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Recepção: 30 Março 2017
Aprovação: 02 Agosto 2017
DOI: https://doi.org/10.4013/edu.2017.213.03
Resumo: Este artigo realiza uma revisão crítica da literatura acerca do tema socialização de professores universitários iniciantes. Para tal, foram selecionados, por meio do SciELO e do Google Acadêmico, artigos publicados entre 2004 e 2014, com os descritores “professores universitários”, “socialização de professores universitários”, “professores universitários iniciantes”, “docência no ensino superior”, “trabalho do professor universitário”. Na revisão, foram construídos os seguintes descritores temáticos: a localização teórica da pesquisa revisada, as metodologias utilizadas, os resultados e as conclusões em ordem cronológica de publicação. Dentre os principais achados, de acordo com a literatura revisada, destacam-se: os professores universitários possuem poucos programas de formação nas universidades, as profissões de origem podem ter maior impacto no exercício profissional do que a pedagogia universitária, a resiliência exerce influência positiva no processo de socialização e as instituições universitárias exercem um papel limitado na entrada de novos professores.
Palavras-chave: professores universitários, socialização, ensino superior.
Abstract: This article presents a critical review of the literature on the topic socialization of beginner professors. To this end, articles published between 2004 and 2014 were selected by SciELO and Google Scholar with the descriptors “university professors”, “socialization of university professors”, “novice professors”, “teaching in higher education,” and “teacher’s work university”. In the review, the following thematic descriptors were built: the theoretical location of the revised research, the methodologies used, the results and conclusions in chronological order of publication. Among the main findings, according to the literature reviewed, are: academics have few training programs in universities, the source professions may have greater impact on the professional practice than the university pedagogy, resilience exerts a positive influence on the process of socialization and academic institutions play a limited role in the entry of new professors.
Keywords: college professors, socialization, college.
Introdução
No contexto da ampliação do ensino superior público no Brasil oferecido pelas universidades federais, o objetivo do artigo foi revisar estudos e pesquisas que versam sobre o tema socialização profissional de professores do ensino superior, no contexto do aumento do número de docentes nas instituições federais de ensino. No percurso efetuado podemos notar que nem todos os artigos são específicos e nem sempre possuem recortes de pesquisa precisos. Alguns, por exemplo, passam pela questão da socialização indiretamente. Por se tratar de tema escasso na bibliografia especializada, estes também serão revisados, no intuito da construção de um quadro acerca das pesquisas da área.
O levantamento realizado fez-se necessário pelo crescimento do número de funções docentes nas instituições federais de ensino superior brasileiras. É nesse contexto que a revisão se sustenta e se justifica, uma vez que esse quantitativo assumiu patamares historicamente novos na última década, conforme a Tabela 1.
O recorte preciso do número de funções docentes construídosa partir das Sinopses Estatísticas da Educação Superior, disponibilizado pelo INEP/MEC (Brasil, 2013) em seu sítio oficial, demonstra o dobro do número de professores entre 1995 e 2013. A expansão do ensino superior também pode ser visualizada no Gráfico 1, que mostra a tendência de crescimento da última década. Sob o efeito principal do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) e da interiorização das universidades, a tendência de crescimento se manteve constante nos últimos 10 anos, com picos de crescimento das funções docentes a partir de 2008.
Se no ano de 1995 tinham-se 51.252 funções docentes registradas, em 2013 esse número saltou para 101.376 professores. O crescimento das funções docentes, nesse contexto, também foi acompanhado pelo crescimento do número de instituições federais de ensino. Conforme o Gráfico 2, em 1995, o Brasil contava com 57 instituições federais de ensino. Em 2013, esse número saltou para 106 instituições federais. Ressalta-se que o número de instituições não contém a construção de campi avançados de ensino, principalmente no interior do país. A título de exemplo, a Universidade Federal de São João Del Rei e a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, ambas em Minas Gerais, possuem campi em quatro cidades diferentes. Como estas instituições, muitas outras assumiram o papel de descentralização do ensino superior federal.
A partir desse preâmbulo, a revisão da bibliografia especializada sobre as formas de socialização dos professores universitários iniciantes foi realizada no Google acadêmico e SciELO, entre os anos de 2004 e 2014, com as expressões-chave: “professores universitários”, “socialização de professores universitários”, “professores universitários iniciantes”, “docência no ensino superior”, “trabalho do professor universitário”. É importante ressaltar que alguns artigos foram encontrados a partir da analise da revisão de outros artigos, a partir do critério de importância do tema. Na revisão, foram realizados os seguintes descritores temáticos: a localização teórica da pesquisa realizada, as metodologias utilizadas, os resultados e as conclusões, todos em ordem cronológica. Os resultados encontrados são discutidos a seguir.
A socialização dos professores universitários iniciantes na literatura
No Brasil, uma das principais pesquisadoras que discute a docência no ensino superior é a Professora Doutora Maria Isabel da Cunha. Em artigo de 2004, a pesquisadora reflete e analisa as práticas pedagógicas comuns no ensino superior e sua relação com a formação de professores, a cultura profissional das profissões de origem dos professores universitários e as políticas públicas para a universidade. Trata-se de artigo de revisão, de base reflexiva sobre a bibliografia especializada da área, tendo como base de discussão autores como Maurice Tardif e colaboradores e Boaventura de Souza Santos - o primeiro, para embasar as discussões sobre os saberes dos professores universitários; e o segundo, para demarcar as bases epistêmicas e paradigmáticas da atuação do professor no paradigma da complexidade.
Uma das principais hipóteses defendidas por Cunha (2004) se refere aos saberes dos professores universitários, que são permeados pelos saberes da sua profissão de origem. Dessa forma, antes de ser professor engenheiro, o acadêmico é engenheiro. Nessa perspectiva, antes de qualquer conhecimento pedagógico, há um conhecimento técnico da área. Os alunos seriam socializados na área como os seus professores engenheiros foram socializados quando na graduação.
Juntamente a esta tradição das áreas técnicas, Cunha (2004) sustenta que a pedagogia possui pouco impacto, principalmente por ser área confundida com atendimento exclusivo de crianças. Se, por um lado, a pedagogia não possui entrada na prática universitária, principalmente por ser reconhecida no cuidado de crianças, o que ou qual prática assume o seu lugar? Nesse caso, a autora observa que a ciência normal, a mesma presente na formação de profissional das profissões de origem dos professores, permeia todas as práticas na universidade, havendo pouco espaço para questionamento e proposição de práticas inovadoras.
Ao propor o papel das ciências da educação na formação pedagógica de professores universitários, a autora elenca a formação técnica como desafio para qualquer tentativa de inovação na prática pedagógica dos professores. O que chama mais a atenção é a característica da profissão de professor universitário na pesquisa desenvolvida por Cunha (2004): trata-se de profissional do ramo técnico que primeiro privilegia sua profissão de origem e, só depois, vê-se como professor universitário.
Em outra via de análise, Roldão (2005) examina os descritores da profissionalidade docente que julga mais consensuais na bibliografia da área educacional. Essa autora analisa o ensino superior e não superior e suas características, mais especificamente: o saber, a coletividade e a função docentes, tendo como base teórica principal para refletir o tema autores como Claude Dubar, teórico e pesquisador do tema da socialização profissional.
Em exameda profissão docente na educação básica, a autora destaca que o saber dos professores e sua função são indissociáveis, caso se queira pensar a docência como profissionalidade. O saber pelo saber não possui função. Com as necessidades atuais, refletir sobre o professor como profissional que ensina algo a alguém é o salto de qualidade para a profissionalidade. O ensino seria, portanto, exclusivo de sua função (Roldão, 2005).
Quanto ao poder de decisão, Roldão (2005) destaca que, uma vez que os professores agem na solidão de suas salas e colocam seu trabalho à prova de um coletivo, há uma diminuição das possibilidades de serem considerados profissionais. Isso ocorre porque o fundamento para a ação cria um individualismo de sua prática. Em outras palavras, a sacralização da liberdade de cátedra reduz significativamente a possibilidade de construção coletiva, exceto na organização sindical para reclamar salário ao Estado-patrão. A crença da solidão “[...] socialmente construída e persistentemente passada na cultura docente é, à luz dos referentes desta análise, indicador de não profissionalidade” (Roldão, 2005, p. 112).
Por fim, Roldão (2005) compara as formas profissionais da educação básica com as formas profissionais na educação superior. Destaca, primeiramente, a função de poder exercida por docentes universitários, algo que é fundamentado historicamente - dado o prestígio das universidades - e serve de exemplo para os outros níveis de ensino. O poder exercido pelos professores do ensino superior possui dimensão tal que serve de exemplo e guia para professores de outros níveis de ensino. Uma das principais características desse poder é a possibilidade de definição dos currículos, das progressões, dos acessos à carreira, dentre outros, algo quenão é encontrado na educação básica, mas que serve de modelo para esta (Roldão, 2005).
Este tipo de identidade profissional é a de professar um saber e está presente na educação superior. Junto a isso e desafiado pelas mudanças contemporâneas, foram acrescidas ao poder de professar as práticas de investigação e pesquisa no ensino superior. Para Roldão (2005), há um paradoxo evidente: enquanto as práticas de pesquisa são incentivadas em grupo, o ensino na sala de aula ficou intocado como atividade individual.
Behrens (2007) revisa os principais paradigmas que incidem sobre a formação e prática docentes, destacando a docência no ensino superior, e lança a questão da formação de professores no ensino superior com bases diversificadas e amplas, nessasua revisão em forma de ensaio, utilizando autores como Edgard Morin, Donald Schön e Antônio Nóvoa.
A autora faz ampla revisão dos modelos tradicionais de educação, século a século, paradigma a paradigma, destacando dois principais modelos de formação: o modelo conservador, baseado no treino e repetição de práticas e saberes, e o modelo com base na complexidade, com características que tendem à reflexividade e coletividade da formação dos professores, destacando este modelo como desafio para a formação do professor universitário.
Nesse contexto, Behrens (2007) cita várias situações próprias às universidades, tais como: ausência de programas específicos para formação dos seus professores, a relação da área do conhecimento com a prática pedagógica e a necessidade de acompanhamento pedagógico aos professores universitários. Encerra destacando a importância da reflexividade na formação, oportuna e recorrente no discurso educacional em autores como Donald Schön.
Em uma direção mais específica, Bozu (2009) relata pesquisa sobre socialização de professores universitários iniciantes. Destaca que o tema é mais discutido na educação básica, sendo escassas as publicações para o público específico “professor do ensino superior”. A referida autora define indução profissional como a socialização acompanhada de programas universitários de facilitação do início da carreira. Não há diferenciação técnica entre indução e socialização. Neste caso, os dois processos são concomitantes, exceto pela presença da instituição no processo. Neste processo há dois fenômenos circunscritos: a transição de aluno a professor e o processo de desenvolvimento profissional - que pode ou não contar com programas institucionais.
Sobre a socialização de professores universitários, Bozu (2009) a define como o processo pelo qual o iniciante adquire e internaliza a cultura do local de trabalho. Os principais elementos desta etapa, dentre outros, são os fatores pessoais da história de vida de cada professor; os percursos formativos, quais sejam a pós stricto sensu, o tipo de graduação, o exercício profissional, dentre outros; e a compreensão da cultura institucional, com as formas de funcionamento da instituição, as regras de convívio, dentre outros. Dentre as conclusões, sobressaem-se: a crescente preocupação com os novos docentes e o papel da indução profissional no processo de socialização no que tange à formação didática, principalmente por parte dos grupos gestores da universidade.
No contexto da omissão legal dos órgãos institucionais, Cunha (2009) busca mapear o lugar da formação pedagógica dos professores do ensino superior. A autora entrevistou 12 sujeitos egressos de mestrado e doutorado em educação, porém com áreas de formação na arquitetura, medicina, enfermagem, matemática, fisioterapia, nutrição e informática. A pesquisadora explorouuma área de estudo da docência na educação superior não contemplada por nenhum outro artigo: a possibilidade dos programas de pós-graduaçãostricto sensu em educação servirem de locus formativo para professores de outras áreas do conhecimento que nãodas ciências humanas. Dentre os achados do estudo, destacam-se: a base de formação profissional - que não foi suficiente para o exercício da docência; a vontade de compreensão da própria prática; a legitimação profissional e o fato de ser o programa disponível para ser cursado.
Pinto (2010) se propõe a refletir sobre os saberes docentes construídos na prática profissional, a partir do amparo da epistemologia da prática, em contraposição à ciência normal. Em forma de ensaio, no qual utiliza Maurice Tardif como principal interlocutor, a autora discute os conceitos de prática profissional e a aquisição de saberes. Faz uma interlocução entre os saberes docentes, o exercício profissional e o papel da socialização profissional, todos tidos como indissociáveis.
No tocante ao ensino superior, Pinto (2010) não faz qualquer referência a este público, apesar de apontar uma pesquisa com professores universitários como ponto de partida para esta reflexão. Uma reflexão pertinente e rica se refere à importância da socialização na prática profissional: a autora parte do axioma de que toda profissão é um construto social e a socialização se dará de modo permanente no contato com as instituições: não é um processo estanque, pois provoca mudanças pessoais e possui diferentes graduações. O marcador principal do processo de socialização ocorre até três anos de exercício profissional. Nesse intervalo, os professores iniciantes passam por toda uma gama de adaptações e enfrentamentos. Após esse período, destaca-se o equilíbrio da atividade profissional, no qual, em geral, são percebidas poucas mudanças no exercício das funções (Pinto, 2010).
Cunha e Zanchet (2010) analisam e revisam as formas de inserção dos professores iniciantes no ensino superior no contexto da “massificação” do acesso a este nível de ensino, através da revisão de estudos e apontamento de tendências nesta área. Problematizam, ainda, a linearidade vertical da formação stricto sensu e a ausência correlata de formação didática. As autoras adotam como marcos teóricos principais Bernard Lahyere Antônio Nóvoa, ambos utilizados no intuito de refletir acerca dos processos de questionamentos do que é evidente e, aparentemente, tornou-se axioma do real, mas diz pouco sobre este real. Nesse contexto, as prescrições do processo de socialização podem indicar um caminho aparentemente estável e livre de conflitos. Na prática, no entanto, percebe-se um processo de grandes modificações pessoais e profissionais que nem sempre são acompanhadas pelas práticas das equipes de gestão das universidades.
A partir do quadro analítico que Cunha e Zanchet (2010) construíram na revisão da bibliografia especializada, foram estruturadas as seguintes tendências na análise do processo de socialização de professores iniciantes: a tutoria de professores iniciantes, a construção de saberes docentes, os saberes docentes e os estágios, a inserção profissional, os professores iniciantes em contextos desfavoráveis, os professores iniciantes e a educação digital, a formação de formadores de professores e a iniciação à docência e à pesquisa. Pode-se observar, portanto, que são várias tendências e vertentes de análise com campo de estudo dos professores iniciantes. No entanto, sugere-se que nenhuma das microáreas citadas possui robustez teórica e metodológica, pois, de acordo com Bozu (2009), a área possui poucas investigações. No tocante à vasta lista citada pelas autoras, o artigo é diretivo ao sugerir linhas de pesquisa dentro da área da socialização profissional de novos professores do ensino superior.
Cunha e Zanchet (2010) ainda enumeram dilemas específicos da educação superior que se trazem nesta revisão no intuito de circunscrever a temática de pesquisa: a formação em pesquisa e quase ausência de formação pedagógica, a prioridade das práticas de pesquisa na universidade e a “propositiva” diminuição de importância do ensino de graduação e a construção da identidade docente no contexto dos ritos universitários. Esses três elementos são parte do cotidiano daqueles que ingressam nas instituições, os quais encontram cada um destes elementos em suas práticas cotidianas.
Hernández-Hernández e Benítez-Restrepo (2011) investigam o trabalho de professores universitários realizado em grupos na Universidad de Los Andes. Como característica da instituição, há entradas de mais de duzentos alunos por semestre, e foi necessária a implementação de estratégias coletivas entre os pares docentes para ministrar disciplinas. Dessa forma, os autores buscaram compreender quais aprendizagens os professores desenvolveram ao longo da convivência diária entre os colegas com objetivos comuns e definidos de atuação profissional. Foram perguntas do estudo: o que os docentes aprenderam lecionando o curso conjuntamente? e como as aprendizagens interferem na prática cotidiana de trabalho? Uma vez que Roldão (2005) constata como característica do agir docente a solidão no rol da liberdade de cátedra, Hernández-Hernández e Benítez-Restrepo (2011) descrevem um trabalho a tentativa de trabalho coletivo entre docentes do ensino superior.
Trata-se de pesquisa qualitativa com realização de 10 entrevistas com professores universitários, incluindo os pesquisadores, no Centro de Formación e Investigación em Educación da referida universidade. Os professores lecionam no mesmo curso unidades curriculares comuns. Na há descrição da forma de análise das entrevistas, apenas menção à criação de categorias com base nas interpretações delas, analisadas a partir da psicologia sócio-histórica de Vygotsky e das proposições de Donald Schön acerca do professor reflexivo (Hernández-Hernández e Benítez-Restrepo, 2011).
Dentre as principais categorias e achados de Hernández-Hernández e Benítez-Restrepo (2011), encontram-se as aprendizagens em colaboração, na qual foi possível analisar e compreender: o estabelecimento de papéis por parte dos professores universitários no desenvolvimento da proposta de curso, a geração de objetivos de trabalho comuns e aspectos específicos da interação que fomentam a aprendizagem de práticas docentes.Uma segunda categoria encontrada na pesquisa foi o desenvolvimento da prática docente, na qual Hernández-Hernández e Benítez-Restrepo (2011) ressaltam a transposição de aprendizagens da prática docente a outros ambientes, a presença de processos reflexivos sobre a própria prática profissional e o confronto entre teoria e prática. Os autores evidenciam que isso ocorreu em função da participação no grupo de trabalho com objetivos comuns. Não obstante, vale ressaltar que os objetivos alcançados são os mesmos, em gênero, número e grau, daqueles perseguidos pelos teóricos da educação básica.
Hernández-Hernández e Benítez-Restrepo (2011) evidenciam, ainda, elementos do cotidiano de trabalho que assumem relevância para experiências exitosas no ensino superior. Destacam-se: a insistência na horizontalidade das relações entre os docentes, que devem ser explícitas e nomeadas, o contato entre professores mais e menos experientes e a presença de um coordenador de disciplina no contexto do trabalho coletivo. Mesmo com resultados satisfatórios para o contexto de análise, os autores ressaltam que podem ocorrer dificuldades logísticas de aplicação do trabalho coletivo. A ausência de sintonia da equipe e a falta de pertencimento de um dos membros - ressaltadas pelos autores como elementos da maior grandeza - fez com que uma das professoras abandonasse o projeto. Esta pesquisa, diferente de todas as outras, coloca em prática objetivos não presentes ou constatados por outras pesquisas. Ressalta-se que a forma de intervenção no contexto institucional da Universidad de los Andes incluiu um trabalho pormenorizado de gestão acadêmica: desde a mobilização dos atores institucionais à colocação em prática de trabalho coletivo entre professores. O artigo ainda problematiza questões pertinentes à tese ora apresentada, principalmente relacionada ao desenvolvimento de trabalho em grupo entre professores universitários. Um elemento principal é a tensão causada entre professores de diferentes níveis e a necessidade do sentimento de pertencimento para o trabalho ser executado.
Outro artigo da maior importância, principalmente pelos dados empíricos analisados, é o de López e Mendoza (2010), que relata práticas do Programa Visibilidad. Este possuía como objetivo catalogar boas experiências docentes no ensino superior espanhol. O objetivo do estudo das autoras foi analisar qualitativamente a socialização de professores universitários em início de carreira, a partir dos dados do programa.
As autoras construíram as seguintes categorias de análise temática do conteúdo das entrevistas para compreender o processo de socialização: Modelo de referência (MR), que diz respeito aos modelos que o docente possui em sua história para ensinar; Grupo de pares (GP), relativo ao contato com os colegas de trabalho; Formação Pedagógica (FP), da qual o docente fez parte, e Aprendizagem Autodidata (AA), relativa à possibilidade de o docente aprender a partir das suas experiências (López e Mendoza, 2010).
López e Mendoza (2010) corroboram a ideia da construção de significados em nível cognitivo que produzem esquemas de atuação profissional de acordo com as categorias que foram analisadas. Elas evidenciam o processo de socialização como solitário, no qual os docentes novos sentem algum abandono no início de carreira. As categorias mais recorrentes foram: (i) AA-R Autodidata reflexivo, (ii) MR-P Modelos de referência de professores da graduação e (iii) FP Formação Pedagógica. As autoras ainda ressaltam que os eixos Reflexão, Modelos de referência e Formação poderiam ser propostos pelas universidades no processo de socialização. Outra inferência que as autoras circunscrevem é o papel dos professores mais velhos e catedráticos no processo de socialização. Os professores com menos de 10 anos de experiência não citam este item como referência para a prática, o que apontaria a necessidade e a possibilidade de ocorrerem interações entre professores iniciantes e experientes. Dessa forma, sugerem que deveria ser uma questão-chave nos departamentos: professores mais experientes como mentores de novos professores (López e Mendoza, 2010).
Por fim, López e Mendoza (2010) sugerem em conclusão, após sistematização minuciosa dos fatores postos em análise e da bibliografia especializada da área, que a universidade precisaria ter clareza nos objetivos da carreira docente, como forma de garantir qualidade do ensino e tutoria aos professores iniciantes. Trata-se, portanto, assim como o estudo de Hernández-Hernández e Benítez-Restrepo (2011), de uma pesquisa que foge à produção comum do campo de estudo.
O estudo ainda revela e analisa com profundidade cada aspecto possível do processo de socialização, com vistas à entrada na profissão a partir de modelos exitosos de professores, sendo ele um dos poucos artigos que analisa a socialização como categoria dinâmica, não naturalizada e numa direção institucional clara: podem ser propiciados espaços de socialização para pessoas tornarem-se professores. Com isso, López e Mendoza (2010) salientam a importância das instituições de ensino no processo, tirando-as de sua zona de conforto. Nomeiam, sobretudo, o dualismo socialização formal e socialização informal, sendo a primeira constituída pelas práticas institucionais disponíveis com vista à construção do ser professor no ensino superior, e a informal definindo-se como aquela que fornece dinâmica e enredo cotidiano ao processo de socialização.
Outro estudo sobremaneira importante na área foi realizado por Carvalho et al. (2011). Diferente dos estudos anteriores, os autores analisam a relação entre a resiliência e a socialização organizacional em duas universidades públicas de países distintos, tendo como pressuposto a resiliência como forma de enfrentar o processo de socialização que, para os autores, se apresenta árduo para os professores em início de carreira.
O estudo de Carvalho et al. (2011) é temático, sem referencial único, baseado na revisão da bibliografia especializada e na aplicação de questionários validados - portanto, é o primeiro estudo quantitativo encontrado sobre o tema. Os conceitos teóricos são de referenciais múltiplos e remetem mais à psicologia cognitiva e à psicologia organizacional do que à área educacional. Essa ressalva é importante porque, exceto o estudo Hernández-Hernández e Benítez-Restrepo (2011), que possuía Vygotsky como referência de análise, todos os outros se baseiam, direta ou indiretamente, nas ciências da educação e na sociologia. Aamostra foi acidental, composta de 135 servidores, sendo 72 brasileiros e 63 noruegueses, para os quais foram aplicados o Inventário de Socialização Organizacional (ISO) e a Escala de Resiliência para Adultos (RSA), ambos instrumentos validados para aplicação com adaptação transcultural.
O primeiro resultado consensual refere-se à importância da resiliência no processo de socialização organizacional. Carvalho et al. (2011) definem resiliência como fator pessoal e, de certa forma, idiossincrático, relacionado aos laços familiares, autoeficácia, percepção de futuro e capacidade de planejamento, dentre outros. Futuro Planejado e Recursos Sociais foram os fatores de maior impacto satisfatório no processo de socialização. As autoras também evidenciam a Percepção de Si Mesmo como fator preditor de uma socialização satisfatória, indicando a necessidade de se trabalhar a autoeficácia com servidores iniciantes. A Coesão Familiar se mostrou insatisfatória para o processo de socialização. Sugerem as autoras que os laços familiares coesos podem diminuir os laços a serem realizados no trabalho. Dentre outros achados, Carvalho et al. (2011) corroboram a hipótese de que a resiliência interfere positivamente no processo de socialização, sendo que, quando presente no repertório dos servidores, propicia que as estratégias de enfrentamento sejam mais efetivas para o processo de socialização. Esse argumento das autoras possui maior robustez quando comparados às constatações de Bozu (2009) de que socializar-se é um processo penoso.
Outro estudo de relevância encontrado na bibliografia especializada é o de Isaia et al. (2011). As autoras se propõem a estudar como os professores universitários ingressam na carreira a partir dos descritoresadaptação, resiliência, aprendizagem docente e desenvolvimento profissional. O método principal do estudo foi a realização de entrevista com 38 professores universitários de instituições públicas e privadas, a partir das quais foi realizada uma análise textual discursiva. Dentre os principais achados das autoras, encontram-se: a falta de preparação específica para o início do magistério e a transparência institucional para definir rumos e exigências profissionais para os professores iniciantes. A falta de preparação para o exercício está relacionada à formação stricto sensu dos professores, uma vez que tais titulações são as únicas exigências leais para tornar-se professor. No quesito transparência institucional, não há clareza sobre quem são e o que devem, especificamente, fazer os professores. Mesmo que estes lecionem, este processo de constituição está aquém de possíveis perspectivas institucionais que poderiam contribuir com o processo de socialização desse professor (Isaia et al., 2011).
Almeida e Pimenta (2014) publicaram um relato de experiência como gestoras da Universidade de São Paulo, caro ao estudo desta tese. As autoras relatam a experiência da formação de professores do ensino superior no contexto das modificações sociais contemporâneas, dentre as quais a massificação de entrada neste nível de ensino e a estruturação fabril da formação superior no Brasil. Considera-se que a ocupação em cargos de gestão exercidos pelas autoras propiciou uma visão privilegiada do processo institucional de formação de professores no ensino superior, no qual foram implementadas políticas específicas, dentre as quais o oferecimento de curso, de forma voluntária, de especialização para os professores universitários.
Nos principais achados de Almeida e Pimenta (2014), destacam-se: a (i) importância institucional atribuída à formação, com a qual há garantia de recursos financeiros para tocar os projetos de formação; (ii) a diversidade das linhas de formação, para abarcar a maior parte de situações possíveis; (iii) a criação de novos modelo de formação universitária, institucionalizando juntamente à administração novas diretrizes e (iv) a dimensão coletiva da formação docente, que possui como característica a possibilidade de romper com o modelo de trabalho docente individual.
Zanchet e Fagundes (2012) identificaram a influência dos programas de pós-graduação stricto sensu na formação pedagógica de professores do magistério superior, mais especificamente nos “quefazeres”. Desenvolveram pesquisa qualitativa com 27 sujeitos de diferentes universidades do sul do Brasil, com até 5 anos de magistério. As entrevistaseram semiestruturadas e passaram por análise de conteúdo. A partir das problematizações iniciais - quais sejam: (i) a pós-graduação stricto sensu não prepara docentes, (ii) concursos não selecionam professores e privilegiam a pesquisa e (iii) o fazer para ensinar cedeu lugar ao pesquisar para ensinar -, os autores analisam as entrevistas de professores iniciantes a partir da literatura da área de aprendizagem docente. Chegam às seguintes conclusões: não há local para a aprendizagem da docência na universidade; professores iniciantes poderiam passar pela aprendizagem da linguagem prática da sua profissão, que também envolve o ensino; a ausência de reflexão na prática docente propicia a manutenção de modi operandi tradicionais que pouco dizem sobre o ensino e as suas necessidades (Zanchet e Fagundes, 2012).
Maciel et al. (2012) estudam a influência da ambiência no desenvolvimento profissional de professores universitários. Entrevistam oito professores de licenciatura e procedem a autorreconstruções biográficas, método próprio da análise de narrativas. Alguns movimentos profissionais foram destacados como construtivos: as experiências significativas como pessoa e como profissional; os meios e estratégias utilizadas pelos professores e as experiências significativas na trajetória profissional. A ambiência, entendida como a junção entre aspectos objetivos e subjetivos para o exercício e aprendizagem da carreira docente, pode funcionar como descritor da aprendizagem profissional.
Feldkercher (2014), por fim, problematiza e revisa a transição identitária e profissional dos professores universitários em início de carreira. Discute e analisa a transição de aluno a professor universitário a partir de três elementos básicos: (i) a trajetória profissional, (ii) as experiências discentes e a (iii) trajetória pessoal. A partir da revisão dos autores que servem de marco teórico e balizador de análise, a autora sugere o início da docência como experiência de tentativa e erro e ressalta a importância dos pares no processo de acolhimento e construção do ser professor. Assim como Cunha (2009) e Almeida e Pimenta (2014), a autora critica a ausência de programas de formação no mestrado e doutorado.
Conclusões
Por fim, faz-se imperativo tecer alguns comentários sobre as pesquisas revisadas. O primeiro deles é em relação às diferenciações dos níveis de ensino: a maioria dos estudos não estabelece uma definição clara entre aquilo que é próprio da educação básica daquilo que é próprio da educação superior. Estudos que tomaram como referência teórica básica Maurice Tardif, Antônio Nóvoa, Donald Shön, dentre outros, presentes nas pesquisas de Cunha (2004, 2009), Roldão (2005), Beherens (2007), Pinto (2010) e Cunha e Zanchet (2010), são tradicionalmente utilizados na área de formação de professores da educação básica. Assumi-los na formação de professores do ensino superior, na aprendizagem da docência ou, ainda, em seu processo de socialização incorre no risco de generalizar fenômenos em níveis educacionais distintos. Assumindo-se que a socialização ocorre em qualquer profissão, poderíamos supor fenômenos básicos indistintos. Porém, levando-se em conta a evidência constatada por Cunha (2004, 2009) e Roldão (2005) que diferentes epistemologias influenciam no modo de ser professor no ensino superior, o mecanismo de semelhança de processo tornar-se-ia frágil e necessitaria de formas e metodologias próprias a serem estudadas.
Quanto às metodologias dos estudos, há diversidade de formas de acesso ao fenômeno. Em sua maioria, são estudos qualitativos, exceto o estudo de Carvalho et al. (2011). A utilização de entrevistas foi a técnica de coleta de dados mais frequente, sendo a análise temática de conteúdo a forma mais utilizada na sistematização e interpretação de resultados. As pesquisas de López e Mendoza (2010) e Hernández-Hernández e Benítez-Restrepo (2011) valem-se de banco de dados de outra pesquisa e relato de experiência, respectivamente. Algumas, ainda, possuem hiatos na descrição da forma e análise de resultados, configurando-se mais como reflexões ricas sobre o tema.
Quanto às frentes de estudo existentes sobre o tema, destaca-se que poucas pesquisas se referem à instituição universitária e as equipes de gestão como participantes diretas no processo de socialização, exceto as pesquisas de López e Mendoza (2010), Maciel et al. (2012) e Almeida e Pimenta (2014). Desimplicar a instituição universitária na recepção, orientação e formação dos seus professores pode revelar dois fenômenos: a naturalização da solidão docente - fenômeno de natureza sociológica - e os fatores subjetivos, individuais e idiossincráticos do processo de socialização - este de natureza psicológica. A solidão docente, conforme observada por Roldão (2005), destitui a categoria professores de qualquer profissionalidade. A resiliência no processo de socialização, conforme apontada por Carvalho et al. (2011), revela que enquanto as instituições universitárias não possuem programas específicos de recepção e acompanhamento de novos professores universitários, eles podem experimentar vivências pouco agradáveis e desconexas com os objetivos institucionais.
Uma frente de estudo específica apontada por Cunha (2004) merece atenção: é a pouca inserção da pedagogia universitária no exercício profissional dos professores. Se o principal truque do ramo na profissão denominada professor é o saber-ensinar e se a pedagogia preocupa-se com a forma de problematizar, estruturar e organizar o ensino-aprendizagem, sugere-se um hiato pouco explorado e da maior importância que poderia ser melhor sistematizado. A evidência de que a Pedagogia é uma profissão historicamente feminina não fornece direção alguma para modificações no quadro atual de apresentação do problema.
Ressalta-se que a área de estudo dos professores universitários iniciantes e, mais especificamente, do seu processo de socialização, está em crescimento e o interesse pela temática é recente. No Brasil, dada à efervescência do número de professores que ingressaram nas universidades e institutos federais, conforme mostrados na tabela e nas figuras introdutórias, faz-se imperativa a continuação e proposição de estudos e pesquisas na área. Salienta-se, enfim, que estas conclusões podem ser alargadas quando do exame de outras produções existentes.
Referências
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Notas
Autor notes
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. heronbonadiman@gmail.comPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. robertaroma@uol.com.br