Resumo: O presente estudo propõe-se a discutir a questão da Terminalidade Específica (TE) para estudantes com deficiência intelectual/múltipla, prevista na política educacional, com o intuito de investigar sua adoção no âmbito dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs). Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, desenvolvida por meio de documentos que constam nos sites oficiais e informações disponibilizadas pelos IFs no Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão. Os dados foram explorados por meio da análise de conteúdo de Bardin (1977). Após o levantamento das previsões normativas da TE e dos documentos e informações dos IFs, foi realizada pré-análise documental, através da qual identificaram-se duas categorias de organização temática do estudo. Dos 38 IFs pesquisados, foram identificadas práticas inclusivas documentadas em 34, regulamentação da TE em 13 e certificação de estudantes por TE em 6 IFs. As discussões indicaram compreensões dúbias sobre a TE. Os resultados evidenciaram que, apesar de poucos IFs terem regulamentado e/ou aplicado a TE, eles a têm assumido para a conclusão de uma etapa formativa profissional, declarando apenas as habilidades e competências alcançadas, na perspectiva de uma atuação profissional possível, mostrando à sociedade a incompletude da formação técnica profissional. Nesse sentido, ressalta-se a necessidade de promover mais discussões acerca do tema, assim como de estabelecer o papel que a TE deve ter na Educação Especial, considerando a Declaração de Incheon e a Lei Brasileira de Inclusão, que preveem educação ao longo da vida.
Palavras-chave:Deficiência intelectual/múltiplaDeficiência intelectual/múltipla,Ensino Técnico ProfissionalEnsino Técnico Profissional,Educação ao longo da vidaEducação ao longo da vida.
Abstract: The present study proposes a discussion about Specific Terminality (ST) for students with intellectual/multiple disabilities, pre-established in educational politics, in order to investigate its adoption in the environment of the Federal Institutes of Education, Science, and Technology (FI). This is a qualitative research, developed through documents found on official sites and information provided by the FI in the Electronic System of Information to the Citizen. The data was explored by means of the content analysis of Bardin (1977). After the normative predictions survey about ST and documents and information from FI, it was performed a documental pre-analysis, through which identified two categories of thematic organization of study. From 38 Federal Institutes surveyed, it was identified inclusive practices in 34 institutions, regulation of ST in 13, and certification of students by ST in 6 FI. The discussions indicated dubious understanding about ST. The results reveal that, despite of few FI had regulated and/or applied ST, they have assumed it to the conclusion of aprofessional graduation stage, declaring only the abilities and competences achieved, from the perspective of a possible professional performance, showing to the society the incompleteness of the professional technical education. In this sense, it is emphasized the need to promote discussions about this topic, as well as to stablish the role that ST must have in the Special Education by considering the Incheon Declaration and the Brasilian Inclusion Law, which stablishes lifelong education.
Keywords: Intellectual/multiple disability, Professional Technical Education, Lifelong education.
Resumen: Esta investigación propone una discusión acerca de la Terminalidad Específica (TE) para estudiantes con discapacidad intelectual/múltiple, establecida en la política educativa, y tiene el propósito de examinar su adopción en el marco de los Institutos Federales de Educación, Ciencia y Tecnología (IFs). Se trata de una vía de investigación cualitativa, que se desarrolla por medio de documentos que figuran en la página oficial e informaciones facilitadas por los IFs en el Servicio Electrónico de Información al Ciudadano. Los datos se han extraído a través de análisis de contenido de Bardin (1977). Una vez se hayan levantado la previsión normativa de TE y de los documentos e informaciones de los IFs, se llevó a cabo un análisis documental previo, del cual se identificó dos categorías de organización temática del estudio. Se examinó 38 IFs, en los que se detectaron prácticas de inclusión documentadas en 34, regulación normativa de la TE en 13 y certificación de estudiantes de TE en 6 IFs. Las conclusiones apuntan una comprensión confusa sobre la TE. Los resultados han puesto de relieve que, aunque unos pocos IFs han regulado o aplicado la TE, ellos la han considerado para la conclusión de una etapa de formación profesional, declarando sólo las habilidades y competencias logradas, en la perspectiva de una posible actuación profesional, que muestra a la sociedad la limitación de la formación técnica profesional. Al respecto, se destaca la necesidad de fomentar más debates acerca del tema, así como establecer el papel de la TE en la Educación Especial, considerando la Declaración de Incheon y la Ley Brasileña de Inclusión, que establecen la educación permanente.
Palabras clave: Discapacidad intelectual/múltiple, Enseñanza Técnica-Profesional, Educación permanente.
Relato de pesquisa
Terminalidade Específica nos Institutos Federais: um panorama
Specific Terminality at Federal Institutes: an overview
Terminalidad Específica en los Institutos Federales: un panorama
Recepção: 03 Março 2020
Aprovação: 24 Agosto 2020
Publicado: 30 Setembro 2020
Contrariando a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (BRASIL, 2007; 2008; 2009), continua em vigor a Terminalidade Específica (TE), prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), para estudantes que “não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados” (BRASIL, 1996).
Regulamentada pelo Parecer do Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Educação Básica (CNE/CBE) nº. 17/2001 e pela Resolução CNE/CBE nº. 2/2001, a TE é
certificação de conclusão de escolaridade – fundamentada em avaliação pedagógica – com histórico escolar que apresente, de forma descritiva, as habilidades e competências atingidas pelos educandos com grave deficiência mental ou múltipla. (BRASIL, 2001, p.28).
Direcionada aos estudantes que não alcançaram os resultados de escolarização previstos nos Arts. 24, 26 e 32 da LDBEN para o ensino fundamental, em relação ao “desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo” (BRASIL, 1996), a TE foi prevista para estudantes que apresentem
associadas a grave deficiência mental ou múltipla, a necessidade de apoios e ajudas intensos e contínuos, bem como de adaptações curriculares significativas, não deve significar uma escolarização sem horizonte definido, seja em termos de tempo ou em termos de competências e habilidades desenvolvidas. (BRASIL, 2001, p. 28)
Segundo Nota Técnica (NT) nº. 13/20091 (BRASIL, 2009a, apud BRASIL, 2015), emitida pela Secretaria de Educação Especial (SEESP) vinculada ao Ministério da Educação (MEC),
a terminalidade específica, a qual não significa certificação de conclusão do ensino fundamental, mas da escolaridade desenvolvida no ensino fundamental, possibilitando o encaminhamento para outras modalidades: a educação de jovens e adultos (primeiro segmento: ensino fundamental) e a educação profissional (qualificação profissional básica). (BRASIL, 2009a, apud BRASIL 2015, p. 149).
O texto da NT mostra que
a terminalidade específica do fundamental não permite o encaminhamento e continuidade dos estudos no ensino médio, considerando que não houve conclusão da etapa do fundamental. (BRASIL, 2009a, apud BRASIL, 2015, p. 149).
A TE impossibilita a progressão do estudante público da Educação Especial (EE), que apresenta grave deficiência intelectual (DI) ou deficiência múltipla (DM), para a etapa de escolaridade posterior, considerando que não houve avanço nas competências mínimas estabelecidas na etapa atual, após esgotadas as possibilidades de adaptações.
Novas concepções surgiram com a aprovação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2007; 2008; 2009), as quais foram, mais recentemente, reforçadas com a adesão do Brasil à Declaração de Incheon (UNESCO, 2015) e com a publicação da Lei Brasileira de Inclusão (LBI) (BRASIL, 2015a).
Assim, a política educacional brasileira passa a evidenciar dois aspectos que se somam à discussão sobre a TE: a possibilidade de entendimento da TE como uma prática discriminatória de exclusão de estudantes da escola por motivo de deficiência e como uma prática impeditiva de realização de aprendizagens ao longo da vida.
Inicialmente, foi previsto que o público da EE que não atingisse os resultados preconizados na LDBEN poderia dar continuidade ao processo de escolarização na Educação de Jovens e Adultos (EJA) de ensino fundamental ou médio, por já terem ultrapassado a idade apropriada para conclusão nesta etapa, ou por meio de cursos de qualificação profissional que levassem em consideração a sua capacidade de aprender e não o nível de escolaridade. Em ambos os casos, seria considerado o suporte da EE, por meio do Atendimento Educacional Especializado (AEE), sendo garantido o cumprimento da Convenção que prevê “o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas” (BRASIL, 2007, p. 17).
Ao contrário, os Pareceres Técnicos4 nº 14/2009 e nº 31/2009, emitidos pela SEESP/MEC (BRASIL, 2009b, 2009c, apud BRASIL, 2015), apontam que a TE não seria necessária, porque o fluxo do processo educacional está previsto na legislação e é realizado, na prática, pelas instituições de ensino sem ter que recorrer ao estatuto da TE, que é vulnerável à percepção discriminatória de exclusão por motivo de deficiência.
Havendo a possibilidade de acesso à educação por meio do encaminhamento de alunos maiores à modalidade de Educação de Jovens e Adultos, elimina-se a questão da terminalidade específica prevista na Lei nº 9.394/96, considerando que os alunos com deficiência continuarão a ter direito ao atendimento educacional especializado em qualquer etapa, nível ou modalidade de educação e ensino. (BRASIL, 2009c, apud BRASIL, 2015, p. 199).
A LDBEN garante a todos os estudantes “históricos escolares, declarações de conclusão de série e diplomas ou certificados de conclusão de cursos, com as especificações cabíveis” (BRASIL, 1996), e a TE conceitua-se por meio de “histórico escolar que apresente, de forma descritiva, as habilidades e competências atingidas pelos educandos com grave deficiência mental ou múltipla” (BRASIL, 2001, p. 28). Logo, as especificações cabíveis podem compreender a descrição de habilidades e competências alcançadas para um público específico da EE: educandos com grave DI/DM.
Segundo Iacono e Mori (2004), a maioria desses estudantes demandam adaptações curriculares significativas para serem inseridos no contexto de ensino regular, para avançarem nas séries subsequentes e terem terminalidade no ensino fundamental. Assim, independentemente do aproveitamento escolar dos estudantes com DI/DM no ensino fundamental, com ou sem TE, eles têm chegado ao ensino médio regular, conforme registram os dados do censo escolar de 2019 (INEP, 2020).
A inexistência de uma orientação clara sobre a prática da TE, a falta de debates sobre o tema nos espaços de ensino e a ocorrência de poucas discussões nas produções acadêmicas (IACONO e MORI, 2004; LIMA, 2009; ELIAS et al., 2012; SILVA, 2016; MILANESI e MENDES, 2016; PERTILE e MORI, 2018; SANTOS, 2019; SILVA e PAVÃO, 2019) mostram que muitas escolas têm certificado a conclusão da etapa escolar de estudantes público da EE mesmo sem o desenvolvimento mínimo das habilidades e competências requeridas, ora certificando com TE, ora concedendo o certificado de conclusão não diferenciado.
Assim, quando concedida, a TE tem representado a certificação de conclusão de uma etapa formativa e não apenas a certificação da escolaridade efetivamente desenvolvida até então, conforme entendimento registrado pela SEESP/MEC (BRASIL, 2009a, 2009b, 2009c, apud BRASIL, 2015).
A preocupação demarcada por alguns Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) sobre a adoção da TE na formação profissional, registrada em consultas direcionadas ao CNE (BRASIL, 2013; 2015) e em estudos recentes (PERTILE e MORI, 2018; SANTOS, 2019), demonstra que estudantes passíveis de TE também têm ingressado em cursos técnicos de nível médio e de educação superior (SILVA e PAVÃO, 2019).
Entretanto, algumas vezes, esses estudantes têm chegado aos IFs sem considerar as habilidades mínimas necessárias para a continuidade progressiva da aprendizagem nos cursos de formação profissional, que respondem a padrões definidos na Classificação Brasileira de Ocupações (BRASIL, 2020), no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (BRASIL, 2014) e no Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia (BRASIL, 2016). Tal situação pode ser observada na exposição feita pelo IFES5, em consulta ao CNE, sobre a possibilidade de aplicação do estatuto da TE aos cursos técnicos de nível médio, apontando razões para a reflexão.
Os requerentes argumentam que não é a primeira vez que eles constatam, no Espírito Santo, a existência da aprovação automática dos alunos da Educação Especial, como uma forma deturpada da aplicação da chamada “terminalidade específica”, seja por desconhecimento, seja pelo mais genuíno descumprimento da lei. (BRASIL, 2013, p. 2).
Dessa forma, estudantes com grave DI/DM certificados por TE no ensino fundamental, muitas vezes, ao invés de serem encaminhados para EJA e/ou para cursos de qualificação profissional ao nível de suas condições básicas, têm sido encaminhados para o ensino médio, inclusive na modalidade integrada a cursos técnicos de maior complexidade formativa.
Tal situação pode constituir-se em um desafio para os IFs que oferecem cursos técnicos de nível médio nas formas integrada, concomitante ou subsequente, entre outras modalidades de ensino, exigindo um repensar de suas práticas educacionais.
Em geral, o acesso de estudantes com deficiência tem aumentado nos IFs, seja em razão da expansão e interiorização de suas unidades, seja pela implementação de ações afirmativas, estabelecidas pela Lei de Cotas (BRASIL, 2012; 2016a), sem considerar a condição de estudantes com deficiência que concluíram a etapa anterior de ensino por TE.
Assim, os IFs ficam suscetíveis a receberem estudantes que não desenvolveram minimamente os conteúdos previstos na etapa de ensino anterior, o que pode confundir a condição de deficiência com problemas de ensino e aprendizagem. E, aqui, não se trata de negar todos os benefícios sociais e humanitários que a escola, enquanto equipamento social que implementa a política de inclusão, trouxe a qualquer aluno que tenha conquistado o direito de uma vaga em qualquer IF. Trata-se de reconhecer a função de uma instituição de formação profissional, na qual habilidades e competências mínimas são imprescindíveis à formação do ofício para o qual os alunos foram selecionados. Não se resume apenas a garantia de cidadania, mas também de criação as condições ideais para a formação técnica profissional (BRASIL, 2014; 2016; 2020).
Diante do inusitado, os IFs têm recorrido à TE como alternativa para reconhecer o processo formativo de estudantes que foram certificados por ela no ensino fundamental e, em outros casos, que necessitam de processos pedagógicos diferenciados e adaptações tão significativas que não se sustentam como razoáveis (BRASIL, 2015a) para cursos de formação técnica profissional.
Aos IFs implica maior responsabilidade ao processo de certificação por terem a atribuição de reconhecer as aptidões de um profissional que foi capacitado para ingressar no trabalho, ou minimamente preparado para exercer uma profissão de acordo com os Projetos Pedagógicos dos Cursos, amparados em documentações específicas de cursos de formação técnica e profissional no Brasil (BRASIL, 2014; 2016; 2020).
A aplicação da TE, na Educação Profissional, foi problematizada por Pertile e Mori (2018), demarcando-se a diferença quanto à sua aplicação no ensino fundamental.
A terminalidade específica teria na educação profissional uma característica diferente da que se podia esperar no Ensino Fundamental. Neste a finalização dessa etapa da Educação Básica se daria por meio da certificação. No Ensino Profissional, explicaria uma formação com apropriações diferenciadas e portanto, para um exercício profissional especificado a partir da individualidade do sujeito. Seria assim uma expressão em termos de certificação profissional após um processo de adaptações e adequações indispensáveis e que permitiram ao aluno a conclusão do curso. (PERTILE e MORI, 2018, p. 9).
A TE tem representado a possibilidade de finalização de uma etapa formativa nos IFs para que o estudante da EE possa prosseguir na formação profissional ou ser inserido em contextos de trabalho. Mas os que se encontram em situação de grave DI/DM, que não demonstram habilidades e competências mínimas para exercerem as práticas profissionais exigidas em legislação própria, apresentam condição inusitada que precisa ser considerada no âmbito da educação profissional.
O Parecer CNE/CEB nº 5/2019 deu outra compreensão à TE, propondo uma certificação diferenciada, que reconhece o desenvolvimento alcançado pelo estudante público da EE, independente do previsto para a conclusão de curso de formação técnica e profissional, mas, ao mesmo tempo, certifica a conclusão da etapa formativa, com emissão de diploma profissional (BRASIL, 2019).
A proposta é louvável, na medida em que considera a necessidade de realizar um planejamento e acompanhamento individualizado do processo educacional do estudante público da EE, registrando e reconhecendo o seu desenvolvimento escolar efetivo. Contudo, conferir certificação de curso técnico e profissional a estudantes que, mesmo com a realização de adaptações razoáveis, não conseguiram desenvolver habilidades e competências mínimas requeridas para o exercício profissional pode implicar outras dificuldades na continuidade do processo educacional do discente e/ou em sua atuação profissional, assim como questões de responsabilidade jurídica frente aos órgãos de reconhecimento profissional.
Por outro lado, se não houver previsão de conclusão do processo formativo, mesmo que parcial ou diferenciado, para estudantes público da EE que requerem adaptações significativas nos cursos de formação profissional, até quando eles deverão permanecer na mesma etapa de ensino? Deverão ser reprovados em razão de não conseguirem desenvolver as competências previstas para a etapa em questão? Será implementada uma nova modalidade de curso, que responda à previsão da LBI (BRASIL, 2015a) de “aprendizado ao longo de toda a vida”, para esses estudantes?
Assim, na falta de uma orientação clara e objetiva sobre os encaminhamentos e de consenso em relação à TE, os IFs fazem o que é possível para atender os estudantes público da EE dentro do princípio da razoabilidade (BRASIL, 2015a), conforme observa-se em registros de experiências inclusivas de IFs (SANTOS e PONCIANO, 2019; PEROVANO, 2019), seja organizando núcleos de apoio da EE, seja realizando adaptações pedagógicas e/ou flexibilizando currículos e prazos.
Para que não se corra o risco de descaracterizar a proposta da política de educação inclusiva, em decorrência de uma sucessão de equívocos, derivados de interpretações dúbias da legislação, resultantes da ausência de normativas objetivas sobre a TE, faz-se premente a reflexão e a revisão de seu Estatuto.
Assim, o presente estudo propõe-se a discutir a questão da TE para estudantes com DI/DM, prevista na política educacional, com o intuito de investigar sua adoção no âmbito dos IFs.
O presente estudo caracteriza-se como pesquisa exploratória na medida em que propõe-se dar maior clareza ao tema apresentado, possibilitando "proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses" (GIL, 2002, p. 41). Do tipo documental, uma vez que apoia-se na análise de documentos, considerando que “constituem fonte rica e estável de dados” (GIL, 2002, p. 46). E de abordagem qualitativa (FLICK, 2009; MINAYO, 2015), já que busca responder às questões específicas de uma dada realidade, trabalhando na perspectiva dos motivos e significados (MINAYO, 2015, p. 21), possibilitando a apropriação de métodos e teorias, observação e análise de diferentes perspectivas, reflexão e pluralidade de abordagens e métodos (FLICK, 2009, p. 23).
A coleta de dados foi realizada através de consultas ao Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-Sic)6 e aos sites oficiais de cada um dos 38 IFs existentes no Brasil (BRASIL, 2019a). As consultas foram realizadas no período de novembro de 2019 a março de 2020, por meio da abertura de processo no e-Sic, solicitando informações sobre a regulamentação e aplicação da TE e da identificação de documentos institucionais7 que referenciassem as ações inclusivas e a TE disponíveis nos sites oficiais dos IFs. A busca nos sites ocorreu por meio da identificação do setor organizacional de referência das ações inclusivas e seus documentos disponíveis, e pela pesquisa, no canal de buscas de cada site, dos seguintes termos: Terminalidade Específica, Política de Inclusão e NAPNE.
Os dados coletados foram explorados a partir da análise de conteúdo de Bardin (1977), mediante leitura sistemática dos documentos institucionais e das respostas dos IFs identificadas na etapa de pré-análise, seguida da etapa de exploração do material, com organização de dados, tratamento das informações e codificação a partir dos conteúdos mais relevantes e comuns, possibilitando a identificação e organização de categorias e subcategorias temáticas a serem trabalhadas e interpretadas na etapa de tratamento dos resultados.
A partir das etapas de pré-análise e de exploração do material coletado, previstas na análise de conteúdo (BARDIN, 1977), foram definidas duas categorias temáticas para o presente estudo, considerando a pertinência com os materiais de análise, buscando refletir as intenções da investigação e abarcar as questões/unidades de análise, identificadas na codificação do conteúdo (Quadro 1).
As unidades de análise, apresentadas em forma de questões, foram definidas a partir da decomposição e codificação dos conteúdos dos materiais, na etapa de exploração, expressando aspectos comuns e relevantes da temática que, por sua vez, orientaram as reflexões empreendidas em cada categoria temática.
Foram identificados e analisados 598 documentos oficiais relacionados a ações de inclusão e atendimento aos discentes público da EE, entre políticas, planos/normativas de acessibilidade, regulamentos de núcleos de apoio e de atendimento especializado, propostos por 34 (89,5%) IFs9.
O exame pormenorizado desses registros documentais deu-se a partir da identificação e reflexão de pontos comuns e de conteúdos relevantes para o objetivo pretendido na investigação, na perspectiva da análise de conteúdo de Bardin (1977).
A exploração dos documentos permitiu confirmar o que demonstram estudos recentes sobre práticas inclusivas desenvolvidas em IFs (SANTOS e PONCIANO, 2019; PEROVANO, 2019): que as políticas inclusivas nessas instituições têm buscado oferecer recursos e serviços de apoio da EE, objetivando ampliar a participação dos estudantes público da EE nos processos de ensino e aprendizagem e favorecer sua formação profissional, organizando-se em torno da política de EE (BRASIL, 2008a).
Observa-se, assim, que grande parte dos IFs (89,5%), apesar de não dispor de uma política ou programa de inclusão específico da Rede Federal10 (NASCIMENTO e FARIA, 2013; OLIVEIRA, 2017), tem organizado suas práticas inclusivas e institucionalizado núcleos de referência para EE.
Os Núcleos de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNEs) e, no caso do IF Sudeste MG, o Núcleo de Ações Inclusivas (NAI) estão previstos em todos os referidos IFs, apesar de identificados apenas 22 (37%) Regulamentos e 4 (6,7%) Regimentos de NAPNE.
O NAPNE foi proposto a partir do Programa Educação, Tecnologia e Profissionalização para Pessoas com Necessidades Específicas (TEC NEP), destinado à Rede Federal, que disponibilizou recursos financeiros, capacitando servidores e propondo a implantação dos NAPNEs em todos os IFs para atuarem como setores estratégicos para o estabelecimento da cultura inclusiva (ANJOS, 2006; NUNES, 2012; NASCIMENTO e FARIA, 2013).
Apesar do Programa ter sido vigente apenas entre os anos 2000 e 2011, foi a única experiência de organização da educação inclusiva na Rede Federal e, por isso, ainda influencia as ações dos IFs, como a implementação dos NAPNEs, que, por sua vez, ganha características particulares de funcionamento em cada IF (NASCIMENTO e FARIA, 2013; OLIVEIRA, 2017).
Em relação à TE, tema que não chegou a ser abordado no extinto Programa TEC NEP, foi possível identificar que poucos IFs a regulamentaram. Constatou-se que, até o ano de 2020, apenas 13 deles (34%) mencionam a TE nos documentos analisados, conforme apresenta o Quadro 2.
A maior parte (75%) dos documentos identificados no Quadro 2 é recente, tendo sido publicada entre os anos de 2016 e 2018.
Faz sentido esse movimento recente dos IFs para planejar e organizar a TE, em virtude de que o entendimento de que ela poderia ser adotada no ensino técnico de nível médio deu-se de forma mais evidente a partir do Parecer do CNE/CBE (BRASIL, 2013).
Soma-se a esse fato, a alteração da Lei de Cotas (BRASIL, 2016a), que, a partir de 2016, condicionou os IFs a reservarem parte de suas vagas para ingresso de estudantes com deficiência, possibilitando a ampliação desse público nas instituições e requisitando a reformulação de práticas educacionais.
Os documentos de 4 IFs (30,7%), dentre os quais estão os três mais antigos (IFRO, 2011; IFMT, 2013; IFPB, 2015; IFBA, 2017), mencionam a TE apenas como garantia legal, reproduzindo o texto da LDBEN sem explicitar uma proposta de ação.
A maior parte dos instrumentos analisados não define em quais níveis de ensino a TE pode ser aplicada, apenas 4 (33,3%) indicam que seja a cursos técnicos (integrados, concomitantes ou subsequentes ao ensino médio) e a cursos de graduação, excluindo apenas a pós-graduação, que, por sua vez, costuma ser regulamentada à parte.
Assim, infere-se que os IFs coadunam com a análise de Silva e Pavão (2019) sobre a adoção da TE no ensino superior, pois, como estratégia da EE, envolve todas as modalidades e níveis de ensino, conforme propõe a política de educação inclusiva (BRASIL, 2008a).
Alguns documentos ampliam o público da TE, considerando, para além do público definido em legislação, estudantes “que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências” (BRASIL, 1996), ou seja, aqueles com grave DI/DM (BRASIL, 2001; 2001a), também aqueles com deficiências em geral ou deficiências graves, TGD e, até mesmo, dificuldades de aprendizagem, indo ao encontro do proposto pelo Parecer no CNE/CEB nº 5/2019 (BRASIL, 2019).
O público foco de atenção da certificação diferenciada é o seguinte: a) Deficiência física, auditiva, visual, intelectual ou múltipla (Decreto nº 5296/04); b) Transtorno do espectro autista (Lei nº 12.764/2012); c) Transtornos funcionais específicos da aprendizagem (dislexia, disgrafia, discalculia, dislalia, disortográfica, déficit de atenção e hiperatividade) ou outra condição que imponha alguma dificuldade de aprendizagem. (BRASIL, 2019, p. 7).
Este fato pode representar uma preocupação, já que considera a necessidade de conceder TE a um público que talvez necessitasse apenas de adaptações curriculares e/ou pedagógicas razoáveis e pouco significativas, ou seja, que não alteram substancialmente o currículo para progredirem na formação.
Conforme já observado por Iacono e Mori (2004) e Lima (2009), em uma interpretação equivocada da TE, pode-se correr o risco de induzir a abreviação da formação de um maior número de estudantes público da EE, seja com relação ao tempo ou ao conteúdo.
Todos os documentos dos IFs em análise demarcam a previsão de realização de adaptações curriculares para todos os estudantes público da EE que necessitarem; e a concessão da TE tem o registro desse processo com prerrogativa.
O documento do IFB demarca essa compreensão desde o seu início: "o centro dessa discussão são as adaptações/adequações curriculares e, somente no caso dessas adaptações/adequações não serem suficientes, ocorrerá a certificação por Terminalidade Específica" (IFB, 2018, p.6).
Sobre esse aspecto, ressalta-se que a realização de adaptações curriculares razoáveis deve ser garantida a todos estudantes público da EE que necessitarem, de modo a atender às suas características e "garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia" (BRASIL, 2015a). Mas, a realização de adaptações curriculares, apesar de constituir condição imprescindível para a ocorrência da TE, não deve estar exclusivamente relacionada a ela.
Assim sendo, para a organização da EE no ensino técnico profissional, faz-se necessário promover, entre outras condições,
flexibilizações e adaptações curriculares, que considerem o significado prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, em consonância com o projeto pedagógico da escola, respeitada a frequência obrigatória. (BRASIL, 2001, p. 22).
É importante, portanto, que sejam realizados planejamentos das ações e adaptações necessárias ao atendimento dos estudantes público da EE em geral, com registro, acompanhamento e avaliação das mesmas, independentemente do desdobramento em TE.
A proposta do Plano Educacional Individualizado (PEI) responde a essas demandas, na medida em que propõe o planejamento, o registro e a avaliação de ações pedagógicas para facilitação da aprendizagem do estudantes público da EE, e possibilita "promover práticas de ensino customizadas a partir das especificidades de cada aluno" (GLAT e PLETSCH, 2013, p. 20). O PEI pode ser caracterizado, basicamente, como
um registro escrito avaliativo, formulado em equipe, que busca respostas educativas mais adequadas para as necessidades educacionais especiais apresentadas em processos de escolarização de estudantes que exigem caminhos alternativos para sua aprendizagem. (MAGALHÃES, CUNHA e SILVA, 2013, p. 45).
A maioria dos IFs (69%) registra, nos documentos em análise, a utilização do PEI ou outro instrumento de planejamento, acompanhamento e avaliação do atendimento aos estudantes público da EE, como: Plano de Desenvolvimento Individual, Plano de Ensino Especial, Plano de Ensino Adaptado e o Plano de AEE.
O AEE, por sua vez, é mencionado como prática de inclusão em 8 (61,5%) IFs que preveem a TE. Mas apenas 5 (38,5%) apresentam mais detalhes, por exemplo, a descrição de sua organização e a disponibilização de modelo de plano de AEE.
Pertile e Mori (2018, p.1) destacam a importância da implementação do AEE e da TE, nos IFs, para favorecer o processo educacional e de formação dos estudantes público da EE, indicando que há necessidade de
ampliar as discussões sobre formas de organização diferenciadas dos processos educacionais e a importância do Atendimento Educacional Especializado (AEE) no ensino profissional para a permanência dos alunos e constituição de uma formação que atenda às necessidades desses sujeitos, principalmente da indicação do uso da terminalidade específica para a certificação.
Na organização da TE, destacam-se o IFC, o IFES, o IFF, o IFFAR e o IFSul, que preveem, em seus documentos, a organização da TE de forma mais detalhada, com definição de procedimentos e apresentação de formulários modelos.
O IFC indica que a TE será definida por parecer descritivo da equipe do AEE, a partir de processo, no qual conste todos os registros previstos e padronizados do estudante (Plano de AEE, Plano de Acessibilidade ao Componente Curricular e Parecer de Desempenho no Componente Curricular), para chancela pela Pró-reitoria de Ensino (IFC, 2018).
O IFES propõe que a TE seja definida por comissão examinadora própria (instituída pela Diretoria de Ensino), a partir de todos os registros previstos e padronizados para o estudante (Registro de Atendimento Inicial, PEI, Relatório Individual para TE, Relatório do Coletivo Docentes Sobre o Discente Acompanhado) e das discussões sobre o mesmo em reuniões pedagógicas intermediárias e finais. Ademais, apresenta formulário para parecer de comissão examinadora sobre a certificação por TE e modelo de descrição de TE para registro no diploma e histórico escolar (IFES, 2017a).
O IFF, por sua vez, indica que a TE será definida por comissão examinadora própria, composta pela Diretoria de curso, Coordenação de curso, Docente do componente curricular e Equipe técnico-pedagógica, que embasará seu parecer nos registros previstos e padronizados (Plano de Ensino Adaptado e Relatório Individual de Alunos com Deficiência), realizados pelos professores em cada componente curricular (IFF, 2018).
O IFFar demarca que a TE será definida por comissão examinadora própria (instituída pela Diretoria de Ensino), que baseará seu parecer nos registros, previstos e padronizados, do processo de ensino e aprendizagem do estudante (Formulário para registro pelos professores das adaptações realizada e modelo de Parecer Pedagógico Descritivo Semestral). Além disso, apresenta modelo de parecer de banca examinadora para TE e modelo de descrição para diploma e histórico escolar em caso de TE (IFFAR, 2019).
Já o IFSul aponta que a TE será definida em colegiado pela Câmara de Ensino, a partir de um Projeto de TE, constando todos os registros, previstos e padronizados, de acompanhamento do estudante (Plano de AEE, Instrumento de Diagnóstico Escolar, Plano de Ensino Especial para cada componente curricular). É previsto também que o Projeto de TE deve ser o Projeto Pedagógico do Curso reformulado, constando todas as adaptações e flexibilizações adotadas para atender às necessidades do estudante (IFSUL, 2016a).
Os documentos do IFBaiano e o IFGoiano também organizam os procedimentos para TE, mas não apresentam os modelos padronizados.
Todos esses IFs, que organizam de forma mais detalhada a certificação por TE, preveem a emissão de diploma regular do curso, inserindo nota indicativa de TE no verso e/ou incorporando indicação no histórico escolar, no qual, em todos os casos, serão elencadas as competências desenvolvidas pelo estudante, de modo similar ao proposto no Parecer CNE/CEB nº 5/2019 (BRASIL, 2019), já mencionado.
Ressalta-se, de modo especial, o IFC por ser o único a propor uma articulação com os conselhos profissionais a fim de viabilizar a atuação profissional dos estudantes certificados por TE, indicando que "a equipe de AEE deverá, nos casos de certificação por terminalidade específica, realizar articulação com os conselhos profissionais, a fim de viabilizar a atuação dos profissionais no mercado de trabalho" (IFC, 2018, p. 12). Apesar de não especificar como aconteceria tal articulação, sinaliza uma preocupação, já mencionada inicialmente, como questionamento à proposta de certificação diferenciada, desenhada no Parecer do CNE/CEB nº 5/2019 (BRASIL, 2019).
Outra constatação diz respeito à definição da TE nos instrumentos selecionados dos IFs. Com exceção do IFC, nenhum outro documento examinado define a TE sem fazer referência direta ou muito próxima do texto da legislação. Fato que pode ser um indicativo da dificuldade de interpretação do significado da proposta, tendo em vista a complexidade de situações e interpretações que envolvem o estatuto da TE, conforme supracitado.
Ainda sobre a organização da TE, alguns IFs, como é o caso do IFF e do IFB, preveem a certificação intermediária como possibilidade de certificação diferenciada a depender de cada caso.
Aos alunos que não puderem obter o certificado para terminalidade do curso pleiteado, devido a suas limitações, será conferido um certificado de formação intermediária, observando-se Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT), emitido pelo MEC em junho de 2012, com edição revisada em abril de 2014 e Classificação Brasileira de Ocupações ‒ CBO ‒ bem como os objetivos atingidos pelo aluno de forma individual, conforme normatizam a Portaria Interministerial nº 5/2014, artigo 4º e também o Decreto nº 3.298/1999, artigo 28, § 2 e 3. (IFF, 2018, p. 34).
A certificação intermediária, na Educação Profissional, está amparada no Art. 15 das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 2018).
Na organização do itinerário de formação técnica e profissional podem ser ofertados tanto a habilitação profissional técnica quanto a qualificação profissional, incluindo-se o programa de aprendizagem profissional em ambas as ofertas. [...] O itinerário formativo possibilita a concessão de certificados intermediários de qualificação profissional técnica, desde que seja estruturado e organizado em etapas com terminalidade, segundo os interesses dos estudantes, as possibilidades das instituições e redes de ensino, as demandas do mundo do trabalho e a relevância para o contexto local. (BRASIL, 2018, p. 9).
Nesse caso, o estudante não teria a certificação regular do curso sem ter as competências mínimas para exercer a profissão, de modo a evitar consequências futuras na continuidade dos estudos ou no trabalho, conforme já demarcado, e também não sairia do contexto da Educação Profissional sem nenhuma certificação, como se todo esforço empreendido no processo formativo tivesse sido em vão.
Todavia, ao considerar as falhas de compreensão da TE, já expostas na introdução desse artigo, deve-se refletir ainda sobre a existência de casos mais extremos de estudantes com graves deficiências e substantiva defasagem na aprendizagem que podem acessar cursos de formação profissional.
Nesses casos, talvez seja mais difícil certificar a conclusão de um curso de formação profissional de nível médio ou superior com o desenvolvimento das habilidades e competências mínimas previstas, ou até mesmo, conseguir certificar uma qualificação profissional intermediária dentro do respectivo curso. Sem contar as situações em que a certificação de uma etapa de escolaridade regular, como o ensino médio, pode estar condicionada à uma formação profissional, como no caso dos cursos técnicos ofertados na forma integrada ao ensino médio.
Quando a investigação volta-se para a prática da certificação por TE nos IFs, as evidências tornam-se menores.
Dentre os 38 IFs existentes e pesquisados, apenas 6 (15,8%) indicaram ter certificado algum estudante por TE, conforme apresenta o Quadro 3.
Nos últimos cinco anos (2015 a 2019), 11 discentes com deficiência foram certificados por TE nos IFs. Aparentemente, um número pequeno; no entanto, na ausência de um censo que discrimine o número de estudantes com deficiência matriculados e concluintes nos IFs, fica difícil fazer uma análise mais objetiva.
Ao explorar os dados relativos às certificações por TE realizadas pelos IFs, observa-se que, em grande parte, elas ocorreram em cursos técnicos, na modalidade integrada ao ensino médio ou subsequente a ele, com exceção de um caso de curso superior de tecnologia e um relativo a curso técnico integrado ao ensino médio na modalidade de EJA.
A maior parte dos estudantes certificados, o que totaliza 6 (54,5%) deles, possui deficiência intelectual (DI); além disso, outros 2 (18,2%) discentes certificados não tiveram a deficiência declarada e, ainda, 3 (27,3%) alunos possuem deficiência física.
Nota-se que a aplicação da TE não tem sido restrita ao público previsto na legislação em vigor, aos "educandos com grave deficiência mental ou múltipla” (BRASIL, 2001, p. 28). Ademais, a TE concedida aos estudantes com deficiência física não encontra amparo na legislação vigente, além de não possuir respaldo no âmbito da própria instituição, a qual não dispõe de regulamentação específica sobre TE.
Outrossim, metade dos IFs que já certificaram estudantes por TE (IFAP, IFMT e IFSP) não possui regulamentação para tal procedimento, ou mesmo não preveem tal processo em seus documentos públicos relacionados a ações inclusivas.
Percebe-se ainda que apenas 3 (27,3%), dos 11 estudantes em análise, apresentaram certificação por TE da etapa anterior de escolaridade, sendo 2 com deficiência física e 1 com DI.
Tal fato evidencia que, na educação básica ofertada por outras redes de ensino, também não tem sido observado o público passível de TE definido na legislação. Parece, portanto, que a TE está sendo endereçada a qualquer estudante público da EE que não consiga desenvolver as habilidades e competências mínimas previstas para a etapa escolar e/ou para o qual a escola tenha dificuldade de oferecer condições acessíveis de desenvolvimento e progressão.
O único estudante identificado com DI severa obteve TE em curso superior de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, do IF Goiano. Ele já havia recebido certificação por TE na etapa anterior de ensino, o que significa que não conseguiu desenvolver as competências mínimas do ensino médio, contudo, progrediu para a etapa de ensino posterior, no caso, em curso superior.
No entanto, outro estudante, também com DI, que obteve certificação por TE, no IFSP, em curso Técnico em Mecânica integrado ao ensino médio na modalidade de EJA, não apresentou a certificação da etapa anterior ou atual de ensino por TE, podendo ser do ensino fundamental ou ensino médio regular. Todavia, tendo sido certificado no IFSP, na modalidade de EJA, pode-se extrair que, para além da ultrapassagem da faixa etária prevista para alguns níveis de ensino, o estudante não desenvolveu as competências mínimas da etapa de ensino anterior/atual e, por esse motivo, não progrediu para a etapa posterior de ensino, que poderia ser o ensino médio regular, curso técnico concomitante/subsequente ao ensino médio ou superior.
A interpretação de ambos os casos confirma a situação descrita anteriormente, de uma certa ambivalência da TE. Ora representando a conclusão de uma etapa ensino, conforme exprimem alguns aparatos legais (BRASIL, 1996; 2001; 2001a), ora representando a certificação da escolaridade desenvolvida na etapa de ensino, conforme circunscrevem as interpretações mencionadas da SEESP/MEC (BRASIL 2009a, 2009b, 2009c apud BRASIL, 2015).
s e, inclusive, vir a descaracterizar a proposta de educação inclusiva, na medida em que possibilita o entendimento da TE como uma prática discriminatória de estudantes por motivo de deficiência e como uma prática impeditiva para realização de aprendizagens ao longo da vida. No que concerne à adoção da TE no âmbito dos IFs, foi possível constatar que a regulamentação e implementação da TE ainda é uma realidade pouco expressiva e eficaz. Apenas 13 IFs (34%) preveem este estatuto em seus documentos e somente 6 (15,8%) certificaram estudantes por TE.
O conteúdo dos materiais analisados evidenciou interpretações subjetivas e diferenciadas sobre a adoção da TE, seja com relação à sua organização, prevendo ou não a certificação intermediária e a preocupação com a inserção profissional do estudante certificado por TE, seja com relação ao público a que se destina.
Foi possível constatar que os IFs têm assumido a TE para a conclusão de uma etapa formativa profissional, certificando regularmente, de acordo com o previsto para cada curso, e declarando apenas as habilidades e competências desenvolvidas, na perspectiva de uma atuação profissional possível, mostrando à sociedade a incompletude da formação técnica profissional.
Todavia, reconhecendo as limitações desse estudo, que não possibilitou uma análise mais aprofundada dos casos de certificação por TE em cada IF, reforça-se a necessidade de realização de mais estudos e discussões sobre a TE, tendo como suporte a Declaração de Incheon (UNESCO, 2015) e a LBI (BRASIL,2015a), as quais preveem “educação ao longo da vida” para o público da EE. Inclusive há necessidade de discussão sobre a TE no contexto da educação básica, a qual incumbe orientar e direcionar os estudantes com DI/DM para processos de socialização, escolarização, profissionalização e/ou empregabilidade futuros, uma vez que esse público, apesar das previsões da Convenção (BRASIL, 2007; 2008; 2009), ainda carece de normativas objetivas que garantam sua participação efetiva na sociedade.