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Intervenções de mobilidade e acessibilidade em programas de urbanização de favelas: análise em São Paulo e Rio de Janeiro de 1996 a 2012
Beatriz Helena Bueno Brandão; Laura Machado de Mello Bueno
Beatriz Helena Bueno Brandão; Laura Machado de Mello Bueno
Intervenções de mobilidade e acessibilidade em programas de urbanização de favelas: análise em São Paulo e Rio de Janeiro de 1996 a 2012
Mobility and accessibility in urbanization programs for favelas: Analysis in São Paulo and Rio de Janeiro from 1996 to 2012
Arquitetura Revista, vol. 14, núm. 2, pp. 231-242, 2018
Unisinos
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RESUMO: O estudo das políticas urbanas no Brasil indica que, a partir do ano de 1980, as cidades buscaram outras soluções de intervenção para assentamentos informais, diferentes das anteriormente praticadas, e que se concretizaram na urbanização de algumas favelas. As soluções de mobilidade e acessibilidade fazem parte do sistema de infraestruturas a serem abordadas para a promoção da regularização urbanística e fundiária desses locais. Esse período marca também, no Brasil, o início do movimento de discussão e fortalecimento de medidas em prol das pessoas com deficiência e de instrumentos reguladores para garantir o acesso e a autonomia dessas pessoas. Este artigo tem como objetivo compreender melhor o tratamento das questões de acessibilidade em assentamentos precários, em especial nos programas municipais de urbanização de favelas nas áreas metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro de 1996 a 2012. Através de uma revisão bibliográfica e análise dos documentos oficiais disponíveis, os programas foram analisados comparativamente, a partir de “conceitos de intervenção” do Programa Morar Carioca, sendo apontadas algumas semelhanças. As diretrizes para as intervenções fazem apenas referência a aspectos de mobilidade urbana, política de transporte, etc. com impacto no entorno. Entretanto, as alusões à acessibilidade são indiretas, especialmente na facilitação do acesso a pé, primordial nos assentamentos objeto dos programas, o que justifica, portanto, a necessidade de continuidade no estudo desse assunto.

Palavras-chave: MobilidadeMobilidade,acessibilidadeacessibilidade,assentamentos informaisassentamentos informais,urbanização de favelasurbanização de favelas,legislaçãolegislação.

ABSTRACT: The study of Brazilian urban policies indicates that, from 1980 onwards, the cities sought other intervention solutions for informal settlements, different from those previously practiced, and that were implemented in the urbanization of some slums. The actions concerning physical mobility and accessibility are part of the infrastructure system to be approached for the promotion of the urban and land regularization of these places. In Brazil this period also marks the beginning of the movement of discussion and strengthening of measures for the benefit of people with disabilities and of regulatory instruments to guarantee their accessibility and autonomy. This paper aims to understand the treatment of accessibility issues in precarious settlements, especially in the slum urbanization programs in the metropolitan areas of São Paulo and Rio de Janeiro from 1996 to 2012. A bibliographical review and analysis of the available official documents were undertaken. The programs were analysed comparatively, based on “intervention concepts” of the Morar Carioca Program. Some similarities are pointed out. The guidelines for interventions only refer to aspects of urban mobility, transport policy, etc. with impact on the surroundings. However, the allusions to accessibility are indirect, especially in the improvement of facilities for pedestrians, which is primordial in those settlements and justifies, therefore, the need for continuity in the study of this subject.

Keywords: Mobility, accessibility, illegal settlements, slum upgrading, legislation.

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Artigo

Intervenções de mobilidade e acessibilidade em programas de urbanização de favelas: análise em São Paulo e Rio de Janeiro de 1996 a 2012

Mobility and accessibility in urbanization programs for favelas: Analysis in São Paulo and Rio de Janeiro from 1996 to 2012

Beatriz Helena Bueno Brandão
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil
Laura Machado de Mello Bueno
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil
Arquitetura Revista, vol. 14, núm. 2, pp. 231-242, 2018
Unisinos

Recepção: 11 Março 2017

Aprovação: 11 Junho 2018

Introdução

Há semelhança entre a constituição de políticas públicas para os moradores de assentamentos informais e as pessoas com deficiência? Historicamente, esses indivíduos não eram reconhecidos e a eles eram destinados destratos ou invisibilidade. No caso das pessoas com deficiência, não porque fosse comprovada sua inexistência ou diminuta quantidade, mas pelo fato de que eram escondidas, “apagadas” dos índices oficiais ou ignoradas. Durante muito tempo, foram mantidas em casa, recolhidas pelas próprias famílias ou confinadas em instituições:

Somente em meados da década de 80 o debate sobre acessibilidade começou a se popularizar no Brasil, ainda que de forma bastante incipiente. Surgem leis, decretos e documentos técnicos que tratam dos direitos das pessoas com deficiência garantindo a acessibilidade ao meio físico. Essas ações tomam corpo em decorrência da institucionalização pela ONU do Ano Internacional das Pessoas Deficientes em 1981 e a criação, no ano seguinte, do PAM — Programa de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência (Ornstein et al., 2010, p. 9).

Segundo Ornstein et al. (2010), somente em 1985 se publica a primeira norma técnica brasileira voltada ao tema da acessibilidade: a NBR 9050 - Adequação das Edificações e do Mobiliário Urbano à Pessoa Deficiente -, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Em 1988, é promulgada a atual Constituição brasileira, incorporando em seus artigos sobre os deveres do Estado que “a lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência”. Isso também é confirmado, no artigo 244, para situações já existentes. Em 1989, é criada a Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde) para defender os direitos dessas pessoas, que passa para a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República em 2008. Para Ornstein et al., 1991 marca o início de revisão da NBR 9050:85, concluída em 1994. Nesse mesmo período, são elaboradas as normas para transportes e elevadores. Essas novas revisões e normatizações induzem a discussão sobre espaços mais qualificados dimensionalmente. São feitas, também, duas revisões da NBR 9050:85 em 2004 e 2008, a última publicada em 2015.

O governo federal, por sua vez, sanciona as Leis 10.048 e 10.098 em 2000, com exigência de prioridade de atendimento às pessoas com deficiência e acessibilidade nas edificações públicas ou de uso coletivo, de uso privado e nos sistemas de comunicação e sinalização. Quatro anos depois, é publicado o Decreto 5296/04, que regulamenta as leis anteriores e define prazos para a aplicação da acessibilidade nas edificações públicas ou de uso público e nas de uso privado, em 2007 e 2008, respectivamente. Tal cronologia demonstra algumas das conquistas relacionadas à acessibilidade enquanto instrumentos legais de inclusão das pessoas com deficiência, sendo a mais recente a Lei 13.146, Lei Brasileira de Inclusão (LBI) de 2015.

Ao verificar a história das favelas ou dos assentamentos precários no Brasil, pode-se considerar que, durante algumas décadas do século XX, a situação foi parecida à das pessoas com deficiência: invisibilidade, descaso e estigma. Só a partir do final da década de 1970 essa questão passou a ser vista e tratada como um problema urbano e social. A década de 1980 é considerada o início da política de urbanização de favelas, pois, nos períodos anteriores, a questão era tratada como assistencialismo, caso de polícia, tipo de assentamento a ser removido.

A urbanização de favelas implica procurar manter as condições de implantação e construção das habitações (geralmente construídas por longos processos de autoconstrução) e realizar infraestrutura, serviços e equipamentos urbanos necessários à consolidação do assentamento. Entre essas condições de implantação e de infraestruturas necessárias à urbanização de favelas, estão as soluções de mobilidade e acessibilidade. Dadas as características socioespaciais desses locais, seja em sua inserção urbana ou seu interior, esses assentamentos constituem um dos grandes desafios com que se deparam os planejadores e gestores das cidades contemporâneas, visto que a concentração da população em áreas urbanas e a expansão das cidades transformaram as relações e os espaços sociais.

Os assentamentos precários constituem um desafio, sobretudo por seu crescimento ter sido superior ao do restante das situações de moradia no país em período recente. A população em aglomerados subnormais representa 2,9%, 3,8% e 6% da população brasileira, respectivamente, em 1991, 2000 e 2010. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011), 84,4% da população brasileira vive em áreas urbanas - especialmente nas regiões Sul e Sudeste, local dos munícipios escolhidos para esta análise. Em relação aos domicílios particulares ocupados, os dados apontam 49,8% concentrados na Região Sudeste, com destaque para os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, com 23,2% e 19,1%, respectivamente.

Entende-se que um dos desafios das metrópoles e de cidades em regiões metropolitanas, objeto de vários estudos, diz respeito à mobilidade urbana e à acessibilidade, uma vez que os assentamentos precários se localizam predominantemente em áreas periféricas, por vezes desconectadas do restante da cidade.

O modelo de desenvolvimento urbano brasileiro não induz o crescimento com equidade e sustentabilidade. Os locais de trabalho e lazer se concentram nas zonas mais centrais enquanto a maior parte da população reside em áreas distantes. Além disso, há uma valorização maior dos terrenos em áreas mais desenvolvidas, o que obriga a população pobre a ocupar áreas cada vez mais distantes, desprovidas de infraestrutura (SeMob, 2015, p. 18).

Justifica-se, a partir dessas informações, um estudo de programas elaborados em regiões metropolitanas, onde o aumento dos assentamentos informais é mais visível, que possa elucidar como o assunto vem sendo tratado à luz da legislação e normatização de acessibilidade existente. Destaque-se que as ações em favela analisadas neste artigo são anteriores à revisão da NBR 9050/15 e à LBI - Lei 13.146/15.

Os avanços normativos não garantem, no entanto, a integralidade do cumprimento dessas leis e normas. Um estudo recente, desenvolvido por Calado et al. (2014) para o Ministério Público do Rio Grande do Norte, em trabalho de vistorias de acessibilidade, apontou que a quantidade de edificações que podem ser consideradas totalmente acessíveis ainda é pouco representativa, se comparada ao período de dez anos de vigência da NBR 9050/04 e do Decreto 5296/04, que regulamentam essa questão. O referido realizou-se no estádio Arena das Dunas, em Natal (RN), construído para a Copa do Mundo de Futebol de 2014. No seu período de execução, tanto a norma quanto o decreto estavam em plena vigência. Isso fez com que os autores acreditassem que não haveria dificuldades na implementação das especificações de acessibilidade determinadas, mas foram verificados problemas de interpretação e compatibilização entre os instrumentos normativos indicados - e outros, também consultados a título de auxílio para esclarecimento -, que resultaram no cumprimento parcial dos mesmos. Uma das conclusões do artigo aponta que as normas precisam de revisões constantes para manter a coerência de suas disposições; outra está relacionada à necessidade de troca de conhecimento entre os profissionais executores das obras, quem elabora as leis e normas e quem fiscaliza seu uso. O artigo finaliza com uma importante observação:

Por fim, reforçamos a importância de tornar a inclusão social e a acessibilidade temas transversais da educação de base, iniciativa que poderia promover a incorporação desses conceitos pela população – tanto pessoas que trabalhariam diretamente na área quanto leigos – promovendo, portanto, cidadania (Calado et al., 2014, p. 227).

Este artigo tem como objetivo compreender melhor o tratamento das questões de acessibilidade em assentamentos precários, em especial, nos programas municipais de urbanização de favelas, de 1996 a 2012, nas áreas metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro. Por meio de revisão bibliográfica e análise dos documentos oficiais disponíveis2, são estudados os programas: Santo André Mais Igual; Guarapiranga e Mananciais, implementados nos municípios de São Paulo, São Bernardo do Campo e Guarulhos; Bairro Legal, no município de São Paulo; Favela-Bairro e Morar Carioca, na cidade do Rio de Janeiro.

Urbanização de favelas: métodos de projeto e políticas

A evolução das políticas de intervenção adotadas em favelas, conforme Bueno (2000), foi marcada, basicamente, por três posturas: desfavelamento/remoção/erradicação, aceitação e urbanização.

A remoção de barracos foi a proposta inicial do Banco Nacional de Habitação (BNH) para a realização de obras públicas de conjuntos habitacionais. Esse método ainda é adotado em situações particulares, relativas a grandes interesses imobiliários.

A aceitação da favela enquanto parte do urbano, mas com tipologia urbanística e habitacional de acordo com os padrões convencionais das cidades, é denominada de reurbanização. É o tipo de intervenção que vem sendo aplicado em favelas com risco de inundações (remoção, consolidação do aterro, realização da infraestrutura e reconstrução das moradias).

A urbanização implica a realização de infraestrutura, serviços e equipamentos urbanos necessários, mantendo-se ao máximo as condições de parcelamento e as habitações. É o tipo de postura adotada a partir dos anos 1980 - que nos interessa, particularmente, pela maneira mais abrangente com a qual trata os assentamentos informais. Cardoso e Araujo (2007) afirmam que, a partir desse período, os municípios tiveram maior atuação na regularização e urbanização de assentamentos precários.

Cita-se o exemplo da gestão da prefeita Luiza Erundina no município de São Paulo (1989-1992), que multiplicou as ações em favelas, aumentando a dotação de recursos para o Pró-Favela, dotação orçamentária criada pelo prefeito Mario Covas em 1985, e do Fundo de Atendimento à População Moradora em Habitação Subnormal (Funaps), criado pelo prefeito Reinaldo de Barros em 1979. A operacionalização ocorreu com obras de infraestrutura realizadas por empreiteiras com diretrizes da Superintendência de Habitação Popular (HABI). As unidades habitacionais eram executadas por empreiteiras ou em regime de mutirão pelos moradores e realizadas pelo convênio Funaps - Urbanização (Urbanacom) com apoio dos técnicos municipais. As obras de provisão habitacional para remover situações de risco ou desadensamento eram feitas por empreiteiras, através da Companhia Metropolitana de Habitação (Cohab) de São Paulo. A construção de unidades em regime de mutirão também era realizada, pelo convênio Funaps - Favelas, para atender a demanda de locais em processo de urbanização. Melhorias de pequeno porte eram realizadas em regime de mutirão.

Esse período se destaca, também, pela atuação conjunta de profissionais engenheiros, arquitetos e assistentes sociais em 14 escritórios regionais coordenados pela HABI. Tais profissionais contaram com a ajuda de profissionais do Rio de Janeiro, como consultores, para proceder a uma normatização que fundamentasse a concepção e a apresentação de projetos.

Data dessa gestão a inclusão, no Programa de Saneamento Ambiental do Reservatório de Guarapiranga, de ações integradas entre os municípios da bacia hidrográfica do reservatório (São Paulo, Itapecerica da Serra e Embu) e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e de ações de saneamento de favelas - sem necessariamente optar por remoção, postura inicial da concessionária.

Além disso, a gestão da prefeita Luiza Erundina promoveu concursos para desenvolver tipologías diferenciadas das até então repetitivamente produzidas pela Cohab em conjuntos menores e mais bem inseridos na malha urbana.

Histórico das ações com ênfase na infraestrutura e no sistema viário

Cardoso (2007) procura avançar na identificação das características dos processos de urbanização de favelas e faz uma análise retrospectiva das questões da favelização nas grandes cidades. Esta aponta para além do crescimento “explosivo” dos grandes centros e das migrações internacionais e/ou rurais-urbanas e associa o fenômeno à desigualdade económica da população, com pauperização e instabilidade de renda de parcela significativa, indicando sua fragilidade no acesso ao mercado formal de moradia. Também alia a essa questão o deficiente investimento do poder público em infraestruturas urbanas e na regulação dos mercados fundiário e imobiliário:

As cidades cresceram pois, com pouco ou nenhum planejamento, e com o investimento em infraestrutura seguindo (e não antecedendo) a ocupação efetiva do solo. […] Com isso gerou-se uma enorme disparidade entre os preços da terra nos mercados formais e as possibilidades de renda da maioria da população. É nesse quadro de escassez relativa de terra urbanizada a preços acessíveis que se dá a formação das favelas (Cardoso, 2007, p. 222).

Nas décadas de 1940 e 1950, em São Paulo, as favelas não eram reconhecidas ou consideradas como problema municipal, e nem possuíam equipamentos ou infraestrutura urbana. Apesar do crescimento dessas ocupações na década de 1950, essa situação de precariedade persistiu até a década seguinte, na qual as ações se concentraram na remoção de favelas para a execução das obras viárias do Plano de Avenidas e da canalização de córregos (Bueno, 2000).

Em 1964, é criado o BNH para estabelecer critérios de captação e aplicação de recursos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) a fim de estimular a construção de habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda.

Na década de 1970, serviços públicos como iluminação, energia, água e coleta de lixo ainda eram negados às favelas, pelo seu caráter de ilegalidade urbana e fundiária. Nesse período, as ações se concentravam no atendimento às situações de risco. É no final dessa década que a prefeitura inicia os primeiros investimentos nos terrenos das próprias favelas, com a compra de terrenos em áreas particulares, em favelas ameaçadas de despejo, com execução de melhorias por mutirão, como pinguelas, redes de drenagem, escadarias, etc. (Bueno, 2000). Tem início, também, o Programa Proágua, por meio do qual a Sabesp passa a fazer serviços de instalação das redes e ligações em barracos lindeiros às vias públicas e vielas com mais de 4 metros de largura e instala cavaletes coletivos pagos pela prefeitura municipal. A rede de esgoto era executada no tipo condominial ou comunitário e passava no quintal das casas.

A década de 1980 marca o início da política de urbanização das favelas. A gestão do prefeito Reynaldo de Barros (1979-1982) adota uma nova postura de atendimento às favelas, com a criação dos programas Pró-Favela e Proluz, que levou luz a favelas situadas em terrenos municipais ou estaduais. No início, os favelados dividiam a compra de postes, e a Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S.A. (Eletropaulo) os instalava nas ruas lindeiras ao assentamento, ligando a luz em condomínio. A Eletropaulo criou, também, um poste padrão, leve e metálico, para eletrificar o interior das favelas e fazer ligações individualizadas, com custos pagos pela Prefeitura Municipal de São Paulo. O morador era responsável pelas instalações internas do barraco e se comprometia a pagar pela luz (Folha de Adesão) e fazer a reposição do poste metálico, que durava cinco anos. O Pró-Favela foi criado em 1979 para realizar a infraestrutura necessária e, em seguida, executar as unidades habitacionais e equipamentos. O Programa levou água e esgoto a 12 favelas municipais (Bueno, 2000, p. 61-63).

Outra iniciativa que corrobora essa nova postura é a aprovação da Lei de Desfavelamento, ou Lei de Operações Interligadas (Lei 10.209/86), que, segundo Samora (2009), dispunha sobre a construção de Habitação de Interesse Social (HIS) para moradores de áreas subnormais (termo cunhado pelo IBGE em 1987 para denominar favelas, mocambos, vilas, invasões ou grotões, termos regionais para o mesmo fenômeno), concedendo incentivos aos promotores imobiliários que produzissem moradia para favelados em troca da ampliação do direito de construir.

Mas é na gestão da prefeita Luiza Erundina que as ações nas favelas ganhariam impulso. Foram organizados Fóruns de Habitação para acolher reivindicações habitacionais e montar planos de investimentos da HABI, da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano (SDHU) do município, para regularização urbanística, e foi instituído o Programa de Habitação de Interesse Social (PHIS). De acordo com Samora (2009), utilizavam-se instrumentos jurídicos como a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), dada após a desafetação de áreas públicas ocupadas. O deslizamento na favela Nova República, em 1989, acelera as ações em favelas, por meio da contratação de técnicos do Rio de Janeiro e a criação do Programa de Obras de Risco. Para isso, a HABI criou o Grupo Executivo de Urbanização de Favelas (GEU Favelas).

A partir de 1990, segundo Bueno (2000), o Programa de Urbanização desenvolvido pela HABI apresentava, em seu Plano de Ação Imediata (PAI), três posturas básicas: (i) a priorização das obras de urbanismo e infraestrutura, sem, necessariamente, a reconstrução de novas unidades habitacionais nas favelas; (ii) o entendimento de que a urbanização é um processo que inclui a regularização urbanística e fundiária, o acesso aos serviços públicos e sua manutenção pelos setores responsáveis; (iii) a participação popular. A concepção do programa foi consolidada com diferentes interlocutores e previa, urbanisticamente, que

Considera-se favela urbanizada aquela área servida por água, esgotos, eletrificação, drenagem de águas pluviais, estabilização do solo, vias de acesso aos domicílios e grau de organização de implantação que torne possível elaborar uma planta de arruamento e loteamento, caracterizando-se as áreas de uso comum ou público e as áreas de uso residencial ou misto, relacionando-se cada lote a uma determinada família (Bueno, 2000, p. 118).

Como vias de acesso aos domicílios, estavam inclusas obras de pavimentação de ruas, vielas, construção de escadarias, muretas e rampas, ajardinamento e mobiliário urbano. Cabe lembrar que, nesse período, a Empresa Municipal de Urbanismo (Emurb) e o Centro de Desenvolvimento de Equipamentos Urbanos (Cedeq) passam a desenvolver peças pré-fabricadas de argamassa armada para serem utilizadas na urbanização de favelas, com produção semelhante à da usina em Salvador, comandada pelo arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, desde 1978.

Conforme Bueno (2000), um dos quesitos para a consolidação das favelas diz respeito à possibilidade de separação entre os sistemas de macrodrenagem e esgotamento sanitário, ligando-os com os da cidade. Isso, muitas vezes, exige o não atendimento a detalhes dos preceitos legais, mas às condições técnicas e fisiográficas encontradas. Outra questão importante se relaciona à manutenção dos serviços urbanos - como varrição, coleta do lixo, manutenção e limpeza dos sistemas de drenagem, ocorrências nas redes de água e esgoto - para evitar deteriorações.

Para as favelas do Rio de Janeiro, o Plano Agache, na década de 1930, previa a demolição e transferência dos moradores para cidades-satélites que seriam construídas na periferia e junto às zonas industriais, as “habitações proletárias”. Na década de 1940, o destaque fica para a presença da igreja católica nas favelas, em parceria com a prefeitura municipal, promovendo melhorias em serviços básicos, construção de conjuntos para abrigar as populações oriundas de remoções e a manutenção de outras no mesmo sítio. Nesse mesmo período, a prefeitura municipal implanta alguns parques proletários provisórios para abrigar a população favelada durante a construção das casas definitivas, de alvenaria, no próprio local.

Na década de 1960, a política em vigor era de erradicação das favelas. A Cohab construiu alguns conjuntos para abrigar as famílias removidas, mas houve resistências dos moradores. Uma das comunidades, a favela de Brás de Pina, contou com o apoio da igreja, conseguindo permanecer no local e passando a lutar pela urbanização. A repercussão dessa luta foi a criação, pelo governo Negrão de Lima, da Companhia de Desenvolvimento de Comunidades (Codesco) em 1968, que se tornou referência nacional. Sua importância reside na metodologia empregada, que possuía o objetivo de integrar a favela ao bairro adjacente por meio do desenvolvimento da infraestrutura sem custos para a população, sob responsabilidade do Estado; da melhoria da habitação sob responsabilidade da população, com apoio do governo; do desenvolvimento socioeconômico, visando à definição da propriedade do terreno (Cardoso, 2007, p. 225). Contudo, essa foi uma alternativa de curta duração, já que no mesmo período foi criada a Coordenação de Habitação de Interesse Social (Chisam) da Área Metropolitana do Grande Rio, com o objetivo de erradicar as favelas cariocas, principalmente as da zona sul da cidade. Essa política, no entanto, é contestada devido aos efeitos desestruturantes que acarreta aos moradores - quer pelo aumento dos gastos com transporte e habitação, em relação à distância entre os locais de moradia e de trabalho, quer pela fragilização dos laços de vizinhança, que impactam nas condições de sociabilidade das famílias faveladas. Isso serviu para reorientar os programas habitacionais financiados pelo Banco Mundial e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que “retomam” a ideia da integração da favela ao tecido urbano, visando “construir a integração social através da integração física” (Cardoso, 2007, p. 227).

Acontecem, na década de 1980, importantes iniciativas estaduais de urbanização de favelas, como os projetos-piloto de Cantagalo e Pavão-Pavãozinho. Nesses locais, foi testada uma metodologia de intervenção que se concentrava em obras de infraestrutura, na criação de alternativas de acesso e circulação internos, e, também, de transporte de lixo e passageiros em casos de topografia difícil, como o do plano inclinado na favela Pavão-Pavãozinho. Essas e outras ações de urbanização confirmaram-se como soluções adequadas, indicando a importância de o poder público assumir a responsabilidade de implantar infraestrutura nas favelas e desenvolver experiências técnicas e administrativas, o que possibilitou implementar, posteriormente, o Programa Favela-Bairro (Cardoso e Araujo, 2007, p. 280). Também começam a surgir - nas cidades aqui estudadas e em todo o país - iniciativas para desenvolver programas de urbanização de assentamentos precários por meio das administrações municipais, com destaque para a criação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). A incorporação das ZEIS na legislação de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) institucionaliza a delimitação e regularização de áreas para os assentamentos informais.

Na década de 1990, ocorre a implantação do Programa Favela-Bairro, em 1993, no município do Rio de Janeiro, com apoio do BID - o que influenciou programas similares em outras cidades brasileiras. Mas é por meio da Constituição Federal de 1988 que se estabelecem os princípios da função social da cidade e da propriedade, regulamentados pelo Estatuto da Cidade em 2001 (Lei Federal 10.257), criando-se um marco regulatório ao instituir a usucapião especial urbana, que possibilita a permanência da população em áreas ocupadas, conferindo legalidade à ação (Cardoso, 2007, p. 228-229). A Constituição Federal de 1988 incorpora igualmente, nos artigos sobre os deveres do Estado, a atribuição de dispor sobre normas de construção e acessos adequadas às “pessoas portadoras de deficiência” em logradouros e edifícios de uso público, e de construção de veículos de transporte coletivo, visando à garantia da acessibilidade nas cidades - e mais tarde, especificamente, em conjuntos habitacionais. Nestes, o atendimento a tal demanda específica é também recente, determinado no artigo 15 da Lei 10098/00, no artigo 38 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), no artigo 28 do Decreto 5.296/04, na LBI - Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15, em diversos artigos) e na NBR9050/15.

Programas

No século XXI, ampliam-se as ações de urbanização de assentamentos precários e de regularização fundiária em todo o Brasil, com ênfase em alguns municípios.

Há casos que merecem destaque, seja pela relevância do trabalho desenvolvido, pela metodologia empregada ou pelos alcances proporcionados em relação às infraestruturas em geral - em particular quanto à mobilidade e acessibilidade. São analisados os programas Santo André Mais Igual (1998-2003), Guarapiranga e Mananciais (1996 a 2000 e 2005-atual, respectivamente), Favela-Bairro (1994 a 2000) e Morar Carioca (2010). Este último permanece, até este momento, apenas em âmbito de concurso, mas as suas diretrizes enquanto política pública interessam de maneira particular. O Programa Bairro Legal, de São Paulo (2001 a 2004), comentado a seguir, não foi implementado, ficando o seu nome associado à urbanização e/ou reassentamento de favelas. Concebido na gestão da prefeita Marta Suplicy (2001-2004), é uma proposta de requalificação urbana em áreas territorialmente definidas, com precariedade habitacional e urbana, que propõe a urbanização de favelas e loteamentos, regularização fundiária e provisão habitacional, implantação de equipamentos públicos e comunitários, integração de ações habitacionais em curso e a licitação de projetos e obras com participação popular. Atuaram no Programa Bairro Legal a Prefeitura Municipal de São Paulo e o BID, e foram contratados 21 projetos de urbanização, que incluíram as favelas de Heliópolis e Paraisópolis, as duas maiores da cidade, o que dá uma ideia da intenção de atendimento do programa. Foram mantidas as experiências de gestões anteriores, especialmente as da gestão da prefeita Luiza Erundina, de participação popular, respeito à diversidade dos assentamentos, desenvolvimento de projetos específicos para cada área, por meio da contratação de outras empresas para tal finalidade, a partir de metodologia técnica elaborada pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Estabeleceram-se pressupostos norteadores para que os projetos fossem elaborados: (i) integração à cidade pela conexão com o sistema viário e de saneamento urbano, a fim de garantir a manutenção de serviços públicos por parte das concessionárias, respeitando o “traçado” próprio do assentamento; (ii) manutenção das características físicas e sociais locais em relação às áreas de remoções para implantação da infraestrutura necessária, com ênfase na produção de soluções tipológicas de habitação diversificadas; (iii) garantia da participação popular na formulação das ações e consolidação da continuidade do programa; (iv) parcelamento do solo, visando à regularização física e fundiária dos lotes espontaneamente definidos, garantindo a testada para via oficial de veículos ou pedestres e com delimitação dos espaços públicos e privados, facilitando a regularização fundiária e a definição da responsabilidade de manutenção; (v) qualificação e destinação dos espaços públicos, com definição do traçado e execução dos sistemas viário e de drenagem, de elementos paisagísticos e de parcelamento, de maneira a garantir corretas utilização e ocupação dos espaços comuns (Samora, 2009, p. 98-113).

Esta análise foi elaborada com base em alguns “conceitos de intervenção” descritos no site do Instituto de Arquitetos do Brasil (Departamento Rio de Janeiro) - IA-B-RJ, em material de divulgação do Programa Morar Carioca - Plano Municipal de Integração de Assentamentos Precários e Informais do Município do Rio de Janeiro, apresentado no site do Instituto (pranchas_Morar_Carioca. pdf). Esses conceitos de intervenção, que se alinham com os fundamentos da política de urbanização de favelas, estabelecem conexões a partir das quais é possível promover a integração das favelas aos bairros e às cidades, e serviram, para este artigo, como possibilidade de compreender e comparar alguns programas desenvolvidos por prefeituras.

A inserção urbana foi entendida como proposta de integrar a favela ao bairro e à cidade urbanisticamente, por meio de ações e/ou equipamentos estratégicos. A acessibilidade e a mobilidade foram entendidas como condição de deslocamento e alcance, tanto na favela como para ela, por meio das circulações, dos transportes e suas integrações. O meio ambiente natural e o urbano foram entendidos como possibilidades de consolidar os recursos e benefícios conquistados pelas favelas, o saneamento básico, por meio da operacionalização dos sistemas de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem urbana, coleta de lixo e resíduos sólidos, bem como a iluminação pública (IAB, 2010).

A seguir, são apresentados os programas - tomados como exemplos - e suas características, organizados sob a forma de quadros.

No Estado de São Paulo

O Programa Santo André Mais Igual - Programa Integrado de Inclusão Social -, da Prefeitura Municipal de Santo André (1998 a 2003), propõe gestão urbana inclusiva, que, além das intervenções próprias da urbanização nas favelas,

destina-se a atender as famílias moradoras de núcleos de favela em processo de urbanização com diversos programas setoriais (habitação, educação, saúde, garantia de renda, desenvolvimento econômico, entre outros), articulados institucionalmente e concentrados espacialmente (Denaldi, 2004, p. 11).

A Prefeitura de São Paulo implementou, também, o Programa Guarapiranga (1995 a 2000) - ou Programa Mananciais (2005 - atual) -, aplicado nos assentamentos irregulares em bairros dentro do seu trecho da Bacia Hidrográfica do Reservatório Guarapiranga:

Trata-se de um esforço cooperativo entre diferentes esferas de governo, sob uma perspectiva de ações integradas que, a um só tempo, reduzam impactos de poluição e motivem a inclusão social, melhorando a relação hoje difícil entre a ocupação urbana e a manutenção dos mananciais para o objetivo do abastecimento público em grau compatível com as necessidades da região e da própria sustentabilidade econômica e ambiental da RMSP. Inclui as sub-bacias dos mananciais situadas na RMSP e utilizadas para o seu abastecimento público, a saber: Billings, Guarapiranga, Alto Tietê-Cabeceiras, Juqueri- -Cantareira e Alto e Baixo Cotia ” (Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos, Projeto Mananciais, apresentação, 2014).

No município do Rio de Janeiro

O Programa Favela-Bairro (1994 a 2000) foi promovido pela Secretaria de Habitação da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro (PMRJ) - com apoio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FAU-UFRJ), do IAB-RJ e do BID - como proposta de uma nova política para as favelas. Objetiva

complementar ou construir a estrutura urbana principal (saneamento e democratização de acessos) e oferecer condições ambientais de leitura da favela como bairro da cidade, …visando introduzir valores urbanísticos das áreas de ocupação formal da cidade e intervir o mínimo possível nos domicílios construídos na favela, …para a recuperação de áreas, por meio da implantação de infraestrutura e de equipamentos públicos, e tem como metas a integração social e a potencialização dos atributos internos das comunidades (Cardoso e Araujo, 2007, p. 287).

Sem ampliação das ações em outras favelas, o Programa Favela-Bairro foi paralisado. Dez anos depois, o Rio de Janeiro encontrava-se em plena implementação das obras relacionadas à Copa Mundial de Futebol (2014) e às Olimpíadas (2016), inclusive com remoções de favelas. Em 2010, foi lançado o Programa Morar Carioca - por meio de um Concurso do IAB-RJ, em convênio com a PMRJ - para “selecionar 40 escritórios de arquitetura - compostos por equipes multidisciplinares - para desenvolver projetos de urbanização de favelas, dentro do Programa Morar Carioca”.

Em outubro de 2012, o prefeito Eduardo Paes sanciona o Decreto 36.388, que institui o Programa Municipal de Integração de Assentamentos Precários Informais -Morar Carioca. Em seu artigo 1°, consta que o programa está “destinado a melhorar as condições de vida das populações de baixa renda residentes em assentamentos precários”. Apesar dos resultados positivos do concurso em relação à qualidade das propostas vencedoras, as ações não foram executadas e “o Programa é hoje alvo de críticas por atrasos e por não cumprir as promessas de urbanização e integração” (Meneses, 2015).

A descrição atual do Programa é bastante diferente daquela mais abrangente, celebrada no Edital do Concurso de 2010, como se verifica no site da Prefeitura em texto de 2015 (Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2015):

As ações incluem redes de água e esgoto, drenagem, iluminação pública, pavimentação e contenção de encostas, além de paisagismo, equipamentos de saúde, educação, cultura e lazer. Outro objetivo é que os moradores recebam título de propriedade juridicamente reconhecido para seus imóveis, eliminando uma fonte de preocupação permanente para milhares de famílias: a posse oficial da moradia.

Comparações entre os Programas

Se comparados entre si, os Programas apresentam algumas semelhanças, a saber:

  • quanto à temporalidade: de certa maneira, todos acontecem entre as décadas de 1990 e 2000 e possuem tempo de duração superior a quatro anos, exceto o Programa Morar Carioca, que teve objetivos e componentes modificados e só foi realizado parcialmente;

  • quanto às participações: em todos os programas, existe a presença dos governos municipais das cidades gestoras. Além das prefeituras municipais, órgãos de representação profissional e instituições de ensino superior também são presentes. Há, em todos os programas, a participação de agentes internacionais de financiamento. A comunidade também é participante em várias etapas do processo - tanto no planejamento quanto, às vezes, na execução das obras;

  • quanto às propostas de inserção urbana: observa-se que, como todos os programas são concebidos para promover ações de urbanização em favelas, isso pressupõe a realização de infraestruturas, serviços e equipamentos urbanos e a integração urbana e social com bairros vizinhos. O que os diferencia são as maneiras de promover o desenvolvimento social, em relação à geração de trabalho e renda, e a atenção às crianças e adolescentes;

  • quanto à acessibilidade e mobilidade: os programas são unânimes em relação à necessidade de abertura de acessos. Dois deles apontam a necessidade de acesso no interior da favela: no Programa Favela-Bairro, a opção é por um padrão de acessibilidade flexível, definido caso a caso, para evitar o desadensamento; no Programa Santo André Mais Igual, a opção é adotar uma largura de via que está relacionada à melhoria das condições de iluminação e ventilação naturais. No Programa Morar Carioca, a proposta é tratar a mobilidade de maneira sistémica, abrangendo os diversos modais de transporte, as diferenças individuais de locomoção e promover a melhoria da iluminação pública para mais segurança e acessibilidade aos lugares;

  • quanto ao meio ambiente: todos os programas se referem à necessidade de proteção de encostas, eliminação das áreas de risco e necessidade de promover educação ambiental;

  • quanto ao saneamento básico: todos os programas propõem, como quesito mínimo, a implantação ou execução de melhorias nos sistemas de esgotamento sanitário, abastecimento de água e drenagem. O Programa Santo André Mais Igual também propõe a implantação de um Observatório, para que a comunidade monitore a qualidade dos serviços públicos prestados. O Programa Guarapiranga/Mananciais tinha como objetivo principal a recuperação das águas das represas. Eram previstos outro tratamento para a coleta de lixo e a execução de adutora (num determinado trecho). Finalmente, o Programa Morar Carioca propõe, sempre que possível, a interligação dos sistemas de esgotamento sanitário e drenagem ao sistema formal da cidade, o controle da pressão e o monitoramento do sistema de abastecimento de água, o tratamento da limpeza urbana e a reciclagem dos resíduos sólidos.

Quadro 1
Programa Santo André Mais Igual.

Chart 1.Santo André Mais Igual Program (A more equal Santo André Program).


Quadro 2
Programas Guarapiranga e Mananciais.

Chart 2. Guarapiranga and Mananciais Programs (Guarapiranga dam and springs programs).


Quadro 3
Programa Favela-Bairro.

Chart 3.Favela-Bairro Program (Favela-District Program).


Quadro 4
Programa Morar Carioca.

Chart 4.Morar Carioca Program (Living in Rio Program).


Considerações finais

A análise comparativa dos programas de urbanização de favelas possibilitou a compreensão de que as intervenções propostas estão se aperfeiçoando – tanto técnica quanto socialmente. Esse aperfeiçoamento pode estar relacionado à articulação do governo federal, via Ministério das Cidades, por meio das suas secretarias nacionais de Acessibilidade e Programas Urbanos, Habitação, Saneamento Ambiental, Transporte e Mobilidade e à integração entre as mesmas. Tais referências são consideradas nos convênios e contratos celebrados. A atuação dessas secretarias estabelece parâmetros de ação para estados e municípios, o que reflete na “leitura” das cidades e no reconhecimento e tratamento dos assentamentos informais, buscando sua urbanização e regularização - e, ainda que de maneira utópica, sua integração com a cidade formal. Do ponto de vista social, o aperfeiçoamento pode ser percebido no processo de participação da população na discussão das intervenções propostas pelos programas.

Esses parâmetros de ação são regidos por um conjunto de disposições legais e normativas que orientam tanto os gestores quanto os profissionais e técnicos que lidam com o planejamento urbano.

No caso dos programas analisados neste artigo, não se verifica a tentativa de observância da NBR 9050/04 e do Decreto 5296/04, já vigentes à época. As diretrizes para as intervenções fazem referência apenas a aspectos de mobilidade urbana, política de transporte, etc. com impacto no entorno, porém deveriam enfatizar a necessidade da continuidade dos percursos.

As propostas de intervenção relacionadas à mobilidade envolvem a ação municipal de abrir ou ligar vias existentes e viabilizar o acesso de serviços de coleta de resíduos sólidos, ambulância, transporte coletivo e mais facilidades de acesso a pé, algo primordial nos assentamentos objeto dos programas. Estimulam-se, no que se refere ao desenho urbano no interior do assentamento, melhorias em vielas, escadarias - por meio de soluções ad hoc, refletindo a preocupação com a acessibilidade. Entretanto, as alusões à acessibilidade são indiretas, o que justifica, portanto, a necessidade da continuidade do estudo sobre o assunto.

Material suplementar
Referências
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BRASIL. 2001. Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Brasília, 10 jul. 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_200LL10257.htm. Acesso em: 01/11/2015.
BRASIL. 2003. Lei 10.741, de 1° de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Brasília, 01 out. 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm. Acesso em: 01/11/2015.
BRASIL. 2004. Decreto n° 5.296 de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Brasília, 2 dez. 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm. Acesso em: 01/11/2015.
BRASIL. 2015. Lei 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Brasília, 06 jul. 2015. Disponível em: http://maragabrilli.com.br/wp-content/uploads/2016/03/Guia-sobre-a-L-BI-digital.pdf. Acesso em: 01/11/2015.
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CARDOSO, A.L.; ARAUJO, R.L. 2007. A política de urbanização de favelas no município do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.habitare.org.br/pdf/publicacoes/arquivos/colecao7/capitulo_8.pdf.Acesso em: 01/11/2015.
DENALDI, R. 2004. Santo André: urbanização de favelas e inclusão social. Revista Ambiente Construído,4(4):7-20.
HABITA SAMPA. [s.d.]. Disponível em: www.habitasampa.inf.br/programa/mananciais/, www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3377. Acesso em: 02/12/2015.
IAB. 2010. O Morar Carioca. Rio de Janeiro, Instituto de Arquitetos do Brasil. Disponível em: http://www.iab.org.br/sites/default/files/pranchas_Morar_Carioca_140.pdf. Acesso em: 06/08/2016.
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SEMOB. 2015. Caderno de referência para elaboração de Plano de Mobilidade Urbana. Brasília, Secretaria Nacional de Transportes e da Mobilidade Urbana, 229 p.
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Notas
Notas
2 Como os programas analisados foram implementados entre 1994 a 2012, tanto os documentos quanto a legislação sobre acessibilidade e mobilidade referem-se a esse período, apesar dos avanços posteriores no tratamento destas questões.
Quadro 1
Programa Santo André Mais Igual.

Chart 1.Santo André Mais Igual Program (A more equal Santo André Program).


Quadro 2
Programas Guarapiranga e Mananciais.

Chart 2. Guarapiranga and Mananciais Programs (Guarapiranga dam and springs programs).


Quadro 3
Programa Favela-Bairro.

Chart 3.Favela-Bairro Program (Favela-District Program).


Quadro 4
Programa Morar Carioca.

Chart 4.Morar Carioca Program (Living in Rio Program).


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