Resumo: O realismo jurídico foi um movimento das décadas de 1920 e 1940. O realismo parece rejeitar a metafísica, criticar o formalismo, bem como se utilizar da lógica na busca da certeza jurídica. Para os realistas, importa a atuação dos juízes, bem como a aplicação por eles das as normas jurídicas. Assim, o realismo parece contrapor-se ao Direito positivista, segundo o qual os juízes decidem, primeiro, de acordo com as normas já pré-estabelecidas. O Direito, nesse sentido, se baseia mais na atitude judicial do que no vigente ordenamento jurídico. O artigo tem por objeto o realismo jurídico, objetivando analisar suas correntes norte-americana e escandinava. Problematiza, em ambas as correntes, a tese comum antimetafísica, questionando o essencialismo das próprias teses realistas. Metodologicamente, será analisado o realismo jurídico norte-americano, seguido da análise do realismo jurídico escandinavo, para, ao final, se analisar a tese essencialista. Para a análise, adota-se o método de pesquisa dedutivo, com técnica bibliográfica. Ao final do estudo, restou comprovada a hipótese apresentada inicialmente, demonstrando-se que o conjunto das teses realistas, apesar da crítica à metafísica, parece apresentar um conhecimento metafísico do Direito. Logo, pode-se concluir que o realismo recae no próprio essencialismo do qual busca se afastar, visto que, o estudo das teses realistas pressupõe um prévio conhecimento da realidade.
Palavras-chave:DireitoDireito, Teoria do direito Teoria do direito, Realismo jurídico Realismo jurídico.
Abstract: Legal realism was a movement of the 1920s and 1940s. Realism seems to reject metaphysics, to criticize formalism, as well as to use logic in the pursuit of legal certainty. For the realists, it matters the performance of the judges, as well as the application by them of the legal norms. Thus, realism seems to contradict positivist law, according to which judges decide, first, according to pre-established norms. Law, in this sense, is based more on the judicial attitude than on the current legal system. The article aims at legal realism, aiming to analyze its North American and Scandinavian currents. He problematizes in both currents the common anti-metaphysical thesis, questioning the essentialism of the realist theses themselves. Methodologically, we will analyze the US legal realism, followed by the analysis of Scandinavian legal realism, in order to analyze the essentialist thesis. For the analysis, the method of deductive research, with bibliographic technique, is adopted. At the end of the study, the hypothesis presented initially was proved, demonstrating that the set of realistic theses, despite criticism of metaphysics, seems to present a metaphysical knowledge of Law. Therefore, one can conclude that realism rests on the very essentialism from which it seeks to move away, since the study of realist theses presupposes a prior knowledge of reality.
Keywords: Law, Theory of law, Legal realism.
Realismo jurídico Norte-Americano e realismo jurídico escandinavo: o problema da metafísica
North-American legal realism and scandinavian legal realism: the metaphisics problem

Recepção: 22 Maio 2018
Aprovação: 20 Agosto 2018
O movimento realista surgiu por volta das décadas de 1920 e 1940, e foi concebido através de duas correntes, uma norte-americana e a outra escandinava. O realismo jurídico norte-americano desenvolveu-se a partir de professores que lecionavam nas universidades de John Hopkins, Columbia e Yale. Surgiu na academia, revolucionando tribunais e bancas de advocacia. Dentre esses professores, Karl Llewellyn batizou o movimento como realismo jurídico norte-americano em 1930. Ainda, como um dos nomes mais destacados do realismo norte-americano, encontra-se a figura de Oliver Wendell Holmes Jr, Juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, considerado símbolo do pragmatismo em suas atuações perante os Tribunais.
Em contrapartida, o realismo jurídico escandinavo foi desenvolvido na chamada Escola de Uppsala e iniciado pelo filósofo Axel Hägerström. O realismo escandinavo distingue-se das outras doutrinas devido a sua posição empirista radical, adotando, ainda, uma linha mais filosófica em comparação com o realismo norte-americano. O filósofo dinamarquês Alf Ross é considerado o fundador e o maior destaque no realismo jurídico escandinavo. Dentre suas mais notáveis atuações está sua obra principal ‘’Direito e Justiça’’, na qual Ross faz críticas ao realismo psicológico e analisa-o juntamente com o realismo comportamentista.
Ambas as correntes apresentam concordância e divergência nas teses, como será desenvolvido no decorrer deste artigo, que tem por objeto o realismo jurídico, objetivando analisar suas correntes norte-americana e escandinava. Problematiza, em ambas as correntes, a tese comum antimetafísica, questionando o essencialismo das próprias teses realistas.
Assim, ainda tem por objetivo analisar as origens do realismo jurídico norte-americano, bem como os ideais aplicados e defendidos pelos seus precursores, destacando a influência de Oliver Wendell Homes Jr, ovacionado como referência do realisto norte-americano. Objetiva também analisar a corrente realista escandinava, demonstrando as suas divergências com o realismo norte-americano, bem como seus pontos de encontro. Assim, como base fundamental dessa corrente, será brevemente estudada a teoria jurídica de Alf Ross, um dos nomes mais conhecidos do realismo escandinavo, especialmente no Brasil, a fim de se demonstrar suas concepções acerca do realismo e sua ideia do conceito de Direito vigente.
Em suma, o trabalho justifica-se pela análise das correntes realistas, norte-americana e escandinava, através de seus mais renomados seguidores, a fim de se compreender a influência da atuação dos juízes frente aos casos concretos e suas decisões, bem como analisar a concepção de Direito alcançada com base na realidade social. O trabalho se desenvolve por meio do método dedutivo, com ênfase na técnica de pesquisa bibliográfica.
O realismo jurídico, surgido na década de 1920, realizou fortes críticas ao jusnaturalismo devido à confusão teórica entre direito e ideal de justiça. Realizou, ainda, críticas ao positivismo, pelo fato de positivistas confundirem o direito com regras impostas (GRUBBA, 2015a). Em relação a isso, Norberto Bobbio justifica que:
Os positivistas veriam apenas o contraste existente entre direito válido e direito justo. Os seguidores dessas correntes [realistas] vêem também um contraste entre o direito imposto e aquele efetivamente aplicado, e consideram apenas este último, o direito na sua concretude, único objeto possível de pesquisa por parte do jurista que não queira se entreter com fantasmas vazios. (BOBBIO, 2008. p. 43).
Uma das maiores críticas do realismo foi com relação à fé no método do caso desenvolvido em 1870 por Cristopher Columbus Langdell1, precursor do formalismo jurídico, que o fez para a Universidade de Harvard ao ser nomeado para o decanato da Escola de Direito (FERREIRA, 2012).
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy ao aprofundar seu estudo sobre o ensino jurídico norte-americano, descreveu o método desenvolvido por Langdell:
O case method parte de prévia determinação de pesada carga de leitura para os alunos. A frequência das aulas é precedida de intenso estudo. O aluno vai preparado. Decisões judiciais são rigorosamente lidas, estudadas, digeridas. Há sabatina em todas as aulas. Professores torturam, assustam, humilham os alunos. Alguns estudantes escondem-se. Sentam-se nas últimas filas (back-benching) ou pedem formalmente (por bilhetes depositados na mesa do professor antes do início da aula) para não serem arguidos (no-hassle pass). Os lugares que os alunos ocupam na sala de aula, nos auditórios, são escolhidos no primeiro de dia de aula. Os estudantes marcam seus nomes em diagrama, que ficará em posse do professor. As secretarias (registrars) enviam fotografias dos alunos aos professores. Esses têm na mesa, ao lado dos livros, nome, fotografia e localização do aluno. O controle é absoluto. (GODOY, 2004, p. 38).
Assim, os autores realistas norte-americanos criticaram o método desenvolvido por Langdell, tanto como método de ensino e aprendizado, quanto como método do direito e, por esse fato, afirma-se que o realismo jurídico norte-americano foi um movimento com duas faces, sendo uma teoria do ensino jurídico e uma Teoria do Direito (FERREIRA, 2012).
O realismo jurídico norte-americano, crítico do formalismo, do positivismo e do jusnaturalismo, desenvolveu-se a partir de professores que lecionavam nas universidades de John Hopkins, Columbia e Yale. Dentre esses professores, Karl Llewellyn2 batizou o movimento como realismo jurídico norte-americano em 1930, através de seu artigo que constatou a crítica ao formalismo jurídico de Langdell, a qual já vinha ocorrendo desde Holmes.
Para o realismo, os juízes decidem de acordo com o que os fatos provocam em seus ideais, não com base nas regras gerais de direito, respondendo mais aos fatos do que às próprias leis. Assim, a decisão final seria resultado de vários fatores, os quais variam conforme as ideologias do magistrado e de acordo com sua personalidade, não como resultado exclusivo da aplicação da norma. Conforme Godoy (2013, p.15), o realismo buscou definir e descredibilizar as teorias jurídicas dominantes “[...] formalistas e objetivas, oferecendo em troca jurisprudência com maior embasamento filosófico, mais iluminada e potencialmente orientada para realidade inesperada que se descortinava”.
Assim, de acordo com os realistas, a Filosofia do Direito teria um mesmo módulo conceitual no qual a jurisprudência seria objeto da Psicologia, pois os juízes, ao decidirem, iriam o fazer primeiramente com base nos fatos, sendo que a indeterminação dos fatos e dos magistrados promove a indeterminação do Direito. O magistrado pode chegar a mais de um resultado dependendo de como irá reagir aos fatos. Nesse sentido, os realistas aderiram à tese idiossincrática de Jerome Frank3, na qual o Direito é aquele que o Juiz diz que ele seja e nada mais. Segundo Godoy (2013), para essa teoria, a decisão judicial seria resultado da personalidade do juiz, sendo a personalidade o centro da administração da Justiça. Ainda, que as sentenças judiciais são concebidas a partir de conclusões previamente formuladas, baseadas no impulso do Juiz, que extrai esses impulsos de fatores individuais:
A tese principal da escola realista é esta: não existe direito objetivo, no sentido de objetivamente dedutível de fatos reais, oferecidos pelo costume, pela lei ou pelos antecedentes judiciais; o direito é uma permanente criação do juiz no momento em que decide uma controvérsia. Assim se derruba o princípio tradicional da certeza do direito; pois qual pode ser a possibilidade de prever as consequências de um comportamento? - e nisto consiste a certeza - se o direito é uma permanente criação do juiz? (BOBBIO, 2001, p. 66).
Frank afirma que a certeza jurídica é uma meta impossível, que o Direito não é exato nem previsível e que querer alcançar essas duas características é apenas desejo e necessidade, pois o Direito seria, na verdade, uma ilusão, um mito (FRANK, 1930).
O filósofo do Direito4 Henrique Haba, realista de corte norte-americano, entende que a interpretação do fenômeno jurídico deve preocupar-se com a realidade empírica (fator social). Nesse sentido, ele é crítico das teorias essencialistas do Direito, sendo elas tanto as teorias jusnaturalistas, quanto as teorias positivistas, as quais utilizam-se de noções como a natureza jurídica, o espírito da lei ou a vontade do legislador, bem como outros conceitos que não se relacionam ao mundo real (GRUBBA, 2015b).
Haba (2006, p. 278) sugere que os discursos realistas no Direito colocam ênfase no caráter convencional que toda a designação linguística apresenta. Assim, como enfrentamento à síndrome normativista, compreende-se que as próprias terminologias do Direito são convencionais e que todos os preceitos jurídicos oficiais, como Constituições e leis, não apresentam um sentido único ou predeterminado, mas diferentes sentidos que podem ser invocados na prática jurisdicional. Se aceita que o interprete pode escolher qual sentido imputará em sua decisão. Por isso, há uma importante distinção entre o ser (realidade) e o dever ser (critério normativo), o que impõe a não aceitação dogmática de uma ou outra doutrina jurídica como fundamento do raciocínio jurídico, mas antes confrontar com elas um exame sobre resultados práticos na realidade social e outras questões extra dogmáticas, como ideologias. Por fim, recorrer à interdisciplinaridade (GRUBBA, 2015a).
O que o mencionado autor propõe, conforme Grubba (2015b), é uma contraposição realista às vias essencialistas (ilusionistas) do Direito. Deixando de lado a dogmática-essencialista, o realismo percebe as normas jurídicas como elas são, como indeterminações linguísticas (semânticas) que demandam a necessidade de se reconhecer os resultados efetivos que as normas jurídicas apresentam na realidade social, isto é, elas devem apresentar correspondência com a realidade (realismo). Nesse sentido, a interpretação realista do direito deve ocorrer com relação às maiores probabilidades de ser um meio eficaz para a realização de um fim social, denominada ética da responsabilidade social.
Assim, o realismo jurídico possui características próximas ao naturalismo, devido ao fato de ambos descreverem os fatos conforme o olhar do cotidiano. Algumas percepções judiciais decorrem do naturalismo. Conforme Benjamim Cardozo5, um único caso pode ser decidido de diferentes maneiras e os conceitos legais apenas permitem que os juízes tenham vários resultados à sua disposição, mas não produzem resultados necessários.
Cardozo escreveu um livro para a compreensão do realismo jurídico norte-americano, intitulado The Nature of the Judicial Process (A Natureza do Processo Judicial). Segundo ele:
[...] quando ao direito é deixada uma situação não alcançada por uma regra jurídica pré-existente, não há nada a ser feito a não ser contar com um árbitro imparcial que declarará o que deverá ser feito por homens justos e razoáveis, que conhecem os hábitos e costumes da vida em comunidade, e que parâmetros de justiça e de negociação justa prevalecerão, o que deverá ser feito nessas circunstâncias, a partir de regras que não o costume e a consciência que guia essas condutas. A sensação que se tem é que em nove casos entre dez a conduta de razoáveis não seria diferente do comportamento previsto pela lei, se norma existisse. (CARDOZO, 1991, p.143).
Conforme foi argumentado, o realismo pressupõe que existem variadas maneiras de se julgar um mesmo caso, a depender da interpretação semântica, e que a personalidade do julgador é termômetro das suas decisões. Ainda, que para a Sociologia, os juízes são seres humanos dotados de personalidade, sendo produtos de determinantes sociais, julgando de acordo com os valores culturais e sociais à época. Nesse sentido, há um embate contra o formalismo jurídico, que defendia a jurisprudência mecânica, pois para os realistas não há justiça neutra, objetiva e asséptica. (GODOY, 2013).
Assim, conforme Godoy (2013, p.22), para a corrente realista “[...] o Direito é generalização de efeito legal e potencial de considerações jurídicas nas decisões de casos concretos”. Desse modo, o realismo jurídico, em suma, critica o formalismo jurídico, bem como a tendência do Direito de se reputar como Ciência e a utilização da lógica, visto que o direito é experiência e não lógica.
Dessa forma, sugerem os realistas que não há um único resultado para as decisões, visto que os juízes decidem primeiro e depois aplicam as normas, sendo que ao decidirem, o fazem com base nas suas idiossincrasias, ou seja, o juiz decide conforme a sua personalidade e os valores sociais e culturais pré-existentes na sociedade. Como é referido por Bobbio (2001, p. 66):
[Não existe um direito] objetivamente dedutível de certos dados, sejam eles fornecidos pelo costume, pela lei ou por precedentes judiciários: o direito é criação contínua o juiz, o direito é obra exclusivamente do juiz no ato em que decide uma controvérsia. Desse modo, cai o princípio tradicional da certeza do direito: e, com efeito, qual pode ser a possibilidade de prever as consequências de um comportamento – nisso consiste a certeza –, se o direito e uma criação nova e contínua do juiz (BOBBIO, 2001).
Assim, Diniz (1988, p.69) explica que o realismo jurídico “busca a realidade efetiva sobre a qual se apoia e dimana o Direito, não a realidade sonhada ou ideal. Para os realistas, o Direito real e efetivo é aquele que o Tribunal declara ao tratar do caso concreto”.
Como um dos grandes precursores do realismo jurídico norte-americano encontra-se o nome de Oliver Wendell Holmes Jr, o qual foi juiz da Suprema Corte de Massachusetts, referenciado por muitos como grande expoente e referência do Direito norte-americano. Em seus livros, Holmes fundamenta que o Direito não consiste em lógica, mas em experiência. Tem dúvidas sobre a separação entre Direito e Moral. Segundo Holmes traz em seu livro The Path of the Law,
[...] se você quer conhecer o direito [...] basta olhar para a situação como um criminoso, que liga apenas para as consequências materiais que tal conhecimento propicia a ele prever, e não como uma pessoa correta, que encontra razões para sua conduta, tanto no direito como fora do direito, nas vagas sanções ditadas por sua consciência. (HOLMES JÚNIOR, 1992, p. 162).
Dessa forma, Kelsen (1998, p.241) descreve:
No famoso artigo ‘The Path of the Law’, ele [HOLMES] explica: ‘As pessoas querem saber sob que circunstâncias e até que ponto correrão o risco de ir contra o que é tão mais forte que elas mesmas, e, portanto, torna-se um objetivo descobrir quando esse perigo deve ser temido. O objeto de nosso estudo, então, é previsão, a previsão da incidência da força pública através do instrumento dos tribunais.’ Assim, a sua definição de Direito, que é verdadeiramente uma definição da ciência do Direito, é: ‘As profecias do que os tribunais farão, de fato, e nada de mais pretensioso, são o que quero designar como Direito.’ Em conformidade com essa visão, ele define os conceitos de dever e Direito do seguinte modo: ‘Os direitos e deveres primários com os quais se ocupa a jurisprudência, novamente, nada mais são que profecias.’ ‘Um dever jurídico propriamente dito nada mais é que uma previsão do que, se um homem fizer ou se abstiver de certas coisas, ele terá de sofrer, dessa ou daquela maneira, por meio do tribunal; e um direito jurídico pode ser definido de modo semelhante.’ ‘O dever de manter um contrato no Direito comum significa uma previsão de que você terá de pagar os danos caso não o mantenha, e nada mais’.
Ainda, no livro The Common Law, Holmes fez críticas ao formalismo e afirmou que a decisão judicial não é a mera aplicação de um precedente. O mesmo também rejeitou a lógica e a história pelo fato de fornecerem disfarces retóricos para as decisões judiciais. Por fim, importante mencionar que Holmes, em sua atuação na Suprema Corte de Massachusetts e de Washington, destacou-se por proferir e redigir seus votos com rapidez e precisão, tendo sido responsável por criar um projeto que limitava a intervenção do judiciário (GODOY, 2013).
Holmes era a favor da flexibilidade na interpretação constitucional. Embora não acreditasse que a Constituição fosse mutante, as pessoas eram e o tempo em que essa deveria ser aplicada não era sempre o mesmo. A Constituição abarcava gerações pretéritas, mas também gerações futuras, as quais não poderiam ficar presas ao passado, sendo necessária, assim, uma flexibilização na interpretação da Constituição. Ademais, Holmes afirmava que os juízes decidem de acordo com os seus interesses pessoais, pois para ele o direito acaba sendo o exercício de um poder orientado para a satisfação desses interesses (GODOY, 2013).
De outro modo, Holmes era pragmático. Acreditava e insistia que os parâmetros de uma decisão se davam de forma prática e pelo seu repudio à lógica e sua concepção no direito como experiência, Holmes afirmava, consistentemente, que primeiro os juízes decidem e depois encontram a razão fática para tal decisão. Assim afirmava que:
[...] a certeza lógica é uma ilusão e certamente não é marca do destino humano. Por detrás da lógica reside um juízo de relativo valor e importância, referente a leis e teses que estão competindo, marcando com frequência um julgamento desarticulado e inconsciente [...] Pode se dar para qualquer conclusão uma forma lógica. Pode-se sempre se encontrar uma condição implícita em um determinado contrato. Mas, por que essa específica condição foi escolhida? (HOLMES, 1992, p.13)
Embora acreditasse que a história fomentasse a compreensão do direito, sendo componente do estudo do direito, Holmes criticava a história e a repudiava, pois segundo ele essa não poderia ser estática e sim, deveria ser recontada conforme o passar do tempo. Para ele a história não poderia servir como referência de uma verdade absoluta. Assim, sua percepção acerca da história é ambígua, conforme pode-se ver:
Devo usar a história do direito tanto quanto seja necessário para se explicar uma concepção ou para se interpretar uma regra, mas nada além disso [...] Outro engano [...] consiste em se pedir muito da história. Começamos com um homem completamente maduro. Deve ser levado em conta que os mais antigos bárbaros cujos costumes são considerados têm muitos dos mesmos sentimentos e paixões que presentemente possuímos. (HOLMES, 1992, p. 2).
Desse modo, durante sua trajetória, Holmes foi responsável por deixar e transmitir ensinamentos e influenciar advogados em seus pensamentos em relação a concepção de direito. Sendo que, pela construção do seu legado, através de suas ideias e decisões, que eram consideradas a frente de seu tempo, tornou-se a maior referência e símbolo do realismo jurídico norte-americano. Assim, foram as ideias de Holmes que deram origem ao realismo nos Estados Unidos, fazendo possível a sustentação de – ao menos um tipo – realismo. (GIACOMUZZI, 2005).
O realismo jurídico escandinavo foi desenvolvido através da chamada Escola de Uppsala e iniciado por Axel Hägerström6. Segundo Lopes (2004, p.305), Hägerström percebe o direito positivo como um “[...] sistema de regras estatais que assegura vantagem aos indivíduos. A sua crítica [ao direito positivo] toma por referência a dificuldade do estabelecimento de nexos concretos com a realidade a partir da estrutura conceitual montada para explicar o direito”
Ainda, para Hägerström:
O dever jurídico, é um herdeiro direto do jusnaturalismo, mesmo quando o direito que estabelece o dever não é mais natural, mas positivo [...] que o dever é um vínculo que não se pode identificar com um fato, puramente ideal, cuja violação é considerada condição de sanção. A noção fundamental de dever como vínculo tem sempre uma base mística, não podendo jamais derivar de fatos (LOPES, 2004, p.309).
Desse modo, o realismo escandinavo, contemporâneo ao realismo de corte norte-americano, distingue-se das outras doutrinas devido a sua posição empirista radical, a qual não se limita ao plano estritamente jurídico (ANDAKU, 2005).
O realismo escandinavo perfaz uma linha mais filosófica – em relação ao realismo norte-americano – pois estuda a realidade jurídica para analisar os fundamentos do Direito. (CAVALCANTE; RIBEIRO, 2004) Mas de maneira similar ao realismo norte-americano, os escandinavos alegam a necessidade de explorar os fundamentos sociológicos do Direito, se opondo ao dogmatismo da norma jurídica. O Direito, quando válido, deve ser apenas aquele decidido e usado pelos tribunais. Assim, as normas sociais são consideradas como Direito não quando criadas, mas quando são aplicadas por juízes ou particulares.
Segundo Toranzo (1989) os escandinavos não se interessam com uma obrigação moral de acatar determinadas normas como normas jurídicas e sim com a explicação do fato de que, na consciência psicológica dos juízes, eles possuem certas regras legais.
Desse modo, os realistas escandinavos rejeitam a explicação de duas tradições, sendo elas a jusnaturalista e a voluntarista. A primeira corrente se trata de uma explicação metafísica, como um fundamento do Direito na religião, sem lugar no pensamento científico. Já a explicação voluntarista afirma que o Direito é uma expressão da vontade do Estado ou de autoridades legalmente constituídas. (TORANZO, 1989)
Conforme Fassò (1979), filósofo italiano:
[...] não apenas do jusnaturalismo, mas também do positivismo normativista e formalista, de que não aceitaram o método de elaboração dos conceitos jurídicos fundamentais. [...] É típica do realismo escandinavo a concepção do Direito como fenômeno psíquico coletivo, consistente em considerar que existem direitos subjetivos e deveres como algo distinto da realidade empírica. [...] A força vinculante do Direito, afirmam eles, tem uma realidade apenas como idéia da mente humana, pelo que os direitos subjetivos e os deveres jurídicos são poderes e obrigações imaginárias que fora da mente dos homens não corresponde a nada. (FASSÒ, 1979, p.239)
Os escandinavos se propuseram a construir uma teoria geral do Direito, que o explicasse a partir dos fatos. Sugerem que as reações psicológicas dos indivíduos são as que mais se relacionam com o Direito, antes das normas jurídicas e das sanções. As normas legais tornaram-se instrumentos manipuladores, pelos quais algumas pessoas tentam condicionar o comportamento de outros, sendo acompanhadas da força. (TORANZO, 1989)
A mencionada “manipulação” foi estudada pela psicologia jurídica, com referência à obra de Hugo Münsterberg7, denominada Psychology on the witness stand, do ano de 1907. A partir dessa obra se passou a trabalhar para detectar e esclarecer as influências dos fatores psicológicos em testemunhas, juízes e jurados. Nesse sentido, o realismo escandinavo parte de pressupostos filosóficos e constrói uma filosofia do Direito à base de explicações psicológicas de selo comportamental, a partir do controle da conduta. (TORANZO, 1989).
Como exemplo dos estudos psicológicos, Kalr Olivecrona8, um dos autores escandinavo de maior destaque, ocupou-se da análise dos efeitos das normas sobre seus destinatários, bem como dos seus desdobramentos psicológicos (LOPES, 2004). Para o mencionado autor, as regras jurídicas (e abstratas), entendidas como “[...] ‘direito válido’, não asseguram o fato (por se tratar de imperativos), nem instituem um ‘dever ser’ (visto que o ‘dever ser’ não se encontra na natureza). Elas são geralmente consideradas fundamentos do dever, nos quais há sujeito de fato, como é possível [...]” se inferir com a utilização da psicologia social. (ANDAKU, 2005).
O Direito, como aponta a argumentação dos parágrafos antecedentes, não seria mais do que uma forma de Psicologia. O Direito teria uma importante base psicológica, mas, também, um sistema de força para o tornar efetivo. Na visão de Olivecrona, toda “[...] e qualquer norma jurídica tem por objetivo influir no comportamento das pessoas, sendo esse precisamente o propósito do legislador ao traçar o modelo da conduta desejada.’’ (CAVALCANTE; RIBEIRO, 2004).
Assim, o realismo jurídico escandinavo parece rejeitar a concepção de um direito natural, bem como de um ideal absoluto de justiça, buscando alcançar o Direito através de uma realidade social e não de modo metafísico (GRUBBA, 2015b). A Escola de Uppsala, representante do realismo jurídico escandinavo, apresenta uma ideia empírica do Direito e uma concepção de que o Direito é fato social. Preocupa-se tanto com a análise hermenêutica, quanto com a delimitação da dimensão ontológica (o ser) do Direito, conforme explica Diniz:
O direito é um fato social que compreende dois aspectos: a ação e a norma. Tal dualismo epistemológico leva a separar a sociologia jurídico, que se ocupa da ação, da ciência do direito, que trata da norma, mas ambas as ciências se implicam porque a conduta, objeto sociologicamente observável, assume caráter de juridicidade em função das normas jurídicas em vigor. Trata-se de uma concepção empírica do direito, com fundamento na natureza humana social, que pode ser descoberta mediante observações empíricas de cunho psicológico e sociológico, buscando interpretar a vigência do direito em termos de efetividade social das normas jurídicas. Partindo do problema ontológico-jurídico, os realistas escandinavos deduzem as consequências para a teoria e a técnica jurídica. Fortemente influenciados pela filosofia da linguagem concebem o direito como um meio de comunicação entre os seres humanos, como forma de controle social do comportamento; logo, o sentido jurídico-normativo das expressões linguísticas que o identificam deve ser buscado por meio da análise linguística ao nível da sintaxe, semântica e pragmática. (DINIZ, 1988, p. 74-75).
Em suma, conforme o realismo escandinavo, possui cunho mais filosófico, e busca analisar o direito a partir da realidade social. Assim, encara o Direito não sob um aspecto normativo e sim, factual, devendo analisar como as normas se aplicam na sociedade, a partir de um fato e não como são positivadas.
Um dos maiores precursores do realismo jurídico escandinavo, Alf Ross, terá sua teoria analisada sequencialmente, como teoria-exemplo, para este artigo, do realismo escandinavo. Nascido em solo dinamarquês em 1899, Ross formou-se em Direito em 1922 e, posteriormente, desenvolveu interesse pela Filosofia do Direito, sendo um dos mais importantes filósofos no período pós-guerra.
O realismo escandinavo, seguido por Ross, sustenta a afirmação de que um ordenamento jurídico é aceito de acordo com a consciência psicológica da sociedade e que o conceito Direito vigente é analisado a partir da realidade social. De outro lado, o realismo norte-americano sustenta a ideia de que o Direito encontrar-se-ia na produção dos juízes ao proferirem suas decisões.
O conceito de Direito, segundo Ross, pode se caracterizar a partir de dois pontos. Primeiro, o Direito caracteriza as regras que se relaciona ao exercício da força e, segundo, o Direito caracteriza-se em normas de competência (GRUBBA, 2015a). Ainda, o problema da definição de Direito, em Ross, é estranho à Filosofia do Direito. Isso porque se acreditou que “[...] para definir a esfera de trabalho do jurista era necessário produzir uma definição do Direito que o distinguisse de outros tipos de normas sociais”. Para o teórico, esse “[...] foi o erro cometido porque não se entendeu que o Direito nacional vigente constitui um todo individual. O que nele está incluído depende da coerência e do significado nele presente”. Nesse sentido, “[...] o vocábulo ‘Direito’ não é comum a uma classe de regras de direito, mas sim a uma classe de ordenamentos jurídicos individuais” (ROSS, 2007, p. 55).
Mais do que isso, um ordenamento jurídico nacional constitui um sistema individual “[...] de normas cuja unidade pode se buscar no fato de que, direta ou indiretamente, todas elas são diretivas concernentes ao exercício da força pela autoridade pública” (ROSS, 2007, p. 63-64). Na questão das normas sociais, o Direito difere-se das demais por consequência de ser institucional e, ao mesmo tempo, pelo caráter de suas sanções (GRUBBA, 2015a).
O Direito, para Ross e, ao contrário do que se costuma crer em termos de realismo, não é apenas uma criação do legislador, visto que a autoridade judicial, obrigada pelas fontes do direito, detém o papel constitutivo na medida em que as normas jurídicas não são apenas derivações lógicas de normas (DINIZ, 1988, p. 79).
Assim, como precursor do realismo escandinavo, Alf Ross vai contra as ideias do positivismo, normativismo (kelseniano) e do jusnaturalismo, visto que, uma teoria empírica e realista do direito deixa de lado a metafísica e concentra-se apenas nos fatos do ser (GRUBBA, 2015b).
Ainda, Ross divergiu de Kelsen quanto ao conceito de Direito e sobre o que é a Ciência Jurídica, pois, enquanto para Ross o Direito o é quando existe, quando seja vigente e válido, para Kelsen o Direito é norma jurídica válida (RODRIGUES; HEINEN, 2016). Segundo Rodrigues; Heinen (2016):
Ross afirma que as teorias realistas concordam em afirmar que a vigência do Direito encontra-se em sua efetividade social: uma norma vigente é aquela cujo conteúdo é ativo na vida jurídica da comunidade. As teorias realistas divergem, porém, quanto à definição do que seria essa atividade ou ser ativo. A partir dessa divergência Ross distingue duas correntes do realismo: psicologista e comportamentista.
Assim, em sua principal obra ‘’Direito e Justiça’’ Ross faz críticas ao realismo psicológico, defendido por Kalr Olivecrona. Segundo o autor:
O realismo psicológico descobre a realidade do direito nos fatos psicológicos. Uma norma é vigente se é aceita pela consciência jurídica popular. O fato desta regra ser também aplicada pelos tribunais é, de acordo com esse ponto de vista, derivado e secundário, uma consequência normal da consciência jurídica popular que é, inclusive, determinante das reações do juiz. O critério efetivo não é a aplicação como tal, mas sim o fator determinante por trás dela. (ROSS, 2007, p.97)
A crítica está no fato de o realismo psicológico vincular o direito a consciência jurídica individual e transforma o direito em um fenômeno individual, o que acaba por encontrar-se em um plano idêntico ao da moral (ROSS, 2007, p.99). Para o autor, cada pessoa possui uma consciência acerca de assuntos como o aborto, a traição, impostos e por esse motivo, a consciência jurídica pode ser extremamente variável.
Assim, Ross julga tal definição inaceitável pois aduz que ‘’é preciso pressupor que dentro de certos limites, é possível definir um ordenamento jurídico nacional como um fenômeno externo e intersubjetivo e não como mera opinião subjetiva’’ (ROSS, 2007, p. 99).
Por outro lado, o realismo comportamentista entende que o Direito se concentra nas ações dos Tribunais, sendo que, uma norma será vigente se for aceita pelos tribunais e, consequentemente, tiver fundamentos suficientes para tanto (ROSS, 2007). Em suma, o Direito é vigente por ser aplicado.
Conforme o realismo comportamental, se determinada norma for em consonância com a consciência jurídica predominante, trata-se de mera coincidência, pois, segundo esta corrente a consciência jurídica é derivada e secundária. (ROSS, 2007). Esse ponto de vista assemelha-se com o que foi desenvolvido por realistas norte-americanos, tal como Oliver Wendell Holmes Jr, pois afirmavam que o Direito nada mais era, senão o que fora decidido e aplicado pelos tribunais.
Porém, as duas correntes se contrapõem:
A oposição entre este ponto de vista e a teoria psicológica pode ser assim expressa: enquanto esta última define a vigência do direito de tal sorte que somos forçados a dizer que o direito é aplicado porque é vigente, a teoria comportamentista define o conceito de tal modo que somos obrigados a dizer o direito é vigente porque é aplicado (ROSS, 2007, p.100).
E, desse modo, segundo Alf Ross para se chegar ao conceito de vigência do Direito, deve-se haver a uma síntese das duas correntes realistas, psicológica e comportamental, pois, segundo o autor menciona:
Minha opinião é comportamentista na medida em que visa a descobrir consistência e previsibilidade no comportamento verbal externamente observado do juiz; é psicológica na medida em que a aludida consistência constitui um todo coerente de significado e motivação, somente possível com base na hipótese de que em sua vida espiritual o juiz é governado e motivado por uma ideologia normativa cujo conteúdo nós conhecemos. (ROSS, 2007, p.100).
Assim, o direito vigente deve ser um conjunto de normas que ‘’servem como um esquema de interpretação para os fenômenos jurídicos em ação, isto é, de normas efetivamente obedecidas, porque são vividas como socialmente obrigatórias pelo juiz e outras autoridades jurídicas, ao aplicar o direito’’. (DINIZ, 1988, p.76)
Para Ross, as normas jurídicas estão dirigidas para os órgãos jurisdicionais e não apenas aos particulares e o conteúdo de uma norma, consiste em ordem aos tribunais. Assim, o sistema jurídico é o conjunto de regras relativas à organização das autoridades jurisdicionais do Estado. (RODRIGUES; HEINEN, 2016).
Para ele o Direito encontra-se nos fatos sociais e psicológicos, que são fatos reais, entre eles o fato de que os indivíduos acreditam na existência de normas jurídicas, deveres e autoridades investidas por tais normas (RODRIGUES; HEINEN, 2016). Em suma, Alf Ross defendeu a inserção do realismo psicológico com o realismo comportamental, ou seja, a interação da consciência jurídica da sociedade com as ações dos tribunais ao aplicar as, a fim de se chegar ao conceito de vigência do Direito.
O realismo jurídico, na concepção teorizada por Ross, deve perceber a vigência do Direito em termos de efetividade social das normas jurídicas, isso é “[...] em termos de efetividade social, [...] de uma certa correspondência entre um conteúdo normativo ideal e os fenômenos sociais” (ROSS, 2007, p. 94). Tal pressuposição significa, em termos teóricos, ao fato de que as proposições sobre o Direito são referidas a fatos sociais, não a proposições com validade fundamentas em princípios apriorísticos. A validade do Direito, nesse sentido, parece identificar-se com a sua eficácia, ou seja, o “[...] o Direito é vigente porque é aplicado” (ROSS, 2007, p. 99). Mais do que isso, a efetividade parece condicionar a vigência das normas, afirma Grubba (2015a), e tal efetividade se relaciona à aplicação judicial do Direito.
Nesta seção o objetivo é analisar a problematização desta pesquisa, isto é, após a investigação das principais teses do realismo norte-americano na segunda seção e, após a investigação das principais teses do realismo escandinava na terceira seção, cumpre enfrentar o problema: a aparente tese comum antimetafísica do realismo, questionando o essencialismo das próprias teses realistas.
Das investigações realizadas nas seções anteriores, parece que ambas as correntes compreendem o Direito a partir da realidade social, buscando afastar-se da metafísica. Enfatizam, assim, a eficácia do direito em detrimento da sua suposta validade formal. O Direito existe, portanto, vinculado aos fatos sociais que lhe originaram, sendo definido pela eficácia. Ainda, parece que ambas as correntes realistas realizam uma crítica ao jusnaturalismo (idealismo no Direito), bem como contra o positivismo e as concepções formalistas do Direito. Se, por um lado, se critica o jusnaturalismo em razão da vinculação entre direito e justiça (abstração do direito), por outro lado, se critica o positivismo pela suposta confusão que positivistas fazem ao confundirem direito válido com regras, as quais podem ser vazias de conteúdo. Em resumo:
a) o realismo pode ser compreendido como um conjunto de teorias que buscam se afastar de investigações metafísicas;
b) o Direito é pensado a partir da realidade social;
c) concedem importância à eficácia do Direito em detrimento da validade;
d) identificam o Direito às normas efetivamente aplicadas;
e) princípios gerais do direito não são apriorísticos, mas advém da experiência concreta;
f) apresenta uma concepção empírica do Direito;
g) criticam os postulados Jusnaturalistas; e,
h) criticam os postulados Positivistas.
Logo, apesar da crítica à metafísica, parece que o realismo jurídico recai no mesmo essencialismo que busca criticar. Quando o realismo pressupõe que o Direito é identificado às normas efetivamente aplicadas numa sociedade, ele apresenta, filosoficamente, o problema do conhecimento como espelho da realidade, criticado por Richard Rorty (2000).
Rorty (1995) sugeriu que o mundo não é dado diretamente ao ser humano, tal como ele é, significando que a imagem mental não necessariamente coincide com o mundo exterior, espelhando-o. O conhecimento, nessa perspectiva, é um conhecimento na linguagem: os humanos conhecem através de conceitos linguísticos, não porque a linguagem reflete a natureza (GRUBBA, 2015b).
A tese da impossibilidade de o conhecimento espelhar o mundo (tese essencialista) foi levantada por Rorty (2000, p. 61) da seguinte maneira: “[...] conhecer x está relacionado a algo intrínseco a x, enquanto usar x é estabelecer uma relação extrínseca, acidental, com x”. Rorty (1995) buscou acabar com a distinção metafísica entre a aparência de (x) e a essência de x (verdade) e a tese de que podemos conhecer a essência de x. Se se puder assumir que o conhecimento não espelha a realidade, então se torna possível admitir que “[...] a noção de conhecimento como representação acurada, tornada possível por processos mentais especiais e inteligível através de uma teoria geral da representação deve ser abandonada” (RORTY, 1995, p. 61).
Logo, parece que o conjunto das teses realistas, investigadas neste estudo, pressupõe o conhecimento da realidade, ao comprar o Direito com a sua eficácia, motivo pelo qual apesar da crítica metafísica, parece apresentar um conhecimento metafísico do Direito.
Buscou-se apresentar com o presente artigo as correntes realistas – norte-americana e escandinava – bem como, questionar o essencialismo presente nas teses realistas. Assim, o realismo jurídico norte-americano lançou severas críticas ao método do caso, desenvolvido por Cristopher Langdell, tanto quando método de ensino e aprendizado, quanto como método do direito. A partir dessa forma de ensino, os alunos eram submetidos a uma série de perguntas, após extensa carga de leitura e estudo de manuais e decisões das cortes norte-americanas, e, a partir dessas respostas se construíam decisões para casos.
Desse modo, segundo o realismo os juízes não decidem com base nas regras gerais de direito e sim, de acordo com o que os fatos provocam em seus ideais, e, por esse fato, a decisão final seria resultado de vários fatores, os quais variam conforme as ideologias do magistrado e de acordo com sua personalidade, não como resultado exclusivo da aplicação da norma.
Nesse sentido, ainda pode-se constatar as críticas realizadas por Henrique Haba, o qual entende que a interpretação do fenômeno jurídico deve preocupar-se com a realidade empírica (fator social) e que, as Constituições e as leis não se perfazem com um sentido único e sim, que na prática podem ser interpretadas e invocadas com diferentes sentidos.
Por outro lado, a corrente do realismo escandinavo estuda a realidade jurídica para analisar os fundamentos do direito, tendo uma posição empirista radical que não se limita ao plano estritamente jurídico.
Desse modo, pode-se perceber que ambas as correntes compreendem o Direito a partir da realidade social, buscando afastar-se da metafísica. Assim, o Direito existe e encontra-se vinculado aos fatos sociais que lhe originaram e seus princípios gerais não são apriorísticos, mas advém da experiência concreta.
Contudo, pode-se constatar ao final que, apesar de ambas as correntes criticarem a metafísica, o realismo acaba por recair no próprio essencialismo do qual busca se afastar, visto que, o estudo das teses realistas pressupõe um prévio conhecimento da realidade e, nesse caso, passa a apresentar um conhecimento metafisico do Direito.