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A Aplicabilidade do Instituto do Negócio Jurídico Processual como Instrumento de Promoção da Defesa do Meio Ambiente
The Applicability of the Institute of the Procedural Convention as an Instrument for Environmental Protection
Prisma Jurídico, vol. 18, núm. 1, pp. 109-130, 2019
Universidade Nove de Julho

Artigos


Recepção: 15 Maio 2018

Aprovação: 21 Maio 2019

DOI: https://doi.org/10.5585/PrismaJ.v18n1.8678

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar o instituto do negócio jurídico processual e verificar a sua aplicabilidade como instrumento para promover a defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Para tanto, examinar-se-á primeiramente, quais são as origens do instituto e o contexto de sua introdução no ordenamento brasileiro. Ademais, serão observados o conceito, as classificações e os requisitos do negócio jurídico processual. Em seguida, será exposto como a convenção para a escolha do perito e o negócio processual que estabelece a redistribuição do ônus da prova podem ser utilizados nas causas afetas ao Direito Ambiental. Por fim, analisar-se-á a temática do controle judicial e os limites impostos ao negócio jurídico processual.

Palavras-chave: Negócio Jurídico Processual, Direito Processual, Direito Ambiental, Meio Ambiente, Novo Código de Processo Civil.

Abstract: This article has the aim of analyzing the institute of the procedural convention and of ascertaining its applicability as an instrument for the protection of an ecologically balanced environment. To this end, the origins of this institute and the context of its introduction in the Brazilian legal system will be examined. Furthermore, the concept, the classifications and the conditions of the procedural convention will be examined. Subsequently, this article will expose how the convention for the selection of the expert and the convention for the redistribution of the burden of proof may be utilized in Environmental Law disputes. Finally, the issues of judicial control and the limits imposed to the procedural convention will be analyzed.

Keywords: Procedural convention, Procedural Law, Environmental Law, Environment, New Code of Legal Procedure.

Introdução

A promulgação do Novo Código de Processo Civil (CPC/2015) promoveu, no cenário jurídico nacional, a adoção de um novo paradigma processual, delineado por um modelo cooperativo de processo e pela valorização da vontade das partes (MITIDIERO, 2015, p. 17). Leonardo Carneiro da Cunha (2015, p. 47-48) explica que tal modelo, o qual figura como um intermediário entre o sistema publicista e o sistema garantista, promove a manutenção dos poderes do juiz, porém sem o mesmo protagonismo, de maneira que o magistrado deve esclarecer, auxiliar e consultar as partes.

Nesse sentido, o novo diploma estabeleceu o princípio do auto regramento da vontade das partes, à luz do qual, deve o juiz observar a vontade das partes no processo, porquanto as suas declarações de vontade que tenham por efeito a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais passam a ter eficácia imediata (REDONDO, 2015, p. 274; DIDIER JR, 2015, p. 22). Nessa tônica de maior liberdade das partes no âmbito do processo, o CPC/2015 institui técnicas procedimentais que visam a adequar os ritos processuais às particularidades de cada causa, dentre as quais figura o instituto do negócio jurídico processual.

Em verdade, o Código antigo já trazia a possibilidade de realização de negócios jurídicos típicos pelas partes no processo. Assim, o CPC/1973 estabelecia que as partes podiam convencionar algumas espécies de negócios processuais, quais sejam: o foro de eleição (art. 111), o adiamento de audiência (art. 453, I), a convenção acerca da repartição do ônus da prova (art. 333, parágrafo único), a suspensão processual (art. 265, II), e o aumento ou redução de prazo dilatório (art. 181). É necessário ressaltar, contudo, que apesar de o negócio jurídico processual não constituir instituto inédito na seara processual, somente as espécies tipicamente elencadas pelo Código de 1973 podiam ser realizadas.

O Novo Código, por sua vez, institui em seu art. 190, a possibilidade de as partes modificarem e regularem o procedimento visando a sua adequação ao caso concreto e às necessidades das partes, ampliando o rol de negócios jurídicos processuais que podem ser celebrados para além daquelas hipóteses legalmente previstas. Nessa perspectiva, conforme observa Bruno Garcia Redondo (2015, p. 275), o estabelecimento de uma cláusula geral de atipicidade de negócios processuais no Novo Código constitui uma das principais inovações trazidas pelo diploma. Importa ressaltar que a existência de divergências acerca do direito material aplicável ao caso não impede que as partes estejam de pleno acordo sobre quais regras processuais devam ser adotadas. Assim, o dispositivo permite que as partes consensualmente flexibilizem o procedimento para adaptá-lo às especificidades de cada causa.

Em vista disso, pretende-se analisar no presente artigo como a figura do negócio jurídico processual pode ser empregada em causas que envolvem o Direito Ambiental. Desse modo, serão examinadas algumas modalidades típicas e atípicas de convenções processuais a fim de se verificar em que circunstâncias o negócio jurídico processual pode constituir um importante instrumento para se promover a proteção do Meio Ambiente.

A metodologia de trabalho se baseará nos aspectos principais necessários para uma pesquisa interdisciplinar que envolve o Direito Processual Civil e o Direito Ambiental e, dessa forma, exige a utilização de métodos que permitam a análise de distintas áreas jurídicas.

Dessa forma, será utilizado o método histórico para a condução de estudo a respeito do negócio jurídico processual, buscando-se entender a evolução deste instituto até sua inclusão no ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, a conjugação do método histórico com o indutivo permitirá a construção, a partir de casos particulares, de uma prática geral de proteção do meio ambiente por meio do negócio jurídico processual.

No que tange a vertente teórico-metodológica, planeja-se seguir uma linha crítico- metodológica, que:

Supõe uma teoria crítica da realidade e sustenta duas teses de grande valor para o repensar da Ciência do Direito e de seus fundamentos e objeto: a primeira defende que o pensamento jurídico é tópico e não dedutivo, é problemático e não sistemático. Essa tese trabalha com a noção de razão prática e de razão prudencial para o favorecimento da decisão jurídica. A segunda tese insere-se na versão postulada pela teoria do discurso e pela teoria argumentativa. Essa linha compreende o Direito como uma rede complexa de linguagens e de significados. (GUSTIN; DIAS, 2006, p. 41).

I As origens do negócio jurídico processual e sua introdução no direito brasileiro

De início, importa realizar uma breve exposição acerca da origem do instituto e do contexto de sua introdução no ordenamento pátrio. Nesse sentido, observa-se que o instituto do negócio jurídico, antes de ser incorporado ao ordenamento processual, pertencia originariamente ao ramo do direito material civil. Segundo a lição de Francisco Maral (2008, p. 383), o negócio jurídico, em seu conceito mais amplo, corresponde à “declaração de vontade privada destinada a produzir efeitos que o agente pretende e o direito reconhece”. Um conceito similar é proposto por Marcos Bernardes de Mello (2003, p. 184), o qual define a figura como:

o fato jurídico, cujo elemento nuclear do suporte fático consiste em manifestação ou declaração consistente de vontade, em relação à qual o sistema jurídico faculta às pessoas, dentro de limites pré-determinados e de amplitude vária, o poder de escolha da categoria jurídica e de estruturação do conteúdo eficacial das relações jurídicas respectivas, quanto ao seu surgimento, permanência e intensidade no mundo jurídico.

A aplicação da figura do negócio jurídico fora da esfera do direito material civil foi proposta por doutrinadores europeus ao final do século XIX (DENTI, 1978, p. 138). José Carlos Barbosa Moreira (1984, p. 88) aponta que a inovação doutrinária visava à flexibilização do procedimento e maior adequação do processo, e decorreu de um processo de diversificação das relações jurídicas e do significativo crescimento de demandas processuais. Destacaram-se na Alemanha as produções acadêmicas de Adolf Schönke e de Josef Kohler, os quais sugeriam a possibilidade de realização de convenções entre as partes de um litígio quanto a determinadas situações processuais, denominadas prozessverträge (contratos processuais) (DIDIER JR; NOGUEIRA, 2011, p. 54). Fredie Didier Jr. e Pedro Nogueira (2011, p. 54) esclarecem, contudo, que tais acordos processuais não produziam, de forma automática, efeitos no âmbito do processo, apesar de vincularem as partes a atuar em conformidade com as determinações convencionadas.

Admitiu-se igualmente na França a realização de tais acordos, nomeados contrats de prodédure (contratos de procedimento), como forma de conceder às partes de um processo maior autonomia para amoldar o procedimento às particularidades de cada caso (ALMEIDA, 2015, p. 247). O instituto também foi inserido no sistema jurídico italiano, de sorte que Carnelutti (1994, p. 324) e Chiovenda (1940, p. 126) passaram a tratar alguns atos, como a eleição do foro de competência, como negócios jurídicos processuais, ao invés de contratos, e reconheceram que os efeitos produzidos por tais atos decorrem da lei e da vontade das partes.

Com efeito, a aplicação inovadora do instituto do negócio jurídico na esfera processual causou certa estranheza aos doutrinadores brasileiros em vista da natureza pública das normas processuais e da participação do Estado, por meio da figura do juiz, na relação processual (MACÊDO; PEIXOTO, 2015, p. 466). Tal caráter publicista pautou quase que exclusivamente a cultura processual nacional e apregoava que a vontade das partes não poderia modificar a norma processual, uma vez que essa derivaria da lei stricto sensu, em observância da prevalência do interesse público (TAVARES, 2016, p. 3). Nesse contexto, alguns acadêmicos brasileiros rejeitaram a possibilidade de aplicação da figura na seara do processo. Segundo tal interpretação, os efeitos produzidos pelos atos processuais estão circunscritos àqueles previstos pelos dispositivos normativos, de sorte que a vontade das partes seria irrelevante.

Partidário dessa corrente, Alexandre Freitas Câmara (2014, p. 276) apregoa, nesse contexto, que os únicos efeitos que podem decorrer dos atos volitivos realizados pelas partes no processo são aqueles fixados pela lei. No mesmo sentido, Cândido Rangel Dinamarco (2001, p. 469) refutou, de forma veemente, a existência dos negócios jurídicos processuais, defendendo que:

o processo em si mesmo não é um contrato ou negócio jurídico e em seu âmbito inexiste o primado da autonomia da vontade: a lei permite a alteração de certos comandos jurídicos por ato voluntário das partes mas não lhes deixa margem para o auto regramento que é inerente aos negócios jurídicos.

Daniel Francisco Mitidiero (2005, p. 15-16) defendeu igualmente a inexistência do instituto do negócio jurídico processual, afirmando que os efeitos causados pelos atos das partes no âmbito do processo seriam aqueles estabelecidos pela legislação.

Em sentido contrário, inspirados pelos avanços da doutrina europeia, diversos acadêmicos brasileiros admitiram a existência e aplicabilidade da figura no cenário processual. Guilherme Henrique Faria (2016, p. 45-51) cita, nesse sentido, Arruda Alvim Wambier, Rogério Lauria Tucci, Leonardo Grego e José Carlos Barbosa Moreira.

Com efeito, a promulgação do Novo Diploma deu fim ao debate por vez que positivou a possibilidade de celebração de acordos processuais entre as partes de um processo. O reconhecimento de sua existência e a autorização expressa de sua aplicabilidade foram considerados avanços valorosos por parte significativa da doutrina pátria. Nesse sentido, Rosa Maria Andrade Nery e Nelson Nery Junior (2015, p. 701) ressaltam a importância do instituto como um instrumento de ampliação da participação das partes e de democratização do processo. Outrossim, Leonardo Carneiro da Cunha (2012, p. 83) considera que o negócio jurídico processual promove maior eficiência processual e robustece o devido processo legal porquanto possibilita maior adequação do processo às particularidades de cada caso concreto.

II O conceito, as classificações e os requisitos do negócio jurídico processual

Em seguida, se fazem necessárias algumas exposições teóricas a respeito do instituto, precipuamente quanto à sua definição, às suas diferentes modalidades e aos requisitos necessários para a sua realização. No que concerne ao conceito, Pedro Henrique Pedrosa Nogueira (2012, p. 574) propõe que o instituto pode ser definido como o “fato jurídico voluntário em cujo suporte fático esteja conferido ao respectivo sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais”. Na mesma perspectiva, Sérgio Arenhart e Gustavo Osna (2015, p. 139-155) definem o negócio jurídico processual como o instituto que permite às partes dispor sobre a estrutura procedimental do processo, derrogar regras concernentes ao seu desenvolvimento e modificar a sua tramitação. Segundo a definição proposta por Wambier e Talamini (2016, p. 514), a convenção processual corresponde à manifestação de vontade feita pelas partes do processo a partir da qual são criados determinados efeitos processuais.

Diego de Almeida (2015, p. 117), por sua vez, explica que a figura consiste em um “meio de modificação do procedimento ou de disposição de direitos processuais, pelo qual as partes, antes ou depois de instaurado o litígio, fixam novas regras para os atos processuais abstratamente previstos na lei”. Ademais, Miguel Teixeira Souza (2015, p. 130), partindo de um conceito mais conciso, afirma que “os negócios jurídicos são atos processuais de caráter negocial que constituem, modificam ou extinguem uma situação processual”.

A introdução de uma cláusula geral no art. 190 do Novo Código ampliou consideravelmente o espectro de possibilidades de celebração de negócios jurídicos processuais, de sorte que agora é possível classificá-los a partir de diferentes aspectos.

Quanto à tipicidade dos negócios jurídicos processuais, pode-se classificá-los em típicos e atípicos. Os negócios típicos correspondem àqueles cuja a modalidade e o regramento são previamente fixados pela lei. Dentre os negócios processuais típicos, estão: o acordo de eleição de foro (art. 63), a convenção para suspensão do processo (art. 313, II), o calendário processual (art. 191), os acordos de saneamento compartilhado (art. 357), a transação judicial (art. 269, III; art. 475-N, III e IV; art. 794, II), a convenção de arbitragem (art. 267, VII; art. 301, IX), a convenção para a redução de prazos (art. 222, § 1º), a convenção para a escolha de perito (art. 471), e a convenção para a escolha de mediador ou conciliador (art. 168).

Lado outro, os negócios atípicos são aqueles cuja celebração é autorizada por uma cláusula geral, mas que não encontram previsão específica na lei. Nesse contexto, Pedro Henrique Nogueira (2016, p. 176-177) leciona que o sistema criou uma abertura para a estipulação negocial como decorrência do exercício da prerrogativa de autor, regramento da vontade das partes, de modo que não há uma lista taxativa de hipóteses de negócios atípicos. No entanto, alguns exemplos de negócios atípicos podem ser elencados: o acordo de ampliação ou redução de prazos processuais, a convenção sobre distribuição de ônus probatório, o pacto de non petendo, o acordo de não promoção de execução provisória, o acordo sobre a impossibilidade de produção de determinada modalidade de prova, a convenção sobre a elaboração de prova pericial, o acordo sobre a limitação convencional à via ordinária ou sobre a penhora, a convenção sobre a periodicidade de audiência de conciliação, o acordo para retirar o efeito suspensivo da apelação, o acordo sobre o número limite de manifestações, e a convenção sobre a não interposição de recurso caso a condenação seja superior a determinado valor. João Paulo Guimarães Tavares (2016, p. 3) aponta ainda outros exemplos de convenções atípicas que podem ser realizadas pelas partes com as seguintes finalidades: restringir o número de testemunhas, permitir o depoimento colhido por escrito, repartir as custas processuais de forma atípica, condicionar a execução, possibilitar que atos de comunicação sejam realizados por meios atípicos, como o SMS ou WhatsApp, e suprimir instâncias.

Ademais, conforme apontam Fredie Didier e Pedro Henrique Nogueira (2013, p. 63), pode-se ainda classificar os negócios processuais conforme o número de participantes. Nas convenções bilaterais, há manifestações de vontade de ambas as partes, como a convenção de suspensão do processo para tentativa de acordo (CABRAL, 2015, p. 226). Os negócios unilaterais, como a desistência ou renúncia ao recurso, contam apenas com a manifestação de uma parte (REDONDO, 2015, p. 276). Por fim, os negócios plurilaterais exigiriam a homologação por parte do magistrado, como a modificação do réu na nomeação à autoria (CUNHA, 2015, p. 44). Outrossim, Flávio Tartuce (2015, p. 94) sugere que as convenções processuais podem ter natureza gratuita ou onerosa, de sorte que aqueles negócios que conferem vantagens sem a imposição de uma contraprestação seriam classificados como gratuitos, ao passo que das convenções onerosas decorrem ônus e benefícios patrimoniais para ambas as partes.

No que concerne à forma de celebração das convenções processuais, existem os negócios comissivos e os omissivos. Os primeiros requerem expressa anuência das partes, ao passo que os últimos são celebrados tacitamente (BOCALON, 2016, p. 87). Leonardo Carneiro da Cunha (2015, p. 43) indica a prorrogação da competência territorial por inércia do réu e a revogação da convenção de arbitragem como exemplos de negócios omissivos. Outra classificação possível concerne ao momento de realização do negócio jurídico processual, de sorte que as convenções podem ser celebradas incidentalmente ou extrajudicialmente (NOGUEIRA, 2011, p. 48). Os negócios incidentais são celebrados durante o processo, em quaisquer de suas fases, enquanto os extrajudiciais são realizados antes do processo, com vistas a regular eventual processo judicial que se instaure (YARSHELL, 2015, p. 67).

Finalmente, os negócios podem ser agrupados de acordo com a necessidade de homologação por parte do magistrado. Assim, há negócios processuais que dependem de homologação, precipuamente aqueles que provocam mudanças no procedimento, como a desistência, e há negócios que prescindem de homologação, em sua maioria aqueles que concernem às situações jurídicas processuais, como o acordo de escolha do procedimento e o rito na petição inicial. Finalmente, podem ainda ser classificados de acordo com o momento de sua celebração, seja antes ou durante a instauração do processo (NOGUEIRA, 2013, p. 63).

Finalmente, há de se observar que as partes do processo devem observar certos requisitos para que possam celebrar as convenções processuais. O primeiro requisito exige que o negócio jurídico processual seja realizado por partes plenamente capazes. Wambier e Talamini (2016, p. 515) indicam que os sujeitos devem possuir capacidade processual, ou seja, capacidade de serem partes no processo e de estarem em juízo, em conformidade com os artigos 70 a 76 do Novo Código. Os autores explicam, nesse sentido, que o negócio jurídico pode ser celebrado pelo incapaz e pelo condomínio, desde que devidamente representados, por seus pais, tutor ou curador, quanto ao primeiro, e por seu síndico ou administrador em relação ao segundo.

Conforme o segundo requisito, os negócios jurídicos processuais podem versar apenas sobre direitos que admitem a autocomposição. Deve-se assinalar que tais direitos não comportam apenas os direitos disponíveis, mas fazem parte de uma categoria mais ampla, que inclui também os direitos indisponíveis (WAMBIER, 2015, p. 353). Nesse sentido, tratando-se de direitos de natureza indisponível que admitem a autocomposição, as partes podem celebrar convenções processuais. José Rogério Cruz e Tucci (2015, p. 338) elucida que nas causas cujo bem da vida seja absolutamente indisponível, como o meio ambiente e a saúde, deve-se admitir a realização dos negócios jurídicos processuais.

Deve-se fazer, ainda, uma importante ressalva acerca da aparente controvérsia sobre a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais por parte do Poder Público. A suposta impossibilidade é precipuamente sustentada por dois pontos: o primeiro concerne à indisponibilidade dos bens públicos, e o segundo se relaciona com a falta de titularidade do direito em causa. Tais alegações não constituem, no entanto, impedimento para que órgãos como o Ministério Público ou a Fazenda Pública celebrem convenções processuais. Nesse sentido, durante o Fórum Permanente de Processualistas Civis, firmou-se o entendimento, na forma do Enunciado 135, de que a indisponibilidade do direito material não constituiria, per se, um obstáculo à realização de convenção processual. Os enunciados 253 e 256 adotados no VI Encontro do Fórum Permanente de Processualistas Civis reconhecem igualmente a possibilidade de celebração de negócios processuais pela Fazenda Pública e pelo Ministério Público nos casos em que esse atua como parte no processo. Não há, portanto, dúvidas quanto à possibilidade de o Poder Público celebrar negócios jurídicos processuais.

O terceiro requisito, por sua vez, se relaciona ao objeto do negócio jurídico processual, e determina que as partes possam convencionar sobre os seus ônus, faculdades, poderes e deveres processuais, desde que o objeto da convenção seja lícito.

Assim, conforme indica o Enunciado 403 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, o objeto lícito constitui um requisito de validade das convenções processuais. Destarte José Medina e Moisés Casarotto (2018, p. 340) observam, quanto à ilicitude do objeto, que há uma vedação aos negócios que, dispensam o reexame necessário ou a intervenção do Ministério Público, quando imperativa, permitam o uso de prova ilícita, ou ainda escusem a fundamentação das decisões judiciais. No mesmo sentido, a convenção contratual deve estar conforme às normas de ordem pública, como aquelas concernentes à competência absoluta e à coisa julgada, às normas fundamentais do processo, relativas à boa fé e equilíbrio entre as partes, e às garantias de ordem constitucional, incluindo o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.

Por fim, impende asseverar que caso algum desses requisitos não seja observado pelas partes, poderá o magistrado decretar, por iniciativa própria, a nulidade do negócio processual, conforme o disposto no parágrafo único do art. 190. Nesse contexto, o Enunciado n. 134 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis indica ainda a possibilidade de as convenções processuais serem parcialmente invalidadas.

III As convenções procedimentais para a defesa do meio ambiente

Conforme exposto, uma das grandes vantagens trazidas pelo instituto do negócio jurídico processual constitui a possibilidade de maior adequabilidade do rito procedimental ao caso concreto, permitindo que as partes amoldem o processo às exigências de cada causa, conforme o direito material que figura como objeto do litígio. Cândido Rangel Dinamarco (2016, p. 240-241) e José Roberto Bedaque (2006, p. 42-46) apontam, nessa perspectiva, que a inteira aderência do processo às características do direito material a ser tutelado corresponde à uma necessidade essencial.

Há de se observar que a ação civil pública figura como instrumento indispensável para a proteção dos interesses públicos e sociais, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. A possibilidade de propositura pelo Ministério Público de uma ação de natureza civil tendo por objeto a reparação dos danos causados ao meio ambiente foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 14, § 1º da Lei 6.938/81). Posteriormente, em 1985, foi promulgada a Lei 7.347/85, a Lei da Ação Civil Pública, que regula a ação civil pública pelos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ampliando a legitimidade ativa e o rol dos direitos difusos e coletivos tutelados pela ação civil de responsabilidade.

Álvaro Luiz Mirra (2002, p. 130) explica que essa modalidade de ação foi criada em resposta à necessidade de um “instrumento próprio e específico para a institucionalização do acesso à Justiça para a proteção do meio ambiente e de outros interesses difusos”. Assim, a ação civil pública como meio de assegurar a tutela jurisdicional do meio ambiente possui diversas especificidades afetas à matéria ambiental. Por conseguinte, conforme aponta Robson Renault Godinho (2007, p. 229), deve-se evitar a aplicação rígida de velhas regras no contexto dos direitos transindividuais, sob o risco de promoção inadequada da tutela dos direitos e de frustração da garantia constitucional do acesso à justiça.

É nesse sentido que a flexibilização da técnica processual, por meio da aplicação do instituto do negócio jurídico processual, deve ser realizada no âmbito da ação civil pública em defesa do meio ambiente, com o intuito de amoldá-la o máximo possível para atingir o seu objetivo precípuo, qual seja o de preservar e conservar o meio ambiente. Conforme corrobora Luciene Gonçalves Tessler (2004, p. 167), o tratamento diferenciado e específico ao direito ambiental por meio de uma técnica processual adequada mostra- se essencial para a promoção de uma efetiva tutela jurisdicional do meio ambiente. Sustenta-se, portanto, que o negócio jurídico processual seja utilizado como ferramenta de defesa do meio ambiente no âmbito processual. A título de exemplo, elenca-se, precipuamente, duas modalidades de utilização do instituto, quais sejam a convenção para a eleição do perito e a convenção de redistribuição do ônus da prova.

Primeiramente, tratar-se-á do negócio processual voltado para a escolha do perito pelas partes do litígio. Com efeito, a perícia técnica constitui um instrumento essencial no âmbito do processo na medida em que assiste o juiz com a expertise necessária para clarificar os pontos de controvérsia. Assim, por meio dos conhecimentos especializados disponibilizados pelo perito, o magistrado passa a dispor de melhores condições para analisar as questões técnicas e decidir adequadamente. O instituto ganha relevância ainda mais acentuada nas causas que versam sobre o meio ambiente. Isso porque nas lides concernentes a danos causados ao meio ambiente tais danos devem ser especificamente constatados e quantificados por meio de perícia técnica. Ademais, considerando-se que a degradação ambiental pode afetar os lençóis freáticos, a flora, a fauna, a paisagem e a saúde, a perícia muitas vezes torna-se complexa e exige uma análise multidisciplinar.

Na vigência do Código Anterior, o perito era nomeado pelo magistrado, nos termos do art. 465, e era incumbido de avaliar a área afetada visando à apuração e quantificação dos danos ambientais. Cabia às partes apenas a indicação dos assistentes técnicos que acompanhariam a realização da perícia. O Novo Código instituiu a possibilidade de as partes elegerem consensualmente o perito, o que configura uma grande inovação. Trata-se de negócio jurídico típico instituído no art. 471 do Código, o qual dispõe o seguinte:

“Art. 471. As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, indicando-o mediante requerimento, desde que:

I - sejam plenamente capazes;

II - a causa possa ser resolvida por autocomposição”.

Nessa hipótese, caso a convenção para a eleição do perito seja celebrada, as partes deverão apontar igualmente, na mesma oportunidade, os seus assistentes técnicos, conforme previsão do art. 471, §1º. Nessa ocasião, o magistrado fica vinculado à perícia consensual, cabendo a ele apenas fixar o prazo para apresentação do laudo pericial e dos pareceres dos assistentes, conforme previsto nos parágrafos segundo e terceiro do mesmo artigo.

Essa modalidade de negócio jurídico processual permite que as partes elejam um perito ambiental que detenha a expertise necessária para avaliar as especificidades do caso. A degradação ambiental pode ser decorrente de atividades desenvolvidas em diversos setores, tais como: barragens, mineração, reservatórios, indústrias químicas, obras rodoviárias, saneamento ambiental, agroindústria e agropecuária. Destarte, um perito que detenha conhecimento específico mais apurado em relação ao setor da atividade que causou o dano terá maior capacidade de produzir um laudo mais fiel à verdade dos fatos. Portanto, torna-se possível às partes a obtenção de uma prova pericial com maior qualidade técnica. A produção qualitativa da prova pericial importa para que seja estabelecido um plano de recuperação mais eficiente da área degradada ou uma quantificação mais precisa do dano ambiental causado.

Outrossim, a elaboração do laudo pericial por um profissional capacitado, eleito pelas partes, especialmente quando acompanhado por outros profissionais de diferentes segmentos, incluindo geologia, engenharia, química, biologia e zootecnia, permite que o juiz proceda a uma análise mais correta das questões controversas e adote uma decisão mais acertada e justa. Ademais, esse tipo de negócio jurídico processual confere ao processo maior efetividade porquanto pode-se simplificar e agilizar a produção probatória quando essa é conduzida de forma acordada entre as partes do litígio.

Em seguida, analisar-se-á o instituto da convenção de redistribuição de ônus probatório. Observa-se, preliminarmente, que o Novo Código permite que a distribuição do ônus da prova seja realizada por meio de três formas diversas, quais sejam: a previsão legal, a determinação judicial e o negócio jurídico processual.

A atribuição ope legis do ônus probatório está fixada no caput do art. 373 do CPC/15, e em seus dois primeiros incisos. Assim, o legislador determina, como regra geral, que caberá ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito, bem como que, excepcionalmente, incumbirá ao réu provar a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

A segunda hipótese é denominada distribuição ope iudicis e delineia uma sistemática de dinamização do ônus probatório, conforme a previsão do parágrafo primeiro do art. 373, que permite que o juiz, mediante o cumprimento de determinados requisitos, redistribua o ônus da prova quando for impossível ou excessivamente difícil a uma das partes suportar tal encargo, ou ainda, quando uma das partes tiver maior facilidade em obter prova do fato contrário. Deve-se ressaltar, contudo, que a dinamização do onus probandi não constitui ineditismo em matéria ambiental.

Em verdade, antes mesmo da promulgação do novel Código, admitia-se a distribuição dinâmica do ônus da prova em matéria ambiental com fundamento no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Gregório Assagra de Almeida explica que o código consumerista e a Lei da Ação Civil Pública integram um microssistema processual de tutela coletiva, de forma que o instituto da inversão do ônus da prova poderia ser aplicado às demandas difusas, e, por conseguinte, às ambientais (DE ALMEIDA, 2007, p. 79-82). Ademais, já era possível também a inversão do ônus da prova com fundamento na aplicação dos princípios da precaução e do in dubio pro natura. Tais fundamentos foram largamente reconhecidos pela jurisprudência, conforme verifica-se a partir da decisão do Superior Tribunal de Justiça acerca do Recurso Especial Nº 883.656-RS, cuja ementa transcreve-se parcialmente abaixo:

“PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO COM MERCÚRIO. ART. 333 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ÔNUS DINÂMICO DA PROVA. CAMPO DE APLICAÇÃO DOS ARTS. 6º, VIII, E 117 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ONUS PROBANDI NO DIREITO AMBIENTAL. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA. 1. Em Ação Civil Pública proposta com o fito de reparar alegado dano ambiental causado por grave contaminação com mercúrio, o Juízo de 1º grau, em acréscimo à imputação objetiva estatuída no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, determinou a inversão do ônus da prova quanto a outros elementos da responsabilidade civil, decisão mantida pelo Tribunal a quo. (...) 6. Como corolário do princípio in dubio pro natura , “Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução” (REsp 972.902/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.9.2009), técnica que sujeita aquele que supostamente gerou o dano ambiental a comprovar “que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva” (REsp 1.060.753/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.12.2009). 7. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, contém comando normativo estritamente processual, o que a põe sob o campo de aplicação do art. 117 do mesmo estatuto, fazendo-a valer, universalmente, em todos os domínios da Ação Civil Pública, e não só nas relações de consumo (REsp 1049822/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 18.5.2009). (...) 10. Recurso especial não provido.”

(REsp 883.656/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, Julgado em 09.03.2010, DJe 28.02.2012).

A terceira hipótese, correspondente à distribuição do ônus da prova por convenção entre as partes, constitui a mais importante para os fins do presente artigo porquanto figura como um negócio jurídico processual típico estabelecido no art. 373, § 3º, do Novo Código. Com efeito, a possibilidade de as próprias partes convencionarem acerca de como o ônus probatório será distribuído constitui uma grande inovação e permite maior adequação às peculiaridades de cada causa, o que se mostra altamente valoroso nos litígios que tratem de Direito Ambiental. Importa ressaltar que a prova, nas causas afetas à matéria ambiental, constitui o instrumento por meio do qual é possível reconstruir os fatos que ocasionaram o dano ao meio ambiente, e acionar a responsabilização do agente causador.

Nesse sentido, é possível imaginar que as partes de um processo tenham interesse em acordar sobre qual delas deverá recair o ônus probatório. Nas ações de responsabilidade civil por danos ambientais, por exemplo, a parte autora pode desejar se desvencilhar do encargo de demonstrar a existência do dano e do nexo causal, em vista da complexidade que a produção de tais provas exigiria. Tais provas podem demandar uma análise minuciosa de diversos elementos componentes da biodiversidade local, ou até regional, por parte de uma equipe multidisciplinar. No mesmo sentido, a parte ré poderia desejar assumir para si o ônus de demonstrar a inexistência de nexo de causalidade entre a sua atividade e o dano, por possuir melhores capacidades técnicas ou condições financeiras. Assim, as partes acordariam pela inversão consensual do ônus probatório, de sorte que esse seria assumido pelo suposto causador do dano, sob pena de ter sua responsabilidade civil acionada caso não consiga se desincumbir de tal encargo.

Finalmente, deve-se observar, quanto ao momento de celebração desse negócio jurídico, que as partes podem acordar sobre a distribuição do ônus da prova antes ou durante o processo, conforme o disposto no art. 373, § 4º. Ademais, Carlos Miranda Bandeira (2015, p. 52) ressalta que as partes devem indicar especificamente os fatos em relação aos quais haveria a inversão do ônus probatório.

IV O controle judicial e os limites do negócio jurídico processual

Em verdade, a ampliação pelo novel Código do espectro de negócios processuais que podem ser celebrados, implica na necessidade de controle de validade por parte do magistrado, assim como de delineamento de limites ao instituto a serem observados pelas partes. Antônio do Passo Cabral (2016, p. 225-229) assinala que por meio desse controle, caberá à jurisprudência o encargo de balizar os limites e as possibilidades do instituto do negócio jurídico processual.

O art. 190 estabelece, em seu parágrafo único, que o magistrado deverá controlar, de ofício ou a requerimento das partes, a validade das convenções processuais. Conforme o artigo, nos casos de nulidade, de inserção abusiva em contrato de adesão, ou de manifesta situação de vulnerabilidade de alguma das partes, o juiz deverá recusar a aplicação do negócio processual. Neves esclarece que a atuação do magistrado, possui natureza fiscalizatória, ao invés de homologatória, porquanto, via de regra, os negócios processuais prescindem de homologação, em conformidade com o disposto no art. 200 do Novo CPC (NEVES, 2016, p. 588). Excetuam-se os casos nos quais a lei exige a aprovação ou a participação do magistrado na convenção processual. Diogo de Almeida (2014, p. 214) explica que, salvo as exceções legais, o negócio jurídico produzirá efeitos a partir do momento de sua celebração, de forma que cabe ao juiz invalidá-lo diante da existência de algum vício. Nesse contexto, o Enunciado n. 134 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis indica ainda a possibilidade de as convenções processuais serem parcialmente invalidadas.

Em segundo lugar, observa-se que não há no Novo Código qualquer disposição explícita acerca dos limites que deverão nortear o instituto, cabendo à jurisprudência e à doutrina indicá-los (CABRAL, 2016, p. 225-229). Alexandre Mantovani (2017, p.104) reitera, nessa perspectiva, que a imposição de tais limitações às convenções processuais será essencial para evitar a prática de comportamentos abusivos ou tentativas de obtenção de vantagens ilegítimas.

Em vista disso, o primeiro limite é implicitamente fixado pelo art. 190 e corresponde à igualdade substancial das partes. Serão inválidas as convenções celebradas quando uma das partes se encontra em uma situação evidente de desvantagem em comparação a outra parte, seja em razão de fatores de ordem econômica, informacional, técnica ou organizacional (TARTUCE, 2012, p. 184). A necessidade de igualdade substancial entre as partes visa a evitar que negociações sejam conduzidas em situações de desequilíbrio nas quais as partes não se encontram em paridade de armas (YERSHELL, 2015, p. 69). Em vista disso, são vedados os negócios jurídicos quando há uma distribuição do ônus da prova de maneira que seja impossível obtê-la, ou a imposição de uma obrigação extremamente onerosa a uma das partes. Tais negócios jurídicos podem ser anulados pelo magistrado em vista da vulnerabilidade de uma das partes, com fulcro no art. 190.

O segundo limite que se impõe é de aplicabilidade comum a todos os negócios jurídicos e corresponde à ausência de vícios de consentimento. Nesse sentido, como condição de validade, os negócios jurídicos processuais não podem ser celebrados em situação de coação, dolo, erro, lesão e estado de perigo. Tal limite é confirmado pelo Enunciado 132 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, o qual indica que “os vícios da vontade e os vícios sociais podem dar ensejo à invalidação dos negócios jurídicos atípicos do art. 190”.

Em terceiro lugar, não podem ser transgredidas as normas fundamentais do processo, inerentes ao devido processo legal formal e substancial (ABREU, 2015, p. 209). Garantias concernentes ao acesso à justiça, à ampla defesa, ao contraditório, à duração razoável do processo, ao juiz natural, à publicidade e à fundamentação das decisões deverão ser observadas pelas partes quando da celebração de convenções processuais (ABELHA, 2016, p. 331). Carlos Bandeira (2015, p. 44) explica que tais princípios, valores e garantias integram a ordem jurídica processual cogente e, por conseguinte, não poderiam ser suprimidos, mesmo diante da vontade concordante das partes. Desse modo, é vedado às partes realizar negócio jurídico processual que inviabiliza o direito de ação, o direito de contestação e o direito de apelação. Faz-se necessário apontar, contudo, quanto ao último que há a possibilidade de realizar convenção de impossibilidade de interposição de recurso especial ou extraordinário.

O quarto limite é apontado pelo Enunciado nº 6 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, e corresponde à observância dos deveres inerentes à boa fé e à cooperação. No mesmo sentido, o Enunciado nº 407 indica que: “nos negócios processuais, as partes e o juiz são obrigados a guardar nas tratativas, na conclusão e na execução do negócio o princípio da boa fé”. O princípio da boa fé processual, consagrado no art. 5º do Novo Código, delineia-se pelos deveres de lealdade, probidade e honestidade das partes no processo. O art. 6º, por sua vez institui o dever de cooperação, à luz do qual as partes no processo devem fomentar um diálogo transparente. Tais deveres devem, portanto, pautar a atuação das partes antes da negociação, durante a sua execução e ao longo da fase pós-negocial.

A impossibilidade de celebração de negócio jurídico processual sob condição figura ainda como um quinto limite ao instituto. A necessidade de certeza e de segurança jurídica durante o desenvolvimento da convenção processual justificam a vedação dos negócios sob condição ou a termo de ocorrências externas.

Finalmente, o último limite é indicado por Petruska Freitas (2016, p. 260) e corresponde ao princípio da vedação do retrocesso ambiental, que constitui igualmente um limite que circunscreve o negócio processual. Tal princípio postula que não pode haver regressão quanto ao direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (PRIEUR, 2012, p. 6-17). A autora explica que são vedadas as convenções processuais que violam o mínimo assegurado pela legislação de proteção ambiental (FREITAS, 2016, p. 260). À título exemplificativo, explica que os negócios que minimizam a proteção das florestas e vegetação nativa, como aqueles que postergam a reparação do dano ao meio ambiente ou restringem a produção probatória para verificação de extensão de dano ambiental, estariam vedados em observância ao princípio aduzido (FREITAS, 2016, p. 260).

Conclusão

O Novo Código de Processo Civil passou a consagrar, em diferentes dispositivos, o princípio do auto regramento da vontade das partes no processo e a concepção de flexibilização procedimental. Dentre as técnicas procedimentais instituídas no ordenamento em virtude da mudança do paradigma processual promovida pelo CPC/15, examinou-se o instituto do negócio jurídico processual. Conforme exposto, a figura do negócio processual já encontrava previsão no Código de 1973, após ser introduzida no Brasil por considerável influência da doutrina europeia. A expressa previsão da possibilidade de as partes celebrarem convenções processuais, inclusive com a positivação de uma cláusula geral de atipicidade negocial, emudeceu parte da doutrina brasileira que apregoava a inaplicabilidade do instituto à seara processual.

Verificou-se, ademais, que um dos grandes benefícios a ser ofertado pela figura da convenção processual consiste na adequabilidade dos ritos processuais às particularidades de cada causa. Assim, a possibilidade de as partes consensualmente adaptarem o procedimento às especificidades do litígio torna o instituto do negócio jurídico processual um instrumento valoroso na promoção de uma prestação jurisdicional mais qualitativa e efetiva nos casos em que o direito material exige um mecanismo processual adequado. Demonstrou-se que as causas afetas ao direito ambiental constituem um campo fértil para a celebração de negócios jurídicos processuais em vista das particularidades da temática ambiental, precipuamente quanto às questões probatórias. Nessa perspectiva, a convenção para a eleição do perito e a convenção para a redistribuição do ônus probatório constituem exemplos de negócios jurídicos processuais que podem ser utilizados para promover a proteção do meio ambiente.

Entretanto, entende-se que far-se-á necessária uma atuação crítica por parte da doutrina e da jurisprudência acerca da observância dos requisitos e limites aplicáveis à figura do negócio jurídico processual. Assim sendo, somente uma aplicação balizada do instituto será capaz de fomentar a efetividade do processo e a aproximação ao direito material, com vistas à garantia da efetiva tutela jurisdicional do meio ambiente ecologicamente equilibrado, em detrimento da rigidez procedimental e do formalismo obsoleto.

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Informação adicional

Para referenciar este texto: LANCHOTTI, Andressa de Oliveira; LIMA, Bárbara Boechat Pereira. A Aplicabilidade do Instituto do Negócio Jurídico Processual como Instrumento de Promoção da Defesa do Meio Ambiente. Prisma Jurídico, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 109-130, jan./jun. 2019.



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