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Desenvolvimento de tecnologia assistiva para o transporte público baseado na percepção do usuário.
Development of assistive technology for public transport based on user perception.
Exacta, vol. 16, núm. 1, pp. 21-31, 2018
Universidade Nove de Julho


Recepção: 31 Janeiro 2017

Aprovação: 30 Maio 2019

DOI: https://doi.org/10.5585/ExactaEP.v16n1.7109

Resumo: O transporte público de passageiros está diretamente ligado a qualidade de vida dos seus usuários devendo prover acesso à serviços básicos, como saúde, educação, lazer etc. Considerando os problemas do sistema de transporte público nos centros urbanos, observa-se a necessidade da melhoria da acessibilidade para usuários com deficiência visual. Dentre as soluções possíveis para o problema de acessibilidade, o uso de tecnologias assistivas se apresenta como uma solução viável pelo seu baixo custo de implantação e por requererem, em geral, pouca adaptação na infraestrutura existente. Dessa forma, busca-se realizar estudo para aplicações voltadas para acessibilidade de passageiros com deficiência visual ao sistema de transporte público rodoviário, no intuito de diminuir o nível de dependência dessa parte da população e facilitar o seu deslocamento e proporcionando o acesso a diversos serviços existentes nas cidades. Para tanto, aplica-se a modelagem da extração de atributos para identificar os diversos requisitos percebidos pelos usuários das capacidades gerais de uma aplicação e sistema em determinado domínio. Foi realizada uma pesquisa do tipo survey tomando uma amostra de 30 passageiros com deficiência visual a partir de respostas a um questionário para extração dos atributos mandatórias do sistema. A partir dos atributos identificados, determinou-se a existência de possíveis provedores de soluções no mercado, e, entre eles, apenas um sistema seria capaz de atender as necessidades levantadas, o CittaMobi. Assim, realizou-se o estudo nesse sistema aplicando-se o modelo de extração dos atributos para identificar as falhas do sistema frente a necessidade dos usuários e adequar o sistema de acordo com a necessidade específica dos mesmos.

Palavras-chave: Extração de Atributos, Tecnologias Assistivas, Transporte Público.

Abstract: Public passenger transport is directly linked to the quality of life of its users, providing access to basic services such as health, education, leisure, etc. Considering the problems of the public transport system in urban centers, it is observed the need to improve accessibility for visually impaired users. Among the possible solutions to the accessibility problem, the use of assistive technologies is a viable solution due to its low implementation costs and, in general, little adaptation to the existing infrastructure. The aim of this study is to study accessibility applications of visually impaired passengers to the public road transport system in order to reduce the level of dependence of this part of the population and facilitate their displacement and providing access to several existing services in the cities. In order to do this, attribute extraction modeling is applied to identify the various requirements perceived by users of the general capabilities of an application and system in a particular domain. A survey of the type survey was carried out by taking a sample of 30 passengers with visual impairment from answers to a questionnaire to extract the mandatory attributes of the system. From the identified attributes, it was determined the existence of possible solution providers in the market, and among them, only one system would be able to meet the needs raised, CittaMobi. Thus, the study was carried out in this system, applying the attribute extraction model to identify system failures against users' needs and to adapt the system according their specific needs.

Keywords: Assistive Technologies, Public Transport, Extraction of Attributes.

Introdução

O transporte público de passageiros está diretamente ligado à qualidade de vida dos usuários. Segundo Gomide (2003), a existência de um serviço de transporte público com qualidade deve prover acesso à serviços básicos, como saúde, educação, lazer etc. Nesse sentido, entende-se que mais do que garantir a mobilidade urbana, o transporte público quando acessível está relacionado à qualidade de vida dos seus usuários.

Anterior a definição apresentada, Lima (1996) e Gomide (2003) ressaltam que a qualidade nos transportes se traduz na sua adequação às necessidades dos usuários. Nesse contexto, Lima (1996) pondera esse fator com outros de características mais técnicas, como conforto, regularidade, limpeza, segurança etc. Desse modo, unindo as duas definições, entende-se que para atender as necessidades dos usuários com qualidade, o transporte público precisa, além de atender os requisitos técnicos, estar acessível a todos os usuários.

Segundo Vasconcellos (2001) e Cardoso (2006), a acessibilidade no transporte público pode ser definida como a facilidade de atingir destinos. Logo, para melhor compreensão e análise desse conceito, Vasconcellos (2001) o divide em dois outros complementares: (i) a acessibilidade ao sistema de transporte, que se refere a facilidade do usuário em acessar o sistema de transporte; e (ii) a acessibilidade a destinos, que se refere ao contexto após o acesso ao sistema de transporte. Entretanto, a possibilidade de acesso que deve atender às diferenças individuais, especificamente aos passageiros com alguma deficiência. De acordo com os dados do censo demográfico de 2010, mais de 45,6 milhões de brasileiros possuem alguma deficiência (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas [IBGE], 2010). Em 2010, esse número representava 23,9% da população brasileira. Dentre as deficiências declaradas no censo, identificam-se a visual com 3,5% da população brasileira, a motora (2,3%), a auditiva (1,1%) e a mental (1,4%) (IBGE, 2010). Dessa forma, verifica-se que entre as diversas deficiências existentes a visual é a que mais afeta a população brasileira. Diante desses fatos foi estabelecida a opção de se pesquisar soluções para o seu nível mais grave da deficiência visual, a cegueira.

No entanto, para entender os reais problemas dos usuários com deficiência visual no sistema de transporte público rodoviário e com o objetivo de produzir descrições quantitativas sobre um subconjunto da população para a requisição e uso dos ônibus por meio de uma tecnologia assistiva, Pinsonneault e Kramer (1993), realizaram uma pesquisa preliminar com trinta passageiros com deficiência visual que utilizavam diariamente o transporte público rodoviário, obtendo dados e informações sobre dois aspectos: (i) identificar o problema central; e, (ii) buscar uma solução viável.

Considera-se que, independente da tecnologia (assistiva), para que ela seja realmente eficiente e eficaz, é importante que a sua interface seja projetada de forma acessível para esse público-alvo. Sobre as interfaces, as mesmas devem poder ser acessadas por qualquer usuário independentemente de suas capacidades físico-motoras, perceptivas, culturais e sociais (Nicholl, 2001). O processo de concepção dos sistemas, principalmente os que se propõem a resolver problemas desse tipo, devem se concentrar nos usuários (Ferreira e Nunes, 2008), procurando saber: quem são; como realizam suas tarefas; qual sua percepção dos sistemas; e, principalmente, quais são os tipos de imposições e limitações as quais eles estão sujeitos. As limitações dos usuários não só influenciam na maneira de realizar a navegação nos sistemas, mas também na percepção do conteúdo disponível e, consequentemente, na obtenção das informações.

Dessa forma, o objetivo deste artigo é apresentar um modelo de extração de atributos que permita o desenvolvimento de uma solução assistiva obtido pela mitigação do problema de acessibilidade dos passageiros com deficiência visual ao transporte público rodoviário frente à complexidade imposta pelo número de entradas e saídas dos sistemas disponíveis no mercado.

1 Referencial teórico

1.1 Acessibilidade na web

A acessibilidade na Web (World Wide Web) é a possibilidade de todo indivíduo, utilizando qualquer tipo de tecnologia de navegação, poder visitar qualquer site e obter um total e completo entendimento das informações contidas nele, além de ter total e completa possibilidade de interação com este ambiente (Dias, 2006). Segundo a World Wide Web Consortium, o organismo responsável pelas recomendações mundiais relacionados à Web, as causas mais frequentes de falta de acessibilidade em páginas da Web estão muitas vezes associadas aos seguintes fatores: (i) a falta de estrutura das páginas da Web que por vezes desorientam o usuário dificultando a sua navegação; (ii) uso abusivo de informações gráficas sem proporcionar alternativas adequadas de texto ou outro tipo de comentário de que possa ser lido por um leitor de telas (imagens, mapas, macros, elementos multimídias, etc.) (W3C, 2008).

1.2 Acessibilidade orientada à usabilidade

O termo acessibilidade quando se refere aos componentes Web, ou e-acessibilidade, significa ter acesso universal a Internet, porém, sua flexibilidade e alcance exigem um estudo mais aprofundado (Torage e Sikdar, 1995). Nesse contexto, frequentemente é possível encontrar o conceito de acessibilidade sendo utilizado junto com o de usabilidade (Sales Filho, 1997). No entanto, esses conceitos têm algumas peculiaridades. A usabilidade refere-se à facilidade de uso dos componentes da Web e a acessibilidade leva em consideração como o conteúdo proposto chega aos usuários (Ferreira e Nunes, 2008). Assim, se a Web está adaptada a todos e em especial às pessoas com deficiências, os sistemas devem ser orientados à usabilidade e os projetistas devem conhecer bem as necessidades do seu público, observando e compreendendo o modelo conceitual que eles têm do sistema, ou seja, a percepção dos usuários com o sistema propriamente dito (Ferraz. 2004; Ferreira & Nunes, 2008; Cavalcanti, Cavalcanti Filho, Pereira & Sobral, 2014).

Nesse cenário, um sistema pode estar de acordo com as diretrizes de acessibilidade e não ser de fácil utilização. Logo, para o desenvolvimento de um sistema é preciso antes conhecer e entender as reais necessidades dos usuários.

1.3 Avaliação de interfaces

Para orientar os projetistas na elaboração de sistemas acessíveis, existem recomendações e diretrizes sobre como os sistemas acessíveis devem ser projetados (W3C, 2004; W3C, 2008). No caso de sistemas já existentes é necessário que as interfaces tenham sua acessibilidade verificada. Para isso, foram desenvolvidos programas para avaliar, de forma automática, o nível de acessibilidade desses sistemas. Mas, o processo de acessibilização em sistemas interativos não prevê apenas que se valide uma interface de forma automática, como também que seja feita uma validação com os usuários. Logo, para se obter sistemas com um acesso universal orientado à usabilidade, é fundamental observar e analisar as dificuldades e habilidades dos usuários com limitações, pois estas norteiam o modelo mental usado ao longo de suas interações com o sistema. Essa avaliação viabiliza o alinhamento dos requisitos de usabilidade com as diretrizes de acessibilidade de forma a tornar a interação harmoniosa e, ao mesmo tempo, garantir conteúdo compreensível e navegável (Ferraz, 2004; Pereira & Nunes, 2008). Logo, pode-se medir a acessibilidade de um sistema pela sua usabilidade, visto que caso um usuário consegue utilizar bem um sistema, o mesmo está acessível.

Segundo Barbosa e Silva (2010), os métodos de inspeção permitem avaliar as soluções de Interface Humano Computador (IHC), possibilitando antever possíveis consequências das decisões de projeto. Esses métodos normalmente envolvem um especialista que desempenha o papel dos usuários para os quais o produto foi concebido e analisa os aspectos de uma interface, identificando potenciais problemas de usabilidade por meio de um conjunto de diretrizes. Os métodos de inspeção mais conhecidos são a avaliação heurística e os percursos cognitivos (cognitive walkthrough) (Barbosa & Silva, 2010). No contexto desta pesquisa optou-se em utilizar o método do percurso cognitivo.

Percursos cognitivos envolvem simular um processo de solução de problemas de usuários a cada passo do diálogo humano-computador, verificando se é possível dizer que os objetivos do usuário e sua memória para ações o conduzirão à próxima ação correta (Whaton et al.1994). Esse método foi motivado pela preferência de muitas pessoas em “aprenderem fazendo”. Para julgar a facilidade de aprendizado de um sistema, o método considera principalmente a correspondência entre o modelo conceitual dos usuários e a imagem do sistema, no que tange a conceituação das tarefas, ao vocabulário utilizado e à resposta do sistema a cada ação realizada (Whaton et al.1994).

1.4 Modelos de extração de atributos

A modelagem pela extração de características é uma abordagem que trata da complexidade em expressar diversos requisitos em forma de atributos e da sua estruturação hierárquica em modelos de atributos (Chen, 1973). Inúmeras definições são atribuídas ao termo atributo. Mas, nesta pesquisa, será adotada a definição apresentada por (Kang et al, 1990; Kang et al,1998). Segundo os autores, um atributo é definido como um aspecto, uma qualidade, ou uma característica visível ao usuário, proeminente ou distinta, de um ou mais sistemas. O modelo baseado em atributos tem como propósito capturar o entendimento de clientes e usuários acerca das capacidades gerais de uma aplicação, um sistema, em um domínio (Kang et al.1990; Kang et al.1998).

Contudo, na definição do modelo cada atributo é classificado de acordo com sua variabilidade no domínio. O propósito dessa classificação é indicar ao projetista o grau de presença de cada atributo em um determinado domínio. As variabilidades no domínio são classificadas como: (i) mandatórias, cuja aos atributos são comuns para todos sistemas do domínio, tornando-se padrões nessas aplicações; (ii) opcionais, cujos os atributos são específicos de alguns sistemas do domínio, ou seja, ocorrem em algumas circunstâncias; (iii) alternativas, cujos atributos podem ser considerados como uma especialização de outro atributo.

2 Desenvolvimento do modelo baseado em atributos

A presente pesquisa foi realizada em duas etapas distintas, a primeira, uma pesquisa preliminar do tipo survey (Pinsonneault & Kramer, 1993), tomando uma amostra aleatória de 30 usuários com deficiência visual, visando a identificação dos problemas. A partir dos resultados da primeira etapa, foi desenvolvido um modelo baseado em atributos que permitiu a proposição de uma solução assistiva para os problemas encontrados. Na segunda etapa, foi descrito um protótipo para o desenvolvimento da referida solução. A partir da solução gerada com base no protótipo, foram realizados os testes de interface para a validação da solução proposta, conforme descrito nas próximas seções.

2.1 Pesquisa preliminar

O questionário (Tabela 1) foi aplicado com o objetivo de verificar a hipótese inicial dessa pesquisa: a existência da dificuldade de acessibilidade aos ônibus pelos usuários com deficiência visual. Para isso, o questionário foi dividido em três grupos de perguntas: (i) perfil socioeconômico, com proposito de melhor identificação do perfil dos usuários com deficiência visual; (ii) dificuldades com o transporte público, para a identificação das principais dificuldades dos usuários na utilização do ônibus; e, (iii) sugestões de melhoria, para o mapeamento das sugestões de melhorias para o transporte rodoviário. O segundo grupo de perguntas foi elaborado para possibilitar aos usuários explicar as dificuldades encontradas em três situações básicas: (i) solicitar um ônibus; (ii) solicitar um ônibus sozinho em um ponto de parada para ônibus; e, (iii) após o embarque, quais as maiores dificuldades no uso deste meio de transporte. O questionário foi elaborado de maneira que o usuário pudesse expressar livremente as suas opiniões, para posterior mapeamento e identificação dos pontos convergentes entre as diversas opiniões coletadas.

Tabela 1
Questionário aplicado na entrevista semiestruturada

Fonte: os autores

2.1.1 Análise dos resultados da pesquisa preliminar

O questionário foi aplicado em 30 usuários com deficiência visual. Desse contingente, foram entrevistados 15 homens e 15 mulheres. Vinte por cento das mulheres entrevistadas têm nível superior de ensino completo ou estão cursando (Figura 1), e dentre os entrevistados, apenas as mulheres possuem esse nível de escolaridade (Figura 2). A maior parte dos entrevistados, 60%, possui apenas o nível médio.


Figura 1
Distribuição do grau de escolaridade das mulheres


Figura 2
Distribuição do grau de escolaridades dos homens

Sessenta por cento dos entrevistados estão entre 28 e 41 anos de idade e que todos utilizam o transporte público como meio de transporte diário para as suas atividades, precisando, por vezes, utilizar mais de um ônibus ou mais de um meio de transporte para chegar e retornar do seu destino. Dentre as respostas dos usuários foi possível verificar que existem queixas frequentes de ambos os sexos sejam por segmentação de idade ou grau de escolaridade.

A análise dos dados coletados por meio dos questionários permitiu identificar três grupos de opiniões a respeito do serviço de ônibus: as impressões, expectativas e as sugestões de melhoria para este serviço. Na percepção dos entrevistados, a respeito do funcionamento do serviço de transportes estão relacionadas propriamente ao serviço e não a dificuldade de acesso ou uso. O item apontado por 63,33% dos entrevistados mostrado na Tabela 2ressalta o fato dos ônibus não pararem mesmo sendo requisitados. Os entrevistados alegam que os motoristas “passam direto no ponto” quando visualizam que apenas usuários com deficiência visual estão no ponto de ônibus. Essa atitude é uma questão cultural na má prestação do serviço de transporte e não deve ser relacionada como direcionada á um perfil específico de usuários, mesmo que está seja a percepção dos usuários entrevistados, visto que existem relatos dos mais diversos perfis de usuários alegando que a falta de fiscalização possibilita a falta de comprometimento das prestadoras com a população.

Tabela 2
Percepções dos usuários a respeito do serviço de ônibus

Fonte: os autores

Os entrevistados utilizam o ônibus todos os dias como meio de transporte, por vezes, fazem o uso combinado com o metrô. Essa combinação de modos de transporte e pela diferença de infraestrutura entre os dois serviços, resultou na comparação e 30% dos entrevistados sugeriram que para a melhoria de funcionamento do serviço de ônibus, este deveria funcionar de maneira similar ao metrô (Tabela 3). Esta similaridade refere-se às informações orais, por meio de verbalização, que são fornecidas pelo metrô: informação de aproximação, destino da linha e aviso de próxima parada.

O funcionamento similar ao metrô é apontado pelos usuários como solução mais adequada para o sistema de ônibus, pois esta solução contempla o acesso às informações: de chegada, destino e próxima parada. Desta forma, uma das maneiras de contemplar esta similaridade, seria a utilização de uma tecnologia assistiva, que proporcionasse a troca de informações entre os usuários e o ônibus, sem precisar de implantações na infraestrutura dos pontos de ônibus, fato que geraria a necessidade de grandes investimentos.

Tabela 3
Sugestões dos usuários para melhoria do serviço de ônibus

Fonte: os autores

A análise das respostas dos entrevistados possibilitou a percepção de que os mesmos conseguiram, apesar dos impedimentos estruturais, se adaptarem a realidade imposta utilizando o sistema de ônibus em seu dia a dia. A maioria dos entrevistados relacionaram as necessidades de adequação do sistema de transporte com o tempo de espera, autonomia na utilização do sistema, local para sentar dentro dos coletivos, etc (Quadro 1). Estas queixas não são exclusivas dos usuários com deficiência visual, fato que revela que além dos problemas estruturais que geram dificuldades particulares a sua deficiência, os mesmos enfrentam toda problemática comum aos outros usuários. Observa-se que 56,66% dos usuários revelaram que a redução do tempo de espera é a adequação do serviço de ônibus que mais desejam, ainda assim, 52% desejam ter a autonomia na utilização desse serviço (Quadro 1). Dessa forma, não desejam depender da ajuda de terceiros para conseguir utilizar o seu meio de transporte diário. Pode-se observar que além da autonomia propiciar um direito ao exercício de sua cidadania, 35% esperam ser respeitados pelos motoristas e cobradores, fato que retoma a perspectiva que os problemas relacionados ao sistema de transporte estão longe de ser apenas um problema de mobilidade ou de infraestrutura das cidades, mas sim um problema social.

Quadro 1
Sugestões dos usuários para melhoria do serviço de ônibus

Fonte: os autores.

2.2 Proposição do Modelo de extração de atributos

A proposição do modelo baseado em atributos teve por base o levantamento dos dados obtidos na fase preliminar da pesquisa. Nesta etapa, foram analisados os sistemas disponíveis no mercado que se propõem a prestar um serviço de assistência à acessibilidade no transporte público. Todavia, com base na pesquisa preliminar, identificou-se nas etapas seguintes desta pesquisa que os sistemas disponíveis no mercado brasileiro, DPS2000 (Geraes, 2013); e-Guia (Morais et al. 2013), Moovit (Lucky; Depaoli, 2014) e BusAlert (Busalert, 2014) não estavam aderentes às necessidades dos usuários com deficiência visual, sendo então necessário a proposição de um novo sistema, que teve no seu projeto a inclusão do modelo de extração de atributos aqui apresentado.

A partir do modelo baseado em atributos proposto por (Kang et al. 1998), como parte do método Feature-Oriented Domain Analysis, foram identificados os atributos requisição e monitoramento, aderentes às necessidades apresentadas pelos usuários com deficiência visual entrevistados na estapa anterior. De acordo com o método, cada atributo do modelo deve ser descrito (Quadro 2).

Quadro 2
Template para definição de atributos

Fonte: Kang et al. (1998)

Os atributos que foram identificados estão postos no modelo apresentado na Figura 3. Os atributos propostos nesse modelo são considerados como mandatórios segundo a variabilidade de domínio e foram implementados pela empresa Cittati.


Figura 3
Modelo de atributos proposto

Os atributos do modelo estão descritos nas Tabelas 4 e 5. Esses atributos concentraram as principais funcionalidades necessárias para o desenvolvimento do protótipo com interface para seleção (Figura 4). A interface oriunda dos atributos ilustrados na Figura 3, divide-se em quatro etapas: localização, ponto, linha e chegada. A Figura 4(a) propõe que o usuário tenha sua localização GPS (Global Positioning System) transformada em um ponto no mapa, para que o mesmo possa escolher pontos próximos a sua localização, os quais são demonstrados na Figura 4(b). Após a escolha do ponto, o usuário é direcionado, via a verbalização do dispositivo móvel, para a seleção das linhas que passam nesse ponto Figura 4(c). Na última etapa, Figura 4(d), o usuário tem como resultado uma lista com a relação das linhas selecionadas na etapa anterior com a informação do tempo aproximado de chegada até a localização informada para o usuário. Ressalta-se que todas as etapas utilizam a verbalização (leitores de tela) do dispositivo móvel.

Tabela 4
Definição dos atributos de requisição

Tabela 5
Definição dos atributos de Monitoramento


Figura 4
(a)- Localização do usuário, (b) Escolha de pontos, (c) Escolha de linhas (d) Monitoramento de linhas.

A partir das interfaces (protótipos) apresentadas na Figura 4, a empresa Cittati desenvolveu o aplicativo CittaBus, em uma versão Beta. O referido aplicativo foi avaliado com o auxílio de trinta usuários com deficiência visual capazes de utilizar os aplicativos Web. Essa quantidade foi definida considerando se tratar de uma pesquisa do tipo exploratória. Para a avaliação das interfaces foi utilizado o método do percurso cognitivo (Wharton et al, 1994), nas funcionalidades de Requisição e Monitoramento.

Como resultado das avaliações foram encontradas algumas falhas na primeira versão do aplicativo, que estavam relacionadas com os seguintes problemas: (i) descrição dos pontos de ônibus; (ii) navegabilidade entre as interfaces; (iii) problemas de integração da plataforma com os leitores de tela; e, (iv) problemas de conexão com as redes de Internet móvel.

Na primeira etapa, Figura 5(a), os problemas apontados estão relacionados à descrição. Nela é possível encontrar alguns pontos descritos na lista como “NULL”.


Figura 5
(a) Lista dos pontos de ônibus, (b) Lista das linhas de ônibus, (c) Lista das linhas de ônibus com erro

Outro problema encontrado foi a apresentação de alguns pontos, que mostrava o código postal em sua descrição. Esses fatos, apresentados pelos avaliadores (usuários com deficiência visual) foram analisados como confusos. Na segunda etapa, Figura 5(b), foi identificado um erro quando o ponto selecionado apresentava mais que cinco ônibus em sua lista, nesse caso, o CittaBus, gerava uma interface com a cor preta e o leitor de tela parava de responder aos comandos do usuário, Figura 5(c). Após as avaliações iniciais, a empresa

Cittati foi informada e pôde realizar as devidas melhorias no aplicativo. Após as devidas correções, uma nova versão foi disponibilizada para avaliação de todos os usuários. O aplicativo foi liberado para utilização nos sistemas Android e IOS para utilização nos sistemas Android e IOS.

3 Análise das contribuições

Os resultados dessa pesquisa destacam a importância de se projetar aplicativos já pensando no requisito não funcional de acessibilidade. Porém, ficou claro que a concepção desse requisito necessita da inserção de usuários reais neste processo; no caso aqui apresentado os usuários com deficiência visual. Neste contexto, a análise descritiva de todo o procedimento para obter a percepção de como os serviços estão sendo prestados, permitiram identificar as reais características que deveriam estar presentes na prestação desse serviço, conforme verificado na fase preliminar da pesquisa (Tabelas 2, 3 e Quadro 1). Dentre o conjunto de percepções, expectativas e características apontadas pelos usuários, foram tratadas as que se referem ao desenvolvimento de uma tecnologia assitiva que visava melhorar o acesso ao serviço do transporte público por parte do grupo alvo de usuários aqui estudado, sendo desenvolvido um produto mais aderente ao público alvo.

Conforme demonstrado, a aplicação do modelo de extração de atributos é capaz de identificar características do produto aderentes e funcionais às expectativas e necessidades dos usuários. Neste contexto, é interessante ressaltar a questão social onde grupos minoritários de usuários de um produto ou serviço são exclusos por não terem suas necessidades consideradas na sua concepção. Esta exclusão deve-se a pouca representatividade no consumo destes produtos/serviços ou pelo fato dos produtos acessíveis apresentarem normalmente um maior custo agregado. Daí, que o método de extração de atributos para o desenvolvimento de uma tecnologia assistiva, possibilita o desenvolvimento de soluções que causam pouco impacto no custo da prestação dos serviços, visto que o modelo apresentado requer pouca adaptação na infraestrutura para a sua implantação, ainda assim, o modelo permite a disseminação das ferramentas desenvolvidas para outros perfis de usuários podendo ser considerado como requisito para medidas regulatórias do sistema de transporte.

Por fim, o objetivo deste trabalho foi estabelecer um modelo de extração de atributos baseado nas reais necessidades dos usuários com deficiência visual na utilização do transporte público demonstrando-se que a medida que se trata de um problema complexo de acessibilidade com subdivisões de conjunto de características que o torna mais simples. Desta forma, sugere-se tratar o problema do transporte de uma forma mais completa, abrangendo-se todos os aspectos envolvidos no acesso e uso desse complexo sistema. Ainda assim, os resultados obtidos na pesquisa foram importantes para indicar uma forma de contribuição na melhoria da autonomia do uso do ônibus por usuários com deficiência visual, que a partir do uso da ferramenta proposta, torna-se possível de solicitar e utilizar o ônibus sem precisar do auxílio de terceiros, melhorando assuas autoestima e inclusão social.

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