Resumo: A educação brasileira, de acordo com as orientações da Base Nacional Curricular Comum, deve focar cada vez mais na transformação do aluno em protagonista do seu próprio aprendizado, explorando suas potencialidades e valores, tornando-se, assim, um cidadão empático e colaborativo. Tal visão exige, de certa forma, que os meios acadêmicos voltem a atenção para questões relacionadas ao ensino básico, no sentido de pensar em propostas pedagógicas de caráter holístico que foquem no desenvolvimento das habilidades cognitivas, conectadas com as questões socioemocionais dos discentes. Em vista disso, objetivamos neste artigo explorar o ensino dialógico de leitura como promotor do desenvolvimento das competências socioemocionais, através da leitura e escuta de exemplares do gênero conto, promovendo uma aprendizagem colaborativa, dentro da proposta de integração curricular, difundida pelos documentos oficiais da educação, cujo intuito é contribuir para o fortalecimento da educação integral de estudantes do Ensino Médio. Nosso referencial teórico se pautará nas ideias difundidas pela Análise Dialógica do Discurso, aliadas às questões próprias da Psicologia com fins para a educação escolar. Acreditamos que o ensino dialógico de leitura de contos pode mobilizar temáticas que auxiliem no desenvolvimento dos sujeitos na sua integralidade.
Palavras-chave: Leitura Dialógica, Conto, Competências Socioemocionais, Ensino Médio.
Abstract: Brazilian education, according to the guidelines of the Common National Curricular Base, should increasingly focus on transforming the student into the protagonist of their own learning, exploring their potential and values, thus becoming an empathetic and collaborative citizen. This vision requires, in a way, that academia turn its attention to issues related to basic education, in order to think of holistic pedagogical proposals that focus on the development of cognitive skills, connected to socioemotional issues of students. In view of this, we aim to explore the dialogical teaching of reading as a promoter of the development of social and emotional skills, through reading and listening of the tale genre examples, promoting collaborative learning, within the curriculum integration proposal, disseminated by the official educational documents, whose purpose is to contribute to the strengthening of the integral education of high school students. Our theoretical framework will be based on the ideas disseminated by the Dialogical Discourse Analysis, allied to the issues of Psychology with purposes for school education. We believe that the dialogical teaching of tales reading can mobilize themes that help in the development of subjects in their entirety.
Keywords: Dialogical Reading, Tale, Socioemotional Skills, High School.
Dossiê
LEITURA DIALÓGICA DE CONTOS COMO APORTE PARA O DESENVOLVIMENTO DAS COMPETÊNCIAS SOCIOEMOCIONAIS DE ESTUDANTES NO ENSINO MÉDIO

Recepción: 04 Julio 2023
Aprobación: 08 Noviembre 2023
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 205, aponta, em sua essência, para a questão da educação como um direito social. O contexto educacional brasileiro tem, dessa forma, como princípio normativo, o desafio de promover um desenvolvimento pleno das pessoas que, no contexto legal, ganha a dimensão do que se concebe como Educação Integral.
Tendo em vista essa legislação, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017) traz para o debate o propósito da Educação Integral, definida como o desenvolvimento do estudante na sua totalidade e potencialidade e propõe uma abordagem escolar que, para além da sistematização de conteúdos, promova o desenvolvimento de competências para a vida. Dessa forma, são definidas dez competências gerais que todos os alunos devem desenvolver ao longo da escolarização que combinam aspectos cognitivos e socioemocionais, sendo que, em geral, este último, não faz parte da atuação intencional das escolas.
De maneira geral, as Competências Socioemocionais (CSE) podem ser entendidas como um conjunto de capacidades individuais para mobilizar, articular e colocar em prática conhecimentos, valores, atitudes e habilidades para o convívio em sociedade. Portanto, faz-se necessário, então, entender e trabalhar as Competências Socioemocionais propositadamente na sala de aula, já que tais aspectos fortalecem, sobretudo, a aprendizagem escolar.
Diante da importância da integração das CSE no currículo escolar, em nosso caso particular, à disciplina de Língua Portuguesa, propomos que por meio de aulas de leitura, seguindo o viés dialógico, possamos colocar em foco a compreensão das relações dialógicas que permeiam os discursos, materializados nos gêneros discursivos, em especial aqui, os contos. Entendemos, então, que a leitura dialógica de contos pode levar o aluno-leitor a posicionar-se criticamente frente ao texto, elaborando e reelaborando seus valores, atitudes e crenças pessoais, bem como ampliando a visão do contexto social que se mostra diante das temáticas trabalhadas.
A partir dessas ideias iniciais, a atividade de leitura, embasada aqui nos pressupostos teóricos do Círculo de Bakhtin que compõem, no campo linguístico brasileiro, a intitulada Análise Dialógica do Discurso (ADD), se configurará como uma atividade de produção de sentidos em torno de enunciados concretos que implica sempre em um diálogo vivo e valorativo entre sujeitos sócio e historicamente situados (dimensão axiológica). Com isso, trazer o gênero conto para essa proposta de leitura poderá despertar no sujeito-leitor diferentes reflexões, sentimentos e consciência de mundo, que emergirão da leitura e da escuta dessas histórias. Além disso, na medida em que adentramos nos aspectos linguísticos de construção desse gênero, tais como enredo e personagens, acreditamos que tais elementos contribuem para o gerenciamento individual e coletivo das emoções dos leitores, além de contribuir para o enfrentamento de situações do cotidiano e para o desenvolvimento da autonomia que, muitas vezes, ocorre pela identificação do discente com a narrativa lida.
Diante do contexto apresentado, pretendemos investir em situações didáticas que contemplem o ensino de língua materna por meio de gêneros, diretriz prevista na BNCC, aliado ao trabalho com as competências socioemocionais, previsto também nesse documento normativo. Tendo em vista tais objetivos, acreditamos que a leitura dialógica é capaz de promover tal aprendizado na medida em que esta se configura como uma abordagem em que, diante do texto, considerado como a concretização de diferentes vozes sociais, o leitor, por meio da apreciação valorativa, é impulsionado a produzir sentidos, ora concordando, ora refutando os discursos que são mobilizados pelo autor, fazendo assim uso da sua consciência social e ideológica para produzir sentido ao texto.
Para tanto, o presente artigo se constituirá de quatro seções que enfocarão desde o embasamento teórico que norteia nosso trabalho até a apresentação de propostas didáticas, promovendo, assim a integração entre teoria e prática nas aulas de Língua Portuguesa.
Assim, na primeira seção, abordaremos os elementos essenciais da Análise Dialógica do Discurso que direcionam o trabalho com a leitura dialógica nas aulas de língua portuguesa. Na segunda seção, teceremos, brevemente, uma análise do gênero conto e sua contribuição, enquanto narrativa, para abordar diversos aspectos das emoções humanas, bem como do caráter crítico e social que se abrem por meio das diversificadas temáticas, se configurando como um instrumento didático de desenvolvimento das competências socioemocionais (doravante, CSE) nas aulas de Língua Portuguesa. A terceira seção versará sobre alguns dos conceitos, advindos da Psicologia, que permeiam a temática das competências socioemocionais, voltadas para a educação. Por fim, a quarta seção se dedicará a apresentação de um trabalho didático, desenvolvido nas aulas de língua portuguesa em que descreveremos a metodologia empregada e as contribuições discentes que resultaram desse empreendimento didático.
Ressaltamos, ainda, que há poucos trabalhos que relacionam o ensino de Língua Portuguesa com as questões socioemocionais. Percebe-se, atualmente, que os diálogos socioemocionais no âmbito escolar ainda são limitados e escassos, sendo assim, poucos docentes têm conhecimento da importância da inserção desses, de forma mais efetiva, no currículo integrado às disciplinas. Por isso, acreditamos que a leitura dialógica de contos é capaz de envolver uma gama imensa de emoções do ser humano, levando os estudantes a refletir e vislumbrar novas atitudes em suas vidas, quer no âmbito escolar ou até mesmo fora dos muros da escola.
A obra do Círculo de Bakhtin se assenta sob alguns pilares que trazem as concepções de linguagem que embasam a Análise Dialógica do Discurso. O primeiro desses pilares é o Dialogismo que, em linhas gerais, diz respeito a compreensão de que os diversos discursos proferidos no campo social são sempre uma resposta a outros discursos ditos anteriormente e que, uma vez materializados e concretizados, poderão reverberar em situações discursivas futuras.
Tal concepção fundante se assenta na concepção de linguagem como interação entre um “eu” e um “outro”, em um dado momento histórico-social, ou seja, o ser humano está constantemente, por meio da linguagem, participando de um diálogo em que a interação com o outro é inevitável, tendo em vista que o “eu” constitui esse “outro” e por ele é também constituído. Dessa maneira, pode-se afirmar, pelas palavras de Bakhtin (2003), que a dialogicidade é intrínseca à vida.
A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. [...] a palavra entra no tecido dialógico da vida humana, constituindo ‘um eu’ em sua relação com ‘o outro’ (Bakhtin, 2003, p. 348).
A partir do exposto, entendemos que o dialogismo estabelece uma relação “eu-outro” em que a construção de um discurso dito pessoal leva em consideração a ressonância dialógica produzida por enunciados já proferidos por outros sobre um mesmo assunto. Nesse limiar, abre-se outro conceito importante para a teoria dialógica que é o de alteridade.
A noção de alteridade diz respeito à maneira pela qual os indivíduos se constituem na interação com os outros. Os sujeitos se constroem, refletindo-se no outro e também refratando-se nele, ou seja, a partir do momento em que o ser se constitui, ele também se altera, constantemente. Tal conceito nos leva a refletir sobre o processo de construção da identidade do sujeito em que seus pensamentos, valores e visões de mundo estão em constante processo de elaboração e reelaboração, a partir de relações dialógicas com as, crenças e posicionamentos de outros sujeitos.
Com base nisso, entende-se que a linguagem é a mediadora das minhas relações com o outro e que, por meio dela, numa relação bidirecional, a consciência do outro chega até mim. Nesse movimento dialógico, Bakhtin (2003) reitera que:
Vivo no universo das palavras do outro. E toda a minha vida consiste em conduzir-me nesse universo, em reagir às palavras do outro. (...) A palavra do outro impõe ao homem a tarefa de compreender esta palavra. A palavra do outro deve transformar-se em palavra minha-alheia (ou alheia-minha). Distância (exotopia) e respeito. O objeto se transforma em sujeito (em outro eu) (Bakhtin, 2003, p. 385-386).
Dessa noção de alteridade, podemos refletir acerca da construção da própria identidade do ser humano, que não deve ser entendida como uma marca pessoal, uma vez que ela é construída socialmente nas diversas interações entre os indivíduos, ou seja, na perspectiva bakhtiniana, a identidade não é um constructo dado, fixo, mas ela é plástica e movente, tendo em vista que é uma representação configurada na interação.
Compreendemos, pois, que as nossas palavras são povoadas pelas palavras do outro que não são isentas de juízo de valor ou posicionamento valorativo destes. Desse entendimento decorre que a identidade de um sujeito é constituída a partir da relação com o outro, permeada por um conjunto de crenças e valores construídos através das práticas sociais de linguagem.
A partir desses dois conceitos da teoria dialógica apresentados, abre-se para o ensino de leitura uma perspectiva cuja ênfase pauta-se nas relações sociais balizadas por relações de alteridade, de intersubjetividade, bem como de valoração social. Nesse âmbito, um outro conceito da teoria dialógica se faz presente que é a noção de enunciado concreto, entendido, inicialmente, como uma unidade de comunicação, dotada de sentido, construído por relações dialógicas, em que os falantes efetivam seu projeto de discurso.
Para os teóricos da Análise Dialógica do Discurso, o enunciado pode ser entendido como “unidade real da comunicação discursiva” (Bakhtin, 2011, p. 269) que se diferencia das unidades linguísticas gramaticais, tais como frases, orações e períodos, por conta de que sua análise se dá no plano do uso, enquanto as unidades convencionais são analisadas como elementos de um sistema. Disso decorre, pois, que estudar os enunciados diz respeito a uma análise da língua em seu contexto social de uso e em interação dos sujeitos autor e interlocutor.
Além do aspecto interacional dos sujeitos, a teoria dialógica aponta que “Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva (Bakhtin, 2011, p. 297). Sob essa ótica, o enunciado é concebido como a concretização de vozes discursivas e relações sociais, cujos discursos podem ter sido emitidos em momentos históricos e situações sociais distintas por meio da voz de um sujeito que, na situação de interlocução, poderia ter intenções comunicativas diferentes da que se apresenta. São essas relações de proximidade interdiscursivas que colocam o enunciado “um elo na cadeia da comunicação discursiva de um determinado campo” (Bakhtin, 2011, p. 297) e garante a comunicação efetiva nas diferentes esferas da atuação humana.
Além dos aspectos abordados acerca do enunciado concreto, é importante ressaltar que, para a Análise Dialógica do Discurso, o texto é concebido como enunciado concreto, ou seja, trata-se de uma genuína atividade interacional que revela múltiplas vozes que se constituem dialogicamente e se materializam em discursos.
Nesse panorama, o texto é entendido como um evento único que expressa uma manifestação de linguagem dialógica legítima, tendo em vista que pressupõe a existência de um autor e de um interlocutor em que, de acordo com Bakhtin (2010) “a palavra do outro influencia ativamente o discurso do autor, forçando-o a mudar adequadamente sob o efeito de sua influência e envolvimento” (Bakhtin, 2010, p. 226). Nesse plano dialógico, chamamos esse movimento enunciativo de responsividade que pode ser entendida como uma faculdade que os interlocutores têm de responder aos discursos apresentados. No entanto, esse movimento não é passivo, trata-se de uma postura ativa em que há sempre uma tomada de posição diante do conteúdo textual apresentado. Entende-se, portanto, com base nos conceitos dialógicos de texto, que a compreensão textual é uma postura responsiva diante de um discurso materializado textualmente.
A partir das ideias de responsividade discursiva, é importante compreender que essa é efetivada a partir de posicionamentos valorativos, os quais concebemos como posições axiológicas, termo muito caro à teoria dialógica. Compreende-se, assim, que emitir um posicionamento axiológico diz respeito ao fato de que o leitor emite certo juízo de valor diante de uma temática apresentada e, apoiado em sua consciência social e ideológica constrói um sentido a partir dos valores sociais de sua própria vida.
Por fim, após esse pequeno delineamento de termos pertencentes à teoria dialógica, se faz imprescindível trazer as palavras de Bakhtin (2016) que nos apresenta o conceito de gêneros discursivos concebido a partir da ideia de que “cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso” (Bakhtin, 2016, p.12). Entende-se, a partir dessa concepção, que os gêneros discursivos são o ponto de partida para toda e qualquer forma de interação comunicativa e se constituem como objeto focal no ensino de Língua Portuguesa.
Com relação aos aspectos do gênero discursivo e sua importância para o estudo dialógico da linguagem, discorreremos na seção a seguir acerca do gênero conto, em específico, como um importante recurso didático na análise da língua viva e nas interações sociais.
Os aspectos norteadores do ensino de língua materna na contemporaneidade têm se valido, em diversos aspectos, dos pressupostos teóricos do Círculo de Bakhtin que postula que o emprego da língua/linguagem se efetua em formas de enunciados, sejam orais ou escritos, concretos e únicos, proferidos pelos integrantes em qualquer campo da atividade humana. Tais enunciados, realizados por meio de gêneros discursivos, podem, na composição das formas de discurso, apresentar três elementos – o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional.
Na perspectiva bakhtiniana, os gêneros discursivos se configuram, ainda, como infinitos e heterogêneos, visto que são abundantes as possibilidades da complexa atividade de comunicação humana. Tendo em vista essa enorme variedade de gêneros discursivos, é importante que esses sejam trabalhados em sala de aula, na disciplina de Língua Portuguesa, a fim de que os discentes conheçam um repertório diversificado de texto e, sobretudo, suas condições de produção e os campos de atividade humana nos quais eles são elaborados.
Aqui trazemos, em especial, as questões que permeiam o gênero conto, enfocando seu caráter histórico, composicional, estilístico e temático, no intuito de evidenciar um elo entre os aspectos linguísticos desse gênero para uma abordagem dialógica de leitura, com vistas ao trabalho com as questões socioemocionais que esse gênero poderá revelar.
Em sua gênese, o conto remete-nos a uma tradição oral que passou por um intenso processo evolutivo, partindo de formas orais bastante simples até às formas escritas mais complexas, consolidando uma teoria literária ao longo dos séculos até atingir um grau relativamente estável de produção a partir do intitulado conto moderno. Pertencente ao campo artístico literário, segundo a BNCC (2017), o gênero conto é capaz de fomentar práticas dialógicas por excelência, tendo em vista que
A prática da leitura literária, assim como de outras linguagens, deve ser capaz também de resgatar a historicidade dos textos: produção, circulação e recepção das obras literárias, em um entrecruzamento de diálogos (entre obras, leitores, tempos históricos) e em seus movimentos de manutenção da tradição e de ruptura, suas tensões entre códigos estéticos e seus modos de apreensão da realidade (Brasil, 2017, p. 523).
Tendo em vista essa questão, é importante compreendermos inicialmente que, ao tratarmos desse gênero, principalmente nos seus aspectos didáticos, necessitamos compreender algumas de suas especificidades literárias bem como seus aspectos linguísticos que o enquadram dentro do grande grupo das narrativas.
A fim de caracterizar o conto, tomemos como ponto de partida as características desse gênero propostas por Poe (2004), grande contista e teórico desse gênero narrativo em que é possível entender de forma mais técnica e precisa o gênero discursivo em questão.
Se nos pedissem para designar a classe de composição que, ao lado do poema, pudesse melhor satisfazer as exigências de grande genialidade, que pudesse oferecer a esta o mais vantajoso campo para o seu exercício, deveríamos falar sem hesitação do conto em prosa (...) referimo-nos à narrativa em prosa curta, que exige de meia hora até uma ou duas horas de leitura atenta. O romance comum tem suas objeções, devido à sua extensão, pelos motivos já citados em destaque. Como não pode ser lido numa assentada, perde, é claro, a imensa força derivada da totalidade (Poe, 2004, p. 3).
A partir dessa visão, temos que Poe (2004) eleva o conto a uma categoria de produção literária que envolve, sobretudo, certo grau de genialidade por parte do escritor. O escritor estabelece, assim, sua definição para o gênero em questão, partindo da característica básica de “narrativa em prosa curta” (Poe, 2004, p. 3), que possui relativo grau de superioridade em relação ao romance, visto que esse possui uma imensa força narrativa, derivada de sua característica essencial que é a brevidade.
Relacionando o aspecto teórico acima com as proposições em torno do gênero discursivo proposto pela teoria bakhtiniana, temos que em termos composicionais, que se refere a estrutura do gênero, ou seja, a uma espécie de ordenador do material discursivo de um determinado gênero, os contos são estruturados em formato narrativo. Esses componentes linguísticos se estruturam e permitem o desenvolvimento do tema de acordo com o estilo, com o propósito e com as características do gênero. Por isso, a organização textual de cada gênero precisa ser estudada e compreendida de forma única.
Para melhor elucidar as questões de caráter composicional do conto, tomemos as contribuições advindas da Linguística Textual na perspectiva adotada por Jean Michel Adam (2019, p. 46) que diz respeito às sequências textuais que, segundo o teórico, são definidas como “unidades textuais complexas”, constituída de “blocos de proposições” denominados “macroproposições” que se estabilizaram como recurso composicional dos vários gêneros. Para Adam existem cinco sequências básicas que funcionam como protótipos os quais servem de base para a categorização dos textos. Assim as sequências argumentativas, descritiva, narrativa, explicativa e dialogal funcionam como componentes principais para a atividade com textos.
Aqui tomaremos para análise a sequência narrativa proposta por Michel Adam (2019), visto que o gênero conto enquadra-se nessa sequência definida pelo teórico como um modo de organização textual que se caracteriza através de seis constituintes: “sucessão de acontecimentos”, que consiste em uma cadeia de eventos alinhados em ordem temporal; “unidade temática”, que privilegia um sujeito agente, em que caberá a um personagem central o desencadeamento de toda a ação narrada; “predicados transformados”, que se define como sendo o desenrolar de um fato que provocará a transformação das características do personagem; “unidade de um processo”, visto que toda narrativa deve apresentar um início, um meio e um fim; “intriga”, que consiste em um conjunto de causas que dá sustentação aos fatos narrados e, por fim a “avaliação final” que traria uma espécie de reflexão acerca dos fatos narrados de forma implícita ou explícita. (Adam, 2019, p. 114-128)
No que diz respeito à questão de caráter estilístico, o conto traz como marca principal a característica da brevidade. Poe (2004) estabelece limites para esse aspecto, condicionando a sua extensão ao tempo gasto dedicado à leitura que não pode ultrapassar, segundo ele, o limite de duas horas. E afirma, categoricamente, em que essa questão deve ser sempre levada em conta: “A brevidade excessiva é censurável tanto no conto quanto no poema, mas a excessiva extensão deve ser ainda mais evitada.” (Poe, 2004, p. 3).
É importante enfatizar que o estilo é uma propriedade do gênero discursivo, não uma marca característica de cada autor, portanto as escolhas linguísticas decorrem e são determinadas pela função de cada gênero e de sua situação comunicativa. Por isso, pode-se afirmar, com base da teoria dialógica, que o estilo é indissociável da situação de comunicação, inclusive, dos tipos de relação do enunciador com os outros participantes da cena da enunciação, portanto pode-se afirmar que o estilo tem uma orientação axiológica.
Outro aspecto voltado para o estilo do gênero, proposto pelo teórico do conto aqui apontado, enfoca a “teoria da unidade de efeito” que, segundo o autor, decorre do fato de que todos os eventos narrados devem estar vinculados a um sentido previamente definido pelo contista, visando criar no leitor um efeito “singular e único”. A partir dessa ideia, o autor ainda garante ao conto certa supremacia em relação a outros gêneros narrativos e aprofunda essa ideia a ponto de afirmar que, dada sua tamanha força narrativa e seu efeito singular, durante a leitura “a alma do leitor está nas mãos do escritor” (Poe, 2004 p. 3). Nessa perspectiva, o teórico preconiza que se deve ter um bom domínio da técnica literária desse tipo de composição narrativa para se atingir a forma ideal dessa composição em sua plenitude.
Dessa maneira, observa-se que, da característica estilística da “unidade de efeito” do conto podemos visualizar uma questão dialógica que incide diretamente na relação autor-leitor. Temos aqui que o conto, assim como todo gênero discursivo, pressupõe um destinatário que, ao entrar em contato com o texto, responde ativamente e axiologicamente a esse sentido intencional pretendido pelo autor, podendo o sujeito-leitor refleti-lo ou refratá-lo.
Por fim, no tocante ao conteúdo temático, é importante compreender que esse precisa ser compreendido no todo enunciativo, levando-se em conta o seu significado no tempo e no espaço em que este foi constituído em relação de dialogia com enunciados atuais e passados, bem como na construção futura de novos enunciados. Por esse modo, concebemos que ler exemplares do gênero contos é adentrar no universo de diversificadas posições axiológicas com abertura para múltiplas concordâncias ou réplicas, todas sob o viés da orientação valorativa.
Toda essa breve reflexão teórica acerca do conto, tanto no viés artístico-literário quanto à luz da linguística, é de grande relevância para que compreendamos todas as especificidades do conto e a partir delas traçarmos um modelo didático de ensino de leitura dialógica que contemple as questões socioemocionais na leitura desse gênero.
Por fim, reiteramos que a leitura de um conto envolve o estudo de como o homem vivencia e significa o seu próprio mundo e torna-se, dessa maneira, material fecundo para análise dialógica da leitura no ensino de língua materna, uma vez que se insere em uma situação social de interação e também afetivo-emocional pelo viés da literatura. Investir, portanto, numa aprendizagem que respeita o desenvolvimento das competências socioemocionais e cognitivas nas diferentes disciplinas e em diferentes contextos, cria laços e tece uma aprendizagem significativa a partir desta relação.
Sobre as competências socioemocionais, delinearemos, na seção a seguir, o perfil de cada uma delas no âmbito educacional brasileiro e enfatizaremos a importância do desenvolvimento dessas para a formação integral dos estudantes, sobretudo no Ensino Médio.
A preparação de crianças e jovens para os desafios do século 21 envolve a criação de condições favoráveis ao desenvolvimento de todas as competências necessárias para o sucesso acadêmico, profissional e pessoal em um mundo cada vez mais exigente. É preciso, dessa forma, compreender que não basta garantir às novas gerações o acesso e a permanência na escola, mas também assegurar-lhes uma aprendizagem significativa capaz de promover o desenvolvimento pleno em todas as dimensões humanas.
Diante desse contexto, a escola tem como missão buscar definir quais oportunidades de aprendizado devem ser oferecidas aos discentes para que possam realizar escolhas com autonomia e conquistar realizações ao longo da vida. Essa tarefa envolve, sobretudo, um trabalho pautado no desenvolvimento das CSE, sendo essas intencionalmente desenvolvidas no âmbito escolar, oportunizando, em um cenário de mudanças intensas, muito mais do que apenas o domínio de conteúdo das disciplinas. Dessa forma, é importante definir as CSE e discutir as evidências que amparam as escolhas delas para o seu desenvolvimento no ambiente escolar.
Em linhas gerais, competências socioemocionais se referem à capacidade de mobilizar, articular e colocar em prática conhecimentos, valores, atitudes e habilidades para se relacionar com os outros e consigo mesmo, assim como estabelecer e atingir objetivos e enfrentar situações adversas de maneira criativa e construtiva. São capacidades individuais que podem ser manifestadas em pensamentos, sentimentos e comportamentos de cada pessoa. Elas também podem ser desenvolvidas através de experiências formais e informais de aprendizagem e acabam por ser importantes impulsionadores de resultados ao longo da vida (Instituto Ayrton Senna, 2017, p. 13).
Conforme explicitado acima, entende-se que essas competências estão intimamente ligadas ao desenvolvimento integral do ser humano e, por essa razão não se desenvolvem de forma separada dos aspectos cognitivos. A partir da importância dessas para a formação educacional, muitos estudos têm se debruçado sobre essa questão e algumas propostas foram elaboradas a fim de propor um modelo que ajude a organizar os conceitos e orientar uma matriz para direcionar ações de educação com este objetivo, dando mais suporte à tomada de decisão de educadores.
No meio acadêmico mundial, pesquisadores têm se debruçado nessa tarefa e hoje há certo consenso em organizar as habilidades socioemocionais em cinco grandes domínios: os chamados “Big Five” definidos como “constructos latentes obtidos por análise fatorial realizada sobre respostas de amplos questionários com perguntas diversificadas sobre comportamentos representativos de todas as características de personalidade que um indivíduo poderia ter.” (Santos; Primi, 2014, p. 16).
O “Big Five” ou modelo dos Cinco Grandes Fatores tem sua gênese nos anos de 1930, a partir de subsídios teóricos de McDougall (1930; 1932). De acordo com Nunes e Hutz (2002), o precursor das ideias do “Big Five” sugeriu que a personalidade poderia ser compreendida e analisada a partir de cinco fatores independentes que, na época, foram denominados intelecto, caráter, temperamento, disposição e humor.
No contexto educacional brasileiro, o Instituto Ayrton Senna vem participando ativamente da construção desse conhecimento e adotou um modelo científico, baseado no “Big Five” que agrupa as competências socioemocionais em cinco grandes domínios que podem ser visualizados na imagem a seguir:

Esses domínios são concebidos como cinco macrocompetências e em cada uma delas se inter-relacionam diversas competências específicas, totalizando 17 competências essenciais a serem desenvolvidas nas escolas, ao lado de outras competências cognitivas. De maneira breve, podemos descrever cada uma das macrocompetências:
a) autogestão: “tendência a ser organizado, esforçado responsável.”
b) engajamento com os outros: “definida como a orientação de interesses e energia em direção ao mundo externo, pessoas e coisas.”
c) amabilidade: “tendência a agir de modo cooperativo e não egoísta.”
d) resiliência emocional: “é definida como a previsibilidade e consistência de reações emocionais, sem mudanças bruscas de humor.”
e) abertura ao novo: “tendência a ser aberto a novas experiências estéticas, culturais e intelectuais.” (SANTOS; PRIMI, 2014, p. 16-21).
Tendo em vista a importância das CSE para a educação, a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) definiu dez competências gerais que todos os alunos devem desenvolver ao longo da escolarização e as CSE estão contempladas dentro das competências listadas no documento. Tal inserção à principal diretriz curricular do país se dá por vários fatores, mas, sobretudo, pelos impactos positivos apontados nas pesquisas desenvolvidas nas últimas décadas no Brasil e no mundo.
Dentre os vários impactos positivos, apontados nas pesquisas desenvolvidas pelo Instituto Ayrton Senna (2019), podemos citar, por exemplo, que o desenvolvimento da macrocompetência “abertura ao novo” está associado ao avanço na escolaridade, ao aumento de competências cognitivas, à diminuição do absenteísmo na escola e ao aumento de notas. Com relação aos índices de evasão escolar, pesquisas mostram que com o desenvolvimento da macrocompetência “engajamento com os outros” os alunos tendem a não evadir da escola e a se sair bem no mundo do trabalho.
Com relação ao desenvolvimento da “amabilidade” esta se associa à conclusão no Ensino Médio de alunos menos agressivos e à diminuição de indicadores de violência em geral. No tocante à vida escolar e fora dela, a “resiliência emocional” está associada à redução de absenteísmo no trabalho, ao equilíbrio salarial, ao melhor desempenho no emprego e aumento nas chances de ingresso no ensino superior (Instituto Ayrton Senna, 2019, p. 15).
Diante do exposto, é preciso destacar que as CSE podem ser desenvolvidas ao longo dos diversos anos escolares e deve acontecer não apenas por meio de disciplinas ou ações disciplinares isoladas, mas, sobretudo, de forma transdisciplinar, estruturada e intencional. Ratificamos, ainda, que os projetos voltados ao desenvolvimento das CSE geram um ambiente escolar mais favorável à aprendizagem e melhores resultados dos alunos nas disciplinas curriculares tradicionais.
Entendemos, por fim, que o professor precisa ter a intenção de colocar em prática um trabalho em que as competências socioemocionais estejam entrelaçadas ao currículo. A seguir, propomos, pelo viés dialógico da leitura, uma proposta de trabalho com o gênero conto em que as competências socioemocionais emergem de maneira intencional e sistemática, integrando-se aos conhecimentos linguísticos pretendidos.
A Base Nacional Comum Curricular explana acerca das práticas de leitura que “as habilidades não são desenvolvidas de forma genérica e descontextualizadas, mas por meio da leitura de textos pertencentes a gêneros que circulam nos diversos campos de atividade humana” (Brasil, 2017, p. 73). Tomando por base esse norteador pedagógico, acreditamos ser possível um trabalho profícuo acerca do gênero conto na perspectiva dialógica de leitura.
Para tal, elencamos o conto “Maria” que faz parte da coletânea, intitulada Olhos D´Água (2015) da autora brasileira Conceição Evaristo para uma aula de leitura com estudantes do 3º ano do Ensino Médio, a fim de fomentar uma análise dialógica do texto em questão, bem como, de modo intencional, trabalhar com umas das competências socioemocionais previstas na macrocompetência “Amabilidade” que é a empatia.
O enredo do conto centra-se na história de uma mulher negra chamada Maria, que vive em uma favela, cria seus três filhos sozinha e trabalha como empregada doméstica na residência de uma família rica. No final do dia, no retorno para casa, embarca em um ônibus que é assaltado pelo seu ex-companheiro, pai de um de seus filhos. Ao constatarem que Maria foi a única pessoa que não foi assaltada, os demais passageiros revoltam-se com ela, acusam-na de comparsa, ofendem-na com xingamentos e, por fim, com agressões físicas que resultam em sua morte.
Como direcionamento para a atividade de leitura dialógica aqui almejada, seguimos alguns dos passos indicados por Menegassi, Angelo e Fuza (2022, p. 405-406), para sistematizar a atividade de leitura dialógica pretendida. Os passos definidos pelos autores para leitura dialógica com estudantes do Ensino Fundamental são:
2. Leitura silenciosa, oral e entonacional;
3. Recuperação do contexto sócio-histórico do enunciado: relações intertextuais e relações interdiscursivas;
4. Compreensão e relações dialógicas;
5. Reconhecimento das apreciações valorativas;
6. Avaliação responsiva.
Em nossa atividade, visamos apenas alguns dos passos apontados pelos autores, tendo em vista que adaptamos alguns aspectos apontados para serem aplicados ao Ensino Médio. Algumas das etapas foram realizadas de forma oral e outras via escrita. Delinearemos cada uma das fases por nós desenvolvidas nas subseções a seguir.
Nessa fase inicial, que foi desenvolvida antes da leitura, empreendemos uma breve descrição biográfica da autora Conceição Evaristo, com enfoque na abordagem principal de sua obra que diz respeito à condição da mulher a partir do conceito de “escrevivências”, formulado pela autora que remete à escrita das vivências de uma mulher negra no contexto brasileiro contemporâneo.
Em seguida, analisamos as possibilidades de leitura em torno do título que faz referência a um nome muito comum entre as mulheres brasileiras. Os estudantes nessa etapa, foram conduzidos a levantar hipóteses acerca dos motivos que levaram a autora a intitular o texto por esse nome e das possíveis relações que esse nome estabelece no contexto social, histórico, religioso e cultural. Posteriormente, foi feita a leitura integral do conto, em voz alta, pela professora.
Nessa fase pós-leitura, desenvolvemos um trabalho em torno das questões temáticas que emergiram do enunciado lido e iniciamos o processo de apreciação valorativa em que os estudantes puderam posicionar-se axiologicamente em torno dos fatos narrados e das personagens, enfocando em suas próprias valorações, nas relações com o outro e nas atitudes desses dentro da história lida. Essa fase, contemplou, ainda, atividade de posicionamento do leitor diante dos fatos narrados, relacionando-os com sua própria vivência.
Para isso, nos utilizamos do pequeno roteiro de perguntas de caráter dialógico que pode ser visto a seguir, explorando todas essas noções apresentadas. Na ocasião, essas perguntas foram respondidas na modalidade oral em que se delineou um pequeno debate em torno dessas indagações.

Nessa etapa, mediamos um trabalho em torno do conto lido, focando na constituição narrativa do enredo, na observação das ações da personagem principal, dentre outros pontos que incidiram na intencionalidade do tema pretendido incialmente: a condição de uma mãe pobre que sobrevive às custas de um subemprego.
Nessa fase, que ocorreu logo após a discussão das temáticas em torno da personagem principal, aprofundamos os temas, agora, oriundos das relações dialógicas, éticas e ideológicas que se interrelacionam com a temática central. Para o desenvolvimento dessa etapa, nos utilizamos de uma questão de leitura que foi respondida também na modalidade oral.

Nessa atividade, as respostas dadas pelos estudantes foram diversas, mas de maneira geral eles apontaram fatos e situações que giravam em torno de temáticas, tais como: Justiça com as próprias mãos, Machismo, Diferenças sociais, Estereótipos, a Insegurança cotidiana, dentre outros.
Aqui nessa fase, foi explorada, sobretudo, umas das características formais e estilísticas dos contos que é o efeito surpresa que é proporcionado ao leitor, garantindo em toda sua extensão certa tensão e, assim, o desfecho se constituiu como elemento essencial que elevou essa tensão ao seu ponto máximo e gerou o efeito pretendido.
Nessa última etapa, foi empreendido um trabalho focado no desenvolvimento intencional da CSE da empatia em que os estudantes foram incentivados a produzirem novos enunciados numa atitude responsiva ao texto lido.
A atividade centrou-se na construção de um pequeno texto narrativo em 1ª pessoa em que, através de um relato pessoal, os estudantes se tornariam um dos personagens da história que, após os eventos trágicos ocorridos com Maria, apresentariam um juízo de valor para a situação presenciada. A maioria dos estudantes escolheram representar o filho de 11 anos, filho também do assaltante, e, em segundo lugar, representaram o assaltante, ex-marido de Maria. Traremos ainda um pequeno texto em que o estudante trouxe a representação da vivência expressa pelo motorista do ônibus.
A seguir, exporemos alguns dos textos produzidos pelos estudantes e teceremos breve comentário acerca de suas produções com foco na exploração das relações dialógicas estabelecidas e no trabalho com a competência socioemocional da empatia.

Nesse texto, temos a produção de novos enunciados em que, explicitamente, vemos demarcada uma atitude responsiva frente ao texto lido, ou seja, a definição de enunciado concreto se faz plena nessa construção textual: um novo enunciado que surge com ecos de enunciados anteriores com possibilidades para um novo texto.
A questão dialógica “eu-outro” também é bem demarcada um “eu” – filho de alguém (autor) – me colocando no lugar de um “outro” – filho sem uma mãe (personagem criado). Essa relação de alteridade é marcante e se relaciona diretamente com a competência socioemocional pretendida na atividade: a empatia.
A autora desse pequeno trecho explora os dois lados cruéis da história de maneira bastante impactante, em que um filho, no mesmo dia que perde sua mãe de modo violento, descobre que seu pai é um assaltante e um dos motivos pelos quais ocorreu o assassinato. O trecho revela a profunda dor sentida pelo contexto de violência apresentado: um pai que precisa violentar para “sobreviver” e uma mãe que morreu em decorrência da violência.
Por fim, é importante mencionar a valoração ideológica apresentada pela escritora desse trecho em que ela se posiciona com relação à questão do combate à violência. Ela se utiliza da expressão “cidadãos de bem”, para ironizar que as pessoas intituladas “do bem” não devem agir de modo a fazer mal a alguém, reforçando ainda a hipocrisia dos homens que “acham que fizeram o certo”.

O texto acima, numa atitude responsiva, apropria-se do discurso do autor do enunciado fonte – o conto Maria – ao fazer uso da expressão “buraco-saudade”, revelando que não só compreendeu a expressão em seu uso no texto, mas sim o sentido e o impacto da expressão para a construção da narrativa.
Nota-se, ainda, a escrita desse enunciado centrado na expressão “ódio” que estabelece um contraponto entre o conto lido – o ódio dos passageiros – assemelhando-se ao ódio destinado ao pai pelo filho após a morte da mãe. O uso dessa expressão revela ainda um posicionamento axiológico da autora em que, diante da morte trágica e injusta de Maria o filho deve sentir ódio de quem causou o triste fim.
No que tange à empatia o enunciado explora muito bem toda a dor de um homem que parece estar arrependido pelo que fez, tendo em vista que resultou na perda de duas pessoas importantes: a ex-mulher, que perdeu para a morte, e o filho, perdido em vida.

O enunciado acima, apesar de sua pequena extensão, nos chamou a atenção, porque o autor, para demarcar seu posicionamento valorativo em torno da temática de “fazer justiça com as próprias mãos” se utiliza de uma metáfora, construída em torno dos termos “cabeça” e “punho”. Por meio desse recurso estilístico, temos um escritor que estabelece toda uma ideia de que não se deve agir de modo violento (punhos), mas sim de maneira mais racional possível (cabeça), tendo em vista que pode resultar em uma injustiça.
Com relação à empatia, o texto mostra um motorista que se compadece da dor daquela mulher, acusada injustamente e, em seguida, tentou ajudá-la, mas não foi ouvido, devido a atitude irracional daquelas pessoas.
Conforme apresentado, pôde-se perceber por meio dessa proposta didática aqui delineada que a leitura dialógica, além de atuar na formação de um leitor crítico, que toma posição frente ao texto, torna o discente capaz de elaborar e dinamizar conflitos, abalando tanto o mundo da sua realidade quanto a do outro. Pudemos concretizar, através dessa pequena atividade o que Ribeiro e França (2021) indicam que a escola deve fazer frente ao trabalho com a língua:
A escola, como promotora da prática dialógica de ensino da língua por meio de gêneros, deve promover o grande encontro entre os aprendizes para que haja troca efetiva. Tal encontro, sempre garantido pelo discurso, pode ser extremamente profícuo para os sujeitos envolvidos, pois haverá, inevitavelmente, uma atualização do repertório mobilizado e uma nova (re)configuração (Ribeiro; França, 2021, p. 34).
Diante do que expusemos, reafirmamos que esse pequeno estudo se configurou como uma tentativa de mudar o olhar docente, em especial do professor de língua portuguesa nas aulas de leitura, para a necessidade de desenvolvimento das habilidades socioemocionais, através de uma prática pedagógica dialógica, integrativa e humanizada.
A leitura dialógica de contos se configura como um estudo da língua no qual se pode trazer os gêneros discursivos não só como objeto de ensino em que o leitor volta sua atenção apenas aos aspectos linguísticos, textuais e de conteúdo, mas também um estudo pautado nas relações socias e de uso da língua, nas ideologias demarcadas nas diversas vozes que emergem dos discursos, além de, ainda, gerar um impacto afetivo-emocional para com o leitor.
Além disso, nas aulas de leitura dialógica é importante que o docente reconheça o estilo do autor, as estratégias narrativas empregadas e os recursos linguísticos disponíveis para que ele possa atualizar com os estudantes os conhecimentos prévios mais importantes e pertinentes para as temáticas apontadas, tendo em vista também a habilidade socioemocional que se pretende trabalhar por meio da leitura.
Dessa forma, acreditamos que, ao integrar as competências socioemocionais ao conteúdo do currículo integrado da disciplina de Língua Portuguesa, oportunizaremos aos estudantes momentos de prática de habilidades, mostrando a eles como essas habilidades são integrantes de nossas vidas diárias. Enfatizamos que é importante o desenvolvimento de competências socioemocionais e o estabelecimento de interações sociais positivas em todo o percurso de aprendizagem e desenvolvimento. Além do mais, as atividades de inserção das CSE ao currículo poderão impulsionar a efetivação da proposta de educação integral apregoada pelas diretrizes atuais da educação.
Quanto ao uso do gênero conto, constatamos ser esse uma rica fonte de leitura prazerosa, além de possibilitar o envolvimento e a descoberta do educando quanto a sua própria vivência, impulsionando uma formação holística característica do conceito de educação integral.





