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Recepção: 13 Outubro 2017
Aprovação: 21 Maio 2019
DOI: https://doi.org/10.5585/PrismaJ.v18n1.7995
Resumo: Por meio deste texto, pretende-se fazer uma análise do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do Recurso Extraordinário nº 603616/RO – Rondônia, quando ocorreu a apreciação de questões envolvendo o direito fundamental individual inviolabilidade de domicílio e a prática de crime permanente, bem como a conduta a ser exercida pelo agente púbico na hipótese.
Palavras-chave: Inviolabilidade de domicílio, Crime permanente, Flagrante, Constitucionalidade, Agente público.
Abstract: This text intends to make an analysis of the judgment by the Federal Supreme Court on the Extraordinary Appeal No. 603616 / RO - Rondônia, when there was an appraisal of issues involving the individual fundamental right inviolability of domicile and the practice of crime as well as the conduct to be exercised by the pubic agent in the hypothesis.
Keywords: Inviolability of domicile, Permanent crime, Flagrant, Constitutionality, Public agent.
Introdução
O Supremo Tribunal Federal - STF julgou, no ano de 2015, presentes à sessão de julgamento os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki e Edson Fachin e, ausentes os Ministros Luís Roberto Barroso e a Ministra Cármen Lúcia, o Recurso Extraordinário nº 603616/RO – Rondônia, tendo admitido, naquele instante, a repercussão geral em relação à suposta violação aos incisos XI e LVI do art. 5º da Constituição Federal.
No feito, questionou-se a possiblidade ou não de se efetuar busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente, em face da previsão constitucional referente à inviolabilidade de domicílio (XI do art. 5º da Constituição da República), e se se deve considerar, correlatamente, a ilicitude das provas colhidas dessa maneira (LVI do art. 5º da Constituição brasileira).
O Reclamante, assistido por seu advogado, sustentou, para isso, nas razões do recurso:
[...] que são ilícitas as provas obtidas mediante a invasão do respectivo domicílio por autoridades policiais, pois ausente o necessário mandado de busca e apreensão. Dessa forma, entende ter sido violado o art. 5º da CF, considerados os incisos LVI (são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícito) e XI (a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial). Assevera, ainda, afronta ao art. 5º, LV (aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes), tendo em vista a alegação de que a sentença condenatória baseou-se apenas nas provas obtidas na fase de inquérito policial (BRASIL, 2015, p. 4-5, grifo no original).
O Ministro relator, Gilmar Mendes, iniciou sua análise a partir do direito comparado, citando previsões constitucionais sobre a proteção ao domicílio de países como Estados Unidos da América, Itália, Chile, Argentina, França, Uruguai, Alemanha, Portugal, Espanha, Japão, Paraguai e Angola.
Adentrando ao direito pátrio revisitou as previsões das nossas Constituições anteriores (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e Emenda Constitucional nº 1 de 1969) e da Constituição atual, aduzindo a norma estipulada e suas exceções, bem como a do Pacto de São José da Costa Rica, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro como norma supralegal, segundo o próprio STF, em tempo não muito distante.
Com essas considerações, afirmou, primeiramente, que no âmbito constitucional atual:
A interpretação que adota o Supremo Tribunal Federal no momento é a de que, se dentro da casa está ocorrendo um crime permanente, é viável o ingresso forçado pelas forças policiais, independentemente de determinação judicial (RHC 91.189, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, julgado em 9.3.2010; RHC 117.159, Relator Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 5.11.2013; RHC 121.419, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 2.9.2014). No mesmo sentido, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – RHC 40.796, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 8.5.2014; AgRg no AREsp 417.637, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 9.12.2014 (BRASIL, 2015, p. 17).
Aludiu Mendes (BRASIL, 2015) que para se chegar a esse pensamento, o Supremo Tribunal Federal tem como cerne o pensamento de que nos crimes permanentes, há um intervalo entre a consumação e o exaurimento. Assim, nesse lapso temporal entre o primeiro e os últimos momentos citados, a infração penal está em curso.
Dessa maneira, se dentro do local protegido (a “casa”; asilo inviolável) o crime permanente está ocorrendo, o perpetrador estará cometendo o delito. Ou seja, caracterizada a situação de flagrante, viável o ingresso forçado no domicílio (BRASIL, 2015), podendo-se citar:
Assim, por exemplo, no crime de tráfico de drogas – art. 33 da Lei 11.343/06 –, estando a droga depositada em uma determinada casa, o morador está em situação de flagrante delito, sendo passível de prisão em flagrante. Um policial poderia ingressar na residência, sem autorização judicial, e realizar a prisão (BRASIL, 2015, p. 17).
Porém, de acordo com o Relator (BRASIL, 2015), referida interpretação não é a mais satisfatória, já que do policial que realiza a busca sem mandado judicial não se exige certeza quanto ao sucesso da medida. Em verdade, insiste, dificilmente a certeza estará ao alcance da polícia. Se certeza do crime e de sua autoria houvesse, a diligência seria desnecessária.
Após essas considerações e argumentações concernentes, Gilmar Mendes votou negando provimento ao recurso, e a maioria do STF, após intensos debates, vencido o Ministro Maro Aurélio quanto ao mérito e à tese, adotou a interpretação de que:
[...] O Tribunal, apreciando o tema 280 da repercussão geral, por maioria e nos termos do voto do Relator, negou provimento ao recurso e fixou tese nos seguintes termos: “A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados (BRASIL, 2015, p. 62).
Por meio deste artigo, visa-se analisar os debates imprimidos pelos Ministros no julgamento do Recurso Extraordinário em tela, sob as arestas da definição de crime permanente e a configuração do seu flagrante à luz do direito fundamental individual inviolabilidade de domicílio.
A investigação tem como cerne avaliar se o Supremo Tribunal Federal resolveu a questão dentro das possibilidades constitucionais ou se seus componentes ofereceram julgamento a partir de suas convicções morais.
2 A inviolabilidade de domicílio
Conforme Marcelo Novelino (2015), para a doutrina constitucional brasileira a inviolabilidade do domicílio é uma das posições jurídicas específicas que integram, de forma expressa, o direito à privacidade como um todo. Sem dúvidas, é no habitat que a pessoa se resguarda no sentido de melhor proteger seus referencias mais intrínsecos.
Como se sabe, o inciso XI do art. 5º da Constituição Federal prevê que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar, durante a noite e o dia, sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, somente durante o dia, por determinação judicial.
O conceito de casa, de acordo com Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet, para os fins da proteção constitucional abrange:
[...] ´todo lugar privativo, ocupado por alguém, com direito próprio e de maneira exclusiva, mesmo sem caráter definitivo ou habitual`. O conceito constitucional de domicílio é, assim, mais amplo do que aquele do direito civil. Afirma-se, em doutrina, que a abrangência do termo casa no direito constitucional deve ser ampla, entendida como `projeção espacial da pessoa`, alcançando não somente o escritório de trabalho como também o estabelecimento industrial e o clube recreativo. O domicílio, afinal, coincide com `o espaço isolado do ambiente externo utilizado para o desenvolvimento das atividades da vida e do qual a pessoa ou pessoas titulares pretendem normalmente excluir a presença de terceiros`. O lugar fechado em que o indivíduo exerce atividades pessoais está abrangido pelo conceito de domicílio. Esse lugar pode ser o da residência da pessoa, independentemente de ser própria, alugada ou ocupada em comodato, em visita etc. É irrelevante que a moradia seja fixa na terra ou não (um trailer ou um barco, e.g., podem qualificar-se como protegidos pela inviolabilidade de domicílio). Da mesma sorte, o dispositivo constitucional apanha um aposento de habitação coletiva (quarto de hotel, pensão ou de motel...). Não será domicílio a parte aberta às pessoas em geral de um bar ou de um restaurante (MENDES; GONET BRANCO, 2017, p. 252).
São apontadas como possibilidades de se penetrar em domicílio alheio, tanto durante o dia como à noite, o consentimento do morador; o flagrante delito; o desastre e; a prestação de socorro. Além dessas hipóteses, somente durante o dia, por determinação judicial.
A expressão flagrante delito remete à ideia de que a invasão de uma “casa” (asilo inviolável) será legítima se houver a ocorrência de uma infração penal no seu interior. Acerca do tema, vale conhecer:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTE. PENA. DOSIMETRIA. INVASÃO DE RESIDÊNCIA. ALEGAÇÕES IMPROCEDENTES Na cominação da pena-base o julgador considerou fatores que influíram na individualização: a conduta social do agente e os seus péssimos antecedentes. Não há que se falar em desrespeito à inviolabilidade do domicílio. Como anotou o parecer do Ministério Público Federal, "a conduta daquele que tem em depósito substância entorpecente sem autorização legal caracteriza estado de flagrância, o que afasta a exigência de mandado judicial, conforme exceção do art. 5º, XI, da Constituição Federal." Habeas corpus indeferido (BRASIL, 1997, p. 1).
O desastre também torna possível a invasão na casa alheia. Por desastre, entendem-se eventos como incêndio, inundação, desabamento, entre outros.
Já o conceito de prestação de socorro, eventualmente, pode ensejar confusão com o conceito de desastre, pois, geralmente, quando há um desastre, tem-se a ideia de que se deva prestar socorro a alguém. Entretanto, André Puccinelli (2012) fornece interessante exemplo de prestação de socorro quando relata o fato de um idoso de saúde frágil faltar a compromissos sociais e não ser mais visto fora de casa legitima a invasão, pois os indícios apontam o quadro de alguém que necessita de socorro médico e possivelmente está debilitado até mesmo para apelar aos vizinhos.
No que se refere ao conceito de dia e noite, há divergências, girando os argumentos, basicamente, em torno de três correntes de pensamento. Para alguns, dia seria o período que compreende 6h. às 18h., logo, ter-se-á noite entre as 18h. e 6h. De outra maneira, há quem defenda que a noite é o período que vai do crepúsculo à aurora, ou seja, do anoitecer ao alvorecer, pouco importando o horário. Por outro lado, defende- se a ideia de que o mais indicado é conjugar as correntes anteriores.
Nesse quadrante, o Ministro do STF Alexandre de Moraes salientou:
Para José Afonso da Silva, dia é o período das 6:00 horas da manhã às 18:00, ou seja, “sol alto, isto é, das seis às dezoito”, esclarecendo Alcino Pinto Falcão que durante o dia a tutela constitucional é menos ampla, visto que a lei ordinária pode ampliar os casos de entrada na casa durante aquele período, que se contrapõe ao período da noite. Para Celso de Mello, deve ser levado em conta o critério físico-astronômico, como o intervalo de tempo situado entre a aurora e o crepúsculo. É o mesmo entendimento de Guilherme de Souza Nucci, ao afirmar que noite “é o período que vai do anoitecer ao alvorecer, pouco importando o horário, bastando que o sol se ponha e depois se levante no horizonte”. Entendemos que a aplicação conjunta de ambos os critérios alcança a finalidade constitucional de maior proteção ao domicílio durante a noite, resguardando-se a possibilidade de invasão domiciliar com autorização judicial, mesmo após as 18:00 horas, desde que, ainda, não seja noite (por exemplo: horário de verão) (MORAES, 2017, p. 59).
3 O crime permanente
Conforme a doutrina penal, não obstantes inúmeras definições particulares sobre outras temáticas, os crimes podem ser classificados como instantâneos ou permanentes, desde que se considere o momento de sua consumação.
Nos crimes instantâneos, a consumação é imediata, ou seja, não se admite prolongação. Como exemplo da hipótese, encontra-se o crime de homicídio, tipificado no art. 121 do Código Penal.
Por outro lado, fazendo uso dos termos empregados por Rogério Greco, crime permanente: “É aquele cuja consumação se prolonga no tempo” (GRECO, 2017, p. 75). Referido autor, inclusive, em seu Código Penal Comentado, para ilustrar essa espécie de crime mencionou um julgado do STF o qual está totalmente alinhado ao objeto deste texto, e, outro do Superior Tribunal de Justiça, afim de explicar questões referentes ao seu prazo prescricional:
Segundo jurisprudência firmada nesta Corte, o crime de tráfico de drogas, na modalidade de guardar ou ter em depósito, constitui crime permanente, configurando-se o flagrante enquanto o entorpecente estiver em poder do infrator, incidindo, portanto, no caso, a excepcionalidade do art. 5º, inc. XI, da Constituição Federal. Precedente (STJ, HC 324.844/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 28/06/2016). [...] Nos crimes permanentes, o termo a quo da prescrição é o dia em que findou a permanência, na hipótese, a data em que houve a cessação do recebimento do benefício indevido. Com a suspensão administrativa do benefício, não se pode mais falar em recebimento indevido, pois a autarquia previdenciária deixa de agir em erro, possuindo conhecimento acerca de eventual fraude cometida, cessando-se a permanência do delito, sendo irrelevante a reativação posterior do benefício por força de decisão judicial (STJ, AgRg. no REsp. 1366191/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª T., DJe 21/6/2013) (GRECO, 2017, p. 75-76).
Assim sendo, para que se configure o crime permanente, o comportamento humano deve apresentar algumas peculiaridades, quais sejam, o crime deve se prolongar no tempo, tendo em vista que se a consumação não se estender, a classificação do crime será outra (crime instantâneo); depende da vontade do agente para cessar a permanência do crime; o delito se dá com uma única conduta do infrator e; a consumação do crime continua ocorrendo enquanto perdurar determinada situação.
4 Os debates no julgamento do recurso extraordinário nº 603616/RO – Rondônia
Quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 603616/RO – Rondônia, foco deste manuscrito, o Ministro Gilmar Mendes (Relator) deu início aos afazeres abordando, além daqueles aspectos expostos na introdução, a necessidade de se proteger o domicílio contra as ingerências abusivas e arbitrárias. Nesse ponto, afirmou que:
A busca e apreensão domiciliar é uma medida invasiva, mas de grande valia para repressão à prática de crimes e para a investigação criminal. Abusos podem ocorrer, tanto na tomada da decisão de entrada forçada quanto na execução da medida. As comunidades em situação de vulnerabilidade social são especialmente suscetíveis a serem vítimas de ingerências arbitrárias em domicílios (BRASIL, 2015, p. 16).
Para fortalecer seus dizeres, Mendes citou relato em livro de José Mariano Beltrame, ex secretário de segurança pública do estado do Rio de Janeiro, sobre a tomada de favelas cariocas pelas Unidades de Polícia Pacificadoras – UPPs:
Narra ele que, após a ocupação de favelas cariocas, os policiais faziam buscas nas casas da comunidade, o que levava a prisões de fugitivos e à apreensão de grandes quantidades de armas e drogas escondidas pelos traficantes nos barracos. [...] Em seguida, descreve abuso na execução da medida, a prática de “espólio de guerra”, ou seja, furto de bens que guarneciam as residências (BRASIL, 2015, p. 16).
Nesses termos, segundo o Ministro do Supremo Tribunal Federal, a busca e apreensão domiciliar necessita de controle, pois como nesse caso relatado, o papel do mandado judicial como garantia do respeito à privacidade se faz necessário. Em contrapartida, há casos em que a autorização judicial é excepcionada, como na hipótese do Recurso de sua relatoria (BRASIL, 2015).
Como afirmado no primeiro ponto, de acordo com Mendes, a interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal e, também, pelo Superior Tribunal de Justiça, é a de que se dentro do local protegido o crime permanente estiver ocorrendo, o infrator estará cometendo o delito, caracterizando, por conseguinte, a situação de flagrante, sendo viável, portanto, o ingresso forçado dos policiais no domicílio, independentemente de determinação judicial.
Mas de acordo com Gilmar Mendes, essa atividade hermenêutica não é satisfatória, porque do policial que realiza a busca sem mandado judicial não se exige certeza quanto ao sucesso da medida. Para ilustrar a alegação, o Relator exemplifica: “No exemplo do comércio de drogas, o próprio pretenso traficante pode ter sido enganado e ter em sua posse quilos de farinha” (BRASIL, 2015, p. 18).
Portanto, considerando a certeza estar fora do alcance, há a exigência de se conquistar um meio probatório constitucional e legal racional para que se promovam medidas de investigação, como a necessidade de se ter fundadas razões para se efetuar a busca e apreensão, nos moldes do § 1º do art. 240 do Código de Processo Penal (BRASIL, 2015). Ademais, o relator ressaltou:
Considerado o entendimento atual, o policial ingressará na casa sem a certeza de que a situação de flagrante delito, de fato, ocorre. Se concretizar a prisão, poderá dar seu dever por cumprido. Em caso contrário, terá, ao menos em tese, incorrido no crime de violação de domicílio, majorado pela sua qualidade de funcionário público, agindo fora dos casos legais – art. 150, § 2º, do CP. Ou seja, o policial estaria assumindo o risco de perpetrar um crime, salvo se tiver sucesso em sua diligência. Isso dá ao policial um perigoso incentivo. Ou desvenda o crime, ou responde pessoal e criminalmente pela violação de domicílio (BRASIL, 2015, p. 18).
Não encontrando a droga, e caso o policial seja acusado criminalmente, a tese defensiva, naturalmente, será o estrito cumprimento do dever legal putativo, quando se alegaria percepção no sentido de que haveria um crime em andamento dentro da “casa” invadida. Rejeitando a defesa, o policial será punido. Do contrário, se acolhida a defesa, aniquilada seria, a garantia da inviolabilidade do domicílio (BRASIL, 2015). Além disso, Mendes apontara:
Precisamos evoluir, estabelecendo uma interpretação que afirme a garantia da inviolabilidade da casa e, por outro lado, proteja os agentes da segurança pública, oferecendo orientação mais segura sobre suas formas de atuação. Essa evolução pode decorrer tanto da interpretação da própria Constituição como de sua integração com os tratados de direitos dos quais o país é signatário (BRASIL, 2015, p. 19).
Esclarece, ainda, a entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Por isso, o Ministro Gilmar Mendes defende, a proteção contra a busca arbitrária exige que a diligência seja avaliada com base no que se sabia antes de sua realização, não depois. Como por exemplo, circunstâncias que levariam uma pessoa razoável a crer que a entrada era necessária para prevenir o dano aos policiais ou outras pessoas, a destruição de provas relevantes, a fuga de um suspeito (BRASIL, 2015).
Assim, frisou que deveriam ser revistos os termos em que a busca e apreensão domiciliar ocorra, tendo o Ministro complementado seu raciocínio da seguinte maneira:
Entende-se que a exigência de um mandado judicial autorizando a interferência no domicílio é importante para evitar abusos e arbítrios. No entanto, em situações exigentes, “a ausência de mandado judicial prévio pode ser contrabalançada pela disponibilidade de um controle ex post factum”. Assim, as buscas sem autorização judicial deverão ser passíveis de rigoroso escrutínio a posteriori por magistrado – nesse sentido, Heino contra Finlândia (caso n. 56720/09), decisão de 15.2.2011; Smirnov contra Rússia (caso 71362/01), decisão de 7.6.2007 (BRASIL, 2015, p. 20-21).
Segundo o Ministro, sendo o controle judicial da investigação criminal a posteriori, a legislação permite aos agentes atuar desde logo, mesmo em medidas invasivas, se houver razões suficientes para tanto, sendo o que ocorre no caso da prisão em flagrante – art. 5º, LXI, da CF. Trata-se de exceção à exigência de prévia ordem escrita da autoridade judiciária para a prisão, fundada na urgência em fazer cessar a prática de crime e na evidência de sua autoria. No entanto, é indispensável o controle da medida a posteriori, mediante imediata comunicação ao juiz, que analisa a legalidade da prisão em flagrante, nos termos do inciso LXII do art. 5º da Constituição Federal (BRASIL, 2015).
Outrossim, no caso da inviolabilidade domiciliar, também se faz necessário o controle prévio, devendo o juiz analisar se há justa causa para a medida. Em sendo caso, determina, por conseguinte, a expedição do mandado de busca e apreensão. Isso, se a hipótese não estiver enquadrada nas exceções estipuladas na Constituição da República (BRASIL, 2015).
Ademais, fomenta Gilmar Mendes (BRASIL, 2015), nos casos de crimes permanentes, o agente se encontra permanentemente em situação de flagrante delito. Assim sendo, difícil seria a exigência de controle judicial prévio para tal hipótese, pois presume-se a urgência:
Nas hipóteses em que a Constituição dispensa o controle judicial prévio, resta o controle a posteriori. Pelo entendimento atualmente aceito na jurisprudência, se a situação de flagrante se confirma, qualquer controle subsequente à medida é dispensado. Não se exige das autoridades policiais maiores explicações sobre as razões que levaram a ingressar na casa onde a diligência foi realizada (BRASIL, 2015, p. 22).
Para o relator, esse entendimento é menos insatisfatório. Segundo sua perspectiva:
Já afirmamos que essa solução é menos insatisfatória. Em consequência, resta fortalecer o controle a posteriori, exigindo dos policiais a demonstração de que a medida foi adotada mediante justa causa. Ou seja, que havia elementos para caracterizar a suspeita de que uma situação que autoriza o ingresso forçado em domicílio estava presente. O modelo probatório é o mesmo da busca e apreensão domiciliar – fundadas razões, art. 240, §1º, do CPP. Trata-se de exigência modesta, compatível com a fase de obtenção de provas (BRASIL, 2015, p. 22-23).
Constata-se, desse modo, na óptica de Mendes, que os elementos desprovidos de valor probatório não têm força suficiente para a adoção de medidas invasivas. Ou seja, razões mínimas são necessárias para que se promovam tais medidas. Entretanto, enfatiza o mesmo que:
A solução preconizada não tem a pretensão de resolver todos os problemas. A locução fundada razões demandará esforço de concretização e interpretação. Haverá casos em que o policial julgará que dispõe de indícios suficientes para a medida e o Juízo decidirá em contrário. Ou seja, a validade da busca é testada com base no que se sabia antes de sua realização, não depois (BRASIL, 2015, p. 24).
Para finalizar os motivos pelos quais votou, o Ministro Gilmar Mendes aludiu conceber que a tese é um avanço para a concretização da garantia. Com ela, estar-se-á valorizando a proteção, na medida em que será exigida justa causa, controlável a posteriori, para a busca. No que se refere à segurança jurídica para os agentes da segurança pública, ao demonstrarem a justa causa para a medida, os policiais deixam de assumir o risco de cometer o crime de invasão de domicílio, mesmo que a diligência não tenha o resultado esperado. Por óbvio, eventualmente, o juiz considerará que a medida não estava justificada em elementos suficientes. Isso, no entanto, não gerará a responsabilização do policial, salvo em caso de abuso inescusável. Desse modo, de acordo com Mendes tanto os direitos fundamentais à inviolabilidade de domicílio quanto a segurança jurídica dos agentes estatais ficarão otimizados (BRASIL, 2015).
Em ato contínuo, o Ministro Ricardo Lewandowski, à época, Presidente do STF, faz apenas uma observação ao que o Relator fomentou, indagando ser possível o ingresso na residência, mesmo durante o período noturno, desde que o agente esteja amparado em fundadas razões, defendendo, oportunamente, ser necessário estabelecer, desde logo, alguma formalidade para que essa razão excepcional seja justificada por escrito, sob pena das sanções cabíveis, bem como que é preciso que se cerque, de todos os cuidados, essa discricionariedade policial (BRASIL, 2015).
Posteriormente, o Ministro Luiz Fux se pronunciou concordando com as alusões do Relator e por Lewandowski, fazendo, de todo modo, observação no sentido de que as fundadas razões deveriam ser aferidas em audiência de custódia imediata (BRASIL, 2015).
Retomando a palavra, Lewandowski discordou de tal posicionamento, aduzindo, para tal, que na audiência de custódia, não há a possibilidade de o juiz aferir se houve ou não flagrante delito na ocasião, porque ele não poderá examinar, eventualmente, o objeto ilícito apreendido (BRASIL, 2015).
Em oposição aos demais Ministros, para o Ministro Marco Aurélio não ocorreu o flagrante. O que houve, segundo este, foi uma indicação do corréu, surpreendido, transportando a droga, de que essa droga estaria sendo transportada a mando do recorrente. Ou seja, considerou este tratar-se de uma simples indicação pelo corréu de que o proprietário da casa poderia estar envolvido no delito de tráfico de entorpecentes (BRASIL, 2015).
Marco Aurélio defendera, também, a ideia de que a hipótese não se trata de crime permanente. Que o STF estaria correndo o risco de colocar, em segundo plano, uma garantia constitucional, que é a inviolabilidade do domicílio e; que a entrada nas residências sem mandado judicial, será uma carta em branco para a polícia invadir domicílios (BRASIL, 2015).
Após referida passagem, o Relator, Ministro Gilmar Mendes, interveio e frisou que o objetivo, ali, era o de encontrar uma justa equação e equacionamento para esse tema. Segundo Mendes: “meu propósito aqui, quero deixar claro, é evitar que haja a prática de abuso. Por isso, acho que tem de haver esse controle a posteriori, que poderá levar, inclusive, à nulidade da operação” (BRASIL, 2015, p. 34).
O Ministro Celso de Mello, por sua vez, asseverou que:
É fundamental que exista causa provável, cuja ocorrência legitimará o ingresso de terceiros em residência alheia, ainda que “invito domino”, desde que, por óbvio, registre-se qualquer das situações excepcionais a que alude o inciso XI do art. 5º da Constituição (BRASIL, 2015, p. 34).
Logo após, o Ministro Fux (BRASIL, 2015) reiterou que a redação dada às algemas na Súmula Vinculante nº 11/STF é perfeitamente adaptável à tese do Ministro Gilmar Mendes nessa atividade judicante, acrescentando que a excepcionalidade à entrada em domicílio deverá ser justificada por escrito, sob pena de sansões. Seu pensamento foi exposto, concisamente, da seguinte maneira:
[...] só é lícita a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial, mesmo no período noturno, desde que amparada em fundadas razões que indiquem que, dentro da casa, ocorre situação de flagrante delito, justificada excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado (BRASIL, 2015, p. 39).
Segundo Fux, assim, presumir-se-á que “[...] o agente policial vai ter muito cuidado, porque saberá que terá que justificar, sob todas essas penas” (BRASIL, 2015, p. 41).
Retomando a palavra, Gilmar Mendes indagou, mais uma vez, que o controle a posteriori que vai permitir, então, fazer essa aferição para evitar exatamente os abusos que se perpetram sistematicamente, sendo sua preocupação não estimular práticas abusivas.
O Ministro Celso de Mello afirmara, então, que: “[Essa justificação pode dar-se antes ou, dependendo das circunstâncias, depois do ingresso em domicílio alheio” (BRASIL, 2015, p. 39).
Em concordância com a tese do Relator, o Ministro Edson Fachin insiste que:
[...] não compactua com arbitrariedade, mas, ao mesmo tempo, exige o espaço para a atividade policial legítima e que os policiais também prestem contas a posteriori das chamadas, e corretamente chamadas, fundadas razões para o flagrante [...] (BRASIL, 2015, p. 48).
Ou seja, para o Ministro Fachin “É preciso encontrar um ponto de equilíbrio que seja, ao mesmo tempo, uma garantia da casa e, portanto, também uma possibilidade da realização de atividades policiais que sejam legítimas” (BRASIL, 2015, p. 47).
Por fim, ao votar, o Ministro Teori Zavascki, em consonância com o Relator, defende que “[...] o cerne da tese aqui proposta é compatível, não só com a Constituição, como também com os tratados e convenções internacionais [...]” (BRASIL, 2015, p. 52). Pela Ministra Rosa Weber e pelo Ministro Dias Toffoli, os votos apenas confirmam estar em conformidade com o posicionamento do Relator (BRASI, 2015).
Isso posto, os Ministros Ricardo Lewandowski (Presidente), Celso de Mello, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki e Edson Fachin estiveram de acordo com a tese formulada pelo Ministro Gilmar Mendes, sendo voto vencido, o Ministro Marco Aurélio (BRASIL, 2015).
5 Flagrante, crime permanente e o recurso extraordinário nº 603616/RO – Rondônia
Antes de finalizar este texto, é preciso alinhavar algumas questões no sentido de ponderar se os Ministros do Supremo Tribunal Federal julgaram o recurso objeto desta temática dentro dos limites constitucionais ou a partir de suas convicções morais pessoais.
Primeiramente, deveremos lembrar, nos termos do Código de Processo Penal (BRASIL, 2017), considera-se em flagrante delito quem está cometendo a infração penal; acaba de cometê-la; é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração e/ou; é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
O flagrante delito, dessa maneira, se configura quando: [...] o flagrado é surpreendido no decorrer da prática da infração ou momentos depois” (AVENA, 2017, p. 637). Logo, fazendo uso dos dizeres de Nestor Távora e Romar Rodrigues Alencar:
Flagrante é o delito que ainda “queima”, ou seja, é aquele que está sendo cometido ou acabou de sê-lo. A prisão em flagrante é a que resulta no momento e no local do crime. [...] não exige ordem escrita do juiz, porque o fato ocorre de inopino (art. 5°, inciso LXI da CF). Permite-se que se faça cessar imediatamente a infração com a prisão do transgressor, em razão da aparente convicção quanto à materialidade e a autoria permitida pelo domínio visual dos fatos (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 905).
Nesses termos, a prisão em flagrante “independe de ordem judicial, dada o seu caráter emergencial” (PACELLI, 2017, p. 255). Momento esse em que:
Pretende-se, com a prisão em flagrante, impedir a consumação do delito, no caso em que a infração está sendo praticada (art. 302, I, CPP), ou de seu exaurimento, nas demais situações, isto é, quando a infração acabou de ser praticada (art. 302, II, CPP), ou, logo após a sua prática, tenha se seguido a perseguição (art. 302, III, CPP), ou o encontro do presumido autor (art. 302, IV, CPP). (PACELLI, 2017, p. 254).
O flagrante, nos termos processuais penais supracitados é classificado como próprio (propriamente dito, real ou verdadeiro); impróprio (irreal ou quase flagrante); e presumido (ficto ou assimilado), conforme se visualiza a seguir:
Flagrante Próprio (art. 302, I e II, CPP): O agente é surpreendido cometendo a infração penal ou quando acaba de cometê-la. A prisão deve ocorrer de imediato, sem o decurso de qualquer intervalo de tempo; Flagrante Impróprio (art. 302, III, CPP): O agente é perseguido, logo após a infração, em situação que faça presumir ser o autor do fato. Não existe um limite temporal para o encerramento da perseguição; Flagrante Presumido (art. 302, IV, CPP): O agente é preso, logo depois de cometer a infração, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que presumam ser ele o autor da infração. Note que esta espécie não exige perseguição (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 966-967, grifo do autor).
Cumpre lembrar, o art. 303 do Código de Processo Penal enuncia que nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência. Assim, nessa espécie de flagrante:
Enquanto não cessar a permanência, a prisão em flagrante poderá ser realizada a qualquer tempo (art. 303, CPP), mesmo que para tanto seja necessário o ingresso domiciliar. Como a Carta Magna, no art. 5°, inciso XI, admite a violação domiciliar para a realização do flagrante, a qualquer hora do dia ou da noite, em havendo o desenvolvimento de crime permanente no interior do domicílio, atendido está o requisito constitucional. Se o traficante tem substância entorpecente estocada em casa, o crime de tráfico estará caracterizado em situação de permanência, admitindo-se o ingresso para a realização da prisão (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 913).
Nesse quadrante e em referência à inviolabilidade de domicílio e o porte de substância entorpecente, Pacelli (2017) frisa que essa mesma pessoa não poderá alegar o seu direito à inviolabilidade do domicílio, em razão de não se encontrar no exercício de qualquer um de seus direitos individuais. Por essa razão, por encontrar-se numa situação de flagrante delito, o ingresso no domicílio é expressamente autorizado pela norma constitucional relativa ao tema.
Reforçando o entendimento, quando da apreciação do Recurso Extraordinário nº 603616/RO sobre o qual nos debruçamos aqui, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, avaliando o posicionamento do STF, afirmaram que: “Norteou o entendimento da Corte a tentativa de estabelecer uma interpretação garantidora da inviolabilidade da casa e protetora dos agentes da segurança pública [...]” (TÁVORA, 2017, p. 751).
Portanto, citando Ingo Wolfgang Sarlet, deixou-se claro que:
É possível fazer uma leitura positiva da decisão do STF ora comentada, no sentido de evitar uma lógica do tudo ou nada e de, no âmbito das balizas do sistema juridico-constitucional, estabelecer parâmetros racionais e justificáveis do sentido e alcance dos comandos constitucionais e legais incidentes na espécie, interpretando adequadamente a condição de flagrância nos crimes de natureza permanente e coibindo abusos nessa seara. De qualquer sorte, é preciso sublinhar que se trata de matéria controversa do ponto de vista jurídico, mas também difícil na perspectiva fática, a demandar uma prudencial análise das circunstâncias do caso concreto, na dúvida sempre pendendo a decisão para uma interpretação restritiva das hipóteses autorizativas do ingresso forçado em domicílio alheio (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 752).
Considerações finais
Antes de finalizar este texto, é preciso alinhavar algumas questões no sentido de ponderar se os Ministros do Supremo Tribunal Federal julgaram o recurso objeto desta temática dentro dos limites constitucionais ou a partir de suas convicções morais pessoais.
É de se ressaltar, o Pretório Excelso tem sido muito criticado por sua postura proativa, por mais que se trate da sua função, precipuamente, guardar a Constituição, nos termos do caput do art. 102 da Constituição brasileira.
Isso porque esse comportamento pode consubstanciar um ultraje à efetivação dos direitos por seus titulares e ao princípio fundamental da separação dos poderes previsto art. 2º, o qual é, destacadamente, considerado limitação material ao poder de reforma constitucional (“cláusula pétrea”), nos moldes do inciso III, do § 4º do art. 60, todos da Constituição da República.
Com efeito, muitas decisões do STF, principalmente, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, merecem grandiosas críticas por não se pautarem em possibilidades hermenêuticas constitucionais.
Basta lembrar da consideração de tratados internacionais sobre direitos humanos anteriores a EC 45/2004 como normas supralegais, a teoria da transcendência dos motivos determinantes no controle difuso de constitucionalidade e a possibilidade do cumprimento provisório da pena com a confirmação da condenação em segundo grau de jurisdição, quando há possibilidade de alteração do status de condenado tanto no STJ quanto no STF em sede, respectivamente, dos recursos especial e extraordinário.
Por outro lado, parecem acertados os apontamentos de Távora, Alencar e Sarlet, pois o decisum aqui analisado foi extremamente prudente e “alimentou” os reclames reivindicados pela hipótese.
Em outras palavras, conforme verificado no desenvolvimento do texto, a maioria do Supremo Tribunal Federal, para resolver a celeuma que envolvia o recurso extraordinário nº 603616/RO, se pautou na aplicação harmônica dos direitos e interesses envolvidos.
Primeiramente, notou-se que a proteção à inviolabilidade de domicílio se deu, pois, a preocupação no sentido de que eventual entrada na “casa” alheia somente ocorresse dentro da exceção discutida in casu, ou seja, o flagrante delito, deveria e deverá ser cuidadosamente verificado.
Apesar de agir para proteger o mencionado direito fundamental individual (a inviolabilidade de domicílio), a maioria do Supremo Tribunal Federal se preocupou no sentido de impedir que o morador fizesse uso desse direito para cometer infrações penais. Ora, não faz sentido algum, face à previsão constitucional relativa ao tema, permitir que alguém levante sua aplicação para cometer ilícitos penais.
Por outro lado, essa harmonização somente será possível se aqueles dotados da competência para garantir a efetividade desse e dos demais direitos, a prevenção e a fiscalização quanto à prática de infrações penais, puderem agir no estrito cumprimento das suas funções.
Desse modo, apresenta-se razoável e proporcional, admitir-se a entrada do agente público no domicílio alheio quando houver fundadas razões de que haja a incidência de um delito, o que deverá ser avaliado, posteriormente, a partir da verificação da verossimilhança e da plausibilidade da justificação por escrito, buscando-se, assim, coibir, e, até mesmo, responsabilizá-lo, quando de eventuais condutas arbitrárias.
Enfim, não se pode admitir um poder discricionário do agente público no sentido de que possa ingressar em domicílio alheio quando bem entender em detrimento do direito fundamental à inviolabilidade.
De qualquer modo, como o crime permanente se protrai no tempo, visualizada sua incidência, não se poderá arguir violação a direito fundamental e a ilicitude das provas eventualmente colhidas.
Isso é Estado de Direito, aquele em que a supremacia é normativa jurídica, local em que se deve coibir preferências pessoais e morais no sentido de violar direitos e interesses alheios.
Referências
AVENA, Norberto. Processo penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 out. 2017.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 603616 / RO. Rel. Min. Gilmar Mendes. Decisão em 05/11/2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 74963 / SP. Primeira Turma. Rel. Min. Ilmar Galvão. Decisão em 25/03/1997.
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm. Acesso em: 10 out. 2017.
GRECO, Rogério. Código penal comentado. 11. ed. Niterói: Impetus, 2017.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional.12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015.
PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
PUCCINELLI JUNIOR, André. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012.
TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 12. ed. Salvador: JusPodivm. 2017.
Informação adicional
Para referenciar este texto: DUARTE, Hugo Garcez. Uma análise do julgamento do recurso extraordinário nº 603616/RO – Rondônia. Prisma Jurídico, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 131-149, jan./jun. 2019.