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O olhar dos adolescentes em uma visita ao Museo Interactivo de Economía (MIDE), México
Massarani; Jessica Norberto Rocha; Lara Mucci Poenaru;
Massarani; Jessica Norberto Rocha; Lara Mucci Poenaru; Marina Bravo; Silvia Singer; Emilio Sánchez
O olhar dos adolescentes em uma visita ao Museo Interactivo de Economía (MIDE), México
La mirada de los adolescentes en una visita al Museo Interactivo de Economía (MIDE), México
The Outlook of Teenagers during a Visit to the Interactive Museum of Economics (MIDE), Mexico
Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad - CTS, vol. 15, núm. 44, pp. 173-195, 2020
Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas
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Resumo: O objetivo deste estudo exploratório e de caráter qualitativo é compreender a experiência de uma visita a um museu de ciência sob a perspectiva dos visitantes, no caso adolescentes durante uma visita não escolar ao Museu Interativo de Economia (MIDE), na Cidade do México. Sob a perspectiva da ciência-tecnologia-sociedade-ambiente (CTSA), foram analisadas as visitas de cinco grupos, de três a cinco adolescentes cada, em que foram observadas três categorias do foco CTSA: compreensão de assuntos sociocientíficos; formulação de visões próprias e pontos de vista; tomada de decisões de forma responsável e informada. Evidências do protagonismo das formulações e discussões sociocientíficas foram encontrados, tanto durante as interações entre os adolescentes e com os módulos expositivos, quanto com os mediadores. Sugere-se que os adolescentes mobilizaram, de acordo com seus interesses e motivações, saberes e experiências prévias na interação com os objetos museais, de maneira engajada e autônoma, a partir das questões sociocientíficas colocadas em pauta durante a visita ao museu. Foram criadas oportunidades de interação, discussão, aprendizado coletivo e deliberativo, o que ressaltou o caráter dialógico das proposições metodológicas do MIDE, bem como suas contribuições para o favorecimento da cidadania científica dos seus visitantes.

Palavras-chave:Museus de cienciaMuseus de ciencia,Divulgação científicaDivulgação científica,CTSACTSA,AdolescentesAdolescentes.

Resumen: El objetivo de este estudio exploratorio y de carácter cualitativo es comprender la experiencia en un museo de ciencia desde la perspectiva de los visitantes, en este caso adolescentes durante una visita no escolar al Museo Interactivo de Economía (MIDE), en la Ciudad de México. Desde la perspectiva de los estudios sobre ciencia, tecnología, sociedad y medioambiente (CTSA), se analizaron las visitas de cinco grupos, de tres a cinco adolescentes cada uno, en los que se observaron tres categorías del enfoque CTSA: comprensión de los temas socio-científicos; formulación de visiones propias y puntos de vista; toma de decisiones de manera responsable e informada. Se encontraron evidencias del protagonismo de las formulaciones y discusiones socio-científicas, tanto durante las interacciones entre los adolescentes y con los módulos expositivos como con los mediadores. Se sugiere que los adolescentes movilizaron, de acuerdo con sus intereses y motivaciones, el conocimiento y las experiencias previas en la interacción con los objetos del museo, de manera comprometida y autónoma, a partir de las cuestiones socio-científicas planteadas durante la visita al museo. Se crearon oportunidades de interacción, discusión, aprendizaje colectivo y deliberativo, lo que resaltó tanto el carácter dialógico de las propuestas metodológicas del MIDE como también sus aportes para favorecer la ciudadanía científica de sus visitantes.

Palabras clave: Museos de ciencia, Divulgación científica, CTSA, Adolescentes.

Abstract: The objective of this exploratory and qualitative study is to understand a museum experience from the perspective of the visitors, in this case teenagers during a non-school visit to the Interactive Museum of Economics (MIDE, due to the acronym in Spanish), in Mexico City. From a science-technology-society-environment (STSE) perspective, the visits of five groups, each one composed of 3 to 5 teenagers, were analyzed. Three categories of STSE were observed: understanding of the socio-scientific issues, framing of their own visions and perspectives, and informed and responsible decision making. Evidence was found of the protagonism of socio-scientific discussions during the interactions between the teenagers and the expository modules as well as with the mediators. It is suggested that the teenagers mobilized, in accordance with their interests and motivations, their previously held knowledge and experience in the interaction with the objects of the museum, in a committed and autonomous way, based on the socio-scientific issues raised during the visit to the museum. Opportunities for interaction, discussion, and collective and deliberative learning were created, which highlighted the dialogue-based approach of MIDE’s methodologies, as well as its contributions to foster the scientific citizenship of its visitors.

Keywords: Science museums, Science communication.

Carátula del artículo

Artículos

O olhar dos adolescentes em uma visita ao Museo Interactivo de Economía (MIDE), México

La mirada de los adolescentes en una visita al Museo Interactivo de Economía (MIDE), México

The Outlook of Teenagers during a Visit to the Interactive Museum of Economics (MIDE), Mexico

Massarani
Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia, da Red MUSA Iberoamericana: Red de Museos y Centros de Ciencia-Cyted, Brasil
Jessica Norberto Rocha
Fundação Cecierj, Brasil
Lara Mucci Poenaru
Instituto Nacional Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia e da Red MUSA Iberoamericana, Brasil
Marina Bravo
Instituto Pretos Novos junto à FEUDUC, Brasil
Silvia Singer
Museu Interativo de Economia, México
Emilio Sánchez
Museu Interativo de Economia, México
Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad - CTS, vol. 15, núm. 44, pp. 173-195, 2020
Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas

Recepção: 20 Outubro 2018

Aprovação: 09 Junho 2019

Introdução

Comunicar temas sociocientíficos, que perpassam por relações entre ciência, tecnologia, meio ambiente e economia, a diversas audiências nunca foi tão importante para os debates públicos e de políticas. Os museus de ciências, cujo papel social na relação entre ciência e sociedade tem crescido na América Latina, têm dado pouco espaço às relações das ciências — de forma geral, e das ciências econômicas com a sociedade —, da tecnologia, da sociedade e do meio ambiente (CTSA), como sinalizam os estudos de Contier (2009) e Norberto Rocha (2018).

Nesse contexto, merece destaque o Museo Interactivo de Economía (MIDE), localizado na Cidade do México, dedicado a economia, finanças e desenvolvimento sustentable 1. Segundo informações fornecidas pelo próprio museu, trata-se do primeiro museu interativo sobre economia no mundo, inaugurado em 2006. Para Calva Montiel,

“Um dos primeiros pontos a ser considerado ao levar a cabo o projeto de museu interativo foi que existiam nesse momento poucos modelos de referência no mundo, (...) mas nenhum com temas e conteúdos sólidos desta ciência social que se mostra tão distante e, ao mesmo tempo, tão próxima da população” (Calva Montiel, 2010: 5).

Assim, o MIDE tem como missão motivar o pensamento crítico e criativo e a capacidade de aprender a aprender para melhorar o bem-estar de todos. Foi adotada como visão a utilização da economia, as finanças e a sustentabilidade como uma lente por meio da qual as pessoas possam descobrir como funciona o mundo. Na perspectiva de Calva Montiel,

“(...) o conceito de economia pode chegar a ser um tema sumamente controverso na sociedade, já que existem diversos pontos de vista ou pré-concepções sobre esses temas. É por isso que o museu teve que levar em consideração estratégias pontuais de educação e comunicação que ajudaram a promover o desenvolvimento de uma cultura de economia e finanças através de um diálogo com os visitantes integrando, assim, diferentes vozes e a construção de uma plataforma de credibilidade” (Calva Montiel, 2010: 5).

Parte importante deste trabalho, conforme apontam os próprios representantes do espaço, realiza-se por meio de uma equipe de mediadores que recebem capacitação constante e estabelecem diálogos com os visitantes, visando construir vínculos entre as necessidades e interesses do público e os conteúdos do museu.

Nessa perspectiva, observa-se que a divulgação científica na área da economia e sua relação com questões de CTSA ainda são temas desafiadores e pouco abordados por museus e centros de ciências no mundo. Entretanto, sua discussão, tanto em espaços de educação formal (aquela que acontece nas escolas) e não formal (que acontece em museus e centros de ciências e atividades de divulgação científica em geral), são essenciais para a constituição de cidadãos críticas e para a promoção do debate público (Erduran e Mugaloglu, 2013).

Para Albe e Pedretti (2013: 304), “essas questões cruzam a ciência e a sociedade e estão inseridas em uma rica tapeçaria de forças e contextos sociais, tecnológicos, políticos, econômicos e históricos”. Assim, ao se comunicar temas de ciência e tecnologia para públicos diversos a para o fomento à cidadania, deve-se englobar discussões de assuntos contemporâneos e cada vez mais complexos relacionados à ciência e à sociedade. As autoras defendem, também, que é importante promover meios para se desenvolver habilidades como “analisar, sintetizar e avaliar informações; envolver-se em tomadas de decisão informada; abordar a perspectivas da natureza da ciência, casar a ciência, a ética e o raciocínio lógico; fomentar para que atuem como atores” (Albe e Pedretti, 2013: 305). Assim, segundo elas, essas perspectivas dão a chance às pessoas de desenvolverem conhecimentos mais profundos sobre o mundo em que vivem e ter em mente problemáticas sociais.

Questões como essas foram inicialmente consolidadas, no âmbito da educação formal, por meio de movimentos de ciência-tecnologia-sociedade (CTS) e ciência-tecnologia-sociedade-ambiente (CTSA). Para Marandino et al. (2016), por meio dessa educação com foco em CTSA espera-se que esses processos considerem as capacidades dos sujeitos de:

“(i) compreender assuntos sociocientíficos, (ii) formular visões próprias e pontos de vista sobre esses assuntos, (iii) reconhecer as forças sociais, políticas e econômicas que influenciam as atividades científicas e tecnológicas, (iv) tomar decisões de forma responsável e informada (considerando componentes morais e éticos) e (v) atuar em sua realidade” (Marandino et al., 2016: 15).

Marandino et al. (2016) indicam que essa perspectiva também deve ser discutida e abordada na educação não formal, especificamente, nos museus e centros de ciências, dado que todo esse movimento também propõe uma integração dialógica, participativa e democrática e essas instituições são importantes para a promoção da relação entre ciência e sociedade (Miller, 2013).

Diante desse contexto, no presente estudo, que faz parte de um estudo em oito museus de ciências da América Latina sobre o olhar do visitantes, buscamos compreender, a partir do ponto de vista dos visitantes, como os museus podem favorecer a cidadania científica de adolescentes, a partir de reflexões e discussões que ampliem o arcabouço crítico desses sujeitos .2. Interessa-nos estudar como a comunicação da ciência, notadamente sob o prisma CTSA, favorece a compreensão de temáticas sociocientíficas, a elaboração de opiniões e pontos de vista sobre assuntos concernentes às temáticas discutidas nas exposições do MIDE; auxilia na interpretação crítica do contexto cívico, econômico e social local e global que influenciam as questões centrais das atividades científicas e tecnológicas; e oferece ferramentas que auxiliem a tomada de decisões frente a sua realidade prática, visando à maior atuação em sua realidade.

1. Metodologia e análise exploratória dos dados
1.1. Caracterização da pesquisa e do universo de estudo

O espaço expositivo do MIDE compreende quatro andares divididos em quatro salas temáticas cujo conteúdo é permanente e abordam temas importantes como os princípios básicos da economia, o papel das finanças na sociedade e no âmbito individual, e o bem-estar e sua medição por meio do Índice de Desenvolvimento Humano. Entre elas, destaca-se o Desenvolvimento sustentável, economia, sociedade e natureza, no piso 4, no qual foram empreendidas todas as visitas deste estudo. Trata-se de uma galeria cuja narrativa está estruturada sobre objetos e atividades interativas mediadas e não mediadas, nos ambientes: Impacto das cidades; Os mercados ambientais; A natureza de volta à cidade; Nosso capital natural; Recursos naturais e bem-estar; O ciclo da água e biodiversidade; Conheça a riqueza do México; A onda das coisas; Novas alternativas de produção; O desenvolvimento sustentável; Sustentabilidade na prática e, finalmente, Fórum de mudanças climáticas e Terraço verde.

Neste estudo foram analisadas visitas de cinco grupos, de três a cinco adolescentes cada, entre 16 e 17 anos, amigos, de diferentes escolas públicas. Um adolescente de cada grupo foi convidado por um representante do museu para levar no mínimo dois e no máximo quatro amigos ao museu e realizar uma visita espontânea, fora do contexto escolar. A composição dos grupos, portanto, reflete a escolha feita pelo adolescente que convidou seus colegas, o que por sua vez, de certa forma, expressa a diversidade do mundo social desta faixa etária. Assim, obtivemos um total de 22 participantes, sendo, no Grupo 1 (G1), duas meninas e um menino; no G2: uma menina e quatro meninos; no G3, duas meninas e três meninos; no G4, duas meninas e dois meninos; G5: uma menina e quatro meninos.

As visitas desses adolescentes foi registrada em vídeo e áudio por um de seus membros, por meio da utilização de uma câmera subjetiva, ou seja, que captura os dados audiovisuais a partir da perspectiva do indivíduo.3 No total foram analisados 150 minutos e 14 segundos de gravação de vídeo. As visitas não foram guiadas integralmente por mediadores e os visitantes puderam circular livremente no andar, da forma como escolhessem, permanecendo o tempo que desejassem em cada um dos módulos expositivos.

O Fórum de Mudanças Climáticas é um espaço de circulação separado da área de exposição comum do andar e traz uma proposta diferenciada: conta com a presença de mediação e propõem a participação dos visitantes em um Fórum, espaço que apenas o G2 visitou, onde passou mais de três quartos da visita. Os demais espaços foram visitados por todos os grupos.

1.2. A exploração e codificação dos vídeos

Diante da necessidade de caracterizar a experiência museal dos visitantes, optou-se por uma proposta de análise adaptada a partir do modelo proposto pelo grupo de pesquisa canadense GREM (do francês, Groupe de recherche sur l’éducation et les musées), que reelabora para o contexto dos museus o modelo sistêmico de Legendre (1983), conhecido como “triângulo pedagógico” (Allard e Boucher,1998). Assim, a partir do triângulo pedagógico, são explicitadas as relações entre três atores fundamentais na experiência museal — os artefatos (módulos expositivos), os atores do museu (mediadores) e os visitantes e suas relações.

Diante do fato que esse modelo tem sido usado em vários outros estudos tais como Allard (1998); Soto-Lombana, Ângulo-Delgado e Rickenmann (2009); Soto-Lombana, Ângulo-Delgado, Runge-Peña e Rendón-Uribe (2013), ele também foi aplicado para a análise das experiências dos visitantes em todos os oito museus do projeto do qual o presente estudo faz parte.

Dessa forma, esse modelo foi utilizado como base para a categorização inicial das experiências museais dos visitantes, e sua posterior aplicação durante as codificações dos vídeos de cada visita. Subcategorias foram criadas para qualificar a experiência dos adolescentes nos museus a partir de uma perspectiva top-down (isto é, dedutivamente construído a partir do referencial teórico e das perguntas iniciais de pesquisa) e bottom-up (criando códigos específicos a partir de temas, expressões, questões que emergiram a partir do próprio material empírico, após uma primeira imersão e análise descritiva do material coletado).

A codificação foi iniciada com um protocolo de análise com categorias que foram discutidas e revistas na fase inicial do processo de interpretação dos vídeos de modo a integrar novos elementos trazidos pela empiria. Após essa adaptação, as categorias e subcategorias do protocolo foram validadas com revisão às cegas por seis pesquisadoras-codificadoras responsáveis por sua aplicação, o que é visto, por diversos autores (por exemplo: Glaser y Strauss, 1967; Patton, 2002), como uma forma de objetivação da pesquisa e uma metodologia que tem sido adotada em estudos de público em museus, como realizado por Jagger, Dubek e Pedretii (2012).

O protocolo de análise e codificação dos vídeos foi, então, composto de cinco dimensões — Conversações, Interação com o módulo expositivo, Fotos, Mudança e Emoção. Cada uma delas caracterizadas por subcategorias, como é possível observar na Tabela 1a seguir:

Tabela 1. Protocolo de análise e codificação dos vídeos


Tabela 1
Protocolo de análise e codificação dos vídeos

1.3. Análise exploratória

Tendo em vista esse protocolo, os vídeos coletados com os cinco grupos de adolescentes na visita ao MIDE foram explorados e codificados na íntegra com auxílio do software Dedoose. No total dos vídeos, obtivemos a aplicação de 525 códigos aos 150 minutos e 14 segundos, sendo que mais de um código pode ser aplicado a um mesmo trecho de vídeo.

Assim, a partir da codificação, foi identificada a categoria e subcategorias de maior ocorrência durantes as visitas, a de “Conversações”. A Tabela 2fornece o número de ocorrências de cada subcategoria no total da codificação dos vídeos:


Tabela 2
Ocorrência das subcategorias de “Conversações”

O primeiro aspecto que salta aos olhos ao se analisarem os quantitativos de cada código aplicado às visitas é o protagonismo das conversas desencadeadas a partir da interação dos visitantes com o módulo expositivo (código “visitante-módulo expositivo”: 125 ocorrências). Seguindo, observamos uma alta taxa dos códigos de conversas entre “visitante-visitante” (86), enquanto tivemos o código “visitante-mediador” com uma frequência mais baixa (26). Uma das hipóteses para explicar sua alta frequência é o fato de que a visita dos adolescentes não era acompanhada integralmente pelos mediadores do museu, que aconteceram especialmente com um dos grupos quando estavam participando da atividade interativa do Fórum de Mudanças Climáticas ao qual foram atribuídas 22 ocorrências desse tipo.

Como mencionamos anteriormente, os adolescentes tiveram autonomia para explorar o ambiente, circular pelos módulos expositivos e fixar sua atenção em objetos específicos que mais lhes interessavam. As conversas foram componente fundamental das visitas e o processo de descoberta do que se tratava determinado módulo expositivo e de como deveriam interagir com ele implicou na maior frequência do “conversas relacionadas à exposição” (funcionamento, design, experiência museal) da categoria “conteúdo das conversações” (54). Destacamos que não é de todo surpreendente que em um museu de ciências interativo uma parte significativa de conversas seja relativa à interação física e o funcionamento dos objetos expostos.

Ainda em “conteúdo das conversações” tivemos em menor escala (29 ocorrências) aqueles diálogos sobre temas de ciências, que englobam também dilemas éticos e morais da ciência, impacto social da atividade científica, trazem dados ou conteúdos científicos, questões sobre a atuação profissional ou vida pessoal e aparência de cientistas. Tendo em vista que nos interessa compreender sobre quais aspectos relacionados à ciência esses jovens estão conversando focamos, neste estudo, nas 29 ocorrências codificadas como “Conversas sobre temas de ciência”, que em muitos casos coocorreram com os demais códigos do protocolo de análise, como será mais aprofundado a seguir.

1.4. A análise das conversações sob o foco CTSA

Para compreender como se deram as interações voltadas à comunicação da ciência sobre questões que perpassam por tópicos sociocientíficos e as relações CTSA, adotamos a ótica da educação em espaços não formais com foco em CTSA defendida por Marandino et al. (2016). Conforme explicitamos anteriormente, as autoras defendem que os sujeitos estejam imersos em processos que permitam a compreensão de assuntos sociocientíficos, a formulação de visões próprias, reconhecendo diversos fatores que influenciam as atividades científicas e tecnológicas, a tomada de decisões de forma responsável e informada e a atuação em sua realidade (Marandino et al., 2016).

Assim sendo, a fim de discutir esses processos nas visitas dos cinco grupos de adolescentes ao MIDE, posteriormente à codificação e exploração dos dados, realizamos a análise qualitativa, observando as três características seguintes — que em muitos momentos se entrevêem —, livremente adaptadas de Marandino et al. (2016): a) compreender assuntos sociocientíficos; b) formular visões próprias, reconhecendo diversos fatores que influenciam as atividades científicas e tecnológicas; e c) tomar decisões de forma responsável e informada e atuar em sua realidade.

A seguir, discutimos como cada uma dessas características da educação com foco CTSA apareceram no conjunto dos dados, dando destaque e trazendo exemplos transcritos das gravações.

2. As conversações dos adolescentes sob o foco CTSA
2.1. Compreender assuntos sociocientíficos

Conteúdos sociocientíficos podem ser pensados como aqueles que permeiam questões sociais controversas em sua relação tanto no âmbito científico, tecnológico, ético, político, econômico, cultural, entre outros (Marandino et al., 2016; Ratcliffe e Grace, 2003).

Para ilustrar como a dimensão “compreensão de assuntos sociocientíficos” ocorreu ao longo das visitas, trazemos o exemplo do G1 em que surgiu uma conversação entre os próprios visitantes, a partir da contemplação do módulo “O custo real de suas coisas”. Nesse momento, três jovens contemplam e leem o diagrama explicativo exposto, e discutem o seu conteúdo associando-o a seus conhecimentos prévios. Eles mencionam, buscam a validação com a opinião dos colegas e negociam e retificam conceitos e entendimentos sobre “custo de produção”, “força de trabalho”, “produto”, “mercadoria”, “capital”, “capitalismo”, em busca de uma compreensão sobre como essas questões influenciam o custo real das coisas e objetos do cotidiano.




A aproximação do trecho selecionado com o foco CTSA é evidenciada a partir das conexões mais explícitas entre ciência e o contexto social e econômico a partir da experiência dos próprios adolescentes. A imediata ironia salientada pela visitante 1 (hashtag alienação… [risos]) deixa entrever um claro posicionamentos motivado pela problemática apresentada, no qual se engendram questões éticas com implicações sociais e individuais. Ademais, nota-se que o módulo expositivo consegue mobilizar outra dimensão de cooperação, isso é, leva os visitantes a proporem um jogo de perguntas e respostas em que se apropriam de conceitos como “custo de produção”, “meio de produção” e “força de trabalho”, e a cada proposição levantada. Observa-se a re-elaboração dos pressupostos que eles possuíam, trazendo evidências de que ocorreu ou existe um grande potencial de ter ocorrido a “compreensão de questões sociocientíficas”. Assim, foi a partir do contato com o outro e com as suas experiências e vivências, embasada pela interação com o módulo expositivo e seu conteúdo, que os visitantes conseguem refinar seu nível de compreensão individual sobre determinado assunto ou questão sociocientífica.

Outro exemplo da abordagem de conteúdos sociocientíficos adotada pelo MIDE de forma a favorecer seu entendimento pelos adolescentes pode ser identificado durante a interação mediadora-visitante, no módulo Fórum de Mudanças Climáticas. Trata-se de uma atividade mediada com, aproximadamente, 25 minutos de duração, executada apenas em horários pré-definidos, na qual um máximo de 24 visitantes participam de uma discussão sobre aquecimento global e quais decisões seriam as mais eficientes para frear seu efeito. Nesse espaço, mais um ator do triângulo pedagógico entra em cena: a mediadora. Seu papel no Fórum é fundamental para engajar os visitantes na atividade mais interativa dentre todas registradas durante as visitas. A dinâmica se inicia com a fala da mediadora e a posterior apresentação de um vídeo que contextualiza a questão climática global e provoca uma reflexão que coloca em xeque o panorama global e o local. Então, os visitantes se dividem em grupos e são distribuídos tablets para cada equipe, sendo apresentados dados sobre contextos climáticos em diferentes países, como Estados Unidos, Japão e México. Após a leitura, um representante de cada grupo relata o contexto do país analisado e expõe as discussões suscitadas por seus pares.

O exemplo a seguir traz a primeira parte dessa atividade que contribui para a compreensão assuntos sociocientíficos, mesmo que ainda que muito focada na fala da mediadora e no vídeo proposto durante o Fórum. Pode-se observar que a mediadora apresenta a questão do aquecimento global, através de uma contextualização do processo e da aproximação com a realidade dos visitantes, ao propor uma reflexão da problemática dentro do seu âmbito de experiência: as mudanças climáticas observadas nos últimos anos na sua própria cidade e dos fenômenos naturais que têm acontecido no México e afetado os estados da costa do país.




Notadamente, durante esse momento de interação mediador-visitante com o foco na compreensão de assuntos sociocientíficos, é interessante que, mesmo quando a interação avança, as perguntas formuladas pela mediadora exigem apenas uma resposta curta, que confirme ou rechace sua postulação, sem maior elaboração. No entanto, neste trecho citado, mesmo quando é clara a oportunidade de motivar o visitante a participar mais ativamente e formular uma hipótese sobre a relação entre localização geográfica, condições econômicas e mudanças climáticas, opta-se, novamente pela interação comunicativa de tipo linear e transmissivo.

Vale, entretanto, fazer algumas reflexões. Se por um lado, existem diversas críticas ao modelo de interação comunicativa de tipo linear e transmissivo, por outro, entendemos que saber transmitir informação é uma parte relevante (embora não a única importante) no comunicar a ciência e para a compreensão de assuntos sociocientíficos. Se os mediadores, por exemplo, são capacitados para fornecer explicações interessantes, claras e inspiradoras, uma abordagem menos dialógica pode ter, em determinados momentos e espaços, sua função, especialmente, se complementada com momentos de escuta e debates, e se em secções onde, de fato, os temas tocados não são muito conhecidos pelos visitantes. Dickson (2005: s/p) argumenta que é necessário tomar cuidado para não descartar alguns aspectos relevantes que são valorizados pelo modelo de déficit e sintetiza: “Um diálogo democrático sobre questões de ciência é fundamental nas sociedades modernas; mas fornecer informação confiável de uma forma acessível é um pré-requisito fundamental para que isto ocorra”.

É importante pontuar, contudo, que não se pode generalizar essa tendência a todas a intervenções realizadas pelos mediadores do MIDE, uma vez que, em outros momentos, durante o mesmo módulo expositivo, como veremos a seguir, os visitantes assumem o protagonismo das formulações científicas elaboradas coletivamente.

É relevante destacar, ainda, que no desenrolar do Fórum e nas interações estabelecidas entre os próprios adolescentes e entre os visitantes e a mediadora emergem evidências de que de fato ocorreu a compreensão de questões sociocientíficas.

Isso fica explícito quando, após a introdução da mediadora e depois de assistirem o vídeo, os visitantes são divididos em grupos e recebem tablets com diversas informações de vários países. Por aproximadamente sete minutos, os adolescentes leem juntos e comentam as informações fornecidas nos tablets. O grupo dos adolescentes estudados nesta pesquisa (composto de uma menina e quatro meninos) ficou responsável pela discussão a respeito do México, como vemos a seguir:

Além de apresentar tais dados, a proposta da atividade é, nesse momento, pensar ações de melhoria às condições informadas e os temas que aparecem são: transporte, preservação ambiental, investimento interno em tecnologias para desenvolvimento de energia limpa e mercado externo. A partir da leitura dos diversos dados apresentados nos tablets, notamos pela expressão verbal dos adolescentes uma mistura de sentimentos como surpresa e preocupação ao se depararem com dados que não pareciam conhecer antes, ficando explícita a compreensão de assuntos sociocientíficos. Nessa perspectiva, entende-se a compreensão de temáticas abordadas no Museu como um processo cumulativo, difícil de ser mensurado, e que diz respeito à apropriação pelos adolescentes de conteúdos sociocientíficos. A verificação da ocorrência de tal processo pode ser sugerida a partir do engajamento demonstrado pelos visitantes, em ir além da problemática apresentada envolvendo conhecimentos prévios do seu cotidiano (questões de gênero e transporte público), bem como a elaboração autônoma de juízos de valores “contaminamos demais” / “parece pouquinho” frente aos dados expostos, ou, ainda, a partir da formulação de novas questões “o que podemos fazer para evitar isso?”.




2.2. Formular visões próprias, reconhecendo fatores que influenciam as atividades científicas e tecnológicas

Levy-Leblond (2006) ressalta que o objetivo da divulgação científica não pode ser mais pensado em termos de transmissão do conhecimento científico dos especialistas para os leigos. Para o autor,

“(...) ao contrário, seu objetivo deve ser trabalhar para que todos os membros da nossa sociedade passem a ter uma melhor compreensão, não só dos resultados da pesquisa científica, mas da própria natureza da atividade científica. A perspectiva mais distante, ainda que neste momento possa parecer utópica, é mudar a ciência de forma que ela possa finalmente diluir-se na democracia” (Levy-Leblond, 2006: 43).

Por essa razão, formular visões próprias e pontos de vista e reconhecer as forças sociais, políticas e econômicas que influenciam as atividades científicas e tecnológicas são parte importante do processo de divulgação científica.

Continuando com o exemplo 3 na interação do G2 durante o Fórum de Mudanças Climáticas citado no tópico anterior, também notamos que os adolescentes tiveram espaço para formular e articular questões, pontos de vista e trazer opiniões sobre a sua relação pessoal com as temáticas abordadas no MIDE. A partir dos dados apresentados nos tablets, podemos observar que a natureza dos temas expostos gerou oportunidades para formular visões próprias, reconhecendo diversos fatores que influenciam as atividades científicas e tecnológicas, bem como para o surgimento de histórias pessoais e para o dissenso, relevantes para o engajamento dos jovens, e essenciais para uma comunicação dialógica, como apontam Navas-Iannini e Pedretti (2017). Nesse exemplo fica claro como a comunicação da ciência pode favorecer um ambiente rico para que os conhecimentos dos cidadãos sejam vistos e valorizados e enriquecem o debate e a problematização de questões sociocientíficas (Pouliot, 2009).

Assim, notamos que, na medida em que manifestam seus pontos de vista sobre a temática de mudanças climáticas, os jovens trazem à tona suas crenças pessoais, sua visão de mundo, e a opinião do “eu”, como é explicitado com o emprego do termo “feminazi”. Quando a discussão sobre a baixa remuneração foi permeada pela questão de gênero, trazida pela visitante 3, ao ressaltar que são as mulheres o grupo mais prejudicado por essa situação, (“De fato, 70% deles são mulheres, que vivem com menos de 2 dólares”), pode-se notar como a adolescente posiciona-se criticamente frente a um problema da esfera econômica-social, a partir de um viés que deixa entrever uma opinião notadamente marcada por sua experiência pessoal como mulher. Além de ser a única participante do sexo feminino do grupo analisado, é ela quem salienta um ponto fundamental das discussões contemporâneas sobre o mercado laboral: o déficit salarial das mulheres. Contudo, a parte mais interessante – e polêmica – registrada na visita do grupo, no que concerne às formulações das opiniões pessoais dos visitantes, é o que se observa após o comentário da visitante 3, quando seu colega, visitante 2, responde seu questionamento com ironia, chamando-a de “feminazi”. O termo, que se refere de forma pejorativa a mulheres que atuam ou se posicionam claramente em favor de questões feministas, provavelmente, foi empregado com o intuito de gerar risos. No entanto, foi imediatamente reprimido pelos demais adolescentes, que inclusive se preocuparam se outros visitantes haviam ouvido sua fala: (“Cale-se, [nome do visitante 2], todos estão nos escutando”). Esse trecho traz, exemplarmente, como ainda persistem ações e pensamentos sexistas, ainda que disfarçados de piada. Há uma tendência, no entanto, de se confrontarem essas construções sociais, como observado pela reação dos visitantes, e isso reflete como a preocupação ética está engendrada na construção do pensamento crítico desses adolescentes. Isso é, a questão sociocientífica sendo abordada de maneira integral e complexa, abrangendo dimensões sociais, culturais, éticas, técnicas e científicas.

Em acréscimo, ao ter a oportunidade de analisar, sintetizar e avaliar informações, os jovens, visitantes desse grupo, também tiveram em mente outras problemáticas sociais e adentrando conhecimentos mais profundos sobre o mundo em que vivem. Dessa forma, podemos apontar vários exemplos de como os adolescentes formulam visões e pontos de vista próprios, que dão indícios de que o processo de construção do conhecimento foi favorecido pelas discussões que as questões sociocientíficas suscitam, reconhecendo fatores que influenciam as atividades científicas e tecnológicas. Exemplos dessas formulações são quando o visitante 2 opina sobre o quanto de lixo que o México produz, “Para mim, parece [que polui] mais”, ou ainda, quando o visitante 1 defende a efetividade de ações públicas tomadas para diminuir a poluição, “Mas é que estão tomando muitas ações… No transporte público, bem, melhor…” e, finalmente, quando a visitante 3 rebate a opinião do colega e expõe sua concepção de política pública de transporte, “por público, não vejo como transporte público isso de que em certo tempo não circulem os carros, né?, ou que cada um tenha uma...”.

Notadamente, a partir da discussão acerca da poluição e, posteriormente, transporte público, é possível perceber como se articulam conhecimentos e distintas opiniões dos adolescentes pertencentes ao grupo visitante. Ademais, pode-se entrever como eles, ao argumentarem e questionarem seus pares, reelaboram pontos de vista e posicionam-se criticamente frente a questões sociocientíficas desde seu impacto em suas percepções e vivências pessoais e coletivas. Observa-se que com a pergunta “Quais decisões podemos tomar para melhorar isso (poluição excessiva)?”, o visitante 3 fomenta a interação, fazendo com que entre em pauta um novo elemento: a poluição veicular — “Mas é que estão tomando muitas ações… No transporte público, bem, melhor…”. Com este novo viés, que até este momento não havia sido mencionado nas informações dos tablets nem pela mediadora no início da atividade, é possível perceber como os adolescentes conseguem rapidamente aproximar a questão da poluição para sua realidade social imediata.

Se os dados lidos remetem a uma problemática local e global, mesmo que seu impacto seja observado pelos visitantes, ainda assim se trata de uma situação relativamente afastada da vivência empírica dos adolescentes (como valores na casa dos trilhões, situações abaixo da linha de pobreza, isso é, dados exemplares que servem para chamar a atenção, exatamente devido a seu caráter desproporcional). Os visitantes, por outro lado, conseguem partir do plano teórico e lançar seu olhar sobre o contexto da aplicação no mundo real: eles provavelmente são usuários de transporte público, ou ainda, podem em sua família observar como se dá a negociação pelo uso de veículos particulares. Dessa forma, a problemática ganha um novo significado, muito mais próximo dos adolescentes e, por consequência, mais significativo.

A relevância da questão da poluição sob a perspectiva de uma realidade familiar aos visitantes, com casos reais que lhes sejam emblemáticos por estarem presentes em seu cotidiano, pode ser comprovada no momento posterior da atividade. Na continuação do Fórum, após as discussões em grupo, há um espaço para que se compartilhem suas ideias com os demais. Dentre todas as discussões que empreenderam durante a leitura do texto, o visitante 1 que é o porta-voz do grupo, decide retomar a questão do transporte público, explicitando que, em sua opinião, o questionamento anterior da colega é uma das questões centrais da discussão: para ela, o problema do transporte público é muito complexo e não se resume a fazer rodízios, como veremos no tópico a seguir.

2.3. Tomar decisões de forma responsável e informada e atuar em sua realidade

Tomar decisões de forma responsável e informada e atuar em sua realidade é um dos processos defendidos como parte da educação CTSA e na divulgação da ciência. Nas visitas dos adolescentes ao MIDE, observamos que eles enfrentam diversos momentos em que é necessário tomar um posicionamento a respeito de determinado tópico sociocientífico e para tal eles atrelam seus conhecimentos prévios e suas vivências pessoais às informações fornecidas pela exposição. Dessa maneira, fica explícito que em várias interações ocorre o que Navas-Ianinni e Pedretti (2017) consideram como a co-construção de conhecimento — caracterizada pela participação mais autônoma e crítica dos visitantes durante a visita.

Outro dado observado é que a pluralidade de opiniões é explicitada não só pelas opiniões dos atores que estão no Fórum, mas também é fomentada pelo conteúdo divulgado pelos módulos expositivos, oportunizando a reflexão e o reconhecimento das diferenças entre países. Isso fica claro no Exemplo 4 em que o visitante leva ao grupo a opinião da colega, que considera problemático limitar as políticas de transporte público a rodízio de carros.




O exemplo acima levanta algumas reflexões sobre como os visitantes formulam suas visões próprias, e, especialmente, como elas podem ir se modificando após o debate com os colegas. Ao retomarmos a fala inicial do visitante 1, quando ainda discutiam entre si os textos do tablet (Ex. 3), observa-se como, depois da discordância da colega, há uma mudança em seu ponto de vista. Se antes ele defendia as políticas públicas empreendidas (“Mas é que estão tomando muitas ações… No transporte público, bem, melhor…”), após a intervenção da Visitante 3, nota-se uma ligeira mudança: “De fato sim, esse era o plano, mas não funcionou. O problema é o excesso de carros que existe”. A reflexão da colega leva o adolescente a repensar a efetividade das medidas tomadas pelos órgãos públicos e admitir que as medidas não funcionaram.

Já na continuação da discussão, durante a exposição para todos os visitantes e a mediadora (Ex. 4), é possível perceber a importância dada pelo visitante 1 à opinião da colega que o levou a reformular sua visão própria sobre a questão do transporte público, ao utilizar mais da metade do seu tempo de fala para discorrer sobre o tema. Em sua fala, o visitante 1 começa reticente: credita a autoria da reflexão à colega, está incerto quanto à concordância dos demais... (“Minha colega comentava que deveríamos usar mais o transporte público, parece que era, não sei se concordam ou não, mas, se 70% da população utiliza um automóvel independente, (...) no lugar de usar um carro, podem andar de ônibus, contamina menos”), porém, após essa apresentação, ele desenvolve todo um contexto inclusive incluindo dados (70% da população, uma família de três membros...) que não haviam sido ditos nem discutidos previamente com o grupo, revelando se tratar mais de um ponto de vista próprio dele do que o que a outra colega havia dito. Ou seja, seu ponto de vista não apenas foi alterado com o debate com os colegas; ele foi aprofundado e refinado.

Observamos também que o espaço da co-criação em uma prática democrática de divulgação da ciência abre espaço para a reflexão dos adolescentes sobre sua própria vida e contexto social, indo além das questões controversas e sociotécnicas abordadas pela exposição. Como já discutido, há evidências nas discussões durante o Fórum que indicam como os jovens conseguem fazer conexões e aproximações entre a sua realidade e seu cotidiano com as situações problema e as reflexões trazidas pela exposição, bem como propor ações.

Na continuidade do Fórum, após cada grupo expor suas discussões, a mediadora explica que a etapa seguinte da atividade é a tomada de decisões e a distribuição dos recursos. No trecho, com duração de três minutos, os jovens resumem rapidamente suas propostas e, posteriormente, os resultados de suas discussões finais são esquematizados e apresentados na tela de projeção do ambiente.




O visitante 1, ao finalizar sua apresentação com um relato sucinto das discussões empreendidas pelo grupo, retoma a discussão sobre poluição e transporte público, trazendo um novo elemento para o debate: a elaboração de uma proposta para a questão sociocientífica identificada pelo grupo como um problema a ser superado em nível nacional e global. É importante salientar que este momento de proposição crítica e de tomada de decisão foi fomentado por uma ação planejada pela mediadora, que propõe a síntese das falas e um avanço das reflexões prévias com a inclusão de uma proposta de solução a ser elaborada pelo grupo. E é precisamente durante a explicação para um questionamento da mediadora, que o adolescente expõe suas reflexões críticas, deixando evidente que o conhecimento é co-criado por meio de uma interação aberta e do diálogo, que são motivados pela mediadora, pela exposição e pelos visitantes a partir de suas necessidades e preocupações sociais, em detrimento de roteiros e textos pré-preparados (que, apesar de cumprirem seu papel ao trazerem dados e informações que podem embasar as discussões, restringem seu alcance ao não dialogarem tão intimamente com as experiências e vivências das audiências adolescentes). Por isso, uma intervenção da mediadora que priorize a autonomia do visitante para expor sua opinião e a tomada de decisões baseada em reflexões que levem em conta seus pontos de vista é fundamental para que os adolescentes sejam vistos como cidadãos “cujas vozes são autênticas e escutadas” (Levison, 2010: 10).

Dessa forma, o visitante 1 explicita, mesmo que hipoteticamente, uma tomada decisão informada e uma proposta de atuação em sua realidade “Para mim, como solução ou ajuda para o planeta e para o país, eu diria para exportarmos mais do que geramos... Pois, se exportamos tudo isso que temos, geramos dinheiro para implementar as mudanças”. Assim, o que se observa é o reflexo da construção de valores, conhecimentos e questões éticas que culminam na tomada de decisões sobre questões sociocientíficas que tenham impacto na sociedade e no seu cotidiano, que contribuem para uma formação científica mais abrangente a partir da qual o adolescente se perceba como agente da solução de tais problemas.

Observamos que a tomada de decisões, baseada em informações fornecidas pelo museu e pelas opiniões e experiências prévias dos visitantes adolescentes aconteceu não somente no Fórum, mas também durante a interação com os módulos expositivos nos demais ambientes do MIDE, como podemos identificar no exemplo a seguir, do G3:




O exemplo acima se passa no módulo “A onda ecológica: uma maneira de medir nosso impacto sobre o planeta”. Trata-se de um módulo expositivo voltado para medir o impacto ecológico que estamos exercendo sobre o planeta e sobre determinado contexto local, a partir do cálculo dos recursos naturais que são gastos e dos efeitos resultantes das diversas atividades produzidas pelo ser humano. Observamos que o fato de os adolescentes terem que mobilizar recursos e informações do seu cotidiano para interagir com o módulo faz com eles que reflitam, em nível local e global, o quanto estão utilizando determinados recursos naturais e, posteriormente, como isso influi no impacto ecológico. Ao se surpreenderem com o resultado apresentado pelo módulo expositivo de que seu impacto é alto – “Visitante 1: [lendo] o resultado é que a sua onda é… Alta!” –, pressupomos que, além de refletirem sobre seus hábitos de consumo, eles podem, também, tomar decisões de forma mais responsável e informada e atuar em sua realidade a partir da compreensão de conteúdos sociocientíficos abordados na exposição do MIDE.

Além disso, a partir do trecho selecionado percebe-se como a questão de gênero é recorrente e, novamente, expressa em caráter de brincadeira. Notadamente, podemos apontar a fala do visitante 1 (“Roupas e sapatos. Não, então coloca “muito”, porque você é mulher. [A colega coloca em um nível mínimo]”) como exemplar para refletirmos sobre como os estereótipos sexistas são combatidos desde atitudes proativas nas quais o caráter democrático das tomadas de decisão é explicitado. Nesse sentido, é possível pensar que ao não seguir as indicações do colega sobre as marcações que deveria apontar, a adolescente que calcula sua onda ecológica está demarcado uma posição clara e eticamente responsável que vai de encontro a construções sociais impostas coletivamente que se refletem nas falas do visitante 1. Na perspectiva da CTSA, interessa-nos compreender como são superadas tais situações conflitivas durante a construção de um modelo de decisão, que está intimamente marcado pela autonomia e pelo engajamento dos adolescentes, pautado em valores científicos, técnicos, históricos, culturais, éticos, etc.

Seja no exemplo 3, em que todos os membros do grupo imediatamente empreenderam o comentário “feminazi” empregado para se referir a uma das visitantes que questionou o déficit salarial das mulheres, seja no exemplo 6, em que silenciosamente a visitante contraria construções estereotipadas sobre mulheres (comem pouco, compram muitas roupas e sapatos… etc), percebe-se uma tendência a um posicionamento crítico e reflexivo fomentado pelas questões sociocientíficas desenvolvidas nos módulos expositivos do MIDE.

Considerações finais

Destacamos, neste estudo, a relevância da proposta do MIDE de abordar questões sociocientíficas dentro de um museu dedicado à divulgação científica na área de economia. Por meio da exposição Desenvolvimento sustentável, economia, sociedade e natureza propõe um diálogo com os visitantes, integrando diferentes vozes e promovendo uma plataforma de cidadania científica.

Material suplementar
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Notas
Notas
1. Para mais informações sobre o MIDE, ver: http://www.mide.org.mx/. Acceso em 15 de maio de 2018.
2. Este estudo faz parte de um projeto realizado no contexto de oito museus e centros de ciências do Brasil, Colômbia, Argentina e México, que visa estudar a experiência dos adolescentes nos museus e centros de ciências a partir do seu olhar e se insere no escopo do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia, no Brasil. Apoio do CNPq, da Casa de Oswaldo Cruz/FIOCRUZ e da Faperj.
3. Neste estudo foi colocada uma câmera GoPro na cabeça de um dos visitantes. Almejou-se com a utilização deste aparelho um registro a partir da perspectiva do visitante; seu design compacto e seu posicionamento na cabeça do visitante permitiram fácil deslocamento e a captura panorâmica bastante próxima àquela do olhar do visitante.

Tabela 1
Protocolo de análise e codificação dos vídeos

Tabela 2
Ocorrência das subcategorias de “Conversações”


















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