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Ser formador nas licenciaturas: desafios da aprendizagem docente
Doris Pires Vargas Bolzan; Ana Carla Hollweg Powaczuk; Silvia Maria de Aguiar Isaia
Doris Pires Vargas Bolzan; Ana Carla Hollweg Powaczuk; Silvia Maria de Aguiar Isaia
Ser formador nas licenciaturas: desafios da aprendizagem docente
Being an educator in teaching undergraduate courses: challenges of teacher learning
Ser formador en las licenciaturas: desafíos del aprendizaje docente
Práxis Educativa, vol. 13, núm. 2, pp. 365-384, 2018
Universidade Estadual de Ponta Grossa
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Resumo: Neste artigo, discute-se a aprendizagem da docência no Ensino Superior a partir da tessitura das dinâmicas formativas vivenciadas nos espaços de atuação do professor universitário, enfocando as dimensões de produção de sentido na/da docência, a concepção de formação e a arquitetura formativa. O estudo pautou-se na abordagem narrativa sociocultural com base em Vygotski (1991, 1995), Leontiev (1984), Bakhtin (1995, 2010, 2011), Connelly e Clandinin (1995), Werstch (1993) e Freitas (2000), Freitas e Ramos (2010) e foi desenvolvido a partir de entrevistas com professores/formadores das licenciaturas. O objetivo foi compreender as concepções sobre a aprendizagem docente e suas implicações nos processos formativos nesse contexto. Destaca-se a aprendizagem de ser professor tecida pelas concepções e pelas vivências constituídas nos espaços/tempos em que se desenvolvem os processos formativos. Os múltiplos desafios que emergem na diversidade contextual das licenciaturas na universidade revelam a cultura de colaboração como via capaz de problematizar dilemas e tensões profissionais, configurando uma cultura docente própria.

Palavras-chave: Aprendizagem da docênciaAprendizagem da docência,Processos formativosProcessos formativos,Educação SuperiorEducação Superior.

Abstract: In this article, we discuss the teacher learning in Higher Education from building the formative dynamics experienced in the spaces of action of the university professor, focusing on the dimensions of production of meaning in\of the teaching, the conception of education and the formative architecture. The study was based on the sociocultural narrative approach drawing from Vygotski (1991, 1995), Leontiev (1984), Bakhtin (1995, 2010, 2011), Connelly and Clandinin (1995), Werstch (1993), Freitas (2000), Freitas and Ramos (2010) and was developed from interviews with professors/educators of teaching undergraduate courses. The objective was to understand the conceptions about teacher learning and its implications in the formative processes in this context. We emphasize the learning of being a professor built by the conceptions and experiences constituted in the spaces/times in which the formative processes are developed. The multiple challenges that emerge in the contextual diversity of teaching undergraduate courses in the university reveal a culture of collaboration as a viable way of problematizing dilemmas and tensions, setting up its own teaching culture.

Keywords: Teacher learning, Formative processes, Higher Education.

Resumen: En ese artículo, se discute el aprendizaje de la docencia en la Enseñanza Superior a partir de la tesitura de las dinámicas formativas vividas en los espacios de actuación del profesor universitario, con enfoque en las dimensiones de producción de sentido en la/de la docencia, la concepción de formación y la arquitectura formativa. El estudio se pautó en el abordaje narrativo sociocultural con base en Vygotski (1991, 1995), Leontiev (1984), Bakhtin (1995, 2010, 2011), Connelly y Clandinin (1995), Werstch (1993) y Freitas (2000), Freitas y Ramos (2010) y fue desarrollado a partir de entrevistas con profesores/formadores de las licenciaturas. El objetivo fue comprender las concepciones sobre el aprendizaje docente y sus implicaciones en los procesos formativos en ese contexto. Se destaca el aprendizaje de ser profesor tejido por las concepciones y vivencias constituidas en los espacios/tiempos en que se desarrollan los procesos formativos. Los múltiples desafíos que emergen en la diversidad contextual de las licenciaturas en la universidad revelan la cultura de colaboración como vía capaz de problematizar dilemas y tensiones profesionales, configurando una cultura docente propia.

Palabras clave: Aprendizaje de la docencia, Procesos formativos, Educación Superior.

Carátula del artículo

Dossiê: Desenvolvimento profissional docente

Ser formador nas licenciaturas: desafios da aprendizagem docente

Being an educator in teaching undergraduate courses: challenges of teacher learning

Ser formador en las licenciaturas: desafíos del aprendizaje docente

Doris Pires Vargas Bolzan
Universidade Federal de Santa Maria, Brazil
Ana Carla Hollweg Powaczuk
Universidade Federal de Santa Maria, Brazil
Silvia Maria de Aguiar Isaia
Universidade Federal de Santa Maria, Brazil
Práxis Educativa, vol. 13, núm. 2, pp. 365-384, 2018
Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 13 Julho 2017

Aprovação: 29 Novembro 2017

Inserção temática

A aprendizagem docente vem sendo foco de estudo do Grupo de Pesquisa Formação de Professores e Práticas Educativas: Educação Básica e Superior (GPFOPE)1 nas pesquisas desenvolvidas nos últimos quinze anos. De modo especial, temos nos centrado em compreender os processos que compõem a tessitura do fazer-se docente no Ensino Superior, uma vez que esses profissionais não possuem formação específica para as atividades docentes nesse nível de ensino.

Consideramos que o aprender a ser professor abriga um complexo processo de elaboração entre o já vivido e a criação de novas e distintas configurações do agir docente, as quais retraduzem exigências e necessidades que se apresentam no contexto da atuação nas Instituições de Ensino Superior (IES), e, também, com o modo como os professores as significam ao longo de seu percurso docente. Portanto, compreender os devires professorais dos sujeitos que atuam na docência no magistério superior tem sido um mote dos nossos estudos (BOLZAN, 2002, 2004, 2006, 2008, 2010/2011, 2013/2016; BOLZAN; ISAIA, 2006, 2010; BOLZAN; POWACZUK, 2013, 2017; ISAIA, 2006a, 2006b; ISAIA; BOLZAN, 2007a, 2007b, 2007c, 2008, 2012; POWACZUK, 2012, POWACZUK; BOLZAN, 2014, 2015).

Compreendemos os devires professorais a partir da abordagem histórico-cultural, a qual toma como essência a constituição social do trabalho. A ênfase está no processo de aprender a ser professor e à sua relação com as construções históricas e coletivas acerca da profissão docente, destacando a relação dialética que articula as dimensões intra e interpessoal (VYGOTSKI, 1991, 1995; LEONTIEV, 1984; HELLER, 1991). Logo, consideramos que não há como compreender a aprendizagem de ser professor, sem que se leve em conta o modo como os sujeitos produzem sentido e significado às suas ações ao longo de sua trajetória profissional.

Nosso desafio é refletir sobre as escolhas e as tomadas de decisão frente às vivências no exercício da docência, revelando os sentidos produzidos sobre a profissão. Podemos dizer que a aprendizagem do ser professor precisa estar alicerçada na construção colaborativa capaz de promover a reflexão na e sobre a atividade docente, o que pressupõe uma constante reestruturação do fazer cotidiano, tendo como referência um longo caminho a ser desconstruído, reconstruído e consolidado (BOLZAN, 2012, 2016).

O estudo

A proposição deste artigo parte dos resultados da pesquisa intitulada Aprendizagem da docência: processos formativos de estudantes e formadores da Educação Superior, a qual teve como objetivo compreender as concepções de estudantes e formadores acerca da aprendizagem docente e sua implicação nos processos formativos desses sujeitos. O estudo envolveu professores e estudantes da Educação Superior, inicialmente, das licenciaturas em Pedagogia e Educação Especial (diurno e noturno) de uma universidade pública e de uma instituição de Ensino Superior comunitária.

Por meio dessa pesquisa, procuramos compreender quais são as concepções elaboradas por cada sujeito nos cursos investigados e como elas implicam e/ou repercutem nas trajetórias construídas, impulsionando suas atividades e consolidando seus percursos formativos. O recorte aqui apresentado centra-se nos resultados obtidos sobre a aprendizagem docente dos professores/formadores atuantes dos cursos de Pedagogia e de Educação Especial.

A pesquisa configurou-se em um estudo qualitativo que nos possibilitou aprofundar a compreensão sobre a aprendizagem da docência. Empreendemos como abordagem metodológica a narrativa sociocultural. Essa abordagem foi cunhada por Bolzan (2002, 2006), alicerçada nos estudos de Vygotski (1991, 1995), Bakhtin (1995, 2010, 2011), Connelly e Clandinin (1995), Werstch (1993) e Freitas (2000), Freitas e Ramos (2010). A perspectiva de investigação, nessa abordagem, considera os aspectos construídos pelo sujeito historicamente situado na sociedade, refletindo-se nas concepções e nas configurações atuais sobre a docência nas diferentes áreas do conhecimento.

Esse tipo de investigação tem como premissa dar voz e vez aos sujeitos investigados, de modo a possibilitar a análise de suas atividades discursivas/narrativas (BOLZAN, 2002, 2006). Segundo a autora, na perspectiva bakhtiniana, dar voz ao sujeito é constituir um espaço dialógico em que os enunciados são considerados na sua totalidade, procurando evidenciar os sentidos e os significados impressos na narração do vivido, exigindo do pesquisador o reconhecimento da contextura2 do discurso.

Assim, a pesquisa3 foi desenvolvida em três etapas: na primeira, realizamos um estudo exploratório, examinando os currículos Lattes dos 39 professores/formadores participantes do estudo; na segunda etapa, levantamos as ideias que os sujeitos/colaboradores do estudo (professores/formadores que ministram aulas em diferentes semestres dos cursos) constroem acerca de sua aprendizagem docente; e, na terceira etapa, configurando a análise, delineamos como os processos formativos em andamento repercutem nas concepções de aprendizagem da docência narradas por meio das entrevistas narrativas.

Consideramos que a compreensão e a interpretação das narrativas exigem uma espécie de estudo da contextura, na qual se dá a atividade discursiva/narrativa, destacando-se a atenção e a eloquência utilizada pelos narradores. Compreender o modo como se apresenta o tecido organizacional do curso implica explicitar suas características e peculiaridades, colocando-se em evidência o contexto de cada um. Acreditamos que a contextura é a chave para a construção de um processo explicativo-interpretativo, no qual se pode reconhecer a forma como se entrelaçam e prendem os fios da trama formativa, buscando responder aos objetivos do estudo. Nosso esforço, nessa busca, levou-nos ao exercício de uma escuta atenta aos eventos e aos significados narrados pelos sujeitos de modo a compreender os seus contextos (BOLZAN; POWACZUK, 2017).

Nessa direção, utilizamos a entrevista narrativa como instrumento da investigação, levando em conta que o sujeito, que é autor da sua história, é capaz de contá-la a outro (o pesquisador), reconstruindo os fatos e os acontecimentos que constituem sua trajetória pessoal e profissional, extraindo deles suas peculiaridades (BAKHTIN, 1995, 2010, 2011; BAUER; GASKELL, 2014). Para a efetivação das entrevistas, organizamos um roteiro de conversa a partir de tópicos guia, visando conhecer a trajetória pessoal e profissional dos 39 formadores participantes deste estudo, assim como sua visão acerca da formação inicial e da dinâmica curricular do respectivo curso ao qual estão vinculados e/ou atuando.

Os contextos desta pesquisa envolvem cinco cursos de Licenciatura Plena, sendo Pedagogia diurno e noturno - IES pública; Educação Especial diurno e noturno - IES pública; e Pedagogia noturno de um Centro Universitário com perfil comunitário. Ambas as IES, pública e comunitária, estão localizadas na região central do estado do Rio Grande do Sul. Enfatizamos que a nossa intencionalidade foi de nos aproximarmos das ideias, das concepções e dos saberes construídos pelos professores em suas trajetórias profissionais, a fim de compreendermos que elementos contribuem para a tessitura do aprender a ser professor.

Aprendizagem de ser professor: desafios da docência

Aprendizagem docente no Magistério Superior revela desafios e enfrentamentos que incidem em (re)configurações contínuas nos fazeres e nos saberes dos profissionais que escolhem a docência como campo de atuação. A profissão docente nas IES é permeada e constituída por múltiplos elementos que configuram tramas complexas e diversificadas, revelando as vivências da profissão como substrato do processo de elaboração do fazer-se professor.

O devir docente revela-se atrelado ao modo como as experiências repercutem no processo de significação da profissão, colocando em destaque as múltiplas interações e as exigências que se estabelecem. Uma composição singular que se expressa e se atualiza a partir das possibilidades de interpretação e de [re]significação das ações desenvolvidas no trabalho docente.

Ao investigarmos os processos que tecem essa aprendizagem, evidenciamos como elementos que os compõem: a produção de sentido da/na docência, a concepção de formação e a arquitetura formativa. A produção de sentido da/na docência abrange os processos de significação sobre ser professor em termos de exigências e desafios implicados na sua construção. Segundo Bolzan (2016), a produção de sentido refere-se aos valores e às expressões singulares acerca dos elementos que constituem a docência (sentido individual, significado social e cultural), ou seja, o que é tomado como importante e necessário no processo de aprender a docência.

Entendemos o sentido como dinâmico, fluído, subjetivo, que apresenta zonas de estabilidade variadas. Toma como ponto de partida os significados socialmente elaborados e construídos, os quais são reconfigurados do plano interpessoal, para o intrapessoal produzindo novos sentidos que são sempre singulares e instransponíveis. Logo, para compreendermos a aprendizagem de ser professor, é preciso entendê-la a partir do contexto de cada um dos atores sociais, considerando os processos formativos constituídos a partir das trajetórias pessoais e profissionais.

Os processos formativos implicam o modo como os sujeitos apropriam-se da profissão de acordo com suas referências de escolarização, expectativas profissionais e vivências em diferentes espaços de atuação (BOLZAN, 2013, 2016). Desse modo, importa levar em conta as concepções de formação que são tecidas a partir dos processos formativos, consolidando e validando investimentos no processo de aprender a docência. Consideramos que as concepções de formação abrangem diferentes movimentos produzidos ao longo da carreira docente, marcados por interrupções e alternâncias que proporcionam o aparecimento de novos ideários acerca da aprendizagem de ser professor.

Compreendemos que essas dinâmicas abarcam os espaços e os tempos formativos, a partir da cultura produzida nas Instituições onde a docência é desenvolvida, constituindo e sendo constituída por uma determinada arquitetura formativa. Conforme Bolzan e Powaczuk (2015, 2017), o conceito de arquitetura formativa caracteriza-se pela forma organizacional dos cursos, implicando os modos como os desenhos curriculares constituem-se e as relações que os sujeitos estabelecem ao se envolverem nas atividades de ensino, pesquisa e extensão dinamizadas. A arquitetura formativa revela-se delineada pelas dinâmicas institucional e pedagógica, evidenciando processos que definem e promovem os modos organizacionais dos cursos e das instituições, a partir da cultura institucional que permeia cada contexto.

A cultura institucional é expressa pelas ideias, pelas crenças, pelas teorias, pelas normas, pelos valores e pelas ideologias que se relacionam com os conhecimentos e os processos pedagógicos produzidos no âmbito institucional. Organiza-se a partir de esquemas subjetivos, concernentes aos elementos práticos, cognitivos e dinâmicos das ações. Implica reconhecimento de traços históricos e sociais nas IES.

Consideramos que a produção de sentido da/na docência vai sendo configurada, apoiada nas múltiplas experiências vividas no exercício continuado da profissão, tendo em vista as concepções de formação que vão sendo redimensionadas diante dos desafios da docência. Essa produção de sentido consolida-se, assim, na tessitura dos contextos formativos a partir dos desenhos curriculares que compõem as arquiteturas formativas.

Desafios da docência: as narrativas

Ao debruçarmo-nos sobre a aprendizagem docente dos professores/formadores atuantes dos cursos de Pedagogia e de Educação Especial, evidenciamos o cotidiano docente permeado por inúmeros desafios, dentre os quais está a preocupação com o campo de conhecimento pelo qual os professores são responsáveis. Nas vozes dos formadores, destacamos estas ideias:

Quanto à organização do trabalho pedagógico, o grande desafio é o domínio dos conteúdos, para mim é o mais difícil, porque a gente tem tantas outras atribuições na função de ser professora que o fato de tu sentares para estudar sobre um conteúdo é um desafio. Quando eu fiz Pedagogia eu não tinha ideia do que eram projetos pedagógicos, que é uma coisa que a gente fala hoje, muito. Aí, de repente, quando tu vais dar aula, eu tenho essa preocupação de dar diferentes metodologias, dar o olhar de diferentes lados das coisas, só que isso é muito difícil: mostrar um determinado conteúdo sobre várias abordagens teóricas que ele pode ter, a gente não consegue estudar sobre vários autores. (Bárbara, professora do curso de Pedagogia - noturno, IES comunitária).

Em termos de formação, o professor tem que ter uma formação na área específica que vai atuar, acho que isso é bem importante. Outra questão que me parece importante, em termos de perfil do professor, é que ele esteja bastante envolvido na Graduação e não simplesmente que seja um professor que vá lecionar uma disciplina e vá embora. Acho que ele tem que ter um investimento no curso, ter vínculo, e isso é uma coisa que nem sempre a gente consegue. E essa é uma das questões que nós estamos discutindo, o curso precisa criar uma identidade; os formadores precisam compreender que formar professores não é a mesma coisa do que formar outro tipo de profissional, que vai trabalhar numa área aplicada mais técnica, aqui precisa do desenvolvimento de um ser humano diferenciado, que tenha uma capacidade de escuta, de perceber o outro a partir de onde o outro está! (Marlon, professor do curso de Pedagogia - diurno, IES pública).

De fato, o domínio do conteúdo é uma competência básica para a atuação docente. Contudo, o professor precisa ter condições de compreender que o conhecimento do conteúdo que ensina não é suficiente para que possa tomar as melhores decisões acerca do ensino. De acordo com Marcelo e Vaillant (2009), não é possível estabelecer uma relação direta entre maior conhecimento por parte do professor e melhor aprendizagem do estudante. Há um conjunto de elementos a serem combinados em uma situação de ensino, dentre os quais está o conhecimento da matéria a ensinar e o conhecimento pedagógico. Contempla, ainda, a forma de organização e de representação dos conhecimentos no processo de formação, o que favorece ao estudante construir a sua compreensão sobre o tema em estudo.

Nessa perspectiva, conhecer a forma como os estudantes compreendem a matéria e sua relação com o campo profissional a que se destinam é fundamental, para que o processo formativo seja de fato colocado em andamento. Os professores manifestam que o desafio está em mobilizar os estudantes para o investimento em seus percursos de formação, promovendo a produção de sentido sobre o conteúdo em pauta.

As narrativas dos professores reiteram a importância dos processos formativos e a condução das estratégias a serem adotadas para que tenham êxito no trabalho que desenvolvem.

Cada turma é um desafio, é um frio na barriga [...], tem que saber que ali existe um contexto de trinta subjetividades específicas, a gente fala tanto isso para os alunos em formação, pensarem a escola, mas a gente, como professor da sala de aula, consegue fazer isso em que medida? [...]. Cada sujeito é um, cada um vai conseguir estabelecer relações com o que tu estás dizendo e com as questões teóricas da disciplina de uma forma. [...]. Eu acho que se aprende sendo, não vejo outro jeito, especialmente no Ensino Superior, mas mesmo na Educação Básica tu aprendes com as tuas experiências cotidianas, na relação que tu vais estabelecendo dentro da escola, entendendo o que é estar na escola, o que é conduzir uma turma [...], é o que o dia-a-dia vai te dar. (Sandra, professora do curso de Educação Especial - diurno, IES pública).

Acho que mobilizar o aluno para aprender e aprender a sua profissão. Às vezes, eu acho que eles são muito imaturos academicamente, não imaturos de idade [...], mas no sentido de compreender que essa é uma profissão que eles estão abraçando para, no mínimo, 20 anos e que a gente não pode fazer de qualquer jeito, que envolve gente, envolve seres humanos, envolve crianças. Isso tem sido uma luta bastante árdua, vejo que não só minha, mas dos colegas também, não sei até que ponto a gente tem conseguido fazer isso. (Verônica, professora do curso de Educação Especial - diurno, IES pública).

Os desafios para os alunos é essa consistência que eles precisam ter esse aparato de conhecimento que eles precisam ter para dar conta da demanda deles depois na escola, e é um desafio para eles, porque o nosso curso demanda muita leitura, muita interpretação, e a gente vê que é uma fragilidade bastante grande essa autonomia pela busca do conhecimento, a gente está sempre muito atenta a isso para não mastigar as coisas para eles. (Regina, professora do curso de Pedagogia - noturno, IES comunitária).

As exigências vivenciadas pelos professores/formadores os mobilizam a refletir sobre o papel que exercem nos cursos de licenciatura em que atuam. O papel de mediador do conhecimento coloca os formadores diante do desafio de compreenderem a educação em um contexto mais amplo, favorecendo que os estudantes se apropriem desse conhecimento, produzindo novos sentidos para si. Assim, a mediação é inerente à organização do trabalho pedagógico4, exigindo que o professor/formador reflita sobre intencionalidade na atividade de ensino5, o que pressupõe a clara definição na dinâmica pedagógica do que seja ensinar e aprender na Educação Superior, como observamos nas narrativas que seguem:

Ensinar é quando eu consigo fazer com que aquele aluno se aproprie do conhecimento que ele está buscando e que a gente está propondo. [...]. Se apropriar desse conhecimento e falar que ele pode trabalhar com esse conhecimento com desenvoltura, com autonomia, agregando, trazendo outros elementos. [...]. Aprender é quando eu ou o aluno consegue se apropriar daquele conhecimento e se apropriar no sentido que aquele conhecimento que ele estudou ele consiga ou aplicar na vida dele ou expressar, argumentar sobre aquele conhecimento, não como uma reprodução, mas com alguma coisa elaborada e que vá além daquilo que ele teve como conteúdo no caso, como subsídio para elaborar esse conhecimento, quando ele compreende esse conhecimento, acho que principalmente fazendo inter-relações. Os desafios para os alunos é essa consistência que eles precisam ter esse aparato de conhecimento que eles precisam ter para dar conta da demanda deles depois na escola. (Regina, professora do curso de Pedagogia - noturno, IES comunitária).

O que é ensinar diante de tudo isso... ensinar e aprender andam muito junto; se eu me proponho a ensinar eu estou me propondo a aprender e eu não posso abrir uma cabecinha lá e dizer isso aqui é um código e isso vai entrar. Ensinar é proporcionar um ambiente em que se possam responder perguntas, que se possa questionar, que se possa sugerir e que se possa, acima de tudo, interagir. E aí o professor é o que? Ele é realmente o mediador, ele instiga, ele vai fazer as perguntas, ele vai trazer uma aula que vai valer a pena para aquela pessoa viver aquilo, ter aquele momento na sua vida e não ir para a escola simplesmente porque eu tenho que ir para a escola. (Ariane, professora do curso de Pedagogia - noturno, IES comunitária).

O desafio para mim hoje é a participação do corpo docente, é a questão do contexto que estamos. Qual é o nosso compromisso coletivo em relação a isso para formar professores para a escola básica? Eu sou professora universitária, mas o meu compromisso é com a formação profissional da escola e formar este professor de escola básica quer dizer o quê? Eu tenho, minimamente, que me interessar e querer relacionar o que eu estou trabalhando com os alunos; o que isso que eu estou trabalhando tem a ver com o professor lá daquela escola, para a Educação Infantil e anos iniciais? Que é o que a gente fala aqui na pedagogia. [...]. Então, acho que ainda temos um caminho pela frente, que eu não sei até onde vamos chegar. (Francisca, professora do curso de Pedagogia - diurno, IES pública).

Evidenciamos, ainda, nas narrativas docentes, a ideia de que o seu papel é formar futuros professores para atuarem na Educação Básica. A intenção dessas docentes é aproximar os estudantes do contexto da Educação Básica e problematizar os conhecimentos a serem construídos. Em vista disso, torna-se importante que o professor entenda a natureza e os desafios que precisa enfrentar como formador de futuros professores, a fim de dar conta das múltiplas dimensões implicadas na atuação docente.

Nesse contexto, é necessário compreender a dinâmica institucional que sustenta o conjunto de dinâmicas pedagógicas que se configuram nos diferentes desenhos curriculares dos cursos. Os docentes manifestam as experiências em diferentes esferas da universidade, explicitando os elementos que dão sustentação aos seus fazeres docentes. As narrativas que seguem nos permitem reconhecer esse processo:

Eu tenho a impressão que tem muitas coisas que eu trouxe da própria prática como gestora. Porque a forma que tu observas a docência, como gestora, é uma. Está olhando docentes que estão construindo sua docência, que estão se desenvolvendo; enfim, você está acompanhando. E, quando você vê como docente, muitas vezes, não tem essa visão, você vê apenas o seu embate diário, as suas turmas. Então essa visão, digamos mais complexa da profissão, do papel do formador, acho que isso eu construí muita na gestão, isso foi muito marcante para mim. (Carmem, professora do curso de Pedagogia - noturno, IES pública).

Outro desafio [...] é com relação aos encargos que a gente tem de projetos. Eu mesma, de coordenação, que tenho reuniões diversas com relação ao Centro, à Reitoria, à representação do curso, queria ter mais tempo para me dedicar ao ensino mesmo, a estudar mais, a ler mais. Mas há dias, semanas que é quase impossível, de tanta reunião que tem, que tu tens que abraçar as reuniões e tens que te dividir. (Eugênia, professora do curso de Educação Especial - noturno, IES pública).

Assumir o PIBID aqui [na IES comunitária] foi também um grande desafio [...], foi assim um dos maiores desafios aqui porque era um projeto novo para toda a Instituição, um investimento e a expectativa do projeto não só nacional, mas aqui dentro da instituição; fiquei dois anos trabalhando no projeto, eu e uma colega continuamos na gestão do curso trabalhando também com os estágios na coordenação, organizando os horários, fazendo contato com as escolas. [...]. Também um dos grandes desafios hoje nas das licenciaturas, no Brasil, é esse esvaziamento, principalmente nas Instituições particulares. Isso é um desafio para nós pensarmos o nosso curso hoje diante de todo esse contexto; então, isso é um grande desafio para nós. (Fabiana, professora do curso de Pedagogia - noturno, IES comunitária).

Assim é possível afirmar que aprender a docência envolve um conjunto de demandas que se complexifica, à medida que os profissionais tomam consciência de que a profissão possui saberes e especificidades próprias, tendo em vista a abrangência dos campos a que se dedicam. A instauração desse processo é influenciada pela cultura acadêmica, pelo contexto sociocultural e pela ambiência pessoal e institucional, configurando continuamente a produção de sentido da/na docência.

Nessa perspectiva, a trajetória profissional constitui-se como substrato do processo de contextualização da docência, dando significado e sentido à profissão. Consideramos, dessa forma, que o processo de aprender não se esgota, mas se amplia e qualifica, levando os sujeitos da formação à busca permanente por saber mais e se qualificar. Assim, o aprender a ser professor estabelece-se a partir das diferentes fases da docência, exigindo desse sujeito a aprendizagem permanente e mobilizando-o à uma prática (trans)formadora (BOLZAN, 2010).

Evidenciamos que as concepções de formação dinamizam o saber-fazer docente, permitindo que seja constantemente ativado e reconfigurado diante dos desafios que se apresentam ao professor em sua prática docente. Essa dimensão, de acordo com Bolzan (2014, p. 18), "[...] expressa o conjunto de ideias e valores compreendidos pelos sujeitos acerca do tornar-se professor”, considerando que "[...] implica aprendizagens diversas, envolvendo dimensões intra e interpessoais associadas aos contextos socioculturais nos quais os sujeitos se encontram”, pois "[...] o contexto experiencial é demarcador das vivências formativas construídas e consolidadas ao longo dos percursos pessoal e profissional” (BOLZAN, 2014, p. 18).

Assim, a atividade docente de estudo revela-se como elemento impulsionador da concepção de formação, a partir de ações de autoformação6 e interformação7. Destacamos que essa atividade se caracteriza pela intencionalidade em produzir transformações, a partir do desenvolvimento de novas capacidades e de novos procedimentos de ação. A capacidade de autoavaliação8 e autorregulação9 das tarefas educativas expressa o modo como os professores/formadores desenvolvem atividades de estudo, próprias à etapa de sua formação, em direção à autonomia intelectual (BOLZAN, 2016).

A atividade docente de estudo, portanto, destaca-se a partir das exigências que emergem da organização do trabalho pedagógico, implicando a revisão constante dos saberes e dos fazeres nela implicados, revelando o compromisso com a produção de conhecimento relativa ao campo de atuação docente, bem como sobre a tomada de consciência acerca do papel de formador.

Eu acho que a sala de aula é o que mais nos provoca, nos traz necessidades, e esse contato com as escolas [...]. É, você vê muita coisa que você faz, diz, vê na prática aquilo ali, que aquilo nos mobiliza a estar, descobrir maneiras, um jeito das coisas acontecerem. Eu acho que isso mobiliza a nossa própria aprendizagem. (Vânia, professora do curso de Pedagogia Diurno - IES Pública).

Comecei a achar que a minha prática estava melhorando bastante e nisso eu fui cada vez mais querendo continuar estudando, não tanto para mim, mas como coordenador, para ajudar os outros a entenderem isso que eu via, pois todos passam pelo mesmo drama que eu passei, de dar conta dos conteúdos. (Regina, professora do curso de Pedagogia Noturno - IES Comunitária).

Eu aprendo muito fazendo, muito testando, talvez na maioria das vezes sozinha, sozinha no sentido de um processo autônomo de reflexão, de leitura e reflexão, de ação/reflexão/ação... parece um jargão muito grande, mas essa sim, sem falsas palavras é uma constante que me acompanha, eu aprendo todo o dia, como eu tenho que dar aula... cada vez que eu dou aula eu aprendo... eu vejo... eu vou fazendo e vou pensando... isto não está surtindo efeito que eu estou querendo; então, eu tento modificar, tento ver uma nova estratégia. (Maria Lúcia, professora do curso de Educação Especial Noturno - IES Pública).

O processo de aprender a ser professor precisa ser pensado na sua dimensão contextual e prospectiva. Contextual, pois mesmo que exista uma perspectiva singular, pessoal, esta adota percursos e formas balizadas pelo contexto cultural, no qual o professor se encontra imerso. Prospectiva, pois a criação de si se estabelece a partir do entrecruzamento do plano individual e do plano social, gerando uma configuração peculiar e idiossincrática em cada caso. Compreender a docência, por conseguinte, implica um entendimento acerca dos elementos que estão envolvidos na atividade docente de estudo, como as ações autoformativas e interformativas constitutivas da tessitura da docência. Para Vaillant e Marcelo (2012):

Uma ação de formação corresponde a um conjunto de condutas, de interações entre formadores e educandos, que pode perseguir múltiplas finalidades, explicitadas ou não, e através das quais se chega a certas mudanças. [...]. Para que se produza uma ação de formação é preciso que se produzam mudanças, através de uma intervenção pela qual há participação consciente do educando, assim como a vontade clara de ambos os atores do processo para conseguirem os objetivos explicitados. (VAILLANT; MARCELO, 2012, p. 28).

Para os autores, "[...] existe um fator de responsabilidade pessoal e profissional que é o que determina a capacidade de envolvimento e de aprendizagem das pessoas” (VAILLANT; MARCELO, 2012, p. 31), caracterizando as ações autoformativas, o que implica em atividades conscientemente definidas pelo professor para qualificar seu crescimento pessoal e profissional, envolvendo sua vontade em constituir-se como profissional em seu campo de atuação.

Eu sempre fico me perguntando, o que é pesquisa mesmo, será que a gente faz pesquisa, tenho dúvida, a maioria das coisas que a gente chama de pesquisa não é pesquisa, porque, no meu entendimento, pesquisa é quando tu geras algo novo, acho que pesquisa que realmente merece esse nome é essa, é geradora de coisas novas, não estou dizendo de respostas novas, de questões novas, principalmente de questões mais do que respostas, e não vejo a maioria das pesquisas e me coloco junto, não vejo gerar, acredito que a gente aprende, nós professores, a gente aprende quando a gente consegue a elaboração própria ligada ao nosso fazer pedagógico, acho que isso realmente para o professor que trabalha na educação, este é o aprendizado, claro não é só isso, mas diria que algo fundamental. (Igor, professor do curso de Pedagogia Diurno - IES Pública).

Mas eu acho que só isso não dá, a gente tem que entender que os alunos realmente precisam de um professor que se atualize, e você precisa também, você sente quando você vai para a sala de aula que aquilo não é suficiente. Os alunos estão lá com a cabeça a milhão e se você ficar achando que eles têm um perfil e não perceber que eles têm outro, não vai conseguir atingir. (Malvina, professora do curso de Pedagogia Diurno - IES Pública).

Outra coisa também que gera aprendizagem é aquilo que tu te envolves, que tu tens que buscar as coisas, porque têm coisas que tu fazes, mas que tu não vês significado naquilo que tu fazes porque tem que fazer, então quando passar aquilo tu nem lembra mais, tu conseguiste passar naquela atividade, tinha que fazer, está feito. Mas agora quando tu te envolves, tu vês significado naquilo e no que vai dar aquilo, isso produz a aprendizagem também, tu encontras motivos para ir buscar mais. (Regina, professora do curso de Pedagogia noturno - IES comunitária).

Os professores/formadores em suas narrativas demonstram preocupação com o perfil aprendente dos acadêmicos, denotando o desafio de mobilizá-los em seus trajetos formativos. Nessa direção, uma das exigências ao formador é a promoção da tomada de consciência acerca da dimensão autoformativa envolvida no aprender a ser professor, remetendo-nos às escolhas conscientemente dirigidas e reavaliadas pelos professores em formação. Consideramos indispensável compreendermos o modo como as experiências formativas se desdobram a partir de reflexões e de interações estabelecidas entre os diferentes sujeitos que interatuam no percurso formativo (BOLZAN, 2013, 2016). Esse processo leva-nos a refletir sobre ações interformativas implicadas no desenvolvimento da atividade docente/discente de estudo.

As ações interformativas caracterizam-se pela busca de atividades conjuntas, em um sistema de cooperação. Segundo Bolzan (2016), há um evidente empenho, por partes dos sujeitos de se desenvolverem e se aperfeiçoarem profissionalmente, o que implica um trabalho coletivo e grupal, centrado em interesses e necessidades comuns, indicando a cultura institucional como mote para esse processo.

Nessa perspectiva, a dimensão interformativa revela-se como elemento preponderante na ativação da atividade docente de estudo. Os professores ao narrarem suas experiências de formação revelam a importância do compartilhamento de saberes e de fazeres como chave das construções docentes, como evidenciamos nas narrativas que seguem:

Eu acho que esse professor é quem vive realmente a experiência de ser professor, ele é produzido no cotidiano, no dia a dia de suas relações, as relações que ele tem com sua escola, com a universidade [...]. Eu acho que no momento que admito essas minhas fragilidades eu me permito fazer as relações de parceria, compartilhar com outras pessoas, que para mim é necessário na formação. Eu sempre digo assim, justamente, é claro que eu sei que a gente sempre vai aprender em uma relação, uma relação com o outro, uma relação de aprendizagem. (Zenaide, professora do curso de Educação Especial - diurno, IES pública).

Eu compreendo esse processo que a gente precisa do outro, eu vejo muito essa aprendizagem no coletivo e eu acho que a pesquisa me mostrou muito isso porque tu não fazes pesquisa sozinha, tu estás envolvida em um grupo de pesquisa onde tu estás em um processo de aprendizagem e, ao mesmo tempo, a partir do que tu estás vivendo tu estás ensinando e isso vai para o espaço de sala de aula, então eu acho que esse processo para mim ele é muito marcado pelo coletivo.(Fabiana, professora do curso de Pedagogia - noturno, IES comunitária).

O trabalho em parcerias, eu gosto muito, gosto muito de Grupo de Pesquisa, de Grupo de Estudos, porque [...] estabelecendo parcerias a gente consegue refletir sobre as nossas, não só práticas, mas como sobre o que a gente está utilizando [...] dos conceitos de Educação Especial estão sempre em mudança, então com essa questão a gente consegue, às vezes, entender coisas que sozinho a gente não consegue [...]; a própria parceria também, o aspecto social de tu trabalhares junto não só no teu espaço físico, mas eu acho que é mais positivo. Os aspectos negativos é que eu sou muito objetiva e muito pontual e, às vezes, para trabalhar com grupo e trabalhar em parceria, é preciso ajustar, flexibilizar. E eu sou muito direta, muito rápida e no trabalho em parceria, às vezes, isso é complicado. (Eduarda, professora do curso de Pedagogia - noturno, IES pública).

Os professores/formadores referem-se aos espaços de compartilhamento como um dos aspectos essenciais ao desenvolvimento do trabalho pedagógico. Em especial, ao reconhecerem a necessidade de consolidar redes de colaboração e a construção de comunidades de aprendizagem. Logo, o compartilhamento e o trabalho conjunto implicam a consolidação da cultura de colaboração, indispensável a uma dinâmica pedagógica exitosa.

Apesar da relevância atribuída às oportunidades de trabalho colaborativo, evidenciamos fragilidades nos espaços institucionais e coletivos de deliberação e de compartilhamento de fazeres e de saberes, o que nos remete à observação das dinâmicas das arquiteturas formativas dos cursos e das instituições investigados, pois "[...] sean cuales fueren ellas, condiciones y formas en que trascurre la actividad del hombre, cualquiera que sea la estructura que elija, no se puede considerar como desgajada de las relaciones sociales, de la vida de la sociedad”10 (LEONTIEV, 1984, p. 67).

A arquitetura formativa é organizada pelas dinâmicas pedagógicas pensadas a partir das matrizes de cada curso; configuram-se a partir das vivências produzidas pela estrutura organizacional pensada e ofertada para formação nas licenciaturas. As formas de organização indicam as fragilidades e as potencialidades formativas, a luz de um determinado contexto histórico, social e cultural. A arquitetura formativa expressa as dimensões institucionais e pedagógicas, articuladas e produzidas a partir da tríade ensino, pesquisa e extensão, evidenciando que as relações teórico e práticas que constituem as diversas arquiteturas são tensionadas pela cultura universitária (BOLZAN, 2016; BOLZAN; POWACZUK, 2015, 2017).

Os professores, ao enfocarem as dinâmicas pedagógicas dos cursos em que atuam, indicam fragilidades, evidenciando a necessidade de reformulações curriculares que atendam às especificidades do contexto de formação, tanto no curso de Pedagogia como na Educação Especial. A dificuldade não está apenas em pensar um novo desenho, mas no modo como os formadores são capazes de colocar em movimento as "novas formas” de organização pedagógica, favorecendo a formação para a docência na Educação Básica. Tais fatores são manifestados nas narrativas dos professores/formadores como segue:

Eu acho que há desafios também agora de a gente rever toda essa matriz curricular direcionada às questões da pesquisa e talvez abrir um pouco mais [...], acho que a gente tem também um desafio em relação a isso, que no noturno há uma certa dificuldade em relação aos estágios, porque o aluno entra no noturno sabendo que lá pelas tantas ele vai ter que fazer um estágio diurno e, quando chega na época do estágio, a maioria trabalha. [...] no sentido que, bom, se a gente disse para o aluno que tinha essa condição de ele entrar e fazer estágio depois e que o estágio é diurno, a gente não vai achar alunos com deficiência no ensino básico no noturno, a menos que seja EJA, e mesmo assim seria uma dificuldade, mas esse eu acho que é muito mais de organização. (Maria Lúcia, professora do curso de Educação Especial - noturno, IES pública).

[...] o nosso PPP tem ajustes que são urgentes. Estágio, por exemplo, é uma parte que não está funcionando do jeito que está no PPP, está funcionando de outra maneira. A gente precisa fazer essa alteração. [...]. Acho que é uma questão de mandato, é uma exigência do próprio curso, não vai ser uma proposta minha, uma proposta que vai partir do coletivo. Então, como vamos reformular o PPP se o coletivo está disperso? E os professores estão sem identidade com esse curso. Então, a gente precisa pensar realmente nesse coletivo para reformular o PPP. Eu acho que a dificuldade maior na reformulação docente do curso que vai em assembleia inclusive decidir se a reformulação está adequada ou não a ele. Esse diálogo faltou, e como faltou! Quando chegou o produto pronto a comunidade olhou e disse: "Esse não é meu filho, eu não me identifico com isso daí!”. (Marlon, professor do curso de Pedagogia - diurno, IES pública).

Nós temos uma fragilidade que é a sobreposição ainda, apesar da gente ter feito uma, nós fizemos já uma revisão há um tempo, mas a gente percebe depois quando tu operacionalizas a matriz que existem, os alunos comentam; enfim, então penso que, tanto é que estamos nesse momento de rever a matriz. A carga horária da Pedagogia ela é bem alta, as de ACC então, e nós enquanto curso e aí vem o lado positivo nós fizemos assim o possível e o impossível para que elas consigam dar conta dessa carga horária.(Jussara, professora do curso de Pedagogia - Noturno, IES Comunitária).

Evidenciamos que há um conjunto de demandas que compõe o trabalho docente no contexto das IES, indicando o descompasso entre a gestão do tempo acadêmico e a gestão do tempo formativo. A aparente liberdade que parece gerir a dinâmica pedagógica e o tempo institucional é tensionada pelas demandas que emergem na contextura do trabalho do professor, constituindo-se em dilemas da docência. Os dilemas são constituintes dos problemas que os professores/formadores enfrentam, tendo em vista que se caracterizam como situações conflitantes e de difícil resolução no desenvolvimento da atividade profissional docente (ZABALZA, 2003). As narrativas que seguem corroboram essa ideia:

Os professores todos são extremamente ocupados, a sobrecarga de trabalho não é pequena, o envolvimento com coordenações, ou envolvimento com projetos, ou projetos de pesquisa, o número de docência orientada, a carga docente é grande, ou seja, temos muitas coisas para cuidar. Se não tiver, em algum momento, um elemento agregador a gente percebe que isso não vai acontecer [...]. É o papel da coordenação, é para isso que existe uma coordenação, é para cuidar do curso, [...] não é para assumir papel burocrático de assinar documentos e encaminhar processos. [...]. Como fazer e o que fazer, esse é um papel do coletivo, mas esse papel agregador me parece ser papel da coordenação. (Marlon, professor do curso de Pedagogia - diurno, IES pública).

É sempre um desafio porque tem a demanda bastante alta de disciplinas, e aí tem as participações nossas, nós temos participações em comissões; e faço parte da comissão do GAP, aí tem que organizar o horário para dar certo, eu faço parte do Núcleo Docente Estruturante do curso do noturno. [...] tenho mais o PIBID que eu tenho que conciliar. Tudo isso com todas as disciplinas e, às vezes, mais os convites para eventos que a gente acaba indo proferir palestras, os projetos de extensão e de pesquisa, então a gente tem que ‘se virar nos 30’, às vezes, os três turnos e nem sempre a gente consegue [...]. Aí eu digo que não vou levar nada para o final de semana e acabo levando, porque eu não tenho como dar conta. (Joana, professora do curso de Educação Especial - noturno, IES pública).

[...] eu tenho uma carga horária altíssima. Eu não sei se é uma questão de departamento porque a gente tem ali os dois cursos que tem que dar conta, mas para teres uma ideia, eu tenho dezesseis horas frente aluno só de Graduação, mais de pós e fora a questão administrativa, a comissão e projetos que tu tens que dar conta. Então, hoje, se eu comparar com a escola, eu acho que tenho melhores condições de trabalho aqui, mas a gente tem essa massiva demanda, o que compromete entende, eu entendo que comprometa o que a gente faz. (Rita, professora do curso de Educação Especial - diurno, IES pública).

[...] o meu desafio maior aqui, eu acho, é a gente ter que trabalhar todo o curso porque como a gente não é lotado em um departamento, tu precisas saber o curso inteiro de Pedagogia, porque a qualquer momento tu vais dar aula de qualquer coisa, então isso é um agravante para a gente, porque se tu és lotado por departamento, sabes que não vais fugir mais ou menos daquela área. Eu acho que o outro desafio que ainda temos, que eu tenho, é trabalhar de forma interdisciplinar com os meus colegas [...] e é um desafio para todos nós; tu conseguires enxergar uma avaliação conjunta e o todo da formação; a gente precisa conhecer todo o curso, isso te dá possibilidade de enxergares o todo da formação. (Bárbara, professora do curso de Pedagogia - noturno, IES comunitária).

A capacidade de elaborar e processar os acontecimentos cotidianos está implicada por uma racionalidade que se torna reduzida ou limitada pelas condições institucionais, caracterizando a complexidade da tomada de decisão mediante as intensas demandas instituídas no contexto. Assim, questões se impõem: como priorizar o ensino quando o contexto institucional lhe conduz a assunção de um conjunto de demandas que extrapolam as necessidades curriculares? Como equacionar o tensionamento presente entre o tempo acadêmico e o tempo formativo, considerando-se a dinâmica institucional e as dinâmicas pedagógicas daí decorrentes?

Consideramos que o trabalho conjunto/coletivo é uma importante ferramenta para a superação de dilemas que são enfrentados pelos docentes no exercício diário da profissão, sendo uma possibilidade de alavancar o potencial de inventividade do professor, promovendo a elaboração de respostas possíveis às consequentes demandas dos múltiplos contextos. Contudo, evidencia-se que os esforços para a construção de redes de colaboração não são suficientes para trabalhar de forma convergente, minimizando os dilemas do cotidiano. A divergência de posicionamentos revela-se, em muitos momentos, como aspectos instransponíveis, impedindo que a convergência se estabeleça em prol da qualificação dos processos formativos. Tais limitações são evidenciadas pela própria estrutura institucional que não prevê um espaço sistemático, no qual os docentes/formadores possam compartilhar suas preocupações e interesses, nem mesmo a possibilidade de adequação do tempo formativo ao tempo acadêmico, capaz de superar as possíveis limitações das racionalidades docentes.

Evidentemente as ações esparsas ou isoladas que acontecem geram boas parcerias; contudo, não se avança em uma organização mais sistemática, tendo em vista que cada docente pode escolher livremente onde quer investir e qual o tempo irá dispor para tal investimento. Hoje, a demanda de gestão ganha mais impacto no trabalho docente do que outros elementos que compõem o tripé universitário. As atividades de ensino é que se pode ter uma maior equidade de investimento temporal, ou seja, as cargas horárias na Graduação são similares para os diversos docentes, nas demais atividades não há equidade de investimento, sendo possível que alguns professores invistam menos na pesquisa e quase nada na extensão, ou, ainda, dediquem-se prioritariamente ao ensino. Tais fatores caracterizam uma racionalidade limitante, tendo em vista que a potência do processo educativo reside na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, ganhando o acréscimo de um quarto elemento, a gestão.

No curso de Educação Especial na IES pública e no Curso de Pedagogia da IES comunitária, nas narrativas docentes, manifesta-se uma maior convergência nos processos gestados coletivamente. Um dos docentes que atuam nos cursos de Educação Especial assim expressa:

[...] eu percebo na nossa unidade acadêmica de modo geral, até por viver vários ambientes, na chefia de departamento também. Os departamentos não são colaborativos, é uma diferença enorme entre a Educação Especial e os outros departamentos. Nós conseguimos ter disciplinas coletivamente e pensar coletivamente determinada formação, construir um projeto coletivo sobre determinada coisa, e nós temos uma facilidade muito grande de estabelecer essa relação, não sei se é porque a gente tem um foco mais específico; então, a gente tem uma facilidade muito grande de trabalhar em conjunto [...], nos projetos do departamento, por isso que há vários projetos que a gente dá sempre um upgrade, a gente consegue ir para frente. [...] a gente que qualifica a EAD da universidade a partir do curso de Educação Especial, porque tem essa ideia coletiva de trabalho e nem sempre eu vejo isso nos outros lugares [...]. (Glória, professora do curso de Educação Especial - noturno, IES pública).

Na IES comunitária, a ausência da departamentalização é indicada como aspecto que favorece o trabalho colaborativo/conjunto e a vinculação efetiva a um projeto compartilhado e coletivo de formação. Essa modalidade organizacional favorece as relações de trabalho, bem como possibilita um acompanhamento mais intencional, por parte do corpo docente, das diretrizes curriculares ditadas pelas legislações por meio da constituição do Núcleo Docente Estruturante (NDE) e Comitês de Avaliação. As narrativas que seguem expressam esses aspectos:

[...] isso é uma das coisas boas que nós temos lá no grupo e na Instituição de diferente, é que nós não temos departamento, então nós temos o curso de Pedagogia, nós trabalhamos todos juntos, e a gestão do curso é composta pelo NDE e Colegiado e também fazem parte, que me auxilia a coordenação de TFG e a coordenação do estágio. (Elza, professora do curso de Pedagogia - noturno, IES comunitária).

De uma gestão compartilhada eu posso dizer porque eu vivo isso, tanto é que a E. veio aqui "vem cá me ajudar que eu preciso decidir uma coisa”. A J. só não foi porque estava aqui conversando com vocês, então assim, a gente tem sim essa ideia [...] os próprios professores eles transitam no Colegiado e no NDE. Então, às vezes, eu estou no Colegiado dali a pouco eu vou para o NDE e, daqui a pouco vem outra colega e que todos possam participar em algum momento dessa gestão do curso, seja no Colegiado, seja no NDE, até para conhecer melhor o curso. Tentamos aproximar, também, os nossos representantes discentes, eu acho que é importante a participação deles, eles estão sempre dentro até porque trabalham, quando é possível participam dessas reuniões, então, assim, é uma gestão. (Fabiana, professora do curso de Pedagogia - noturno, IES comunitária).

Como evidenciamos nas narrativas docentes a potência da dinâmica pedagógica tem o respaldo no delineamento das dinâmicas institucionais, as quais são responsáveis pelos trâmites que sustentam as matrizes curriculares. No contexto da IES pública, a alocação dos professores à lógica departamental pode ser indicada como um dos elementos que tenciona a construção e a efetivação de um projeto coletivo de formação. As narrativas que segue assim expressam:

[...] eu penso que em termos de universidade [...], um desafio para nós formadores [...], é a gente estar mais em sintonia, nós formadores. Eu vejo uma grande deficiência nesse sentido, cada um vai lá e dá a sua aula, faz como acha que tem que fazer e dentro da sua disciplina, da sua ementa e fica por isso. Eu acho que falta um espaço onde nós formadores possamos conversar sobre o que é essa docência nesse curso e nessa turma, o que está acontecendo que nós estamos fazendo, eu acho que isso é um desafio que a gente teria que lutar para tentar, embora a gente saiba que todo mundo tem, mas tem o NDE, tem o Colegiado, mas tudo isso não é [...]. Os meus ímpares, também são importantes, mas às vezes a gente não tem tanto relacionamento, mas também são importantes. [...] eu até propus isso de a gente fazer um seminário interno para a gente conhecer, porque isso também vai me dando suporte, sabendo o que vocês fazem; o que é feito, como é que é trabalhado o conteúdo? E isso também vai dando um suporte para as tuas estratégias de formação. (Berenice, professora do curso de Educação Especial - diurno, IES pública).

Então uma das coisas é isso, é a organização curricular mesmo e a organização departamental sobre o ponto de vista didático do nosso trabalho e sobre o ponto de vista também da nossa formação; eu acho que o departamento tinha que assumir isto, eu não posso pressupor que os que passaram no concurso para Psicologia sabem tudo e o que ele sabe nunca vai ser renovado. Nós não dialogamos entre nós, nós temos no departamento pessoas que fizeram doutorado em Freud, doutorado em Piaget, doutorado em outros autores como eu; esses são autores mais contemporâneos, mas nós não conversamos entre nós, não nos apoiamos nesse sentido [...]. Então, é isso que eu acho necessário, eu aprenderia muito com os meus colegas se isso existisse [...] e eu acho que a Pós-Graduação também deveria ter esse compromisso de mexer um pouco com os departamentos [...]. (Carmem, professora do curso de Pedagogia - noturno, IES pública).

Como expressam as narrativas docentes, a ausência de espaços sistematicamente organizados para a discussão compartilhada sobre os saberes e fazeres implicados no trabalho docente fragilizam a construção e a consolidação de um projeto coletivo de formação, resultando na fragmentação e na pulverização dos investimentos que são produzidos nos contextos pesquisados. Assim, compreendemos como desafio emergente às arquiteturas formativas delineadas na formação inicial superar uma racionalidade limitante dos processos formativos na direção de promover dinâmicas pedagógicas e institucionais capazes de fomentar os processos de aprendizagem e de desenvolvimento profissional no contexto das IES. Reiteramos que esses elementos sustentam o compromisso social, cultural e político envolvido no contexto formativo das licenciaturas estudadas, qualificando a educação de formadores e estudantes.

Apontamentos finais

A produção desta pesquisa possibilitou-nos conhecer e destacar um conjunto de professores que narram diferentes histórias e expressam diversas formas de conceber a docência. O desejo de compreender cada um desses sujeitos permitiu-nos compor um mosaico de saberes e de fazeres que expressam a complexidade de ser professor nas licenciaturas. Assim, compreender os sentidos atribuídos pelos professores/formadores aos processos formativos foi para nós um grande desafio, exigindo-nos um cuidadoso trabalho de identificação do tecido formativo para construir um processo explicativo-interpretativo, tendo as narrativas como ponto de partida.

As discussões e as reflexões construídas emergiram no desenvolvimento da pesquisa, evidenciando que os diferentes contextos e as oportunidades nos quais os professores/formadores têm possibilidades de se envolver, como ensino, orientação de estágios, PIBID, cargos de gestão, pesquisa, extensão, participação em diversas instâncias institucionais, implicam a aprendizagem da docência e possibilitam a [re]contextualização constante dos fazeres docentes, produzindo "novos” sentidos sobre a própria profissão.

Nessa mesma direção, é possível afirmar que a multiplicidade de vivências é capaz de ampliar as discussões sobre a Educação Superior, ao mesmo tempo que podem favorecer a consolidação de temas a serem explorados na formação de outros profissionais, dando aos formadores substratos para tratarem do campo profissional em diferentes esferas e/ou níveis.

Observamos que a concepção de formação se configura e reconfigura à medida que o professor coloca em andamento distintas ações formativas, permitindo internalizar e refletir sobre o desafio de se formar professor. A busca por atividades autoformativas e interformativas indicam o esforço em produzir sentido, significado e qualidade ao processo de construção docente.

O cotidiano docente coloca o professor/formador frente a diversas circunstâncias, desafios e exigências implicadas nos processos de tornar-se formador de futuros professores. Esses processos demarcam esforços docentes direcionados a transpor e concretizar um modo de ser, delineando contornos singulares de aprendizagens da docência. Essa aprendizagem singular amplia-se à medida que, em situações interativas, os professores/formadores discutem e reelaboram suas capacidades de enfrentamento, de forma compartilhada (BOLZAN, 2012). Esse espaço de enfrentamento e superação de conflitos evidenciados na organização da docência, por meio da atividade docente de estudo favorece a criação do novo, contribuindo para a consolidação da autonomia docente.

Os formadores ao se reportarem às exigências e aos desafios da formação evidenciam o reconhecimento sobre a importância de preparar professores para a Educação Básica, mas isso nem sempre está claramente assentado na ideia do que é ser um bom professor nesse nível de ensino. Os formadores expressam, ainda, que mobilizar os estudantes à assunção da profissão é o atual desafio, e que estão tateando na busca de compreender os contextos que emergem nesse processo formativo.

Evidenciamos que as atividades de ensino, pesquisa e extensão experienciadas são suportes importantes para a aprendizagem da docência. Contudo, as demandas oriundas da esfera da gestão chamaram a atenção pela complexidade desse espaço de atuação, elemento emergente no atual contexto das IES. Observamos que os professores/formadores se manifestam negativamente sobre a enorme quantidade de atividades com as quais precisam se envolver e realizar, além do ensino, sentindo-se pouco preparados para assunção de novas demandas como a gestão pedagógica e acadêmica, em especial, pela ausência de preparação e suporte institucional que proporcione apoio aos docentes para que possam assumir essas demandas.

Com isso, os formadores expressam suas preocupações acerca do que precisam dar conta em relação aos processos formativos, mas ao mesmo tempo reconhecem que estão sós nessa empreitada, especialmente nas IES públicas. Suas decisões e seus encaminhamentos acerca do desenvolvimento do trabalho pedagógico são ações individualizadas. Em geral, não há definições institucionais, ou seja, a dinâmica pedagógica mesmo sendo de responsabilidade da instituição, depende dos professores/formadores que tomarão as medidas que considerem relevantes mesmo que o Projeto Político Pedagógico preveja as estratégias a serem adotadas, para fazê-lo com êxito. Isso acontece devido à falta de um acompanhamento sistemático do desenvolvimento do trabalho pedagógico, demarcado pela dinâmica institucional que se organiza de acordo com as políticas de gestão do momento.

Assim, a nova configuração das atribuições docentes na universidade exigiu-nos propor a reorganização do tripé original, acrescentando-se a ele um quarto elemento. Esse "quadripé” que emerge do contexto universitário explicita a dinamicidade da própria cultura universitária. O quarto elemento enfoca o desafio lançado à gestão, nas diferentes esferas da estrutura universitária, em especial na pública - é um enfoque anteriormente não tão evidente ou mesmo valorizado como no atual momento.

Observamos, na IES pública, a emergência, ainda incipiente, do estabelecimento de uma cultura de colaboração entre os professores. Acreditamos, pois, que a cultura de colaboração expressa o processo gerativo no qual o grupo dinamiza respostas e propostas coletivas aos inúmeros enfrentamentos profissionais, configurando uma cultura própria, fundamentada na dialogicidade a partir do estabelecimento de interações e de mediações capazes de favorecer a tomada de decisões compartilhadas.

No que se refere à IES comunitária, o compartilhamento manifesta-se de forma mais intensa nas narrativas docentes. A ausência de uma organização departamentalizada favorece a interação entre os professores, os quais participam de diferentes instâncias deliberativas dos diferentes cursos em que atuam. Contudo, a preocupação manifestada é com o amplo domínio de temas que precisam desenvolver, tendo em vista que não há uma vinculação dos professores por área de conhecimento, como ocorre nos departamentos na IES de uma universidade pública. Como a vinculação se dá via curso, há a exigência de atuação com diferentes temas de acordo com as demandas que emergem, no curso, o qual está inserido na instituição. Logo, o desafio está em lidar com as multiplicidades de demandas da instituição, o que pode acarretar na ausência de aprofundamento de determinado campo de estudo, exigindo do professor/formador um investimento pulverizado em várias frentes e/ou atividades.

Depreendemos que essa situação justifica o menor envolvimento dos professores na coordenação de pesquisas na IES comunitária. Esse aspecto deve-se à própria organização institucional, considerando que os professores são, em geral, contratados para atividade de ensino, os percentuais para o desenvolvimento em pesquisa não são expressivos, ao contrário do que acontece na Instituição de Ensino público, onde a maioria dos docentes são servidores efetivos. Os professores da IES comunitária só recebem recursos para o desenvolvimento de pesquisa se estiverem atuando na Pós-Graduação, simultaneamente à Graduação.

Nessa perspectiva, o estudo desenvolvido permite-nos afirmar que o modo como a dinâmica institucional conduz a dinâmica pedagógica é um indicador do engessamento dos processos formativos, de sua estagnação ou da sua suspensão, originando uma racionalidade limitante. É fundamental colocar em xeque a dinâmica institucional a partir do reconhecimento do que favorece e obstaculiza o ensino e os processos de formação, rompendo com culturas instituídas, participando da gestão e das diversas estruturas de organização institucional.

O estudo desenvolvido contribui para as discussões acerca dos desafios impressos à formação nos cursos de licenciaturas, fortalecendo a argumentação em torno da importância dos processos de aprender a ser professor e sua repercussão no desenvolvimento profissional docente. Os achados explorados, neste artigo, permitem-nos fomentar o reconhecimento das demandas emergentes na diversidade contextual das licenciaturas na Educação Superior.

Por fim, as propostas de formação precisam ser pensadas em relação aos novos contextos na contemporaneidade, atentando aos espaços diversificados e, em alguns casos, de muitas carências e vulnerabilidade no que se refere à autonomia docente. Precisamos, pois, de uma visão ampliada de profissionalização, com a intenção de capitalizar a potencialidade da docência, levando em conta as trajetórias formativas e a atuação profissional. Como uma das alternativas é necessário criar espaços de reflexão crítica sobre o trabalho docente nos cursos, desafio importante que compromete, em particular, os professores/formadores. Tal ideia exige-nos uma postura de vigilância epistemológica e metodológica, capaz de aprofundar as relações entre pesquisa e educação; intervenção e propostas de formação.

Material suplementar
Referências
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Notas
Notas
1 Nossas pesquisas têm sido financiadas pelo CNPQ. Editais: PQ 10/2012, Processo nº 303485/2012-4, e Edital Universal CNPq, Processo 481468/2012-9, e Edital Universal, Processo nº 400320/2016-9.
2 Local onde o discurso/dito/vozes são expressos, ou seja, a tessitura da narrativa não pode ser deslocada do contexto, no qual aconteceram os fatos (BOLZAN, 2002).
3 Dentre as considerações éticas referentes à realização desta investigação, esclarecemos que ela esteve em consonância com as orientações do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), conforme Parecer consubstanciado - CAAE nº 58670116.0.0000.5346.
4 O trabalho pedagógico é tomado como unidade central da dinâmica pedagógica, tendo em vista que é o espaço/tempo que concretiza os ideários, valores, concepções dos sujeitos que protagonizam esta dinâmica (BOLZAN; POWACZUK, 2015). "Indica as ações e as estratégias utilizadas no desenvolvimento da atividade docente. Corresponde, por isso, aos aspectos que elucidam as metodologias, as formas de planejamento e avaliação adotadas, denotando os modos de gerir a dinâmica de trabalho desenvolvido na aula e nas instituições formativas” (BOLZAN, 2016, p. 223).
5 Atividade de ensino pressupõe a intencionalidade na organização do trabalho pedagógico; "[...] implica a reflexão e o constante redimensionar das ações e das operações desenvolvidas pelos docentes com o intuito de proporcionar a autonomia e a mobilização pela busca do saber” (BOLZAN, 2016, p. 139).
6 Autoformação: busca pessoal pelo aprofundamento de temas de interesse na pesquisa, no ensino ou em situações diversas, como forma autônoma de desenvolver-se profissionalmente.
7 Interformação: processo no qual os sujeitos discutem sobre diferentes temas, trazendo suas concepções e ideias de modo a contribuir para a construção de novos referentes, caracterizando a atividade conjunta e compartilhada. Implica em um trabalho coletivo e grupal, centrado em interesses e necessidades comuns, indicando a cultura institucional como mote para esse processo.
8 Autoavaliação: "[...] caracteriza-se pelo momento que o sujeito faz um exame de sua atuação, por meio da análise de suas operações e ações” (BOLZAN, 2016, p. 161).
9 Autorregulação: "[...] caracteriza-se pela busca por modos de organização que envolvem a tomada de decisões tanto na escolha das atividades formativas como de sua implicação” (BOLZAN, 2016, p. 161).
10 "Seja qual forem elas, condições e forma em que transcorre a atividade humana, qualquer que seja a estrutura que você escolher, não se pode considerá-las sem que levemos em conta as relações sociais, da vida na sociedade.” (LEONTIEV, 1984, p. 67, tradução nossa).
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