenses? Como trabalhar a modalidade argumentativa da língua em diálogo com os patrimônios regionais? Gonçalves (2003) mostra que patrimônio consiste em uma categoria de pensamento importante para a vida social e mental de qualquer coletividade humana.

Se o propósito, na Educação Básica, se evidencia como um direito e um componente crucial para o exercício da cidadania, não é difícil entender que a área de linguagens desempenha um importante papel na medida em que é constitutiva das relações humanas. Ela perpassa toda e qualquer prática social e, portanto, as áreas específicas de construção de conhecimentos estão também inseridas nessa discussão. Entre esses campos se encontra a Educação Profissional de Nível Técnico-Médio rondoniense.

As linguagens são aqui compreendidas como formas sócio-historicamente definidas de produção de sentidos, sendo que elas configuram mundos, intitulados realidade. Desse modo, elas são discursivamente orientadas, o que significa que a realização de uma prática de linguagem implica em alinhamento a, pelo menos, um regime de significação que especifica o que está dentro ou fora do domínio.

Quando se pratica futebol ou caratê, por exemplo, ou quando se escreve um poema, quando se publica algo nas redes sociais, quando se canta um samba, quando se dança um forró, ou ainda quando se participa de uma festa de rodeio, sentidos são produzidos segundo os discursos estabelecidos. Entende-se que a linguagem constitui visões de mundo e valores sobre a vida cultural e profissional dos sujeitos. Portanto, as práticas sociais de linguagens são representações de mundo, não existindo de forma autônoma ou abstraída dos contextos histórico, cultural e linguístico nos quais as relações humanas acontecem.

Simões (2017) escreve que as práticas de linguagem são atos sociais que, fazendo uso de diferentes discursos, além de significarem e comunicarem (KRISTEVA, 1988), demarcam, apresentando-se como um lugar de múltiplas contradições: arbitrariedade e flexibilidade (LYONS, 1987), significantes antigos e novos (FIORIN, 2003), tensão entre paráfrase e polissemia (ORLANDI, 1987).

Para Bakhtin (2006), a língua não é algo imóvel, morto ou petrificado da vida social, mas move-se continuamente, de modo que seu desenvolvimento segue a vida social. Por sua vez, Freitas (2005, p. 99) sugere que “nas vicissitudes das palavras encontram-se as vicissitudes da sociedade dos seus usuários”. Nessa acepção, as perspectivas didáticas que orientam a área de linguagens e seus componentes pressupõem o usufruto dos direitos estabelecidos pela Educação Básica, materializados na ampliação de repertórios linguísticos, culturais e artísticos com base no envolvimento dos estudantes em práticas dessas formas de expressão de sentidos.

A sequência de atividades no curso Técnico-Médio de Agropecuária do IFRO, campus de Ariquemes, procurou fortalecer os domínios das habilidades linguísticas e discursivas, solicitadas constantemente nas situações cotidianas. Adotou-se uma abordagem qualitativa, inspirada na teoria dialógica (BAKHTIN, 2006) e a linha norteadora é que o texto surge de um processo interacional (KOCH; ELIAS, 2015), resultado de uma coprodução entre interlocutores, que considera os contextos de produção e de recepção e que exige planejamento.

Quando se trata de ações educativas voltadas ao regional, objetiva-se trazer os sujeitos próximos de suas realidades e compreender que a cultura local tem as suas representações que marcam um povo e podem estar no chão da escola, como mote para aulas, que primam pela prática de escrita com o protagonismo dos estudantes.

Assim, buscaram-se práticas de escrita que privilegiassem o âmbito regional nas suas produções discursivas argumentativas. A tentativa foi o diálogo com os diversos gêneros discursivos presentes no cotidiano ariquemense, nas suas várias materialidades[4], que também anunciam suas versões sobre essa festa municipal de Rondônia, tais como: charges, histórias em quadrinhos, artigos científicos, propagandas, notícias dos jornais, imagens, composições musicais etc. Na perspectiva dos estudos do letramento, não há apenas uma forma de usar a língua escrita. Pelo contrário, existem múltiplas formas em práticas diversas que são sociocultural e historicamente determinadas.

Entende-se que as linguagens formam as relações humanas e instituem as mais variadas maneiras de produção de conhecimento. Nessa perspectiva, é importante o reconhecimento de que todo e qualquer conhecimento, bem como os sentidos, são construídos em meio às especificidades de uma determinada cultura. Por sua vez, essa cultura se encontra sempre em movimento, travando relações nem sempre pacíficas com outras culturas e tempos históricos, marcando a natureza multi ou transcultural das práticas de linguagem.

NA ARENA DA CULTURA ARIQUEMENSE: ESCRITAS EM DIÁLOGO COM A VIDA

Quando se pensa em práticas educativas, é inegável que o contexto sociocultural no qual está inserida a instituição deve ser considerado. O município de Ariquemes, situado no leste de Rondônia tem sua organização social pautada em vários ciclos migratórios que trouxeram para as terras do Norte as gentes de vários espaços geográficos do país. Ao longo dos anos, os traços culturais diversos dos sujeitos, que nas terras ariquemenses chegaram, passam a ser recriados, significados e partilhados, é o que Hall (2016) define como cultura. Cada comunidade vai, paulatinamente, partilhando significados e transmitindo-os para outras gerações. Tal fato faz com que a identidade do grupo seja constituída, cria-se a ideia de pertencimento através de histórias, culinárias, celebrações e festejos. Ainda segundo Hall (2016), todas as representações culturais são significadas por meio da linguagem, pela qual agregamos sentidos e possibilitamos a partilha de valores que são culturalmente comuns a determinado grupo ou região.

Quando volta-se o olhar ao campo da Linguagem, tem-se nos gêneros do discurso uma fonte fecunda para intercambiar, produzir, (re)significar as representações culturais que são práticas sociais e discursivas. Bakhtin (2006) mostra que os gêneros do discurso organizam nossa linguagem da mesma maneira que as formas gramaticais. Entende-se que a gramática organiza as sentenças, contudo a competência linguística dos falantes deve ser considerada. Nesse sentido, ratifica-se o caráter coletivo e social dos gêneros, pois cada época e grupo social têm o seu repertório de formas de discurso na comunicação socioideológica.

São as práticas comunicativas que determinam os gêneros discursivos e esses criam os textos. As intenções e motivações de quem escreve tomam forma linguística nos discursos. Quando se fala do conhecimento sobre linguagens e de uma educação pautada nos direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento humano, fala-se da possibilidade de conhecer e reconhecer as práticas de linguagem, de ultrapassar práticas cotidianas escolares.

Para conhecer as práticas socioculturais do Vale do Jamari, é preciso estar na mesorregião leste de Rondônia, que compreende nove municípios, em uma área de 31.770, 26 km²: Ariquemes, Alto Paraíso, Cacaulândia, Buritis, Campo Novo de Rondônia, Monte Negro, Cujubim, Machadinho e Rio Crespo.

Ariquemes foi elevado à categoria de município pela Lei Federal nº 6.448/1977. Seu nome é uma homenagem à tribo indígena Arikeme, habitante original da região, cujos membros acabaram extintos após impactos socioculturais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população estimada em 2021 era de 111.148 pessoas (IBGE, 2022).

Ariquemes é uma cidade planejada e atualmente considerada a terceira maior cidade de Rondônia. Sua importância agroeconômica se destaca pelos títulos recebidos, como a “capital do tambaqui”, por ser o maior produtor estadual de peixes (IBGE, 2022) e por organizar a maior exposição agropecuária do Norte do país, que já está em sua 37ª edição, a EXPOARI.

A festividade é uma manifestação cultural da cidade ariquemense, entrelaçada à história do município, já que foi fundada por pioneiros que se reuniram e criaram a Associação dos Pecuaristas de Ariquemes (APA), em 1981. O objetivo dos fundadores era buscar políticas públicas e investimentos na agricultura e pecuária do Vale do Jamari. No início, a festividade era conhecida como Festa do Peão de Boiadeiro e se tornou um evento turístico, atraindo visitantes ao longo dos anos (EXPOARI, 2022).

Com o passar dos anos, a festa foi adentrando a rotina dos munícipes e criando hábitos e costumes próprios. É comum, que as famílias recebam visitas, inclusive as esperam; os calendários escolares são ajustados de acordo com datas do evento; há toda uma movimentação social e financeira à espera da festividade; eventos paralelos são criados, memórias das chegadas e das batalhas enfrentadas pelos pioneiros em terras amazônicas são evocadas e, a cada ano, a festa ganha mais representatividade para o ariquemense. A EXPOARI convida o cidadão a apreciar os aspectos culturais, representados pelo rodeio, música e costumes.

Nesse contexto, e como uma instituição que tenta privilegiar o contexto regional e as peculiaridades locais, O IFRO, Campus de Ariquemes, também participa oficialmente de suas edições na perspectiva da educação. A instituição de ensino oferece estandes de pesquisa a quem os visita, estimulando os estudantes do curso Técnico-Médio de Agropecuária a estarem presentes na festividade.

Situado na área rural, o IFRO é uma autarquia vinculada ao Ministério da Educação criada pela Lei nº 11.892/2008. Atua na Educação Profissional e Tecnológica, do ensino básico ao superior, desenvolvendo pesquisa, extensão, produtos e serviços articulados com o desenvolvimento humano, econômico, cultural, social e ambiental das regiões nas quais está instalado.

O campus de Ariquemes (figura 01) atende estudantes dos municípios do Vale do Jamari, ofertando cursos voltados ao setor do desenvolvimento do agronegócio, como Técnico em Agropecuária, Técnico em Alimentos, Técnico em Aquicultura e Agronomia. Há também cursos voltados à área de Informática, a saber: Técnico em Manutenção e Suporte em Informática e Análise de Desenvolvimento de Sistemas. Em relação às licenciaturas, a instituição oferta Biologia.


Figura 1
IFRO, campus de Ariquemes-RO
Fonte: Acervo Pessoal, 2022

A figura mostra o locus deste estudo, chamado pelos servidores e alunos de “fazendona”. O local é cercado de flora e fauna, um convite para que as práticas educativas sejam inspiradas e voltadas aos arranjos produtivos rondonienses.

O curso técnico de Agropecuária do IFRO, campus de Ariquemes, é de regime integral e procura contribuir com os arranjos socioeconômicos do Vale do Jamari. Sua grade curricular abarca disciplinas técnicas voltadas para o agronegócio. Em sua grade disciplinar do núcleo técnico e da base comum, há a oferta da disciplina de Língua Portuguesa, ofertada nos três anos do curso com carga horária de 120 horas. Apesar da proximidade com o campo agropecuário, o olhar para o Projeto Pedagógico do Curso mostra que a ementa das disciplinas abarcadas pela área de linguagens não privilegia um olhar sensível para as manifestações regionais e locais ou os bens culturais rondonienses, já que os projetos políticos seguem uma padronização dos conteúdos.

Quando o assunto são as práticas educativas, a imagem metafórica do tecido parece uma boa representação. Ao tecê-lo, os fios se entrecruzam; assim são as ações educativas, constituídas de um entremear de práticas socioculturais entre educador, educando e a cidade em que se vive. São polifonias discursivas que se constituem na análise e no contraste com outras práticas sociais.

Entende-se que, na área das linguagens, uma ampliação de saberes envolve experienciar e contrastar práticas diversas, gerando debates, pesquisas e reflexões sobre o próprio processo de inserção, de modo que os estudantes possam ser protagonistas na escola ou fora dela. Nesse sentido, o rol de conteúdos ganha destaque à medida que é norteador para as ações pedagógicas do docente.

Dessa forma, a compreensão de que as expressões culturais de um povo estão dispostas nos mais variados gêneros do discurso são possíveis pontos de partida para ações educativas que procuram estar atentas às vozes culturais e regionais nas mais diversas fontes, em um esforço de aproximar os educandos aos saberes produzidos pela comunidade, ampliando o repertório linguístico e cultural dos sujeitos e podendo (re)desenhar as aulas de Língua Portuguesa. Isso pode remeter ao exercício do letramento na sala de aula (MARCUSCHI, 2008) na tentativa de inspirar os discentes a pesquisarem, lerem e destacarem as diversas representações do evento rondoniense, para fortalecer os seus protagonismos nas suas produções escritas argumentativas na escola.

A ARTE DO ARGUMENTO: O QUE É ARGUMENTAR

Alves (2012, p. 30) escreveu que algumas escolas são como gaiolas e outras, como asas: “Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados... Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado; quem sabe, encorajado”.

É a partir dessa perspectiva que a educação é pensada. Ela é necessária para que o ser humano sobreviva dentro de uma sociedade baseada no conhecimento. Aproximar os educandos do que já foi produzido pela humanidade para que se apropriem das culturas, recriando, ressignificando e se posicionando são habilidades necessárias em um tempo de grande volume informacional. O ato educativo é intencional. Dentro das instituições escolares, enquanto docentes, práticas são organizadas e realizadas visando à aprendizagem e é essa ótica que Franco (2015, p. 605) ajuda a compreender, quando afirma:

Uma aula só se torna uma prática pedagógica quando ela se organiza em torno: de intencionalidades, de práticas que dão sentido às intencionalidades; de reflexão contínua para avaliar se a intencionalidade está atingindo todos; de acertos contínuos de rota e de meios para se atingir os fins propostos pelas intencionalidades. Configura-se sempre como uma ação consciente e participativa.

Pensar, repensar, organizar e reorganizar são como requisitos necessários ao educador. A análise das ações pedagógicas provém dos conhecimentos adquiridos através da formação, da investigação, do contato com modelos, propostas e exemplos, resultantes das próprias experiências e vivências como e com outros professores. É nesse possível devir de circunstâncias em que o ensino também é produzido e que as práticas se estabelecem.

Quando o olhar é direcionado às práticas educativas na área de linguagem, especificamente a de Língua Portuguesa, compreende-se a importância de que a língua seja instrumento comunicativo a possibilitar o protagonismo dos sujeitos. A leitura, a escrita e a compreensão de textos implicam dimensões culturais e sociais e, consequentemente, mobilizam diversos tipos de linguagem, o que pode remeter aos usos sociais da escrita como atividades de letramento (MARCUSCHI, 2008).

O documento norteador do currículo nacional expande as perspectivas do ensino quando propõe, aos jovens cidadãos, o contato com linguagens artísticas que considerem as características locais e regionais para que ressignifiquem produções autorais e coletivas, respeitando as diversidades, identidades e culturas (BRASIL, 2018). Estabelecer conexões, compartilhar ideias, posicionamentos diversos, discutir, pesquisar são o norte para a construção de diálogos entre a área de linguagem e as temáticas do cotidiano. Tais práticas permitem romper o isolamento do componente curricular e procurar ressignificar as práticas discursivas. É assim que as atividades desenvolvidas e relatadas aqui com os discentes procuraram contemplar várias habilidades do educando.

A sequência das ações pedagógicas no IFRO, campus de Ariquemes, incluiu as seguintes etapas: leitura, pesquisa, compartilhamento, produção escrita e exposição. O objetivo foi contemplar a ementa institucional através da produção de textos argumentativos, articulando-os com uma temática relativa à comunidade local e que tem grande destaque na região do Vale do Jamari: a festa agropecuária EXPOARI.

As primeiras etapas da sequência destacavam a pesquisa sobre a festividade em mídias e gêneros discursivos diversos. Alguns textos pesquisados pelos estudantes anunciavam outras versões dessa festa rondoniense, que se encontram também nas redes sociais virtuais. Os posts nas páginas do Facebook também ganham sentido (SIMÕES, 2018), na medida em que vão sendo apresentados, destacados, com imagens, memórias, histórias, acumulando-se uns aos outros, de modo que a significação se constrói no momento em que o usuário compartilha as publicações, como visto a seguir.


Figura 2
Página EXPOARI no Facebook
Fonte: Disponível em: https://www.facebook.com/ExpoariOficial. Acesso em: 5 ago. 2022.

A figura acima procura descortinar a poesia, que também está presente nessa festividade ariquemense. As palavras sertanejo, viola e rodeio, presentes na inspiração poética, procuram desvelar, com a tinta de um valor exitoso, as experiências dessa festa rondoniense. Essas postagens podem representar valores culturais, simbólicos, o que remete ao pensamento de Certeau (1982) sobre os modos de proceder na criatividade cotidiana. Essas maneiras de apresentar uma versão de uma festa popular nas redes sociais virtuais também são formas pelas quais os usuários produzem as suas histórias.

Por outro lado, alguns problemas também estiveram presentes nesse evento ariquemense. A partir das fontes jornalísticas, foi possível examinar que, na EXPOARI, desnudaram-se problemas sociais, violências entre os visitantes, como visto na Figura 3.


Figura 3
Página jornal Notícias Tudo Aqui
Fonte: Disponível em: //noticiastudoaqui.com/artigo/2022Jl28pQm0462e2d87c. Acesso em: 5 ago. 2022.

A figura acima procurou apresentar um cenário de briga, ocorrida na exposição agropecuária de Ariquemes, mostrando uma possível versão desfavorável para o frequentador do evento. Tratou-se da violência presente na festividade, como foi destacado no jornal da cidade. Em um tom objetivo, textos jornalísticos procuram comunicar pelos jornais, revistas, rádio e televisão os fatos locais. As informações recolhidas em fontes variadas foram socializadas, como na Figura 4:


Figura 4
Discentes compartilhando as informações pesquisadas
Fonte: Arquivo pessoal, 2022.

A figura apresenta o momento de compartilhamento ocorrido em uma das salas; não havia uma regra para a apresentação dos sujeitos. É possível entender que as vozes presentes nos variados gêneros discursivos pesquisados outrora desnudam as representações da vida e, como possíveis leituras de mundo, constroem sentidos que possibilitam persuadir os interlocutores. A sala de aula se transforma em um espaço dialógico, constituído da troca de olhares, gestos e palavras. Tais momentos personificam os ensinamentos de Freire (1967). Para ele, a palavra é a unidade nuclear do diálogo e, como tal, transforma-se em instrumento para o despertar da criticidade.

E que é o diálogo? É uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação. (FREIRE, 1967, p. 107).

Nessa perspectiva, práticas educativas pautadas no diálogo permitem que educandos e educador estejam em uma linha horizontal, na qual não há relações de subordinação. Discorrendo sobre a dialogicidade, Freire (1996) destaca a importância para a natureza humana e para o desenvolvimento da curiosidade epistemológica. Segundo seu pensamento, a curiosidade epistemológica é essencial para o desenvolvimento das imbricações relacionadas à palavra: ação e reflexão. Na perspectiva dialógica, destacam-se as relações constitutivas estabelecidas enquanto sujeitos incompletos. Trata-se de uma característica própria do discurso, ou seja, um entrecruzar-se com o discurso do outro, o que cria uma interação viva (BAKHTIN, 2015). Importar_Imgen5265c64616

Após as pesquisas de campo, a partilha de informações e experiências das leituras e representações linguísticas selecionadas, começou a etapa da produção escrita. Agora o autor é o discente que organiza a pesquisa na sua composição individual. A produção textual tinha como norte a indagação de possíveis benefícios da EXPOARI para o Vale do Jamari. Imbuídos das discussões e leituras, foi realizada uma produção escrita na modalidade dissertativa-argumentativa, como visto na Figura 5.


Figura 5

Momento da escrita

Fonte: Arquivo pessoal, 2022.

A imagem apresenta o momento do exercício da elaboração individual dos textos na turma. Esse momento pode remeter ao que diz um dos poetas parnasianos: “Torce, aprimora, alteia, lima a frase; e, enfim, no verso de ouro engasta a rima, como um rubim”. Os versos de Bilac (1902, p. 2) representam o zelo com o processo de escrita. Escrever tem idas e vindas e, assim, aos poucos a insegurança inicial foi sendo substituída pelo desafio da escrita. Inspirados em autores parnasianos, o texto foi sendo esculpido. Nesse ponto, é possível destacar as reflexões de Ferrarezi Junior e Carvalho (2015), que elencam seis etapas pelas quais os textos devem passar:

1ª – preparação e amadurecimento do conteúdo;

2ª – elaboração dos esquemas e/ou rascunhos iniciais;

3ª – elaboração de uma versão preliminar corrigida pelo próprio autor;

4ª – apresentação do texto à classe, em leitura pública (e, se possível, de forma que os colegas tenham acesso a cópias do texto), seguida da correção por parte dos colegas e do professor;

5ª – refazimento da redação preliminar, contemplando todas as correções acatadas pelo autor, para verificação de sua qualidade, que será novamente, vista pelo professor e;

6ª – finalmente, elaboração da versão final, que será dada como pronta e avaliada para, se for o caso, ser atribuída uma nota. (FERRAREZI JUNIOR; CARVALHO, 2015, p. 214).

Diante disso, faz-se necessário que o texto produzido seja lido, revisado e reescrito, por isso a sequência da atividade dedicou um momento para a reorganização dos textos. Nessa acepção, algumas orientações foram refletidas para que a prática de escrita atingisse o objetivo pelo qual se norteava: apresentar à comunidade argumentos diversos sobre a festa cultural do município.

No bojo dessa discussão, foi possível destacar, com os estudantes, que o ato de argumentar é um ato direcionado e mostrar que “todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia” (KOCH, 2011, p. 17). Conseguiu-se mostrar que todo discurso é, de alguma forma, argumentativo. Vale destacar que os textos circulam socialmente e que alguns têm o propósito de emitir opiniões, discutir, problematizar, diferenciando-se, portanto, de outras práticas linguísticas sociais.

O texto argumentativo procura apresentar certa composicionalidade (MARCUSCHI, 2008), considerado um discurso orientado e dotado de intencionalidade, uma tentativa de se poder influenciar comportamentos, persuadir interlocutores (KOCH, 2011), organizado em um encadeamento racional de ideais através da seleção de argumentos. A característica de escrita persuasiva e influenciadora foi bem enfatizada, na tentativa de apresentar o texto verbal como um veículo pertinente e de grande valia nos tempos presentes. A seguir, destaca-se um trecho da escrita[5] de Rio Canãa[6], perspectiva que usualmente não se apresenta nos textos que circulam sobre a festa popular:


Figura 7
Produção textual de rio Branco
Fonte: Acervo pessoal, 2022.

A composição acima procura apresentar o setor agrícola, provocando o chamamento do público interessado nessa área. Observa-se o uso, logo na introdução, de argumentos que destacam sua importância para a agricultura, além de reforçarem, ao longo do texto, que os benefícios se expandem para a população urbana. Percebe-se que os argumentos foram organizados e articulados para expressarem a relevância da festividade regional.

É possível dizer que, ao se pensar o ensino e a aprendizagem na área de linguagem, examina-se um modo de oportunizar os estudantes à construção de sentidos a partir do diálogo com a vida sociocultural dos sujeitos, na tentativa de se posicionarem em meio aos diversos pontos de vista. As formas de interagir, relacionar-se, ser e expressar-se são oportunidades valiosas para a atividade educativa, bem como as janelas que se abrem para um efetivo envolvimento dos estudantes nessas práticas e na vida social como um todo.

A culminância da sequência de atividades ocorreu com a exposição das escritas produzidas pelos discentes do Técnico-Médio de Agropecuária no espaço escolar (Figura 8).

Os textos deveriam ser organizados[7] em um ambiente no qual a leitura fosse um convite a outros interlocutores do educandário, ajudando a refletir que quem escreve e quem lê são atores sociais e que o texto é um evento comunicativo (KOCH; ELIAS, 2015).


Figura 8
Exposição dos textos
Fonte: Arquivo pessoal, 2022.

A Figura 8 demonstra a apresentação do texto escrito. A ideia foi poder chamar a atenção de um maior número de sujeitos que circulavam na escola. Nessa acepção, os discentes tiveram a autorização de criarem expressões nos murais para que pudessem marcar suas linguagens. O objetivo foi poder apresentar a temática que permeia as conversas cotidianas no Vale do Jamari, sobretudo em Ariquemes, já que a festividade, mesmo ocorrendo em meados do ano, sempre está presente na comunidade escolar.

Ações educativas com a língua, tendo como contexto os aspectos regionais próprios de uma comunidade, podem se mostrar favoráveis para despertar o protagonismo estudantil, tanto no trato com a linguagem, focalizando o tripé leitura, interpretação e escrita, quanto na valorização de aspectos da socioculturais, por vezes invisíveis nas ementas e nos currículos escolares.

QUE VENHAM MAIS AÇÕES EDUCATIVAS COM A LINGUAGEM: CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas linhas introdutórias deste texto, foi possível trazer à baila as questões que permeiam o universo de uma professora de linguagens na educação profissional rondoniense. Em busca de possibilidades, a tentativa foi a de desenvolver ações educativas que entrelacem leitura, escrita e bens culturais regionais, considerando os diálogos com as especificidades do Ensino Técnico-Médio do IFRO, os planejamentos de integração entre diversas áreas, as representações de mundo dos estudantes, suas formas de ação, assim como suas manifestações de linguagem, que são culturalmente organizadas e historicamente determinadas.

Metodologicamente, foi preciso eleger como norte as representações culturais rondonienses que estivessem revestidas com a cor local de Ariquemes. Dessa forma, a festa agropecuária realizada por pioneiros, que atravessa as famílias da cidade das terras do norte, mostrou-se que é um ponto de partida no esforço de instigar os sujeitos na sala de aula do IFRO, campus de Ariquemes.

Diante do rol de conteúdos descritos pelos documentos norteadores, buscou-se enfocar o protagonismo discente e criar possibilidades de fala, de compartilhamento de gêneros discursivos que se relacionam com a história de Rondônia, um lugar real pertencente aos sujeitos. Agora as aulas de Língua Portuguesa se aproximavam do lugar sociocultural em Ariquemes. Leitura, pesquisa, compartilhamento, debate, escrita e reescrita tornaram os encontros nas salas de aula com as linguagens num diálogo com a vida cultural e regional. Ao voltarem os olhares para a festividade regional, carregada de memórias, histórias e significados para os ariquemenses, os educandos puderam se posicionar criticamente, registrando nas produções textuais argumentativas aspectos favoráveis e desfavoráveis quando o assunto é a EXPOARI. Desse modo, é possível apontar que as relações entre o mundo e a linguagem nascem das demandas sociais, fazendo andar o carrossel das experiências linguísticas dos estudantes da última etapa da Educação Básica da Amazônia ocidental.

Quem sabe, do mesmo modo que um peão boiadeiro, ao domar o touro na arena da festa ariquemense tomado pela sua coragem, essas ações educativas com a Língua Portuguesa possam também, diante do desafio educativo de poderem redesenhar ações pedagógicas, na tentativa de ampliar o debate sobre a língua materna no currículo do ensino Técnico-Médio do IFRO, ser ressignificadas nos corredores escolares, na voz do eu lírico do último verso da epígrafe deste artigo: “Segura peaaaaãoooo!”, no esforço de poder manter firmes os propósitos educativos com a linguagem na Educação Básica da Amazônia ocidental.

REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Foram declamados na 37ª edição do evento, que ocorre em Ariquemes-RO.
[2] Ariquemes situa-se a 120 quilômetros ao sul da capital, Porto Velho.
[3] Essa experiência foi com os estudantes regularmente matriculados no 2º ano do curso Técnico-Médio de Agropecuária do IFRO, totalizando 35 estudantes (apenas 1 turma), em 2022.
[4] As consultas foram investigadas em revistas, internet, jornais da cidade, redes sociais virtuais, livros etc.
[5] As primeiras tentativas de produção individual ocorreram de forma manuscrita; somente a última versão foi feita de forma digitada.
[6] Por motivos de ordem metodológica e ética, optou-se por nomear os estudantes com nomes dos rios de Ariquemes.
[7] A exposição dos textos era facultativa. A organização do mural ocorreu coletivamente em horário oposto ao turno da aula.


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