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Contribuição do estudo das características culturais do Cluster da Malacocultura da Grande Florianópolis para a gestão das atividades de turismo na região
Fátima Regina Teixeira; António Maria Vieira Paisana; Filipa Dionísio Vieira;
Fátima Regina Teixeira; António Maria Vieira Paisana; Filipa Dionísio Vieira; Luiz Roberto Mayr
Contribuição do estudo das características culturais do Cluster da Malacocultura da Grande Florianópolis para a gestão das atividades de turismo na região
A CONTRIBUTION FROM THE ANALYSIS OF SOME CULTURAL FEATURES OF THE GREATER FLORIANÓPOLIS MALACOCULTURA CLUSTER TO THE MANAGEMENT OF TOURISM ACTIVITIES IN THE REGION
Turismo - Visão e Ação, vol. 19, núm. 1, pp. 5-30, 2017
Universidade do Vale do Itajaí
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Resumo: No Brasil, no Estado de Santa Catarina, na Grande Florianópolis, encontra-se o cluster da malacocultura, formado por micro e pequena empresas e por produtores autônomos. Embora tenha condições ambientais e econômicas favoráveis, este cluster apresenta problemas de gestão que estão relacionados com o comportamento dos seus integrantes refletido na sua maneira de ser, de agir e de pensar, condicionada pela sua cultura, que afetam a sua competitividade. Será que estas mesmas características culturais locais seriam um entrave para a formação de um cluster de turismo na região, atividade que apesar de também compartilhar condições ambientais e econômicas favoráveis, ainda não conseguiu se organizar de maneira colaborativa? Este trabalho busca fazer uma analogia entre o que ocorre na atividade da malacocultura e no setor de turismo, com base em resultados de um estudo de caso que entrevistou quarenta e três indivíduos, dos diferentes segmentos de atores do cluster da malacocultura, inclusive ligados ao turismo, que constatou que a cultura local, predominantemente de origem açoriana, apresenta fortes traços de individualismo, tolerância à incerteza, indulgência, orientação de curto prazo e acomodação, que afetam a competitividade, a governança e a gestão dos empreendimentos.

Palavras-chave:CulturaCultura, Cluster Cluster, Região da Grande Florianópolis Região da Grande Florianópolis.

Abstract: In Brazil, in the state of Santa Catarina, on the Florianópolis area, is located the malacocultura cluster, formed by micro and small firms and independent producers. Despite institutional support, favorable environmental features and economic conditions, it presents some management problems which affect their competitiveness and are mostly related to the behavior of its members, reflected in their way of being, acting and thinking, conditioned by their culture. Do these local cultural characteristics would be an obstacle to the formation of a tourism cluster in the region, activity that also share favorable environmental and economic conditions, but has not yet managed to be organized in a collaborative way? This paper seeks to draw an analogy between what happens in the malacocultura activity and the tourism sector, based on results of a case study that interviewed forty-three individuals from different segments of malacocultura cluster, including some related to tourism and found that the local culture, predominantly of Azorean origin, has strong traits of individualism, tolerance for uncertainty, indulgence, short-term orientation and accommodation, which affect competitiveness, governance and management of firms.

Keywords: Culture, Malacocultura cluster, Greater Florianópolis area.

Carátula del artículo

Contribuição do estudo das características culturais do Cluster da Malacocultura da Grande Florianópolis para a gestão das atividades de turismo na região

A CONTRIBUTION FROM THE ANALYSIS OF SOME CULTURAL FEATURES OF THE GREATER FLORIANÓPOLIS MALACOCULTURA CLUSTER TO THE MANAGEMENT OF TOURISM ACTIVITIES IN THE REGION

Fátima Regina Teixeira
PhD em Engenharia Industrial e de Sistemas, pela Universidade do Minho, Portugal Mestre em Engenharia de Produção, pela Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil, Brasil
António Maria Vieira Paisana
PhD em Engenharia de Produção e Sistemas, pela Universidade de Loughborough, UK, Reino Unido
Filipa Dionísio Vieira
PhD em Engenharia de Produção e Sistemas pela Universidade do Minho, Portugal Mestre em Comércio Internacional pela Universidade do Minho, Portugal, Portugal
Luiz Roberto Mayr
Doutor em Engenharia de Produção, pela Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Mestre em Engenharia de Produção, pela Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil, Brasil
Turismo - Visão e Ação, vol. 19, núm. 1, pp. 5-30, 2017
Universidade do Vale do Itajaí

Recepção: 15 Maio 2016

Aprovação: 18 Outubro 2016

INTRODUÇÃO

A malacocultura consiste numa atividade produtiva que se desenvolve no contexto da aquicultura marinha ou maricultura. Trata-se, especificamente, do cultivo de moluscos marinhos bivalves no mar.

Na região da Grande Florianópolis, no Sul do Brasil, há pouco mais de duas décadas vem sendo praticada a malacocultura. Tal atividade produtiva deu origem a um cluster, que é reconhecido pela sua importância econômica para a região, com geração de emprego e rendimento, pela preservação da cultura local e pela atenção que suscita ao meio ambiente onde ocorre a produção. Este cluster compartilha condições ambientais favoráveis, devido às características geográficas locais, que conforma baias entre a Ilha de Santa Catarina e o continente. Dentre os municípios que o integram destaca-se Florianópolis, cuja produção representa aproximadamente 75% do total da produção brasileira da malacocultura (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), 2013).

Ao longo de sua existência o cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis tem recebido apoio de instituições como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que fornece as sementes de moluscos, principal insumo de produção, e a Empresa de Pesquisas Agropecuárias e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI), que oferece assistência técnica aos produtores. Além disso, o cluster tem contado com a participação de empresas de setores de atividades correlatas à sua atividade produtiva principal, como turismo e gastronomia, que também se beneficiam das condições geográficas favoráveis da Ilha de Santa Catarina.

Entretanto, com uma observação mais atenta percebe-se que mesmo dispondo de apoio institucional e de condições ambientais e econômicas favoráveis, o cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis não consegue aproveitar plenamente todo o seu potencial competitivo. Um estudo sobre a influência da cultura local sobre a competitividade dessa organização produtiva apontou que dentre os obstáculos ao seu desenvolvimento uma parte significativa relaciona-se com o comportamento dos indivíduos que a integram, isto é, com a maneira de ser, de agir e de pensar, que caracterizam a sua cultura de origem açoriana (Teixeira, 2016).

Será que esses aspectos culturais identificados no estudo do cluster da malacultura afetam o desempenho de outras atividades produtivas que ocorrem na região da Grande Florianópolis e que, portanto, compartilham das mesmas condições ambientais, econômicas e culturais?

O turismo constitui uma atividade correlata à malacocultura, que compartilha na região da Grande Florianópolis as condições favoráveis, devido à paisagem singular, com várias praias de mar aberto e de baia, à gastronomia peculiar, baseada na diversidade de frutos do mar, e à razoável existência de infraestruturas de acesso e serviços. No entanto, aparentemente também não consegue realizar plenamente o seu potencial competitivo e isto pode ser decorrente das mesmas especificidades da cultura local que afetam a competitividade da malacocultura. Para além do que ocorre com o cluster da malacocultura, os aspectos culturais podem ser um entrave para a formação ou para a consolidação de um cluster do turismo na região.

Sendo assim, este trabalho tem por objetivo avaliar se os resultados encontrados no estudo de caso sobre os efeitos das especificidades culturais sobre a competitividade do cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis podem contribuir para a compreensão do que ocorre na gestão do setor do turismo da região.

Em termos metodológicos, trata-se de um estudo explanatório, que tem por fundamentação a produção teórica em competitividade, cluster e cultura organizacional, e que combina resultados de um estudo de caso, que teve por objeto o cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis, com uma revisão de literatura sobre gestão do turismo, incluindo a formação de cluster. Os dados primários que são apresentados foram coletados com o uso de entrevista semiestruturada aplicada junto a diferentes atores do cluster da malacocultura, incluindo representantes de atividades correlatas ao mesmo, ligadas ao turismo e hospitalidade. A sua análise é realizada de forma qualitativa indutiva.

Fundamentação teórica

Três grandes temas estão na base desta pesquisa e são norteadores do estudo, nomeadamente: competitividade, clusters e cultura.

Competitividade

A competitividade, numa perspectiva ampla, pode ser entendida como a capacidade de uma organização ou nação de ser bem sucedida em relação à concorrência (Mariotto, 1991). Esta compreensão do termo transcende à tendência, no campo da microeconomia, da sua associação aos indicadores de desempenho ou de eficiência técnica (Machado-da-Silva & Fonseca, 2010).

O conceito da vantagem competitiva está ligado à ideia de desempenho superior e à análise das condições que levam uma empresa a obter sucesso na concorrência com as suas rivais. No entanto, tal ligação apresenta diferentes abordagens em função da percepção dos seus autores e do seu contexto, que reflete a falta de consenso na discussão acerca de uma questão básica que é se a vantagem competitiva deve ser considerada como causa do desempenho superior ou como constatação real desse desempenho (Brito & Vasconcelos, 2004).

Porter (1990) aborda de forma conjunta os aspetos de localização e os fatores institucionais, considerando que a verdadeira vantagem competitiva pode estar no local onde a empresa opera. Segundo ele, as empresas criam e mantêm vantagem competitiva devido à sua capacidade de melhoria contínua, de inovação e de aumento das vantagens competitivas ao longo do tempo, influenciadas pelo ambiente.

Porter (1979; 2008) observou que a rentabilidade varia de forma significativa entre os diferentes segmentos indústrias e conclui que existem fatores externos que afetam igualmente o desempenho das empresas concorrentes num mesmo segmento, como o governo, que pode atuar sobre as forças competitivas, através da regulamentação ou do estímulo, distorcendo o mercado ou promovendo a competição.

Clusters

A concentração geográfica de um grande número de empresas de dimensões variadas, com a presença predominante de empresas de pequena dimensão, produtoras de um mesmo tipo de produto e não integradas verticalmente, bem como os seus fornecedores e prestadores de serviços constitui a característica básica da estrutura de um cluster. A proximidade geográfica entre os agentes de um cluster é essencial para a coordenação e para o aproveitamento das externalidades e disseminação de novos conhecimentos (Instituto de Estudos Para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), 2002).

Porter (1998) define clusters industriais como a concentração geográfica de empresas interconectadas, fornecedores especializados, provedores de serviços, empresas em setores correlatos e instituições associadas em áreas específicas. Nesta definição está implícita a necessidade de haver, na região ou localidade onde o fenómeno ocorre, a presença de entidades de apoio, fornecedores especializados, prestadores de serviços e atividades correlatas. A formação de redes de cooperação entre as participantes é outro fator que caracteriza uma concentração de empresas como cluster.

Alguns fatores locais tais como as raízes históricas, o processo de construção institucional, o tecido social e os traços culturais condicionam o sucesso de um cluster, que pode ser medido pela capacidade de competição das empresas participantes e pela sua trajetória evolutiva em termos do crescimento da produção, da geração de empregos, do desenvolvimento tecnológico e da inserção no mercado interno e internacional. Os fatores locais condicionam a especialização produtiva, o surgimento de lideranças, confiança entre os agentes, a criação de instituições de apoio às empresas e a estrutura de governança (IEDI, 2002).

As empresas em clusters integram redes de relações de ordem económica, social, tecnológica e produtiva, que as levam à necessidade de disporem de alguma forma e organização e cooperação, ou seja, alguma forma de governança, que considere os vínculos ou os problemas constituídos pelas alianças que mantêm entre si, nas redes das quais fazem parte. Neste caso, a governança refere-se à coordenação dos agentes autónomos, numa hierarquia horizontal, com comunicação e liderança lateral, que dividem estruturas comuns e se fundamentam na transferência de conhecimento, e atua na direção e coordenação de conjuntos de empresas concentradas numa mesma região. Esta é denominada de governança endógena, já que se constitui das forças que surgem dentro do próprio cluster (Minuzzi, 2011).

Cultura

Na literatura académica, diferentes abordagens ocupam-se de investigar o fenômeno cultura relacionando-o com o comportamento dos grupos humanos no contexto social. Na perspectiva da antropologia existem visões de cultura, que se refletem nas inúmeras definições propostas para o termo e na forma como ela é interpretada: como um sistema de padrões de comportamento, que se encontra em permanente adaptação; como um sistema de conhecimento da realidade apreendida segundo um código de natureza cognitiva; como um sistema estrutural, que resulta da relação entre natureza e cultura; e, ainda, como um sistema simbólico, que só pode ser apreendido por outro grupo por meio de interpretação (Mello, 2005). O estudo da cultura na antropologia não tem a preocupação de chegar a ferramentas para a intervenção ou o controle (Mascarenhas, 2002); o objetivo principal do estudo da cultura é a transformação da experiência dos investigadores em sabedoria, por meio da transformação do exótico em familiar e do familiar em exótico (Da Matta, 1987).

No estudo da cultura, diz-se que os componentes estruturais são os elementos que permitem descrever a cultura que caracteriza um determinado grupo social. Segundo Marconi (2007), os componentes estruturais da cultura resumem-se em: traços culturais (é o menor elemento da cultura e nem sempre de fácil identificação, como um objeto ou um gesto); complexos culturais (conjunto de traços ou grupo de traços associados, que formam o todo funcional); padrões culturais (comportamento padronizado, genérico de uma sociedade; referem-se ao conjunto das atividades, atos, ideias, objetos de um grupo social e ao conjunto de heranças históricas, de funções mentais e comportamentos que lhe são associados); e, configurações culturais (qualidade específica que caracteriza cada cultura particularmente; originam-se da interação das partes que integram uma cultura e do seu entrelaçamento).

Entre as inúmeras definições encontradas para cultura organizacional nas suas diferentes linhas de investigação, considera-se para este estudo duas que se tornaram clássicas no estudo do comportamento organizacional, que são as de Hofstede (1980) e de Schein (1984).

Hofstede (1980) define cultura como a programação coletiva da mente que diferencia os membros de um grupo ou categoria dos membros de outros grupos ou categorias. Segundo o autor, a cultura é sempre um fenômeno coletivo, já que é, pelo menos em parte, partilhada por indivíduos que vivem no mesmo ambiente social onde ela é adquirida. Da sua definição para cultura o autor depreende a cultura organizacional como sendo a programação coletiva da mente, que diferencia os membros de uma organização dos membros de outra organização.

Do ponto de vista de Schein (1984), a cultura organizacional constitui um padrão de pressupostos básicos que um dado grupo inventou, desenvolveu ou descobriu ao aprender a lidar com os problemas de adaptação externa e de integração interna. Esse padrão teria funcionado bem o suficiente para ser considerado válido e é ensinado aos novos membros que ingressam neste grupo, como a maneira correta de perceber, pensar e sentir em relação aos problemas.

Hofstede (1980; 2011) e Schein (1984) propõem cada qual um modelo de análise cujo foco é o fenómeno cultura. O modelo de Hofstede procura identificar a influência da cultura nacional no comportamento dos indivíduos no trabalho e, ao mesmo tempo, descrever a cultura organizacional. Schein, por sua vez, procura identificar o padrão cultural que caracteriza cada organização.

Hofstede (2011) descreve seis dimensões de valores que diferenciam grupos nacionais culturais: 1) Distância do Poder – esta dimensão expressa a aceitação pelos indivíduos de uma distribuição desigual de poder e trata da relação de dependência dos subordinados em relação às chefias; 2) Individualismo versus Coletivismo – retrata quanto as sociedades são mais coletivas ou individualistas; reflete-se na autoimagem dos indivíduos, se é definida em termos do ‘eu’ ou do ‘nós’, se há preferência por uma vida livre de laços sociais ou se os interesses do grupo prevalecem sobre os do indivíduo; 3) Masculinidade versus Feminilidade – analisa a propensão de uma sociedade a ter características orientadas para a autoafirmação e competição ou para a atenção aos outros e ao meio social; 4) Aversão à Incerteza – distingue as sociedades em relação à tolerância, à incerteza e à ambiguidade e se expressa pelo stress e pela necessidade de previsibilidade, de regras; pela tentativa de controlar o futuro ou simplesmente deixar que ele aconteça; 5) Orientação a Longo Prazo versus Orientação a Curto Prazo – analisa a propensão de uma sociedade de manter ou não a ligação com o passado; as voltadas para o curto prazo, preferem manter as tradições e normas consagradas pelo tempo e encaram a mudança social com desconfiança e as que adotam uma abordagem mais pragmática incentivam a preparação para o futuro; 6) Indulgência versus Restrição – analisa a tendência de uma sociedade de permitir e gratificar a satisfação relativamente livre e imediata dos desejos humanos básicos e naturais, tais como divertir-se e aproveitar a vida, ou de suprimir a satisfação dessas necessidades e regulá-las por meio de normas sociais rígidas.

O modelo de análise proposto por Schein (1984) sugere decifrar a cultura organizacional levando em conta três diferentes níveis de análise: (1) o nível dos artefatos visíveis, que inclui todos os fenómenos que podem ser vistos, ouvidos ou sentidos por alguém, quando diante de um novo grupo com uma cultura não familiar; (2) o nível dos valores que governam o comportamento dos indivíduos, e que envolvem as relações internas do grupo; e, (3) o nível dos pressupostos básicos, isto é, das suposições básicas que são assumidas como verdadeiras e que informam aos membros do grupo como perceber, refletir e sentir as coisas. Para o autor, estes três níveis da cultura interagem entre si, sendo que os pressupostos constituem a essência da cultura, ao passo que os artefatos visíveis e os valores constituem a sua manifestação.

Caracterização do cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis

A região da Grande Florianópolis engloba uma superfície de 4.163,6 Km² de área. O seu povoamento teve início no século XVIII, no período do Brasil colonial, com a chegada de portugueses oriundos do arquipélago dos Açores, que ocuparam o litoral, estendendo-se pelo século XIX, com a vinda de imigrantes alemães e italianos que povoaram a área interior. A parte da população da região que é de origem açoriana tem cultivado, ao longo do tempo, atividades voltadas para o mar, a pesca e, mais recentemente, a maricultura e o turismo. Outra parte da população, na sua maioria de origem alemã e italiana, voltou-se para as atividades agrícolas, a paisagem rural e, também, mais recentemente, para o turismo (Agenda de Desenvolvimento para a Região da Grande Florianópolis (ADRGF), 2006). O litoral ainda hoje guarda traços dos imigrantes açorianos em suas características comportamentais, estilos e valores comuns aos indivíduos que compõem a sociedade local, o que contribui de maneira decisiva para a formação dos padrões sociais e culturais da região e de outros inúmeros municípios do litoral do estado de Santa Catarina (Alves & Lacerda, 2012).

Entre a Ilha de Santa Catarina e os quatro municípios do litoral da região (São José, Palhoça, Biguaçu e Governador Celso Ramos), situados nas baías Norte e Sul, de frente para a Ilha, forma-se um canal onde se observam contornos irregulares na costa, caracterizando a presença de enseadas (pequenas baías), manguezais (ecossistemas costeiros de transição entre os ambientes terrestres e marinhos) e marismas (áreas úmidas frequentemente inundadas e com vegetação herbácea, que cresce na água). A condição marinha favorável ao desenvolvimento de espécies aquícolas dá-se pelo fato de as águas serem abrigadas do mar aberto e, ao mesmo tempo, ligarem-se ao Oceano Atlântico ao norte e ao sul.

O cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis concentra 69% dos malacocultores do estado de Santa Catarina e 77% dos empregos gerados com a atividade produtiva no estado. Os produtores que o integram são 497, dos quais 79,88% são mitilicultores, 19,32% ostreicultores e 0,80% pectinicultores (Dorow, 2013). O quadro institucional de que se vale este cluster é composto por instituições como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI), a Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (FATMA), a Secretaria Municipal da Pesca e Maricultura de Florianópolis (SMPMF), o Instituto de Geração de Oportunidades de Florianópolis (IGEOF), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Santa Catarina (SEBRAE/SC), entre outras (ABREU, 2006).

No âmbito do cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis existem especializações na cadeia produtiva, que é marcada por quatro elos tecnológicos distintos: 1) produção de inputs, que compreende fabricantes de máquinas, de equipamentos, de embarcações, de embalagens, de utensílios e de produção de sementes de ostras; 2) produção primária, que engloba produtores (pessoas físicas e jurídicas), que cultivam moluscos seguindo os sistemas específicos de cultivo de cada espécie; 3) beneficiamento e/ou transformação, que tem o objetivo de agregar valor ao produto, sobretudo se possuir selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF); e, 4) comercialização, que é a viabilização da chegada do produto ao consumidor (CARIO et al., 2008).

A Figura 1, a seguir, ilustra a estrutura do cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis, com os seus diferentes atores. Os contornos do cluster são bem definidos, destacando-se o turismo e a gastronomia como setores correlatos, que contribuem para a ampliação da sua extensão, no contexto da localidade em que se encontra inserido.


Figura 1
Estrutura do cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis, adaptado de Porter (1998).

Relativamente à governança endógena do cluster, esta limita-se ao Comitê Higiênico Sanitário de Moluscos Bivalves da Secretaria de Estado da Agricultura. Do Comitê participam os empresários da maricultura, a Federação das Empresas de Aquicultura de Santa Catarina (FEAq), a Associação Catarinense de Aquicultura (ACAq), a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI), a Fundação de Amparo ao Meio Ambiente (FATMA), a Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA). Nele são discutidas questões relacionadas aos aspetos higiénicos e sanitários da atividade produtiva a fatores relacionados com a legislação vigente a ser aplicada no controle da atividade, bem como aos eventuais problemas de ocorrência de algas tóxicas, a existência de ilegalidade no setor e o seu combate.

Vale mencionar que, curiosamente, no caso da região da Grande Florianópolis, as empresas do setor de turismo e de gastronomia que estão representadas na Figura 1 como correlatas ao cluster da malacocultura, também podem ser caracterizadas como concentrações geográficas de empresas que compartilham o ambiente natural da região de Florianópolis, com suas praias lagoas e baias, além dos vestígios da matriz sociocultural relacionada à imigração açoriana, que se mantém na arquitetura pitoresca de algumas localidades, nas festas e na culinária. Isto significa que, por exemplo, na perspectiva de um estudo do cluster do turismo, como descrito por Lins (2000), a atividade produtiva da malacocultura poderia ser vista como sendo uma atividade correlata. O mesmo se daria no caso da gastronomia.

Alguns aspectos referentes à gestão do turismo em Florianópolis

Inúmeros autores, como Cunha e Cunha (2005), Nascimento e Moreira Filho (2012) e Silva (2014), destacam a importância do turismo para o desenvolvimento socioeconômico local e regional, a partir da premissa de que é um produto a ser consumido in loco, com a simultaneidade da produção e consumo. A sua expansão em escala, em distribuição espacial e em diversificação de sua atividade no mundo, gera novas oportunidades para países, regiões e comunidades e proporcionam o desenvolvimento de outras atividades econômicas, como entretenimento, comércio, transporte, meios de hospedagem, agências de viagens, restaurantes, além de estimular a melhoria da infraestrutura local, como estradas, aeroportos, saneamento, entre outros.

O produto turístico, de acordo com Silva (2001), está conformado pelos atrativos naturais, artificiais e os humanos, que configuram a denominada hospitalidade. Desta forma, o produto consiste num conjunto de componentes tangíveis e intangíveis que inclui: os recursos e atrativos naturais e culturais; os equipamentos e infraestruturas; os serviços; as atitudes recreativas; e, imagens e valores simbólicos, que oferecem determinados benefícios capazes de atrair os turistas pela satisfação de suas motivações e expectativas relacionadas ao uso de seu tempo livre.

Para Nascimento e Moreira Filho (2012), os fatores que despertam o interesse dos visitantes de várias partes do globo pelo atrativo turístico são exatamente as características que particularizam o local, que criam um senso de identidade com seus moradores e que são por estes resguardados. O discurso de valorização e de preservação das características e da cultura local leva à formação de laços de cooperação e cumplicidade entre os moradores e à mobilização em torno de problemas comuns.

Por outro lado, deve-se mencionar a preocupação com a questão ambiental, manifestada em Silva (2001), Cunha e Cunha (2005) e Lins (1993, 2000, 2007), já que a atividade turística pode trazer efeitos danosos, ao decompor e recompor espaços, deteriorar e enfraquecer o ambiente, destruir e criar relacionamentos sociais e produtivos que já existiam, quebrar a diversidade e as culturas locais e incorporar padrões e hábitos de consumo alienígenas. Neste sentido, o desenvolvimento proporcionado pelo turismo só será sustentável se levar em conta o alcance de objetivos de proteção e preservação ambiental, o bem-estar e a melhoria da qualidade de vida da população local, a integração econômica local e regional e a satisfação das necessidades e expectativas do turista.

Na perspectiva do desenvolvimento sustentável, a atividade turística, para Silva (2001), pelo seu porte e importância, deve ser planejada como um sistema integrado, considerando-se o conjunto de variáveis envolvidas – culturais, sociais, psicológicas, político-legais, ecológicas, econômicas e tecnológicas – tendo-se em vista o desenvolvimento sustentado da região em análise ou em trabalho. Lins (2007) coloca no centro da discussão o problema das interdependências, um aspecto a ser necessariamente levado em conta quando se perscrutam os vínculos entre turismo e desenvolvimento. Já Czajkowski e Cunha (2010) referem-se à formação de redes, como um dos resultados do relacionamento cooperativo entre os atores sociais, no aglomerado de turismo, privilegiando o enfoque coletivo, os objetivos comuns e a troca de informações.

A integração, interdependência e cooperação mencionadas por Silva (2001), Lins (2007) e Czajkowski e Cunha (2010) apontam para possíveis formações de clusters para o turismo, concentrados em espaços geográficos delimitados e que podem ser compreendidos como, de acordo com Silva (2014): conjunto complexo de diferentes elementos, entre os quais se encontram os serviços prestados por empresas ou negócios turísticos (alojamento, restauração, agência de viagens, parques aquáticos e temáticos etc.); a riqueza que proporciona a experiência das férias de um turista; o encontro multidimensional entre empresas e indústrias relacionadas; as infraestruturas de comunicação e transporte; as atividades complementares (dotação comercial, tradição em feiras, etc.); os serviços de apoio (formação e informação, etc.); e os recursos naturais e as políticas institucionais.

Para Cunha e Cunha (2005), a abordagem de cluster é adaptável às características das atividades de turismo, uma vez que é baseado na análise de aglomerações, complementaridades funcionais, relacionamento cooperativo e competitivo entre atores. Por outro lado, a análise de cluster tradicional não é clara, quando o objetivo é avaliar os impactos locais em termos de competitividade e sustentabilidade e justiça social. Tanto Silva (2014) quanto Souza e Gil (2014), ao analisarem a produção científica nacional sobre o tema percebem a falta de um arcabouço teórico consistente para embasar as investigações sobre clusters turísticos.

Cluster de turismo em Florianópolis

Lins (1993, 2000, 2007), ao investigar o turismo em Florianópolis, e sua organização, observa que podem ser observados alguns elementos que se aproximam da ideia de cluster. No entanto, o autor é cético quanto às poucas iniciativas de natureza coletiva, que não caracterizariam os benefícios obtidos pela a interdependência dos diferentes agentes, aspecto central de qualquer cluster. Reconhece que Florianópolis e sua área mereceriam a designação de cluster turístico caso, antes de tudo, o perfil das interações locais envolvendo os integrantes do trade acenasse com níveis de cooperação capazes de assegurar a sustentabilidade dos recursos para turismo, representando simultaneamente preservação das condições para uma boa qualidade de vida da população em geral, e também de promover ações conjuntas em benefício do setor, na sua totalidade. No entanto, esta interconexão opera em vários sentidos, inclusive naqueles em que comportamentos prejudiciais de alguns atores contribuem para depauperar a atratividade turística, representando fator de comprometimento da sustentabilidade do arranjo local relacionado ao turismo. Portanto, para o autor, não haveria em Florianópolis vínculos densos e imbuídos de sentido coletivo e de cooperação que seriam os requisitos para a configuração de um verdadeiro cluster turístico.

Ainda assim, Lins (2000, 2007) mostra algum otimismo quando menciona uma crescente consciência sobre a necessidade de se rever posturas, já perceptível em alguns meios, capaz de ‘lubrificar uma trajetória futura mais auspiciosa, possivelmente rumo à condição de cluster, identificado como reduto de colaboração e visão de conjunto entre os atores’. Aponta como caminho a construção de uma espécie de coalização local, ou força-tarefa, cujo epicentro seja o interesse num turismo sustentável e irradiador de benefícios para a sociedade, fator de crescimento econômico e de desenvolvimento local e regional.

Vale destacar que Lins (1993) estudou as origens do turismo em Florianópolis, na passagem das atividades ligadas a agricultura para a pesca artesanal e desta para atividades ligadas ao setor turístico em seus diferentes aspectos. Com base em conjunto de depoimentos obtidos junto a uma comunidade local, constatou a forte influência das características culturais locais, marcadas pela herança açoriana, que pode se manifestar na precariedade das relações de trabalho, na informalidade na estruturação do negócio e na falta de sentido coletivo e de cooperação.

Governança

O fortalecimento da atividade de turismo por meio de sua organização em clusters depende de uma efetiva ação governamental e das entidades de apoio. Para Hoffmann (2013) o papel das instituições públicas em relação às redes locais é relevante até mesmo para a continuidade da atividade turística. Para Cunha e Cunha (2005), os agentes públicos encarregados de elaborar e implementar políticas de desenvolvimento para as atividades turísticas devem implementar um modelo de desenvolvimento com competitividade, sustentabilidade e justiça social. Lins (2000) destaca que as lideranças precisam se mostrar comprometidas com a sustentabilidade do sistema local, com atitudes que transcendam à mera retórica. Para Czajkowski e Cunha (2010), passa-se a considerar a importância de se estabelecer a organização e coordenação das iniciativas cooperadas nos aglomerados dessa atividade. Nessa dimensão, vislumbra-se a relevância das ações especializadas e complementares entre as instituições responsáveis pela coordenação e organização da rede de cooperação entre os atores sociais nos aglomerados de turismo, destacando-se o papel desempenhado pelo poder público, associações setoriais representativas e entidades de apoio.

Metodologia

O presente trabalho está organizado em duas etapas. Na primeira, trata-se de uma investigação sobre os efeitos da cultura local sobre o cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis. Na segunda, tenta verificar-se se os resultados obtidos na primeira etapa podem contribuir para a gestão do turismo nessa mesma região.

As decisões metodológicas assumidas acerca das filosofias, das abordagens, das estratégias, das escolhas dos métodos para coleta e análise dos dados, do horizonte de tempo, das técnicas e dos procedimentos para a coleta e análise de dados, são com base em Saunders, Lewis e Thornhill (2012), como se apresenta a seguir.

Os pressupostos que sustentam o estudo inserem-se na corrente filosófica do interpretativismo. O problema é abordado de forma indutiva, e os resultados são formulados a partir dos dados e da sua análise, sem que se façam generalizações.

O trabalho consiste num estudo explanatório, em que se procura estabelecer relações causais entre as variáveis. A estratégia de investigação adotada é o estudo de caso, tomando-se como objeto de análise o cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis; caracteriza-se como um estudo transversal. Para a coleta dos dados primários são realizadas entrevistas semiestruturadas e para a sua análise é usado o método qualitativo indutivo.

A técnica de amostragem adotada é não probabilística, que, segundo Saunders et al. (2012), é a indicada no âmbito das investigações de negócios, tais como investigações de mercado e estudos de caso. Neste estudo de caso escolheram-se os seguintes atores do cluster: representantes de instituições de apoio, regulação e fomento à atividade, como UFSC, EPAGRI, Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Santa Catarina (SEBRAE/SC), Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (FATMA), Secretaria Municipal da Pesca e Maricultura de Florianópolis (SMPMF), Instituto de Geração de Oportunidades de Florianópolis (IGEOF); representantes das empresas fornecedoras, clientes e empresas correlatas no setor de turismo e hospitalidade; representantes dos produtores empresários, concessionários de espaços aquícolas para cultivo; representantes dos produtores autónomos, concessionários de espaços aquícolas para cultivo; e representantes dos empregados das empresas produtoras.

Os dados coletados são sistematizados em três grupos distintos e apresentados da seguinte forma: (1) dados expressos pelos entrevistados em resposta às questões sobre competitividade; (2) dados expressos pelos entrevistados em resposta às questões sobre cluster; e, (3) dados expressos pelos entrevistados, em resposta às questões sobre cultura e cultura organizacional.

A análise dos resultados na primeira etapa é realizada de modo que: (1) com base nos dados sobre cultura local, obtidos de forma direta como resposta às questões sobre cultura e cultura organizacional, e de forma indireta, como resposta às questões sobre competitividade e cluster, sejam analisadas as implicações positivas e negativas de traços culturais locais predominantemente identificados, para o cluster, para a sua competitividade e gestão do negócio; e, (2) estabelecendo-se um vínculo dos traços culturais locais identificados às forças e fraquezas que vão afetar a competitividade, a governança do cluster e a gestão do negócio.

Na segunda etapa, são verificadas convergências entre os resultados encontrados na primeira etapa e o que é mencionado na literatura acadêmica sobre gestão do turismo, com enfoque em trabalhos que tratam desta atividade em Florianópolis.

Apresentação e análise dos resultados

Foram realizadas 52 entrevistas com atores do cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis: representantes de instituições de apoio, empresas fornecedoras, clientes e correlatas, produtores empresários e produtores autônomos. Pelas respostas às entrevistas, cujas questões abordaram os temas da competitividade, do cluster e da cultura, avalia-se que de fato a cultura local exerce influência sobre a gestão dos negócios e afeta o desempenho do cluster.

Em relação à competitividade, constata-se que esta se dá com base no preço de venda do produto, tanto em Florianópolis como no Brasil, e é marcada pela desigualdade de condições entre os produtores autónomos e os produtores empresários. Os produtores autónomos praticam a comercialização do produto de maneira informal e atuam unicamente no mercado de Florianópolis. Os produtores empresários comercializam o produto em condição de completa formalidade e atuam em Florianópolis e fora do município, no mercado brasileiro. Por atuarem dentro da legalidade e sofrerem com a alta carga tributária e encargos sociais e trabalhistas, os produtores empresários não conseguem ser competitivos no mercado de Florianópolis, além de terem perdido competitividade no mercado nacional, pela presença de atravessadores (intermediários) que fazem a comercialização do produto em condições de parcial legalidade.

Em relação a participação no cluster, todos os atores (representantes das instituições de apoio, fomento e regulação; representantes das empresas fornecedoras, clientes e correlatas, que incluem os setores de turismo e gastronomia; representantes das empresas produtoras; representantes dos produtores autônomos; e representantes dos empregados das empresas produtoras), que compuseram a amostra selecionada reconhecem-se como parte do cluster, ainda que o seu relacionamento entre si encontre-se enfraquecido.

Quanto aos aspectos específicos da cultura, pelas respostas dos entrevistados, constata-se que o cluster da malacocultura na região da Grande Florianópolis é influenciado pela cultura local, predominantemente de origem açoriana, com fortes traços de individualismo, tolerância à incerteza, indulgência, orientação de curto prazo e acomodação. Os traços culturais locais identificados refletem-se nas forças e fraquezas do cluster, afetam a sua competitividade, a sua governança endógena e a gestão do negócio (empreendimentos dos produtores). Estes traços, embora aparentemente negativos e assim percebidos pelos entrevistados, também podem ser vistos como positivos tanto para o cluster e sua competitividade, como para a gestão do negócio. Alguns aparentemente até mesmo impeditivos para a existência de um cluster, quando analisados em profundidade, mostram-se, de certa forma, importantes à própria preservação do cluster. O Quadro 1, a seguir, apresenta os principais resultados quanto aos traços de cultura local identificados e seus respectivos aspectos positivos e negativos.

Quadro 1
Quadro resumo dos principais resultados obtidos

Autores, 2016

No que se refere à governança, esta é restrita ao Comitê Higiênico Sanitário de Moluscos Bivalves da Secretaria de Agricultura do Estado de Santa Catarina, no qual são discutidas basicamente questões sanitárias, legislação e condições de formalidade e informalidade no setor. Outras questões, relacionadas, por exemplo, com a infraestrutura, sobretudo para o escoamento da produção, com as estratégias de comercialização da produção e de concorrência, com a organização de compras coletivas, com a partilha de conhecimento entre os produtores e os técnicos da EPAGRI e da UFSC, não são discutidas, o que compromete o senso de pertença ao cluster e a sua própria identidade. As empresas de turismo e gastronomia, por exemplo, pelo fato de não fazerem parte desse Comitê, não têm nenhum espaço para se inserirem nos possíveis debates sobre as orientações estratégicas para o cluster.

Assim, observa-se que o cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis é influenciado pela cultura local, predominantemente de origem açoriana, com fortes traços de individualismo, tolerância à incerteza, indulgência, orientação de curto prazo e acomodação. Estes traços culturais locais refletem-se nas forças e fraquezas do cluster, afetam a sua competitividade, a sua governança e a gestão do negócio, este compreendido como o empreendimento do produtor autônomo ou do empresário.

Pode-se inferir que um dos grandes problemas do cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis, e que pode estar relacionado com o individualismo dos seus atores, diz respeito à governança endógena, sobretudo no que se refere ao estabelecimento de objetivos comuns e ao incentivo a ações que visem ao alcance desses mesmos objetivos. Nesse sentido, sugere como importante o estabelecimento de uma governança, mais abrangente, que independentemente do Comitê Higiênico Sanitário de Moluscos Bivalves da Secretaria do Estado da Agricultura é um importante aspecto a ser observado a seu favor.

Outro problema que existe no cluster é a desigualdade de condições de legalidade em que vivem os produtores. O fato de os produtores autónomos comercializarem a produção de modo informal afeta a competitividade dos produtores empresários, cria uma situação de confronto entre produtores e inviabiliza a sua aproximação para formação de parcerias e a realização de negócios entre si. A legalização dos produtores autónomos é mais um aspecto que pode contribuir para a melhoria do cluster e, consequentemente, da indústria.

Também a inexistência de uma cooperativa de pequenos produtores que sirva para as atividades de inspeção sanitária e de comercialização da produção constitui outro problema que afeta o desempenho do cluster e que pode estar relacionado com o individualismo dos produtores e com a sua acomodação, traços da cultura local que compõem o padrão cultural do mesmo. O comportamento individualista afeta o relacionamento dos produtores autónomos entre si, a sua interação com os produtores empresários, e a sua capacidade de formação de vínculos e de cooperação com estes.

Deve-se mencionar que tanto a questão das fragilidades de governança como a falta de vínculos densos de sentido de coletivo e de cooperação, requisitos para a configuração de um cluster, também são destacadas por Lins (2000) em seu estudo sobre o setor de turismo em Florianópolis. Com isso, ao invés do alcance de uma eficiência coletiva, comportamentos prejudiciais de alguns atores contribuem para o depauperamento da atratividade turística como um todo, comprometendo a sua sustentabilidade. O autor reconhece que caberia à esfera pública mobilizar os diversos atores que gravitam em torno da atividade, em defesa das condições ambientais favoráveis que são compartilhadas.

Considerações finais

Este trabalho apresenta indícios de que alguns dos problemas que afetam a competitividade da malacocultura da região da Grande Florianópolis, e que estão relacionados às especificidades da cultura local, podem também ocorrer no setor de turismo. Ainda que a atividade da malacocultura esteja organizada como um cluster isto é muito mais uma consequência da atuação das organizações de apoio e do principal fornecedor de insumos do que resultado de um verdadeiro espírito colaborativo. Persistem problemas que estão relacionados ao individualismo, tolerância à incerteza, indulgência, orientação de curto prazo e acomodação e que são entrave para uma efetiva governança endógena, para a construção de objetivos comuns, para a legalização da atividade, para formalização da produção e manutenção da qualidade do produto e para a submissão aos controles sanitários.

Assim, pode-se inferir que organizar o turismo na região da Grande Florianópolis em cluster, ainda que inegavelmente possa fortalecer o setor, não irá resolver grande parte de seus problemas, se isto não significar por parte dos atores uma compreensão das vantagens de um comportamento colaborativo.

Neste sentido, as sugestões que haviam sido apontadas para a melhoria do desempenho do cluster da malacocultura (Teixeira, 2016), como o estabelecimento de uma governança para além dos controles sanitários, o estímulo à legalização e à formalização da produção e o incentivo ao trabalho cooperativo servem também, por analogia, para o fortalecimento do setor do turismo.

Também é relevante mencionar que o cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis e os setores de turismo e de gastronomia podem se beneficiar de forma reciproca da manutenção de condições ambientais favoráveis. Deve ser estimulada uma relação sinérgica entre a malacocultura e sua culinária específica como mais um atrativo para o turismo na região e o fortalecimento do turismo como um estímulo para o aumento do mercado de moluscos bivalves marinhos.

Numa perspectiva mais ampla, este trabalho pode servir para uma reflexão sobre a necessidade do estabelecimento da governança endógena, tanto para o cluster da malacocultura como para o setor de turismo, e sobre o papel dessa governança no desenvolvimento sustentável da atividade e da região. Pode também servir para chamar atenção do poder público sobre a necessidade de assumir a sua responsabilidade sobre estas importantes atividades econômicas na região da Grande Florianópolis, sobretudo no que se refere à governança e infraestrutura, de modo a viabilizar o seu fortalecimento e o seu pleno desenvolvimento.

Material suplementar
Referências
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Notas

Figura 1
Estrutura do cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis, adaptado de Porter (1998).
Quadro 1
Quadro resumo dos principais resultados obtidos

Autores, 2016
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