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Colaboração entre pares em programas de desenvolvimento profissional docente
Collaboration between colleagues in teaching professional development programs
Colaboración entre pares en programas de desarrollo profesional docente
Práxis Educativa, vol. 13, núm. 2, pp. 312-329, 2018
Universidade Estadual de Ponta Grossa

Dossiê: Desenvolvimento profissional docente


Recepção: 10 Julho 2017

Aprovação: 01 Novembro 2017

DOI: https://doi.org/10.5212/PraxEduc.v.13i2.0004

Resumo: Embora a colaboração seja valorizada no discurso de professores, de gestores e de instituições, assim como reconhecida como essencial para a inovação nas universidades, a cultura do individualismo é a que permeia a atuação dos professores universitários. Este estudo tem por finalidade analisar os programas de desenvolvimento profissional docente empreendidos em quatro universidades (uma internacional e outras três nacionais), sob a perspectiva da promoção da colaboração entre pares. A análise ocorreu por meio de coleta de publicações ou sites que os descreviam. Os programas de desenvolvimento profissional docente analisados têm a colaboração entre pares como premissa e incentivam a socialização das experiências em cursos, fóruns e outros eventos de formação. Entretanto, observa-se a necessidade de diversificação de estratégias, como mentoria, incentivo a atividades online e desenvolvimento de projetos coletivos, para que a colaboração possa realmente ser um pilar na formação pedagógica, na aprendizagem permanente, assim como na reconfiguração e na inovação das práticas de professores universitários.

Palavras-chave: Ensino Superior, Desenvolvimento profissional, Professor universitário.

Abstract: Although collaboration is valued in the discourses of teachers, managers and institutions, as well as recognized as essential for innovation in universities, the culture of individualism is the one that permeates university professors’ performance. This study aims to analyze teaching professional development programs undertaken at four universities (one international and three national), from the perspective of promoting peer collaboration. The analysis occurred through the collection of publications or websites that described them. The teaching professional development programs analyzed have peer collaboration as a premise and encourage the socialization of experiences in courses, forums and other continuing education events. However, it is observed the need for strategy diversification, such as mentorship, incentive to online activities and development of collective projects, so that collaboration can really be a pillar in the pedagogical continuing education, lifelong learning, as well as in the reconfiguration and innovation of university professors’ practices.

Keywords: Higher education, Professional development, University professor.

Resumen: Aunque la colaboración sea valorizada en el discurso de profesores, de gestores e instituciones, al igual que reconocida como esencial para la innovación de las universidades, la cultura del individualismo es la que subyace la actuación de los profesores universitarios. Este estudio tiene por finalidad analizar los programas de desarrollo profesional docente realizados en cuatro universidades (una internacional y otras tres nacionales), bajo la perspectiva del fomento de la colaboración entre pares. El análisis ocurrió por medio de colecta de publicaciones o sitios web que los describían. Los programas de desarrollo profesional docente analizados tienen la colaboración entre pares como premisa e incentivan la socialización de las experiencias en cursos, foros y otros eventos de formación. Sin embargo, se observa la necesidad de la diversificación de estrategias, como tutoría, incentivo a actividades en línea y desarrollo de proyectos colectivos, para que la colaboración sea realmente un pilar en la formación pedagógica, en el aprendizaje permanente, así como en la reconfiguración e innovación en las prácticas de los profesores universitarios.

Palabras-clave: Educación Superior, Desarrollo Profesional, Profesor Universitario.

Introdução

A formação profissional para o exercício da docência no Ensino Superior é essencial para uma aprendizagem de qualidade em um cenário no qual as universidades almejam uma formação crítica e de excelência. Há, portanto, uma correlação entre professores que apresentam domínio não apenas dos conhecimentos científicos, mas também de conhecimentos profissionais acerca da docência e da melhoria na qualidade do ensino (ZABALZA, 2005). Infelizmente, nem todas as instituições de ensino no Brasil estruturaram programas de desenvolvimento profissional docente com continuidade, enraizados na cultura institucional, sistematizados por meio de ações de planejamento e de avaliação, baseados em diagnóstico das reais demandas do professorado e com foco no fomento à reflexão sobre a prática e a cultura da colaboração, em contraposição à cultura do isolamento ou do individualismo.

Com o objetivo de incentivar o debate em programas já instituídos e a organização de novos programas, empreendeu-se a análise de quatro experiências em programas de desenvolvimento profissional docente em diferentes universidades, sendo três instituições brasileiras (Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR, Universidade de São Paulo - USP e Universidade do Vale do Itajaí - Univali) e uma canadense (Université de Montréal - UdeM). Investiga-se, por meio de análise comparativa a partir de documentos, como as instituições promovem a colaboração entre pares nesses programas, com base no conceito de Hargreaves (1998). Os princípios para orientar o desenvolvimento profissional docente (MARCELO GARCIA, 2006 apudMAYOR RUIZ, 2009) e uma matriz de diretrizes para os programas, constituída a partir da análise dos pressupostos teóricos de diferentes autores que discutem o tema, também sustentaram teoricamente as reflexões.

A colaboração como propulsora do desenvolvimento profissional docente

Embora a colaboração seja valorizada no discurso de professores e de gestores educacionais (MEYER; VOSGERAU, 2016) e considerada essencial para desencadear a inovação nas universidades (ZABALZA, 2003), é a cultura do isolamento e do individualismo que permeia a atuação dos professores (HARGREAVES, 1998; ZABALZA, 2003, 2004; VAILLANT; MARCELO GARCIA, 2012; CUNHA, 2014a). A criação de estratégias diversificadas que possam fomentar a colaboração é fundamental, uma vez que ela é um pilar para promover a formação pedagógica dos professores (MAYOR RUIZ; ALTOPIEDI, 2015) e um dos fatores reconhecidos pelos próprios docentes pela contribuição para a aprendizagem permanente (FEIXAS, 2004).

Ao considerar que tal desenvolvimento não é linear, mas permeado por avanços e retrocessos (FEIXAS, 2004), o apoio de colegas mais próximos, como aqueles que atuam na mesma área, ministram a mesma disciplina ou trabalham nos mesmos departamentos, impacta diretamente na atuação docente, de formas diversas, de acordo com seu ciclo de carreira. Podem ser professores mais experientes e seguros, que colaboram com orientações, ou mais jovens e motivados, que partilham suas ideias com potencial de inovação, por exemplo.

Por vezes, a excelência no ensino é tomada como natural e imediata pelos docentes (MAYOR RUIZ, 2009), que julgam que o domínio dos conhecimentos em sua área de atuação é suficiente para exercer a docência com competência. Soma-se a isso o fato de que, como se supõe que todos conhecem o que faz um professor, parece ser simples a reprodução de suas práticas, de maneira que qualquer pessoa poderia exercer a docência (CUNHA, 2014a). Quando os professores não sentem qualquer necessidade de aperfeiçoamento (FEIXAS, 2004), é necessário contar com a ajuda de outros docentes e não apenas de profissionais especialistas para estimulá-los a questionar suas práticas e inseri-los em processos de melhoria do ensino (MAYOR RUIZ, 2009). A colaboração é, portanto, uma via privilegiada para a excelência docente, podendo a criação de um clima de aprendizagem, favorecido por sólidas políticas institucionais, desencadear um processo de contaminação, essencial para o engajamento do professorado.

A colaboração é tão essencial para o alinhamento de crenças e ações em prol de estratégias institucionais, a execução de projetos e a promoção de mudanças que fomentá-la e encorajá-la é uma das atribuições daqueles que atuam em centros ou programas de desenvolvimento profissional, como os assessores. Sendo líderes, esses profissionais são convocados a ouvir, identificar problemas e oportunidades, estabelecer uma comunicação efetiva com os públicos, encorajar esforços, dar feedback, compartilhar responsabilidades, nutrir confiança mútua, ter objetivos comuns e inspirar, por meio do exemplo, uma postura colaborativa (TAYLOR; COLET, 2010).

Apesar de a existência de um programa de desenvolvimento profissional docente não ser suficiente para assegurar a superação das fragilidades na formação didático-pedagógica de professores universitários (VEIGA et al., 2012), em um cenário como o brasileiro, é fundamental promover ações que possam contribuir para a valorização da docência universitária, bem como para o favorecimento da transparência (ZABALZA, 2003), da colegialidade e da reflexão sobre a prática, passando do senso comum para um conhecimento profissional da docência (ZABALZA, 2005).

Os princípios que devem orientar esse desenvolvimento são descritos por Marcelo Garcia (2006 apudMAYOR RUIZ, 2009), estando sistematizados no Quadro 1.

Quadro 1
Princípios que devem orientar o desenvolvimento profissional docente

Tanto os princípios quanto as diretrizes mencionam o quanto o trabalho colaborativo é fundamental para o desenvolvimento profissional docente, na medida em que influencia a implementação de mudanças e de inovações. Professores que atuam de forma colegiada têm maior motivação e satisfação no exercício da docência, como também podem compartilhar suas experiências, trocar materiais e minimizar inseguranças. As inovações, afirma Zabalza (2003), não implicam apenas fazer algo novo, mas, sim, fazer algo melhor, que seja justificável e viável. São os excessos no individualismo e no tradicionalismo que influem no discurso de que é impossível transformar a universidade. Para o pesquisador, a única possibilidade de mudar as práticas universitárias é por meio da colaboração entre diferentes departamentos, instâncias e pessoas, uma sinergia de recursos humanos e de oportunidades que possa efetivar uma mentalidade que gere novos processos (ZABALZA, 2003).

A literatura fornece indicadores para fomentar o desenvolvimento profissional docente, categorizados sob duas perspectivas: relativos às estratégias que podem ser desenvolvidas pelas instituições (Quadro 2) e ao envolvimento docente necessário para o sucesso dessas ações (Quadro 3). Ainda, em relação às diretrizes para esses programas, em uma perspectiva estratégica, identifica-se que é necessário articular movimentos individuais e coletivos, que respeitem a voz e a diversidade de perfis dos professores presentes no cenário das universidades. Por isso, as estratégias e as frentes de atuação variam, possibilitando abranger diferentes momentos do ciclo de vida profissional do sujeito, interesses pessoais e institucionais, formação em uma dimensão pessoal e profissional, assim como investir em condições como tempo e estímulo institucional.

Quadro 2
Indicadores de estratégias institucionais

Quadro 2 (Cont.)
Indicadores de estratégias institucionais

Quadro 2 (Cont.)
Indicadores de estratégias institucionais

Quadro 3
Indicadores de envolvimento docente

A colaboração está sempre presente em princípios e diretrizes acerca do desenvolvimento profissional docente e pode ser estimulada por meio de ações presenciais ou dispositivos online, como ambientes virtuais de aprendizagem, e-mails, sites, fóruns, entre outros (VAILLANT; MARCELO GARCIA, 2012).

Hargreaves (1998) destaca que existem diferentes relações de natureza colaborativa, sendo algumas mais superficiais ou confortáveis e outras mais complexas, que demandam mais envolvimento. A colaboração mais efetiva em relação ao processo educativo é aquela em que a execução do trabalho é realizada de forma articulada entre os pares, em uma perspectiva estratégica, que vise a um resultado coletivo, mas que teve sua etapa de construção individual e depois partiu para as interações. Em outras palavras, em um trabalho de colaboração, existe uma base comum entre os participantes, um objetivo compartilhado entre todos, mas também motivações individuais que impulsionam a ação (HARGREAVES, 1998; BOAVIDA; PONTE, 2002). A colaboração é, portanto, intencional, requer abertura, diálogo, confiança, participação nas decisões e implica reflexão crítica.

A dificuldade de instituir uma cultura de colaboração não está apenas em fatores individuais e psicológicos, como a resistência ou a má vontade dos docentes. Há fatores culturais e institucionais que sedimentam uma cultura de individualismo nas universidades. As regras institucionais, por exemplo, são obstáculos para a colaboração, pois estão focadas em tarefas e resultados e não no processo. Assim, embora no discurso a colaboração entre pares esteja relacionada a uma maior produtividade e melhores resultados, também está articulada a uma perspectiva em que atuar em equipe dá mais trabalho e exige mais tempo, não havendo, por vezes, ações institucionais de encorajamento ao trabalho colaborativo (HARGREAVES, 1998; ROLDÃO, 2007).

Encaminhamento metodológico

Para a seleção dos programas de formação que seriam analisados, inicialmente foi realizada uma revisão de literatura (artigos científicos e/ou livros), buscando identificar informações sobre a existência de programas de formação institucionalizados e que descrevessem estratégias de formação diversificada. Nessa busca, foram identificados dois programas, mencionados em relato de artigos, que tinham essa característica: os centros de formação docente da USP e da Univali. A escolha do Centro de Ensino e Aprendizagem (CrEAre) da PUCPR e do Centre d'Études et de Formation en Enseignement Supérieur (CEFES) da UdeM deu-se por serem os centros das instituições vinculadas às pesquisadoras desta investigação (Quadro 4).

Quadro 4
Documentos analisados

A partir da leitura e da análise dos documentos, elaborou-se, com apoio de uma planilha de controle, uma descrição detalhada das quatro iniciativas e dos dispositivos que constituem a experiência de cada universidade, considerando a categorização presente nos estudos de casos da USP e da Univali, que são parte de pesquisa interinstitucional desenvolvida na Universidade de Brasília (UnB) e no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB)1, entre 2009 e 2012, tendo por objetivo refletir sobre as possibilidades e os limites dos programas de desenvolvimento profissional, em uma perspectiva institucional, para o exercício da docência na educação superior (VEIGA et al., 2012). As categorias eram: premissa ou ideia inicial; cenário; objetivos; inserção na estrutura administrativa; pressupostos teórico-metodológicos; características das estruturas organizacionais; práticas formativas desenvolvidas; e importância atribuída aos programas e aos limites, todas derivadas dos objetivos do estudo mencionado.

Após essa primeira sistematização, foi realizada nova leitura para análise dos dados, ressaltando as evidências relacionadas aos princípios que permitiam orientar o desenvolvimento profissional docente (MARCELO GARCIA, 2006 apudMAYOR RUIZ, 2009) e à matriz de fomento ao desenvolvimento profissional docente, categorizados em relação às estratégias que podem ser desenvolvidas pelas instituições (Quadro 2) e ao envolvimento docente necessário para o sucesso dessas ações (Quadro 3). A última análise dos dados considerou o conceito de colaboração entre pares (HARGREAVES, 1998) que mobilizou a realização desta investigação.

Resultados

Até o início dos anos 2000, eram poucas as iniciativas institucionais voltadas à revisão da prática dos docentes universitários, à formação pedagógica e ao desenvolvimento profissional. Não havia qualquer exigência de que os professores aprendessem a ensinar, pois o foco estava no domínio dos conteúdos específicos da área em que se lecionava. Essa ainda é a realidade em diferentes instituições de Ensino Superior, pouco preocupadas em propiciar condições formativas que permitam a renovação nas metodologias empreendidas nos cursos universitários.

Observa-se, no Quadro 5, que, guardando particularidades do contexto, todas as experiências de programas de desenvolvimento profissional docente analisadas apresentam o princípio da colaboração como uma forte diretriz em seus trabalhos formativos, ao lado da contextualização das discussões, o que demonstra uma forte inclinação para que os professores universitários possam debater as dificuldades cotidianas relacionadas à sua prática profissional.

Quadro 5
Síntese das experiências institucionais

Quadro 5 (Cont.)
Síntese das experiências institucionais

No Quadro 6, encontram-se assinalados os princípios que podem ser inferidos como presentes na proposta das instituições a partir da documentação analisada, apoiadas por Marcelo Garcia (2006 apudMAYOR RUIZ, 2009). As lacunas maiores nessas universidades são relativas à diversidade de recursos oferecidos para a formação e à garantia de continuidade dos centros de formação. Pelo site, observa-se que a USP e a UdeM oferecem diferentes alternativas para formação, algumas de autoformação, como vídeos e referências diversas, como também estratégias de atendimento diferenciadas para professores novatos ou experientes. Quanto à continuidade dos centros de formação, esse pode ser um desafio tanto para universidades nacionais quanto internacionais. A descontinuidade é evidenciada ao encontrar, nos sites, páginas desatualizadas ou boletins e jornais virtuais que não foram atualizados ao longo dos anos.

Quadro 6
Princípios presentes na proposta das instituições

Embora a colaboração seja considerada essencial para a melhoria nos processos institucionais e educacionais, as instituições de ensino são permeadas por uma cultura de individualismo e de isolamento construída ao longo da história, com base em questões como a liberdade de cátedra e o asseguramento da autonomia do professor universitário. A privacidade, nesse sentido, como afirma Zabalza (2003), protege o docente em relação à sua responsabilidade de revisar sua prática e adotar a valorização da docência como uma premissa profissional.

Nos casos analisados (Quadro 7), as universidades instituíram programas de desenvolvimento continuado ao identificar a necessidade de valorização da docência, de reconfiguração das práticas dos professores universitários e de promoção de competências profissionais essenciais para a qualidade no processo de ensino e aprendizagem. As carências na formação dos professores foram evidenciadas em pesquisas e avaliações institucionais.

Quadro 7
Indicadores presentes na proposta das instituições

A forte presença do princípio de colaboração e de contextualização nos programas analisados também evidencia que as experiências, tanto as mais quanto as menos recentes, compreendem a instrumentalização do professor em relação aos conteúdos pedagógicos e didáticos apenas como parte do processo e não como seu principal norte, além da complexidade da docência e das dificuldades para a aquisição das competências profissionais necessárias ao seu exercício, atuando fortemente na tentativa de uma cultura de colaboração focada no diálogo, na capacidade de escuta e na consolidação de relações de confiança. Entre as dificuldades apontadas, está, por exemplo, o prestígio da pesquisa como atividade profissional dos professores, em detrimento da docência. Também consideram que a colaboração é fundamental para a realização de mudanças viáveis e que gerem inovação na Graduação.

A experiência da USP demonstra intensa preocupação em travar discussões coletivas acerca das condições de trabalho docente e seus impactos na colegialidade e na colaboração. No cenário de uma universidade pública, aliás, essa discussão é empreendida de forma mais natural e confortável. O programa de desenvolvimento profissional docente empreendido na Univali, por sua vez, ressalta questões institucionais, no intuito de gerar um sentimento de pertencimento. Por fim, o da PUCPR destaca-se pela sistematização do processo, essencial, como afirma Zabalza (2003), para sua continuidade de forma estratégica e para a verificação de resultados na aprendizagem dos estudantes. As outras duas experiências (USP e Univali) também passaram por ajustes e adequações, a fim de atender às novas demandas identificadas ao longo do tempo, assim como alterações relacionadas à gestão.

Em relação à forma como as instituições promovem a colaboração entre pares (Quadro 8), identificou-se uma tendência de que as discussões sejam estabelecidas dentro das atividades formativas planejadas, existindo poucas evidências de que as conversas informais - externas aos espaços de formação estabelecidos institucionalmente - também são valorizadas (FEIXAS, 2004). Também não há indicações de que conversas em espaços de convívio, como sala dos professores, troca de materiais entre docentes e atitudes como conselhos ou ajudas - caracterizadas como um nível de colaboração mais espontâneo e superficial - sejam consideradas de forma estratégica nas iniciativas.

Quadro 8
A colaboração nas experiências de desenvolvimento profissional docente

Quadro 8 (Cont.)
A colaboração nas experiências de desenvolvimento profissional docente

A experiência dos formadores do programa da Univali (KUROSHIMA et al., 2016) destaca que, para os próprios professores que atuam como mediadores ou assessores, a interlocução com os pares é desafiadora e impulsiona novas reflexões acerca da prática - empreendida em sala de aula ou nas atividades de formação com os docentes -, fomentando a criatividade, os questionamentos e a vontade de investigar o ensino, assim como a promoção da ideia de que a docência é mais coletiva do que individual. Esses dois fatos demonstram a onipresença e a imprevisibilidade da colaboração (HARGREAVES, 1998). Para colaborar, não há controle, previsibilidade ou agendamento. Nesse sentido, a USP adota a formação coletiva (ALMEIDA; PIMENTA, 2011) como ponto essencial de políticas institucionais voltadas ao desenvolvimento profissional docente.

Essa percepção converge com a identificação de que a colaboração se articula às diferentes iniciativas dos programas, tanto de forma intrínseca às atividades, como no caso da promoção de discussões entre pares dentro dos cursos ou oficinas, quanto central, ou seja, quando a atividade é efetivamente focada na socialização de experiências, na apresentação de casos práticos, inseguranças, angústias ou soluções, como em fóruns, simpósios ou experiências de comunidade de prática (Quadro 8).

Por outro lado, não há evidências de que estão sendo incentivados, institucionalmente, projetos coletivos de trabalho como forma de encorajar a atuação colaborativa. Há, sim, forte perspectiva de abertura da sala de aula ou transparência (ZABALZA, 2004), na medida em que os espaços de formação pretendem fomentar os relatos e a busca coletiva de soluções, com respeito às diferenças individuais.

Todavia, entendendo que o projeto coletivo é a reconfiguração da docência e, dentro disso, o objetivo geral estabelecido é de que cada docente participante das atividades dos programas possa rever sua prática, em certo nível, identificou-se o engajamento dos professores participantes em um processo colaborativo institucionalizado, com respeito à individualidade de cada sujeito - prerrogativa destacada em todas as experiências analisadas. Isso também se evidencia pela dificuldade de mobilização institucional, verificada nas experiências, uma vez que há sempre uma parcela de docentes que não se voluntaria a participar das atividades e resiste às iniciativas institucionais (MAYOR RUIZ, 2009).

A descrição das iniciativas de promoção à colaboração das experiências citadas destaca a perspectiva de Hargreaves (1998) de que a colaboração transcende uma reflexão individual, proporcionando o aprender um com os outros e um desenvolvimento em conjunto. Nos casos apresentados, os docentes estão engajados em atividades de formação e são convidados a socializar suas experiências, o que também revela um compromisso com o aperfeiçoamento, tanto individual quanto coletivo. A socialização implica uma postura de abertura e de confiança (BOAVIDA; PONTE, 2002), que, mesmo quando estimulada artificial e formalmente por formadores, pode trazer muitos benefícios, como incentivo a correr riscos e superar inseguranças, um cenário propício para a inovação. Compartilhar os dissabores e as angústias profissionais, assim como os bons resultados, também tem impacto no clima organizacional e traz maior satisfação ao exercício profissional (BOAVIDA; PONTE, 2002).

Considerações finais

Ao abordar a importância da cultura da colaboração, em vez de uma cultura do individualismo, diferentes pesquisadores (ZABALZA, 2004; CUNHA, 2014b) dão a ela uma prerrogativa de organicidade, ou seja, de que a universidade como um todo, em sua estratégia, planejamento e documentação institucional, na sua forma de atuação e de relacionamento com os diferentes atores que compõem o cenário organizacional, precisa adotá-la para a melhoria em seus processos. Essa conexão mais ampla entre o conceito de colaboração e as instituições de ensino analisadas ainda não é perceptível, mesmo identificando que ela é diretriz e princípio presente nos programas de desenvolvimento profissional docente. Em síntese, a colaboração é valorizada, porém ainda não constitui parte da cultura das organizações.

Há pelo menos dois fatores que se revelam como limitadores nesse sentido: a força histórica da cultura do individualismo e uma atitude individual de preservação da autonomia do professor. Hargreaves (1998) e Roldão (2007) evidenciam, porém, em relação ao comportamento do professor, que se trata de um componente de menor peso, tendo em vista que a má vontade ou resistência apresentada pelos docentes é verdadeiramente reforçada pelo primeiro fator, ou seja, encontra respaldo no discurso de que o trabalho solitário é uma característica intrínseca ao trabalho docente. Para os pesquisadores, há regras institucionais e condições de trabalho que afetam diretamente a ausência de colegialidade e de colaboração entre professores universitários.

A socialização de experiências, aspecto mais presente nos casos estudados, revelado intrinsecamente nas iniciativas de formação, como cursos e oficinas, evidencia que há muito a ser explorado em relação à colaboração entre pares nas instituições de Ensino Superior preocupadas em investir em desenvolvimento profissional docente, especialmente no sentido de que o compartilhamento de experiências, embora fundamental para romper o isolamento, não constitui iniciativa que promove projetos coletivos, em direção a um objetivo comum.

A efetiva colaboração compreende o desafio de somar conhecimentos adquiridos individualmente, assim como as diferentes habilidades e aptidões dos sujeitos, com vistas a um projeto e objetivo coletivos, que também possam atender às motivações individuais de cada um dos envolvidos e estrategicamente aos propósitos educacionais e institucionais. Mesmo os eventos focados na socialização de experiências, um passo mais específico e significativo em relação à colaboração, não significam efetivamente essas características de colaboração.

Outro aspecto é que a colaboração não pode ser apenas artificial e formalmente construída. Embora seja essencial que a instituição estimule o trabalho coletivo, as ações informais de colaboração precisam ser valorizadas. Nesse sentido, coordenadores e gestores precisam estar familiarizados com o modo de estimular os próprios docentes a atuar em conjunto em processos de tomada de decisão (administrativamente), assim como na integração das disciplinas e dos conteúdos (pedagogicamente).

A colaboração afeta a qualidade e a continuidade dos programas de desenvolvimento profissional, na medida em que os professores se engajam mais facilmente quando são estimulados por seus pares e percebem a aplicabilidade das proposições e das reflexões resultantes do processo de formação docente. O diálogo e a troca, tanto de angústias quanto de acertos, também contribuem para superar as inseguranças e as incertezas presentes em diferentes momentos e cenários do ciclo de vida profissional.

O desafio está em propiciar iniciativas diversificadas de incentivo à colaboração, desde as mais superficiais àquelas que requerem maior engajamento e compromisso pessoal, identificando inovações, como ações online, que possam promover compartilhamento e interações por meio da apropriação de recursos da internet ou atividades de mentoria e apoio entre professores com mais experiência e principiantes. Além de ações institucionais que fomentem a colaboração, de forma a melhorar as condições de trabalho dos docentes, criar espaços de encontro e de interlocução e incentivar o trabalho coletivo.

Apenas com ações formais e informais articuladas com o reconhecimento institucional acerca da importância da colaboração será possível superar uma cultura enraizada de individualismo nas instituições de Ensino Superior.

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ZABALZA BERAZA, M. A. Competencias docentes del profesorado universitario. 3. ed. Madrid: Narcea Ediciones, 2005.

Notas

1 Diversas obras e artigos sistematizam estratégias institucionais de formação docente nas universidades, porém a seleção dessa compilação ocorreu devido à adoção de um percurso metodológico e de categorias de análise comuns entre as cinco experiências selecionadas.


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