Recepção: 02 Março 2017
Aprovação: 09 Novembro 2017
DOI: https://doi.org/10.5585/prismaj.v16n1.7188
Resumo: O presente artigo analisa, sucintamente, a construção histórica da concepção de infância, tendo em vista a situação jurídica atual dos menores sob a perspectiva da proteção integral de direitos em um cenário tecnológico, globalizado e capitalista, que fomenta o amadurecimento precoce de crianças e adolescentes. Duas questões permeiam o estudo: seria a infância uma criação ou uma descoberta do homem? Quais as consequências da interferência tecnológica na vida dos infantes? Baseando-se nos ensinamentos de Neil Postman, tem-se que a infância não é um fenômeno de predisposição genética, mas sim uma concepção de vida em sociedade, fruto das mudanças históricas no universo do homem social. Sobre a interferência tecnológica, embora questão embrionária, já se verifica o amadurecimento precoce das crianças e adolescentes devido à velocidade com que a informação sem filtros circula, aliada, ainda, à influência negativa da mídia consumista que, utilizando-se da tecnologia, adentra no ambiente infantil, persuadindo-os.
Palavras-chave: Infância, Proteção Integral, Criança, Adolescente, Tecnologia.
Abstract: This article briefly analyzes the historical construction of the concept of childhood in view of the current legal situation of children under the perspective of full protection of rights in a globalized and capitalistic technological scenario that fosters the early maturation of children and adolescents. Two questions permeate the study: would childhood be a creation or a discovery of man? What are the consequences of technological interference in the lives of infants? Based on the teachings of Neil Postman, it is known that childhood is not a phenomenon of genetic predisposition, but a conception of life in society, fruit of the historical changes in the universe of the social man. Regarding technological interference, although an embryonic issue, there is already an early maturation of children and adolescents due to the speed with which information without filters circulates, allied to the negative influence of the consumer media that, using technology, Children's environment by persuading them.
Keywords: Chilhood, Integral Protection, Child, Teenager, Tecnology.
Introdução
É difícil nos referirmos a alguém como crianças, isso porque, a cada dia, apesar da tenra idade, enfrentamos dificuldades em encontrar traços infantis nos pequeninos. A “adultização” precoce ocorre em questões comportamentais, no consumismo e imediatismo, bem como na delinquência, com o envolvimento com álcool e drogas. Soma-se a isso, o fato de os responsáveis diretos pelos filhos, em razão das infindáveis horas de trabalho ou de outros afazeres, encontrarem cada vez mais dificuldade de acompanhar a “agenda” dos pequenos. A criança, ao que parece, deixou de ser criança.
O que dizer das meninas que iniciam carreira de modelo aos 11, 12 anos? Ou dos “mini-jogadores” de futebol, contratados por grandes equipes aos 13? Ou ainda, da criança de 08 anos de idade que passou a ser conhecida na mídia como MC Melody: vestimenta de adulta, agenda de compromissos tão ou mais cheias do que a de adultos? Canta funks com letras do tipo: “Agora chora, a novinha cresceu, agora chora, tu viu que me perdeu, agora é tarde, não adianta implorar, sai fora garoto, já tem outro no seu lugar”. Aqui, cabe destacar a peculiar idade da menina – sequer chegou à adolescência – e vive em um mundo de shows, tirando fotos com maletas de dinheiro, posando e dançando como adulta, em poses insinuantes. O que esperar da vida adulta dela?
Tanto a mídia como a indústria fomentam o apelo ao consumismo, não raro com crianças fazendo o papel de adultos em discursos persuasivos e com conotação positiva da idade adulta, o que, por vezes, produz dissintonia com a realidade fática. Diante de tantos atrativos utilizados em suas publicidades, a ação midiática fomenta nas crianças o sentimento de querer ser “gente grande”, inserindo-as em um conceito adulto de consumo. Isso acaba criando a figura da criança adultizada, transformando-a em um espelho, um modelo a ser seguidos pelas outras crianças, estando o brincar, a inocência, a espontaneidade e a criatividade à margem do que atualmente se estimula, o que entra em rota de colisão com um desenvolvimento saudável.
Essas e outras questões serão abordadas no presente artigo, que começa examinando aspectos da evolução normativa, de natureza claramente protetiva em relação às crianças, e avança na tentativa de compreensão dos infantes inseridos em uma sociedade complexa, de logros tecnológicos, de excesso de informações e de riscos.
1 Aspectos princípio lógicos e legais da proteção integral
As legislações em geral são reflexo do momento histórico que um país vive durante a sua elaboração. O Brasil de 1988 estava saindo de um período de mais de vinte anos de uma ditadura civil-militar, onde o exercício dos direitos civis e políticos ficou reprimido. O fim do Regime Militar, em 1985, fez ferver no País um movimento de democratização e consequente respeito aos direitos e garantias humanas fundamentais.
A síntese do movimento de redemocratização foi documentada na Constituição de 1988, instrumento político-normativo que se traduz em verdadeiro guia das liberdades, uma espécie de carta de navegação da sociedade que dá especial atenção às minorias (BERWANGER, VERONESE, 2015). É nesse guia que a população infanto-juvenil encontrou nova abordagem de seus direitos, o qual deu suporte para a edição, em 1990, da Lei nº 8.069/1900, denominado Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, uma das mais belas páginas que a história pátria e mundial produziu a partir de um novo olhar lançado sobre esses seres humanos.
É na Constituição Cidadã de 1988 que a proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes tem assento em novo patamar, particularmente no art. 227 (conteúdo semelhante ao posteriormente reproduzido no art. 4° do ECA), impondo à família, ao Estado e à sociedade a doutrina da proteção integral, com a obrigação de assegurar aos infantes o respeito aos seus direitos fundamentais:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 2º, considera criança “a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”. O critério adotado no Brasil para estipular a inimputabilidade é cronológico, sendo criança o menor de 12 anos e adolescente o maior de 12 e com 18 anos incompletos.
A criança e o adolescente, segundo o art. 6º do Estatuto, são considerados categoria especial de sujeitos de direitos, pela peculiar situação de desenvolvimento. São compreendidos como indivíduos que gradativamente vêm se desenvolvendo intelectual, afetiva e biologicamente e que, por isso, têm características e peculiaridades próprias, o que justifica a conformação estrutural especial de seus direitos ser diferente da conformação estrutural dos direitos dos adultos (MACHADO, 2003, p. 131).
O enfoque que tomou corpo naquele contexto de mudanças inaugura novos paradigmas de tratamento jurídico destinado às crianças e aos adolescentes:
O ECA se assenta no princípio de que todas as crianças e adolescentes, sem distinção, desfrutam dos mesmos direitos e sujeitam-se a obrigações compatíveis com a peculiar condição de desenvolvimento que desfrutam, rompendo, definitivamente, com a ideia até então vigente de que os Juizados de Menores seriam uma justiça para os pobres, na medida em que na doutrina da situação irregular se constatava que para os bem - nascidos, a legislação baseada naquele primado lhes era absolutamente indiferente” (SARAIVA, 2003, p. 60).
A base principiológica da proteção integral dos infantes advém do princípio fundamental do respeito aos direitos humanos, e dele decorrem os princípios específicos do ECA, tais como o da prioridade absoluta, o do melhor interesse do menor e o da cooperação.
Para Flávia Piovesan e Wilson Pirotta a doutrina da proteção integral trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro uma nova visão da figura dos infantes que:
Consagra uma lógica e uma principiologia próprias voltadas a assegurar a primazia do interesse superior da criança e do adolescente. Na qualidade de sujeitos de direitos em condição peculiar de desenvolvimento, à criança e ao adolescente é garantido o direito à proteção integral. (2014, p. 448).
O instituto da proteção integral traz como norte que toda criança e adolescente é sujeito de direitos, devendo, por sua condição peculiar de desenvolvimento, gozar de prioridade, traduzindo-se no princípio da prioridade absoluta. Acerca desse valor normatizado, Saraiva assevera:
o Princípio da Prioridade Absoluta, erigido como preceito fundante da ordem jurídica, estabelece a primazia deste direito no art. 227 da Constituição Federal. Tal princípio está reafirmado no art. 4° do ECA. Neste dispositivo estão lançados os fundamentos do chamado Sistema Primário de Garantias, estabelecendo as diretrizes para uma política pública que priorize crianças e adolescentes, reconhecidos em sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento (SARAIVA,2003, p. 62).
Diversamente do que possa soar a uma apressada leitura, essa atenção prioritária não espanca os princípios da igualdade e da equidade, que informam as políticas públicas no campo da seguridade social, pelo contrário, ao dispensar um tratamento desigual aos que são desiguais, visa-se exatamente construir a isonomia:
Atender prioritariamente crianças, adolescentes, recém-nascidos, gestantes, deficientes e idosos, além de obedecer à legislação, não significar privilégio ou quebra da igualdade de assistência à saúde, ao contrário, é dar atenção e eficácia ao princípio da equidade. Com mais evidência, quando crianças pobres sejam discriminadas positivamente (apontando um critério de justiça organizacional nos serviços de saúde), sejam alvos de atenção especial dos serviços sanitários (VERONESE, VERONESE, 2013, p. 107).
Outro importante princípio a informar as políticas sociais e públicas nesse campo é o do melhor interesse do menor, impondo a toda decisão que envolver interesse de criança ou adolescente o cuidado para ser tomada da forma que melhor o beneficie. Ainda, família, Estado e sociedade têm a responsabilidade de atuar conjuntamente em prol dos direitos dos infantes, advindo daí a base do princípio da cooperação. Na linha da eficácia privada dos direitos fundamentais (Bilbao Ubillos, 1997), as novas diretrizes não se projetam só na moldagem das políticas públicas, mas visam a edificação de patamares superiores nas relações Estado, sociedade e família, os quais são corresponsáveis por dar vida aos novos ideais.
Tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente como a Constituição Federal de 1988 trazem consigo reflexos do direito internacional, estabelecendo a proteção da totalidade dos direitos dos infantes de uma forma una, interligada e indivisível. Piovesan, nesse sentido, assevera:
Tendo em vista que os mais recentes instrumentos internacionais de direitos humanos frisam a indivisibilidade entre os direitos civis, políticos, econômicos, culturais e sociais, ao considerarem-se os direitos das crianças e dos adolescentes como direitos humanos, eles devem ser garantidos em conjunto, sob uma perspectiva integral. Isso implica que o desrespeito a qualquer direito faz com que todos os outros direitos humanos, de um modo ou de outro, sejam violados, já que estão interligados e a garantia de um direito pressupõe a garantia dos demais direitos humanos. Em consonância com essa diretriz, o ECA trata, de forma interligada, dos direitos das crianças e dos adolescentes, remetendo-se a outros direitos, quando cuida da proteção de determinado direito, e vinculando em um mesmo título direitos individuais e sociais (2014, p. 454).
A teoria da proteção integral, insculpida na Constituição Federal de 1988, foi essencial para o movimento que passou a se estruturar no cenário social e jurídico brasileiro, iniciando com a ruptura paradigmática de marginalização perpetuado pelo Código de Menores, que, segundo ensina Machado, passa essencialmente por duas vertentes:
a) pelo reconhecimento e pela configuração de um sistema especial de proteção dos direitos fundamentais distinto daquele configurado para os adultos; b) pela igualdade jurídica entre todas as crianças e os adolescentes, independentemente da posição que ocupem na sociedade (2003, p. 152).
Nesse sentido, o universo jurídico nacional se volta para a concretização da proteção e potencialização dos direitos fundamentais infanto-juvenis, colocando-os sob o olhar da prioridade absoluta.
2 O caráter pejorativo da expressão “menor”
Apesar de amplamente difundido pelo Código Civil (Lei 10.406/2002) e pelo Código Penal (Lei 2.848/1940), a designação menor é eivada de caráter depreciativo, remetendo ao revogado Código de Menores (o primeiro é de 1927, contendo previsão sobre assistência e proteção aos menores, com nova edição, em 1979, este adotando a doutrina da situação irregular), o qual fazia uma distinção entre as crianças vulneráveis e aquelas que estavam em situação de delinquência, chamando estes de menores. No sistema jurídico anterior, pré-Constituição de 1988:
orientava-se, destarte, pela cisão entre duas categorias distintas de crianças e adolescentes: a infância normal (infância família, infância escola, infância protegida e fruindo dos bens materiais e culturais socialmente produzidos) e a infância desviante (infância não-família, não-escola, infância desassistida, não fruindo desses bens, e fundida num conceito jurídico de carência-delinquência); ao primeiro grupo aplicava-se um conjunto de regras, o até então chamado direito de família, e ao segundo outro conjunto de regras, o chamado direito do menor, que se apropriava de algumas noções daquele, mas configurava um corpo próprio de normas e se aplicava exclusivamente ao segundo grupo (MACHADO, 2003, p. 146).
Essa diferenciação, ao fim e ao cabo, não reconhecia a incidência do princípio da igualdade à esfera das relações jurídicas envolvendo crianças e adolescentes. Visando superar esse passado:
“Surge o ECA como unificador dos sujeitos de proteção da Lei, definindo como criança e adolescente, e não mais menor, todos aqueles, menores de 18 anos, em situação de vulnerabilidade e delinquência. Ambos sujeitos de direitos protegidos por Lei, deixando de lado o paradigma de exclusão social adotado pelo Código de Menores. Dessa feita o melhor é optar pela utilização de outras expressões, tais como ‘criança’, ‘adolescente’, ‘pessoas em desenvolvimento’, ‘infante’, ‘sujeito de direitos especiais’ (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 89).
O contexto do surgimento e manutenção da doutrina sobre a qual cavalgara o Código de Menores, nos anos de chumbo, expunha discriminações e segregações das mais diversas, incompatíveis com a atual era democrática. À luz da doutrina da situação irregular, a atuação estatal projetada sobre a infância e a adolescência foi assim traduzida por Leite:
(i) uma vez constatada a “situação irregular”, o “menor” passava a ser objeto de tutela do Estado; e (ii) basicamente, toda e qualquer criança ou adolescente pobre era considerado “menor em situação irregular”, legitimando-se a intervenção do Estado, através da ação direta do Juiz de Menores e da inclusão do “menor” no sistema de assistência adotado pela Política Nacional do Bem-Estar do Menor (2005, p. 14).
Como as legislações tendem a reproduzir os valores predominantes em seu tempo histórico, o caldo cultural da segurança nacional, difundido pelos militares, foi a linha mestra a direcionar a atuação do poder público durante esse longo período, não apenas voltada ao combate dos menores irregulares, mas se traduzindo,
também uma forma de se projetar o controle social numa perspectiva de classe. A partir do padrão de organização da família burguesa, como ‘célula mater da nação brasileira’, impunha-se traçar o destino, estabelecer os valores morais, o perfil das relações inter-familiares, a lógica dos comportamentos, a serem adotados pelos setores populares. Este era o caminho disponível à sua redenção das famílias pobres, sob pena de serem contra elas movidas as engrenagens do sistema legal menorista (LIMA, 2001, p. 62).
Essa verdadeira redoma institucional projetada sobre crianças e adolescentes remete ao pensamente de Michel Foucault que, em sua obra Vigiar e Punir abre um capítulo para pensar sobre os “corpos dóceis” produzidos por estruturas autoritárias de poder, cuja “coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com a codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos” (1991, p. 125-126) molda um corpo docilmente disciplinado, economicamente mais útil.
Repise-se a necessidade de evitar a utilização do termo “menor”, em razão do caráter pejorativo que ele carrega, resgatando o entendimento de crianças e adolescentes como pessoas em situação irregular, fazendo perdurar o estigma de marginalização, importando a marca autoritária do período precedente da história brasileira, em flagrante descompasso com a proposta do ECA, que prima pela proteção integral dos infantes. Ademais, muito além da mudança terminológica, o que está em questão é uma aposta simbólica, a busca de desvestir o passado e, por conseguinte, vestir o presente-futuro com roupagem diversa, escrevendo um novo capítulo histórico que dispense a esses seres humanos um tratamento mais humanizado, uma vez que:
Se o Direito se funda num sistema de garantias dos direitos fundamentais das pessoas, e no tocante a crianças e adolescentes um sistema especial de proteção, as pessoas (entre elas crianças e adolescentes) necessariamente têm um mesmo status jurídico: aquele que decorre dos artigos 226, 227 e 228 da CF e se cristalizou na lei ordinária, no Estatuto da Criança e do Adolescente (MACHADO, 2003, p. 146).
Não subsiste a dualidade no ordenamento jurídico envolvendo crianças e adolescentes. Há unicidade na categoria, sendo, pois, detentora do mesmo conjunto de direitos fundamentais.
3 Vivendo em um mundo de adultos
Conforme ensina Neil Postman (2012), um importante passo para o desenvolvimento da humanidade foi a criação da prensa tipográfica com caracteres móveis, atribuída ao alemão Johannes Gutenberg, em meados do século XV. Entretanto, este feito não foi célebre tão somente por inaugurar a revolução da imprensa, mas também por iniciar a criação do conceito de infância. Na obra O desaparecimento da infância (2012), Postman descreve essa travessia:
no mundo Medieval a criança é, numa palavra, invisível. Tuchman resume isso assim apud ‘De todas as características que diferenciam a Idade Média da Moderna, nenhuma é tão contundente quanto a falta de interesse pelas crianças’. E então, sem que ninguém esperasse, um ourives de Mogúncia, na Alemanha, com o auxílio de uma velha prensa usada no fabrico de vinho, fez nascer a infância (2012, p. 35).
A invenção da prensa tipográfica é um marco importantíssimo para o surgimento do que passará a ser conhecido como infância. Até então a palavra child (criança em inglês) era desconhecida do homem. Na idade média não havia diferenciação entre homens adultos e crianças, sendo os pequenos considerados apenas uma menor força de trabalho que, possivelmente, não sobreviveria as intempéries da vida.
Fonte sempre acessível e recorrente de relatos históricos são as produções cinematográficas. E qual a visão geral que elas nos dão sobre a Idade Média? Pobreza, imundice, peste negra e outras doenças, guerras e sexualidade despudorada, sempre com especial destaque para a proximidade com a morte. Nesse cenário de horrores, os cuidados dispensados às crianças e, consequentemente, a sua expectativa de vida era assustadoramente baixa. Em relação a esse período histórico, convém novamente reproduzir Postman:
é óbvio que para que uma ideia como a de infância se concretize é preciso que haja uma mudança no mundo adulto. E esta mudança não deve ser apenas de considerável magnitude, mas também de natureza especial. Deve, expressamente, gerar uma nova definição de adulto. Durante a Idade Média houve várias mudanças sociais, algumas invenções importantes, como o relógio mecânico, e muitos acontecimentos notáveis, inclusive a Peste Negra. Mas não ocorreu nada que exigisse que os adultos alterassem sua concepção da própria vida adulta. Em meados do século quinze, contudo, tal acontecimento se verificou: a invenção da impressão com caracteres móveis. (...) a tipografia criou um novo mundo simbólico que exigiu, por sua vez, uma nova concepção de idade adulta. A nova idade adulta, por definição, exclui as crianças. E como as crianças foram expulsas do mundo adulto, tornou-se necessário encontrar um outro mundo que elas pudessem habitar. Esse outro mundo veio a ser conhecido como infância (2012, p. 34).
Essa mudança se mostrou tão considerável que foi marco divisor de realidades, separou aqueles que sabiam ler e tinham acesso aos escritos daqueles que, ou muito velhos, ou ainda jovens, necessitavam de um ambiente para aprender a desvendar esses símbolos, e, só então, abarcar na vida adulta. Surge aí a distinção entre crianças e adultos. Referido autor vai além, afirmando que a infância nesse período se dividia em dois estágios,
o primeiro estágio da infância terminava no ponto em que o domínio da fala era alcançado. O segundo começava com a tarefa de aprender a ler. Na verdade a palavra Child era muito usada para designar adultos que não sabiam ler, adultos que eram considerados intelectualmente infantis (2012, p. 56).
Verifica-se que o surgimento da infância não foi reflexo da pulsante necessidade de proteção aos infantes e de suas necessidades básicas, mas sim, da incapacidade das crianças de viver no mundo letrado dos adultos. O domínio da habilidade da fala não mais era suficiente para viver no mundo social, tornou-se necessário adquirir a habilidade de decifrar o novo código que se difundia, tornou-se necessário saber ler e escrever. A partir daí passa a se estruturar uma nova figura, as escolas.
Consoante já afirmado, a Era Medieval mostrava-se repleta de pestes, pobreza, monarcas absolutos, com a plebe vivendo nas mais inóspitas condições, situação propícia para a falta de senso de pudor, com celebrações repletas de orgias, em que as crianças faziam parte constante desse ambiente. As crianças eram adultos em miniatura.
Figura política e social predominante na Idade Média é a Igreja Católica, visto que até o surgimento do Protestantismo ela era absoluta e se constituía como a grande fonte de repressão da população. Índex, bruxas e heresias eram figuras comuns, a Bíblia só era acessível aos padres e sacerdotes, os únicos que podiam pregar a palavra do Senhor, fazendo-a da forma que quisessem, devidamente reforçados com a conexão da Igreja com o Estado.
O desenvolvimento da prensa tipográfica somou muito para o enfraquecimento do absolutismo da Igreja Católica e consequente desenvolvimento das religiões baseadas na teoria Protestante. A imprensa possibilitou a impressão de bíblias em vernáculo e sua consequente circulação, levando os ensinamentos bíblicos para inúmeras culturas, disseminando a informação e tornando dispensável a figura do Sacerdote como intérprete da palavra divina, uma vez que, a partir de então, a palavra bíblica passara a ser acessível a qualquer homem letrado. A imprensa possibilitou a democratização do acesso aos livros e à cultura escrita.
Já na idade contemporânea, um julgamento feito pela Suprema Corte do Estado de Nova York, em 1874, traduziu a indiferença em relação aos direitos das crianças. Mary Ellen Wilson, à época com 09 anos de idade, era vítima de abusos e maus tratos, sofria restrição alimentar, espancamentos diários, proibição de sair ao ar livre. Vivia trancafiada por seus pais adotivos em um quarto escuro, desprovida de roupas quentes para enfrentar o rigoroso inverno e de uma cama para dormir.
O caso de Mary Ellen chegou ao conhecimento da Suprema Corte por meio de vizinhos que procuraram a Sociedade Americana de Prevenção da Crueldade contra Animais (ASPCA) a fim de cessar os maus tratos sofridos pela menina. Entretanto, levar tal caso a julgamento foi turbulento, visto que na época os Estados Unidos, como o restante do mundo, não tinham nenhum tipo de legislação que protegesse os direitos das crianças. A analogia com as leis de proteção aos animais já existentes possibilitou que o caso fosse julgado, com lastro na alegação de que a menina não era menos do que um gato ou um cachorro, afinal, também fazia parte do reino animal. O pai adotivo de Mary Ellen faleceu antes do início das investigações, já a mãe adotiva, Mary Connolly, foi condenada a cumprir um ano de prisão (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2011, p. 51).
A criação de uma lei americana de proteção aos animais antecedeu o surgimento de uma lei que cuidasse dos direitos das crianças! O caso “Mary Ellen” fez surgir nos EUA a Sociedade Protetora das Crianças que passou a militar em prol de seus interesses, impulsionada a partir dessadecisão paradigmática, que culminou na condenação dos pais por maus tratos cometidos contra os filhos.
Importante ressaltar o aspecto de que até então as crianças e os adolescentes eram tidos tão simplesmente como objetos de seus pais, ou seja, não eram sujeitos de direitos. O caso “Mary Ellen” traz exatamente essa situação, visto que compara a menina a um gato ou um cachorro, estes sim dignos de cuidado e proteção.
Além da Igreja e do Estado, outra instituição que sofreu modificações históricas, evoluindo no tratamento dispensado aos infantes, foi a família. A família tradicional, conforme Anthony Giddens, “[...] era acima de tudo uma unidade econômica e de parentesco” (2005, p. 99), ou seja, a família tradicional patriarcal se preocupava com a formação familiar a partir da economia.
A evolução da humanidade propiciou a formação da família moderna ou nuclear, ao contrário da tradicional patriarcal, assentada no amor. Esse tipo de família, segundo Roudinesco,
(…) imperou do final do século XVIII até meados do século XX. Fundada no amor romântico, ela sanciona a reciprocidade dos sentimentos e os desejos carnais por intermédio do casamento. Mas valoriza também a divisão do trabalho entre os esposos, fazendo ao mesmo tempo do filho um sujeito cuja educação sua nação é encarregada de assegurar (2006, p. 19).
Na linha evolutiva, surge a família contemporânea ou pós-moderna, denominada plural, pautando seus valores na afetividade e na valorização da dignidade da pessoa humana, que “une, ao longo de uma duração relativa, dois indivíduos em busca de relações íntimas ou realização sexual” (ROUDINESCO, 2006, p. 19).
Ao converter-se em espaço de realização da afetividade humana, a família marca o deslocamento da função econômica-política-religiosa-procracional para essa nova função, ou seja, é a recusa da coisificação ou reificação da pessoa, para ressaltar sua dignidade. A família é o espaço, por excelência, da repersonalização do direito (LÔBO, 2011, p. 22). Nesse novo contexto, soa lógico que o infante seja elevado a um patamar superior, sujeito de afetos e de direitos.
A respeito do tratamento dispensado às crianças e adolescentes no decorrer da história, vale reproduzir a evolução narrada por Paulo Afonso Garrido de Paula, em sua obra Direito da Criança e do Adolescente e a Tutela Jurisdicional Diferenciada:
A evolução do tratamento da criança e do adolescente, pelo mundo jurídico, pode ser resumida em quatro fases ou sistemas: a) Fase da absoluta indiferença, em que não existiam normas relacionadas a essas pessoas; b) Fase da mera imputação criminal, em que as leis tinham o único propósito de coibir a prática de ilícitos por aquelas pessoas (Ordenações Filipinas, Código Criminal do Império de 1830, Código Penal de 1890); c) Fase tutelar, conferindo-se ao mundo adulto poderes para promover a integração sociofamiliar da criança, com tutela reflexa de seus interesses pessoais (Código Mello Mattos de 1927 e Código de Menores de 1979); e, d) Fase de proteção integral, em que as leis reconhecem direitos e garantias às crianças, considerando-a como uma pessoa em desenvolvimento. É, pois, na quarta fase que se insere a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990) (2002, p 260).
O olhar para a história com o intuito de compreender as instituições no processo evolutivo é sempre um recurso importante de que lançam mão os estudiosos, como explica Bugallal y Araujo:
Assim, o olhar para trás ajuda a iluminar os caminhos agora percorridos (DEL PRIORE, 2010, p. 8), especialmente porque se busca na experiência histórica o conhecimento para acertar mais ou, ao menos, evitar a repetição de erros.
Desde o surgimento da imprensa muito se trilhou historicamente e, especialmente em relação à proteção às crianças e adolescentes, várias legislações internacionais e pátrias surgiram. No Brasil de hoje, essa evolução possibilitou, como dito, o surgimento de uma legislação específica voltada para a proteção integral dos direitos dos infantes.
4 Infância: invenção ou descoberta?
Fenômeno social ou natural? Fruto do acaso ou do agir humano? Bem, definir se o que entendemos hoje como infância foi algo fabricado ou descoberto pelo homem, gera controvérsias.
Enquanto para o suíço Jean Piaget, a infância tem fundo biológico, sendo impulsionada por princípios genéticos que definem o desenvolver das crianças, para Neil Postman a infância não é uma categoria biológica, mas sim um artefato social do homem cultural. Segundo ele, a infância advém das alterações do mundo humano e não de uma constante mutação genética, tratando-se da forma social com que tratamos as crianças, pelo reconhecimento de sua peculiar situação de desenvolvimento. Postman define a infância como um feito das ações do homem e que por ser fabricada por sua ação está sujeita a desaparecer por completo no futuro. Conforme o autor,
se, entretanto, a infância é somente uma criação da cultura, como estou inclinado a acreditar, então ela terá de esperar uma dramática reconstrução do nosso ambiente comunicacional para reaparecer com traços fortes e inconfundíveis. E isso não pode acontecer nunca. Estamos assim, diante da possibilidade de ser a infância uma aberração transitória na história cultural, como a carruagem puxada por cavalos ou rabiscos pretos em papel branco (2012, p. 158).
Nossas crianças do futuro estarão sujeitas a não mais serem crianças? Estarão fadadas a viver somente o mundo dos adultos? Se aderirmos à posição de Postman essa afirmação será verdadeira. Esse tempo terno, de proteção e cuidados diminuirá progressivamente e terá um fim. Entretanto, estamos inclinados a discordar de Postman nesse ponto, pois acreditamos, não no fim da infância, mas sim em sua ressignificação. Assim, na forma de artefato social, a infância não possui um sentido fixo, é fruto da história humana e da cultura, sendo dessa forma evolucional e socialmente variável.
5 O desenvolvimento infanto-juvenil na era das tecnologias
O Renascimento foi um período de várias invenções em todo o mundo, dentre elas se destaca o telégrafo, criado por Samuel Finley Breese Morse, por volta de 1837. A partir dele, as tecnologias se desenvolveram de forma acelerada, com telefone, rádio, televisão, celular, computador pessoal, tablets, e a cada dia algo novo.
Com o desenvolvimento e a expansão do acesso à televisão, o universo adulto e o infantil voltaram a ser tão próximos que novamente passaram a se confundir. A televisão possibilitou a introdução de um código por meio de sons e imagens que facilmente pode ser entendido tanto por adultos quanto por crianças, impulsionando a reunião desses dois mundos. Isso mesmo, o universo da vida adulta voltou a se misturar com o infantil, e a necessidade de saber ler, mais uma vez, não era mais empecilho para viver a vida adulta, assim como foi na Idade Média.
Hoje, considerável percentual da motivação da precoce maturação das crianças vem da disseminação do acesso à internet aliada a veiculação de todo e qualquer tipo de informação. A difusão da comunicação faz com que o processo de amadurecimento de nossos jovens ocorra de uma forma muito rápida e desordenada, sem filtros e precedentes. De acordo com Zygmund Bauman,
dentre todos os fatores técnicos da mobilidade, um papel particularmente importante foi desempenhado pelo transporte da informação – o tipo de comunicação que não envolve o movimento dos corpos físicos ou só o faz secundaria e marginalmente. Desenvolveu-se de forma consistente meios técnicos que também permitiram a informação viajar independente dos seus portadores físicos – e independente também dos objetos sobre os quais informava: meios que libertaram os ‘significantes’ do controle dos ‘significados’. A separação dos movimentos da informação em relação aos movimentos dos seus portadores e objetos permitiu por sua vez a diferenciação de suas velocidades; o movimento da informação ganhava velocidade num ritmo muito mais rápido que a viagem dos corpos ou a mudança da situação sobre a qual se informava. Afinal, o aparecimento da rede mundial de computadores pôs fim – no que diz respeito à informação – à própria noção de ‘viagem’ (e de ‘distância’ a ser percorrida), tornando a informação instantaneamente disponível em todo o planeta, tanto na teoria quanto na prática. (1999, p. 21-22).
A informação está disponível a qualquer tempo, versando sobre qualquer tema, em qualquer lugar, independente da distância. Contudo, esse aspecto expansional da tecnologia não pode ser entendido como algo puramente negativo e sim como um aliado do desenvolvimento das crianças e jovens, sendo ferramenta extremamente eficaz quando utilizada de forma correta. “As mídias são inevitáveis, poderosas, e cada vez mais essenciais. Inerentemente elas não são nem malignas nem benéficas, mas podem vir a sê-lo, dependendo de como são usadas” (ABREU; EISENSTEIN; ESTEFENON, 2013, p. 31). Em Vivendo esse Mundo Digital: Impactos na Saúde, na Educação e nos Comportamentos Sociais, há uma pertinente demonstração do que representa a tecnologia na vida dos jovens e de como lidar com ela:
A boa notícia, entretanto, é que a maioria dos jovens se sai muito bem no ambiente de mídias, usando-as de forma que os ajudem a atravessar as dificuldades do crescimento, experimentando e geralmente abandonando atividades prejudiciais à saúde. Para apoiá-los em sua jornada pioneira pelo mundo digital, pais, professores, clínicos e sociedade precisam conhecer o mundo digital assim como conhecem o mundo físico - e cuidar dos jovens em ambos. Não podemos mais “nos afastar” porque não entendemos a tecnologia, precisamos ser pais, ensinar e zelar pelas crianças e adolescentes onde quer que estejam (ABREU; EISENSTEIN; ESTEFENON, 2013, p. 42).
A ação da mídia ganhou uma nova propulsão com o desenvolvimento da tecnologia. Hoje, em um mundo multicultural e globalizado, as publicidades não mais se limitam a panfletos e propagandas em rádio e jornais. O apelo ao consumo está por todo lado: na televisão programas e comerciais publicitários, na internet, outdoors, revistas infantis, embalagens de alimentos, desenhos animados, jogos de videogame e muitos outros.
Com o mundo digital surge a necessidade de voltarmos também a proteção dos jovens e crianças contra o uso prejudicial das tecnologias, tanto em relação aos aspectos da saúde, segurança nas redes, dependência da tecnologia, a interferência do tempo dispensado nas redes sociais no desempenho escolar, consumismo desenfreado e das novas figuras que vêm surgindo como o sexting (compartilhamento por celular de mensagem de texto, fotos e vídeos com conteúdo erótico), cyberbulling (bullying perpetuado por meio de mídias virtuais) e sextorção (extorsão visando divulgação de fotos íntimas), além da indução antecipada a comportamentos da vida adulta realizada pela mídia em geral. Pais, responsáveis e educadores devem estar atentos a essas ameaças, trabalhando para que o caráter positivo da tecnologia se sobressaia aos malefícios.
No contexto fático hodierno, para que a efetiva consolidação dos princípios fundantes do Estatuto da Criança e do Adolescente ocorra, é necessário uma adequada articulação com políticas públicas efetivas que considerem a população infanto-juvenil em sua peculiar condição de desenvolvimento e consequente relação de prioridade social absoluta. A direção imprimida pela atuação estatal, tanto no plano normativo (planejamento e elaboração de objetivos) quanto executivo (colocar em prática o que foi elaborado no mundo das ideias), constitui-se em uma das mais importantes ferramentas para a inserção inteligente de crianças e adolescentes na era da informação. Segundo Alexandre Faraco “o processo político de escolha de prioridades para o governo, tanto em termo de finalidades, como em termos de procedimento, se dá o nome de política pública”(2009, p. 56). Desse modo, o papel das políticas públicas é o de dar subsídio ao planejamento e posterior execução de programas governamentais voltados à proteção dos direitos dos infantes, objetivando o desenvolvimento social e a melhoria na sua qualidade de vida.
Conclusões
Objetivamos, neste ensaio, descortinar aspectos que marcaram a construção histórico/social da concepção de Infância, até chegarmos nos dias atuais, na doutrina brasileira da proteção integral direcionada às crianças e aos adolescentes, visão erigida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu novos paradigmas de proteção da população infanto-juvenil no cenário jurídico brasileiro, e, à luz de seus preceitos fundantes, anos mais tarde, foi editado o ECA, este embalando a teoria da proteção integral, unificando como sujeito de direitos tanto as crianças, como os adolescentes, em situação de vulnerabilidade ou em situação irregular.
No cenário atual, a rapidez do avanço tecnológico insere a informação em nossas casas e em nossa vida quase em tempo real. Postman (2012) alerta para a falta de filtros das informações recebidas pelas crianças, aduzindo que as tecnologias, principalmente a televisão e as redes sociais, quebram a linha divisória entre o que é papo de criança e o que é assunto de gente grande. Não há mais segredos do mundo adulto para as crianças, uma vez que ambos passam a receber as mesmas informações, apagando-se a linha divisória entre esses dois universos.
Essa disseminação do conhecimento infantil sobre o mundo adulto propicia o amadurecimento precoce das crianças, induzindo-as a anteciparem comportamentos da vida adulta, cada vez mais cedo e com muita velocidade em um cenário tecnológico e globalizado. Assim, torna-se essencial que a proteção integral dos direitos infanto-juvenis também cuide dos riscos do mundo tecnológico atual, estendendo seu amparo contra os malefícios inseridos no “kit da felicidade virtual”.
Diante do novo perfil de crianças e adolescentes que vem se firmando, para que a doutrina de proteção integral realmente tenha eficácia, é necessário que família, sociedade e Estado unam esforços para fazer valer os direitos dos infantes, com especial destaque ao insculpido no art. 227 da Lei Fundamental, objetivando “colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
As modificações conceituais e fáticas no mundo da infância se produzem em uma comunidade de cultura, cujos atores determinantes são pais, educadores e Estado. A forma com que a família procede na educação tecnológica de seus filhos será essencial, assim como a maneira que as escolas lidam com os problemas do dia a dia tecnológico, mas, sobretudo, são fundamentais as políticas públicas do Estado para continuar em busca da efetivação da proteção integral de nossas crianças e adolescentes.
Referências
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