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Responsabilidade civil das mineradoras regularmente licenciadas
LIABILITY OF REGULARLY LICENSED MINING COMPANIES
Prisma Jurídico, vol. 15, núm. 1, pp. 105-124, 2016
Universidade Nove de Julho



Recepção: 12 Janeiro 2016

Aprovação: 19 Junho 2016

DOI: https://doi.org/10.5585/prismaj.v15n1.6549

Resumo: O presente artigo busca compreender, utilizando-se de princípios e da legislação competente, a prescindibilidade do licenciamento das mineradoras para a responsabilidade civil por danos ambientais; tem como objetivo analisar se, ainda que observados os requisitos do referido licenciamento, é possível que incida a responsabilidade civil da empresa responsável pela extração mineral. Buscou-se compreender o problema por meio de raciocínio dedutivo, com vertente metodológica jurídico-teórica, alicerçando-se na análise de doutrinas e artigos relacionados ao tema proposto. Conclui-se pela possibilidade de responsabilização da mineradora independente de licenciamento ambiental, visto que este não é óbice para incidência da responsabilidade civil no direito ambiental brasileiro.

Palavras-chave: Mineração, Responsabilidade civil, Direito ambiental.

Abstract: This article comprehends, using principles and legislation, the irrelevance of environmental licensing to allow environmental civil liability of the mining company that caused environmental damage. It has the scope to also analyze if, even though attending the guidance of said licensing, is possible to apply civil liability against the mining company. It uses deductive reasoning combined with a methodology that aligns law-theory, structured in the analysis of theory and articles related to the theme. The conclusion is that it is possible to apply civil liability to the mining company despise environmental licensing, because the inexistence of said license does not stop environmental civil liability on Brazilian environmental law.

Keywords: Mining, Civil liability, Environmental law.

INTRODUÇÃO

O licenciamento ambiental é uma das principais formas de garantia da exploração ambiental segura, por ser requisito fundamental para que se instale uma atividade potencialmente prejudicial ao meio ambiente, com autorização dos entes da federação (o licenciamento poderá ser efetuado pela União, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal).

A obrigatoriedade do licenciamento ambiental tem fulcro no texto constitucional. Conforme o art. 23, VI e VII, são obrigações da União, respectivamente, “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”, bem como “preservar as florestas, a fauna e a flora”. Não há como realizar essas tarefas sem que possua o poder público alguma forma de fiscalização, ainda que prévia ao andamento da atividade, para, assim, prever os impactos de determinada atividade.

Ainda na Constituição da República, o constituinte impôs, expressamente, a necessidade do licenciamento ambiental. Nos termos do art. 225, §1º, IV, da Constituição da República de 1988:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”

§1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

[...]

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade. (BRASIL, 1988)

Por tratar-se de item tão imprescindível às noções de Direito Ambiental Brasileiro, o presente artigo busca realizar uma análise do Licenciamento Ambiental, com o enfoque na mineração.

1 OS PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL E O LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Como instituto relevante no Direito Ambiental, é possível compreender que todos os princípios do direito ambiental incidem no licenciamento ambiental, em maior ou menor grau, já que não é possível, para uma perspectiva neoconstitucionalista do Direito, que determinado princípio não seja aplicado diante de um fato jurídico.

Entretanto, como é usual no ramo do Direito, alguns princípios incidem em maior ou menor grau, conforme seus objetivos ou orientações.

É possível, pelo conceito de Licenciamento Ambiental ofertado na Lei Complementar 140 de 2011, vislumbrar quais princípios do direito ambiental recaem com mais força neste instituto.

Assim, entende-se, pelo art. 2º, I da Lei Complementar 140, que:

[Considera-se] licenciamento ambiental: o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental. (BRASIL, 2011)

Em outras palavras, o licenciamento ambiental “é tido como um processo ou procedimento administrativo, onde a Administração realiza determinados atos com a finalidade de verificar se a atividade a ser licenciada poderá causar alguma espécie de degradação ambiental” (PAGEL, 2012, p. 233).

O primeiro princípio a ser identificado é o Princípio da Sustentabilidade. A sustentabilidade pode ser compreendida em duas faces diversas, primeiro conforme:

[...] a incidência de seus efeitos diante do tempo cronológico, pois esses efeitos são estudados no presente e no futuro; segundo, ao se procurar fazer um prognostico do futuro, haverá de ser pesquisado que efeitos continuarão e quais as consequências de sua duração. (MACHADO, 2013, p. 71)

O licenciamento ambiental busca satisfazer o segundo aspecto do conceito de sustentabilidade dado pelo doutrinador. Ao realizar um estudo dos impactos que ocorrerão em razão da prática da atividade no meio ambiente, o licenciamento ambiental faz o prognóstico futuro necessário para se analisar a viabilidade da atividade potencialmente prejudicial ao meio ambiente.

Não há como, portanto, se afastar da noção não só de sustentabilidade, mas também de desenvolvimento sustentável. A compreensão de que a exploração dos recursos naturais deve ser feita de forma a respeitar, ainda que não na íntegra, o meio ambiente, decorre justamente de tal princípio. Dessa forma, tratando do tema do artigo, especificamente, na questão da atividade mineradora, verifica-se que o Princípio da Sustentabilidade orienta no sentido de que a atividade se desenvolva e movimente a economia sem, entretanto, se esquecer do caráter sustentável necessário para que se faça qualquer tipo de exploração ambiental. Não busca o Princípio da Sustentabilidade obstar o desenvolvimento, e sim orientá-lo de forma a conviver com as previsões constitucionais de preservação ambiental.

Incide também o Princípio do Acesso Equitativo ao Uso dos Recursos Naturais. Ao entendermos a finalidade do licenciamento ambiental, vê-se que ele tem como principal objetivo não extinguir a viabilidade de determinado recurso, impedindo assim que ele se esgote ou deteriore. Assim, para que seja autorizado, via licenciamento ambiental, isto deve ser feito de modo a permitir o acesso daquele bem por outros interessados, além de garantir a futura utilização.

Quanto ao Princípio do Poluidor Pagador, entende-se que deverá arcar com os danos causados ao meio ambiente aquele que lhes deu causa. Assim, o licenciamento ambiental já pode prever, antes da instalação da atividade, a recuperação a ser feita, bem como os valores dessas medidas, de forma que o princípio incide antes mesmo de mensurar com exatidão o dano.

Nota-se também a incidência dos Princípios da Precaução e da Prevenção, que orientam a atividade do poluidor (no caso, o licenciado ambiental) na condução de sua exploração, visto que, para que ele obtenha o licenciamento, é necessária comprovação de que serão tomadas as medidas cabíveis que busquem restringir ao máximo a possibilidade de dano e, caso ele ocorra, que ele seja reduzido ao mínimo. Essa exigência é intrínseca ao licenciamento ambiental, já que, como medida preliminar, ele tem caráter de prevenção e precaução.

Os Princípios da Informação e da Participação Popular estão também conectados ao processo de licenciamento ambiental, já que todo o processo até que se dê o licenciamento é público, conforme o art. 3º da Resolução 237 do CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente), garantindo-se a participação popular por meio de audiência pública expressamente prevista no processo de licenciamento, no art. 10, V, também da Resolução 237 do CONAMA.

Sendo assim, pode-se inferir que os Princípios referentes ao Direito Ambiental aplicados ao Licenciamento Ambiental configuram normas jurídicas a serem respeitadas pelas mineradoras. O desrespeito a qualquer destes princípios pode ensejar a imputação de responsabilidade civil à mineradora, visto que, conforme o conceito do artigo 927 do Código Civil de 2002, “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Assim, ao desrespeitar os princípios aqui descritos e incorrendo em ato ilícito, genericamente descrito no artigo 186 também do Código Civil (“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”), vislumbra-se a obrigação da mineradora de reparar o dano e, assim, a ocorrência de hipótese de responsabilidade civil decorrente de dano ambiental.

2 LICENCIAMENTO AMBIENTAL NAS ATIVIDADES MINERÁRIAS

Como visto, o licenciamento ambiental pode ser definido como o procedimento de caráter administrativo através do qual o órgão ambiental competente, de modo preventivo ou corretivo, contanto que preenchidos os pressupostos exigidos legalmente do empreendedor, licencia a localização, ampliação, instalação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidoras, ou daquelas que, de qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso (CONAMA, 1997).

O Decreto 99.274/90, que regulamenta a Lei 6.938/81, e a Resolução 237/97 do CONAMA, estabelecem o que é o licenciamento ambiental. Além desses diplomas, a Lei Complementar 140/11 também tem previsão para tal procedimento, em seu artigo 2º, I. Esta Lei Complementar também dispõe sobre a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, e sobre competência para o licenciamento, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição da República.

Com base em tais normas, diz-se que o licenciamento é o procedimento de concessão ou não concessão da licença ambiental pelo órgão ambiental competente. Há alguns tipos de licenças ambientais, previstas no art. 19 do Decreto 99.274/90, que regulamenta a Lei 6.938/81, e no art. 8º da Resolução 237/97 do CONAMA. São elas:

I - Licença Prévia (LP) - concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação;

II - Licença de Instalação (LI) - autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante;

III - Licença de Operação (LO) - autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação. (CONAMA, 1997)

Em suma, a licença prévia seria utilizada para constatar a viabilidade ambiental do empreendimento ou atividade, indicando os requisitos a serem obedecidos nas etapas seguintes; a licença de instalação outorga o início de sua implantação, em consonância com o projeto executivo; e a licença de operação seria utilizada para permitir o início da atividade ou empreendimento, desde que cumpridas as condicionantes anteriores.

Tais licenças podem ser expedidas pelo órgão ambiental de forma isolada ou sucessivamente, a depender da natureza, características e fases do empreendimento ou atividade, como se percebe do disposto no parágrafo único do art. 8º da Resolução 237/97 do CONAMA.

É possível asseverar, portanto, que a utilização dos recursos naturais está adstrita ao consentimento prévio do Poder Público e ao seu respectivo licenciamento. Não poderia ser outra a interpretação, sob pena de se violar o art. 225 da Constituição da República de 1988, o qual preceitua que todos possuem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, sendo dever do Estado (lato senso) e da coletividade defendê-lo e preservá-lo.

Assim sendo, faz-se mister às atividades e empreendimentos, efetiva ou potencialmente poluidores, e que possam causar danos ao meio ambiente pela exploração de recursos naturais, que obtenham do Poder Público o respectivo licenciamento ambiental.

Não seria diferente, por conseguinte, com as atividades ligadas à mineração. Os empreendimentos vinculados à exploração mineral, por menores que sejam as atividades, possuem um enorme potencial degradador. São diversos os impactos ambientais decorrentes da mineração, como a poluição atmosférica, a poluição dos recursos hídricos, a poluição sonora, a subsidência do solo, bem como danos à fauna e flora, a depender do tipo da atividade mineira.

Além dos impactos advindos naturalmente da mineração, há ainda o enorme risco desta atividade, que tem o potencial de causar danos em escala muito maior, como se nota em casos de rompimento de barragens de rejeitos e estéreis. Desse modo, podemos dizer que os empreendimentos minerários, que comumente podem ser causadores de significativo impacto ambiental, devem, consequentemente, receber o prévio licenciamento ambiental para iniciar suas atividades regularmente (THOMÉ, 2015).

De acordo com o aduzido por Souza, citado por Araujo e Santos Filho,

O licenciamento mineral pode ser considerado um regime intermediário quanto à complexidade técnica no aproveitamento mineral e, consequentemente, quanto ao grau de exigências por parte da Administração Pública, situando-se entre o regime de concessão de lavra, que requer técnicas mais complexas, e o regime de permissão de lavra garimpeira, com técnicas mais singelas. O licenciamento de mineração requer a outorga de dois atos administrativos: a licença específica, a ser expedida pelo Município em que se encontra a jazida que se pretende lavrar, e a autorização do DNPM para se lavrar o recurso mineral (ARAUJO; SANTOS FILHO, 2013, s/p).

Em se tratando de empreendimentos e atividades considerados potencialmente causadores de notável degradação do meio ambiente, a concessão da licença ambiental deverá ser precedida, por seu turno, de um estudo de impacto ambiental (EIA) – em que serão previstas medidas reparadoras e mitigadoras do danos ambientais – e seu respectivo relatório de impacto ambiental (RIMA). Logo, a “aprovação do EIA/RIMA constitui pressuposto para a empresa de mineração pleitear o licenciamento ambiental do seu projeto” (THOMÉ, 2015, p. 549).

Percebe-se, destarte, que é necessário este estudo de impacto ambiental, etapa do licenciamento, mas prévio à concessão da licença ambiental. “Aos empreendimentos de exploração mineral significativamente impactantes exige-se, em regra, o EIA, a ser apresentado ao órgão ambiental na ocasião da solicitação da Licença Prévia” (THOMÉ, 2015, p. 550). No caso das substâncias minerais de emprego direto na construção civil (como areia, brita, argila), em razão das peculiaridades do empreendimento, é prescindível a apresentação desses documentos, projetos e estudos ambientais pertinentes (como o estudo de impacto ambiental – EIA – e o relatório de impacto ambiental – RIMA). Nessa hipótese específica, deverá ser apresentado pela empresa mineradora o Relatório de Controle Ambiental (RCA), em conformidade com as orientações do órgão ambiental competente.

Tal previsão (da prescindibilidade do EIA/RIMA nas substâncias de emprego direto na construção civil) consta do art. 3º da Resolução nº 10, de 06 de dezembro de 1990, do CONAMA, segundo o qual, a critério do órgão ambiental competente, o empreendimento, em decorrência de sua natureza, localização, porte e demais características, poderá ser dispensado da apresentação dos Estudos de Impacto Ambiental – EIA e respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA. Em seu parágrafo único, prevê, ainda, que nesta hipótese da dispensa de apresentação do EIA/RIMA, o empreendedor deverá apresentar um Relatório de Controle Ambiental – RCA, elaborado de acordo com as diretrizes a serem estabelecidas pelo órgão ambiental competente.

Nesse sentido, devido à enorme relevância do estudo de impacto ambiental das atividades potencialmente causadoras de danos ambientais, pode-se verificar, também, a previsão constitucional inscrita no art. 225, § 1º, IV, em que é dever do Poder Público, para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.

É necessário que se tenha em mente a singular importância do licenciamento ambiental para as atividades e empreendimentos relacionados à mineração, precedidos do estudo de impacto ambiental e do relatório de impacto ambiental respectivo, haja vista a potencialidade de degradação ambiental que tais ofícios carregam.

Segundo explana Remédio Júnior,

As fases do empreendimento de mineração podem ser sintetizadas para fins didáticos e acordo com o modelo acolhido no Código de Mineração: a) pesquisa mineral; b) lavra de jazida. Pode-se acrescer uma terceira, que não está prevista no Código de Mineração, a saber; c) recuperação da área degradada pela mineração. Observe-se que, em regra, a licença prévia e a licença de instalação são concedias durante a fase de pesquisa mineral, enquanto a licença de operação é dada na fase de licença de operação, embora não haja uma uniformidade no tratamento da matéria na legislação dos diversos entes federativos. (REMÉDIO JÚNIOR, 2013, p. 322)

Desse modo, nos casos de licenciamento ambiental que não os de minerais de aplicação direta na construção civil em que é possível a apresentação de Relatório de Controle Ambiental (RCA), é obrigatória a apresentação pelo empreendedor do estudo de impacto ambiental (EIA) e do relatório de impacto ambiental (RIMA), quando do requerimento da licença prévia. E “não apenas a exploração da lavra deve ser antecedida pela apresentação do estudo de impacto ambiental, mas também à pesquisa mineral é exigido o cumprimento de tal requisito” (THOMÉ, 2015, p. 550).

É possível asseverar, portanto, a necessidade e relevância do licenciamento ambiental para as atividades e empreendimentos minerários. Entrementes, apesar de não ser objeto deste trabalho a análise minuciosa do licenciamento propriamente dito, e não obstante sua importância à mineração, o licenciamento ambiental não é imprescindível para a ocorrência da responsabilização civil ambiental das mineradoras.

3 A PRESCINDIBILIDADE DO LICENCIAMENTO PARA A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL AMBIENTAL DAS MINERADORAS

No Direito Ambiental, não há dúvidas, em sede doutrinária, quanto à incidência da responsabilidade civil objetiva ao causador de danos ambientais. A responsabilidade civil por danos ambientais decorre da prática de condutas ilícitas, sejam elas comissivas ou omissivas, violadoras de direitos alheios (sobretudo direitos difusos) e ensejadoras de danos ou degradações ao meio ambiente, ficando o agente obrigado a repará-los (recuperá-los e/ou indenizá-los).

O art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, prevê a responsabilidade civil objetiva, quando dispõe que “é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade” (grifo nosso). Portanto, não há que se falar em verificação de culpa ou dolo, no caso de danos ambientais, haja vista que a responsabilização se sustenta tão somente com o efetivo dano e o nexo de causalidade com a conduta, seja ela comissiva ou omissiva.

A matéria de responsabilidade por danos ambientais possui resguardo constitucional no art. 225, § 3º, da Constituição da República de 1988 (CR/88), no qual se vê que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Além de a responsabilidade civil por danos ao meio ambiente ser objetiva, está pautada, também, na teoria do risco integral. Apesar de alguma divergência doutrinária quanto à aplicação da teoria do risco criado ou à incidência da teoria do risco integral, prevalece esta, tanto doutrinariamente quanto jurisprudencialmente. Conforme esta teoria, quando ocorre dano ambiental, além de ficar o seu causador responsável pela reparação, independentemente da existência de culpa, não há falar em excludentes do nexo causal, o que a torna extremada e agravada. Destarte, “a submissão à teoria integral permite que o poluidor assuma todo o risco de sua atividade, desde que provado a existência do nexo causal entre o dano e a fonte poluidora” (COLOMBO, 2006), o que concede, de certa maneira, maior certeza e segurança quanto à responsabilização daquele que causou danos ao meio ambiente. Não obstante o empreendedor obtenha regularmente o licenciamento ambiental, deverá ser responsabilizado se causar danos ao meio ambiente, mesmo não existindo culpa.

No Brasil, a responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, além de objetiva e, para doutrina majoritária, fundamentada no risco integral, pode ser também considerada solidária, isto é, aqueles que, direta ou indiretamente, estiverem relacionados aos danos impingidos ao meio ambiente, serão solidariamente responsabilizados, de maneira que a obrigação de reparar tais danos pode ser reivindicada em face de qualquer dos poluidores.

O art. 5º, XXXV, da Constituição da República, estabelece que a lei não poderá suprimir qualquer lesão ou ameaça a direito da apreciação do Poder Judiciário. Este dispositivo consagra a inafastabilidade da prestação jurisdicional, fator de extrema significância para que haja um controle judicial do licenciamento ambiental, que pode ser feito, até mesmo, por qualquer cidadão, tendo em vista que todos são detentores do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Não obstante a importância (e até mesmo obrigatoriedade) do licenciamento ambiental para o funcionamento dos empreendimentos de mineração, pode ocorrer, na prática, que tais atividades sejam praticadas irregularmente, sem as prévias autorizações a serem concedidas pelo Poder Público.

Assim como, no Brasil, há diversos empreendimentos comerciais sem as formalidades exigidas pelo Direito Empresarial (como o registro do empresário), há, outrossim, múltiplos empreendimentos minerários que se encontram em situação de irregularidade face ao Poder Público. Ainda que não passem pelo procedimento de licenciamento ambiental, que não possuam as devidas licenças para pesquisa, lavra ou a licença para operação, por exemplo, estão em plena atividade no território nacional.

Diante disso, não coadunaria com o disposto no ordenamento jurídico se, em decorrência da não concessão ou presença do devido e prévio licenciamento ambiental, não pudesse ser aplicada a responsabilidade civil ambiental aos empreendimentos ou atividades mineradoras, em pleno funcionamento, que causassem danos ou degradações ao meio ambiente (na verdade, a própria mineração é atividade que, por si só, já causa impactos ambientais, sendo atividade efetivamente poluidora). Por outro lado, ainda que a mineradora esteja absolutamente regular, tendo observado rigorosamente todo o procedimento do licenciamento ambiental e tendo sido realizados adequadamente os estudos ambientais necessários, caso sua atividade cause danos ambientais, deverá esta mineradora ser responsabilizada por eles.

O próprio licenciamento ambiental já deverá prever medidas de responsabilidade civil para compensar ou, ao menos, atenuar tais danos, que são inerentes à sua atividade. Nada obstante, mesmo que os danos não tenham sido previstos, caso ocorram, incidirá a responsabilidade civil da mineradora.

Por esse motivo é que, “independentemente de a licença ambiental estar regular ou não, o empreendedor responsável é obrigado a reparar o dano que a sua atividade causou ao meio ambiente” (FARIAS, 2013, p. 176), remetendo-se, novamente, ao § 3º do art. 225, da CR/88.

Em outras palavras, isto implica dizer que, se alguma pessoa, seja ela física ou jurídica, ou empreendimento, é causador de um dano ou degradação ambiental, deverá ela suportar a responsabilização civil ambiental, respaldada na teoria objetiva e do risco integral, além de ser solidária àqueles que contribuíram para tais danos. Destaque-se, nessa senda, o previsto no § 2º do artigo 225 da Constituição, segundo o qual “aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”.

Destarte, pode-se afirmar que, com base nas disposições constitucionais e, sobretudo, no já citado § 1º do art. 14 da Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, uma mineradora, independentemente da existência de culpa, seja ela regular ou não (tenha ou não licenciamento ambiental), que causar danos ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade, ficará obrigada por indenizar ou reparar tais danos.

Havendo o dano ambiental e o nexo de causalidade, não há falar em culpa, sendo prescindível a regularidade do licenciamento ambiental para que seja impingida a responsabilização civil de uma mineradora (ou qualquer outro empreendimento ou atividade que causar danos ao meio ambiente).

Nessa linha, conforme aduz Talden Farias,

Isso significa que, mesmo se uma pessoa jurídica se encontrar em total adequação às normas ambientais, ainda assim ela tem de reparar os danos causados, porque a responsabilização civil em matéria ambiental independe da regularidade administrativa. Por outro lado, a irregularidade administrativa sem lesão ao meio ambiente não é capaz de ensejar a responsabilidade civil, porque esta pressupõe o dano. (FARIAS, 2013, p. 177)

Em suma, aduzimos ser desnecessária a adequada observância do licenciamento ambiental para a responsabilização civil ambiental das mineradoras que causarem danos ao meio ambiente, ou seja, mesmo que estes empreendimentos ou atividades estejam em situação de regularidade perante o Poder Público (circunstanciadamente, estão devidamente licenciadas), ou, ainda, que não possuam o devido licenciamento ambiental (ou tal licenciamento não esteja nos moldes do previsto legalmente), serão civilmente responsabilizadas pelas degradações que acarretarem ao meio ambiente, sendo irrelevante a constatação de culpa para tanto.

Entrementes, indaga-se se, no que diz respeito ao Poder Público, a responsabilidade civil ambiental poderia ser aplicada, quanto ao licenciamento ambiental, em detrimento da omissão administrativa em fiscalizar ou licenciar determinado empreendimento ou atividade mineraria, ou, ainda, em razão da concessão irregular de licenças ambientais.

De acordo com o que explicita Talden Farias, “ao permitir expressa ou tacitamente o funcionamento de uma atividade potencialmente poluidora que não esteja de acordo com a legislação ambiental, é a Administração Pública também responsável pelos danos causados a terceiros por sua ação ou omissão” (FARIAS, 2013, p. 178).

Caso o empreendimento ou atividade indevidamente licenciada cause danos ao meio ambiente, o agente público a quem incumbia a autorização será corresponsável, submetendo-se à responsabilização civil e estando obrigado à reparação ou indenização por tais danos, tendo em vista que o art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81 prevê que é poluidor aquele que causa direta ou indiretamente a degradação ambiental (FARIAS, 2013).

Ademais, não se deve olvidar que, em sede de responsabilidade civil ambiental, é prescindível o licenciamento ambiental das mineradoras, isto é, os empreendimentos e atividades de mineração serão civilmente responsabilizados pelos danos e degradações que causarem ao meio ambiente, não importando se possuem o devido licenciamento ambiental ou se não são licenciados (ou, ainda, se forem indevidamente licenciados), aplicando-se-lhes a responsabilidade civil objetiva, calcada no risco integral, e solidariamente àqueles que contribuírem para tais danos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O licenciamento ambiental, considerado como um procedimento pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, ampliação, instalação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes de causar degradações ambientais, possui resguardo no ordenamento jurídico brasileiro.

A Constituição da República de 1988 estabelece em seu art. 225 que todos possuem o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, impondo-se ao Poder Público e à coletividade defendê-lo e preservá-lo paras as presentes e futuras gerações. Tal dispositivo é indicativo da importância que o devido licenciamento ambiental possui para a proteção do meio ambiente.

Nesse sentido, e em consonância com o previsto constitucionalmente, deve-se lembrar do que dispõe o art. 2º da Resolução 237/97 do CONAMA, pelo qual a localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis. Tal previsão reforça a imprescindibilidade e importância do licenciamento para funcionamento das atividades e empreendimentos referidos na norma.

Como visto, não seria diferente quanto às atividades e empreendimentos de mineração. Tais atividades, por sua própria natureza, por se utilizarem em grande escala de recursos naturais, já são poluidoras, possuindo significativo potencial de causar danos ao meio ambiente. Dessa forma, é imprescindível o licenciamento ambiental de tais ofícios, sendo necessário, também, o prévio estudo de impacto ambiental (EIA), e seu respectivo relatório de impacto ambiental (RIMA), para as atividades mineradoras, em obediência aos ditames do art. 225, § 1º, IV, CR/88.

Entrementes, quando se fala em responsabilidade civil ambiental, percebe-se que o licenciamento dessas atividades e empreendimentos minerários torna-se prescindível. De acordo com entendimento esposado pela doutrina e jurisprudência majoritárias, a responsabilidade civil por danos ao meio ambiente é objetiva e fundada na teoria do risco integral. Desse modo, basta apenas que haja um nexo causal entre a conduta do poluidor e o dano causado, prescindindo-se a análise de culpa, não existindo, mesmo modo, excludentes do nexo causal.

Destarte, nota-se a irrelevância do licenciamento ambiental para que seja imposta a responsabilidade civil às atividades e empreendimentos minerários pelos danos e degradações que causarem ao meio ambiente. Quer dizer, havendo o licenciamento ambiental pelo Poder Público, não havendo tal licenciamento ou havendo um licenciamento irregular ou indevido, não importa: em todos esses casos será aplicada a responsabilidade civil às mineradoras em decorrência dos danos que acarretarem ao meio ambiente.

Tendo em vista que o meio ambiente é direito de todos e impõe-se a todos o dever de protegê-lo e preservá-lo, faz sentido que a responsabilização por danos ambientais seja realmente extremada, a ponto de alcançar o poluidor, independentemente da existência de culpa e em solidariedade com quem contribuiu com a degradação, sendo, para tanto, utilizada a teoria do risco integral. Com isso, certamente há maior segurança na efetivação deste referido direito, consagrado no art. 225 da Constituição.

Referências

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