Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir, teoricamente, aspectos concernentes à gestão democrática do cotidiano escolar a partir de alguns elementos considerados essenciais para o processo, dentre os quais destacam-se: a participação popular no contexto educacional, a formação de professores, a eleição direta para diretores escolares, a organização e funcionamento dos conselhos escolares, dentre outros aspectos que contribuem para a democratização do acesso à educação de modo equânime.
Palavras-chave:Gestão democrática Formação de professores. Participação popular.Gestão democrática Formação de professores. Participação popular..
Abstract: This paper aims to discuss theoretically aspects concerning the democratic management of the school routine from some elements considered essential to the process, among which are: public participation in the educational context, teacher training, the direct election for school directors, the organization and functioning of school boards, among other aspects that contribute to the democratization of access to education in an equitable way.
Keywords: Democratic management Training of teachers. Popular participation.
Resumen: Este documento tiene como objetivo discutir aspectos teóricos relativos a la gestión democrática de la rutina escolar a partir de algunos elementos considerados esenciales para el proceso, los cuales son: la participación pública en el contexto educativo, la formación del profesorado, la elección directa de directores de escuelas, la organización y funcionamiento de los consejos escolares, entre otros aspectos que contribuyen a la democratización del acceso igualitario a la educación.
Palabras clave: Gestión democrática Formación del professorado. Participación popular..
Dossiê Temático
Participação e gestão democrática na formação de professores1
Participation and democratic management in techint education
Participación y gestión democrática en la formación de profesores

Recepção: 10 Abril 2015
Aprovação: 30 Abril 2015
Neste artigo discutimos, teoricamente, acerca dos mecanismos de gestão democrática do cotidiano escolar e educacional destacando alguns elementos que consideramos essenciais desse/nesse processo. Dentre esses mecanismos, destacamos a formação de professores por entender que este também é um dos motes que garante a participação docente na tomada de decisões de gestão escolar/educacional, pois na medida em que o professor se vê e se percebe como sujeito da gestão escolar/educacional assume também a característica de co-gestor, ou seja, não de mero executor de uma ação – a docência, por exemplo – mas como coparticipante da gestão do processo educacional.
Nesse sentido, não tem como pensar a gestão democrática sem pensar a prática da participação popular. Inauguradas oficialmente na Constituição de 1988, as propostas de gestão democrática tiveram, na educação, com a eleição para diretor e a criação e participação em conselhos, bandeiras de luta defendidas pelos educadores. Nesse sentido, os governantes devem abrir canais de participação aos sindicatos, associações, comunidades e outros espaços coletivos, para juntos traçarem as políticas públicas de interesse local, e nesse ínterim, a formação inicial e continuada de professores assume uma função muito importante, uma vez que pode possibilitar a esses profissionais o entendimento da carreira docente como algo que ultrapassa a mera docência, levando-os a assumirem-se como profissionais da educação
Além disso, garante que as políticas públicas introduzidas levem em conta as necessidades das comunidades locais e coloquem o indivíduo na condição de sujeito das ações. Por certo, também, o governo desempenha um papel de destaque ao tomar uma decisão, seja pela visibilidade, pelas possibilidades de pronunciamentos, pelos meios disponíveis ou ainda pelas repercussões sociais de tais decisões. A participação se impõe pelo grau ou não de legitimidade que será dada à decisão. Por isso, cabe o controle social na construção das políticas públicas, contemplando os procedimentos de definição de problemas, a construção das agendas, a implementação e avaliação das mesmas.
Esse artigo está dividido em cinco seções, além da introdução. Na primeira, discutiremos, sob bases históricas e legais, o conceito e desdobramentos da gestão democrática, entremeada com as exposições sobre participação, descentralização e democratização do Estado. Na segunda e terceira, respectivamente, apontaremos duas formas de participação: a eleição direta para diretores e os conselhos. Na quarta, abordaremos a importação da formação de professores para a gestão democrática, por entender que já na formação inicial se encontra os elementos dessa prática social. Por fim, na quinta, faremos as conclusões a partir dos desafios, dificuldades e perspectivas da gestão democrática quando colocada em prática nas escolas e nos sistemas de ensino.
Em poucas palavras, entendemos que a gestão democrática visa à superação de todas as formas de verticalização de poder, à supressão de mecanismos de dominação e à implementação de processos de comunicação. É um processo que busca a mudança estrutural da escola pública, calcada no modelo burocrático, em uma via de mão dupla: de fora para dentro, mas também de dentro para fora. Ela é uma ação política da sociedade, da escola e do indivíduo.
Convém lembrar que o termo gestão tem sua origem etimológica nas palavras gregas gestio e gerere, que significam “trazer em si, produzir”. Daí se entende que a gestão está associada a algo alheio a si, de que todos fazem parte. Como afirma Verza (2000), acima de tudo é imprescindível a participação de todos na defesa da coisa pública.
Para esta autora (2000, p.181), a gestão democrática implica também “[…] o desenvolvimento de processos pedagógicos que permitam a permanência e aprendizagem do educando [e do educador] na escola”. Por esse prisma, ela também está associada à democratização do acesso e das relações pedagógicas como um caminho para a melhoria da qualidade de ensino.
A gestão democrática faz parte de um processo de descentralização e aqui adotaremos o conceito que entende como “[…] transferência, no todo ou em parte, das ações de planejamento e execução a instâncias mais próximas do usuário […]” (BELLONI e SOUZA, 2003, p.77). Por transferência devem-se compreender as atribuições, os recursos e o poder de decisão.
Descentralizar, nesse caso, refere-se a uma ação política, de baixo para cima, que visa à distribuição de poder e seu deslocamento do centro, favorecendo assim a participação social e maior autonomia. A intensidade das ações descentralizadoras pode ser medida pela vivência democrática conquistada pelas ações realizadas e reconhecidas nas instâncias; enfim, de acordo com Bravo (2001, p.171), quando essas instâncias “[...] são representativas das populações locais e reconhecidas por suas capacidades de decisão […]”.
Segundo Lobo (1990), os objetivos, pelo menos teoricamente, a serem atingidos pela descentralização e considerados são a democratização do Estado e a busca por mais justiça social. Em consequência, deve ocorrer um aprimoramento das relações entre governos nacionais, governos locais e a sociedade civil. Para atingir esses objetivos, devem-se levar em conta alguns princípios norteadores: 1) flexibilidade em vista de diferenças e peculiaridades econômica, social e política dentro do mesmo Estado; 2) gradualismo no tempo e no espaço em consideração ao ponto anterior; 3) transparência no processo decisório garantido por uma ampla divulgação e possibilidade de participação e 4) criação de mecanismos de controle social com acesso às informações para a efetivação de acompanhamento, supervisão e avaliação das decisões (grifo nosso).
Em termos legais a descentralização aparece como grande novidade Lei n.º 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Essa lei representou um avanço, quando estabeleceu os Sistemas Estaduais de Educação e oficializou os Conselhos Nacionais e Estaduais de Educação. Mais um avanço ocorreu na década de 1970, mediante a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n.º 5.692/71), que previa a municipalização do ensino, pois o art. 58, parágrafo único, estabelecia as medidas que visavam “[...] à progressiva passagem para a responsabilidade municipal de encargos e serviços de educação, especialmente de 1.° grau”, conhecido hoje como ensino fundamental. Esse parágrafo previa, ainda, a criação de Conselhos Municipais de Educação, nos municípios onde houvesse condições, os quais receberiam delegações dos Conselhos Estaduais.
A retomada da democratização da sociedade formalizou, na Carta Magna de 1988, dentro dos artigos dedicados à educação, os princípios da descentralização, da gestão democrática e da participação, que não (estes últimos) haviam sido expressos em décadas anteriores e que foram as grandes reivindicações dos movimentos sociais durante a ditadura militar, motivadas pela melhoria da qualidade de ensino. No inciso IV do art. 206 (BRASIL, 1988), está garantida a “gestão democrática do ensino público, na forma da lei”.
Esse movimento histórico influenciou positivamente a gestão democrática: na estrutura e no funcionamento dos sistemas relativos à comunicação; na organização do trabalho escolar, com formulações de projetos político-pedagógicos; na definição e no acompanhamento da política educacional, abrindo canais de participação e acesso à informação, como é o caso dos coletivos de escolas, ou conselhos de escolas, sua outra denominação. Esses coletivos de escolas, numa gestão democrática, implicam que:
[…] a comunidade, os usuários da escola, sejam seus dirigentes e gestores e não apenas seus fiscalizadores ou, menos ainda, os meros receptores dos serviços educacionais. Na gestão democrática, pais, mães, alunos, alunas, professores e funcionários assumem parte de responsabilidade pelo projeto da escola (GADOTTI; ROMÃO, 2002, p. 35).
Para Gadotti (1985, p. 114), essa política democrática de educação “[…] procura incentivar a participação de todos aqueles que estão envolvidos com os problemas educacionais e, de outro, procura estimular o papel crítico dos órgãos responsáveis pela educação”.
Dentro desse contexto, também se apontou sobre a municipalização do ensino, que para sua boa efetivação deveria ser acompanhada de integração do planejamento, da gestão e da avaliação de todas as escolas sob a jurisdição da Secretaria Municipal junto com o Conselho Municipal de Educação. Ela necessita ser encarada mais como um ato político e menos como um simples ato administrativo. A mudança é profunda, pois se desloca o poder de decisão, não apenas a execução de ações definidas em nível superior.
De acordo com Melo (2007), a luta pela gestão democrática da educação restabeleceu, em parte, o controle da sociedade civil sobre a direção administrativa e pedagógica, com a introdução, principalmente na década de 1990, da eleição direta para diretor e conselhos municipais e escolares. Dessa forma, garantiu a liberdade de expressão, a participação e organização interna, necessárias para facilitar a luta por melhores condições de trabalho e por salários dignos. Mas, conforme Bastos (2005, p. 8.), ainda é preciso combater as forças autoritárias e centralizadoras presentes nas secretarias estaduais e municipais de educação, que estabelecem uma correlação de forças desiguais com as escolas.
Além disso, Melo (2007) entende que são intrínsecos à vivência da autonomia os princípios da democratização e da gestão democrática. Uma escola só pode ser autônoma se for democrática em seus princípios, em sua gestão e em suas práticas cotidianas.
A gestão democrática implica a efetivação de novos processos de organização e gestão, baseados em uma dinâmica que favoreça os processos coletivos e participativos de decisão (PARO, 2001). Segundo o mesmo autor (2007), as medidas visando à maior participação dos usuários da escola nos destinos da escola pública podem ser agrupadas em três tipos: as relacionadas aos mecanismos coletivos de participação (conselho de escola, associação de pais e mestres), a eleição direta para escolha dos dirigentes escolares; e as que dizem respeito a iniciativas que estimulem e facilitem, por outras vias, o maior envolvimento de alunos, professores e pais nas atividades escolares.
A gestão democrática pressupõe quatro passos: primeiro, capacitar todos os segmentos para colaborarem mais efetivamente, melhorando as condições de participação; segundo, tornar essencial o mecanismo de consulta à comunidade escolar, seja para definir políticas públicas, seja para viver a própria prática escolar; terceiro, institucionalizar a gestão democrática, dando mais consistência às decisões tomadas; quarto, definir processos de lisura na gestão, garantindo a transparência das ações, assim como o acesso às informações, criando canais que agilizem a comunicação entre os “envolvidos”.
Por um lado, a gestão democrática é um passo importante na aprendizagem da democracia e ajuda na aprendizagem e na vivência da cidadania. Por outro, ela pode ajudar a melhorar o ensino, pois propicia conhecimento do funcionamento da escola e comunicação permanente entre os “envolvidos”. Para que esses pontos se tornem realidade, é necessário que sejam incorporados ao cotidiano de todo sistema que envolve a escola, as secretarias de educação e os órgãos colegiados. Para Gadotti e Romão (2002, p. 36), “a gestão democrática é, portanto, atitude e método. A atitude democrática é necessária, mas não é suficiente. Precisamos de métodos democráticos de efetivo exercício da cidadania”.
Diante de tudo o que foi posto, podemos dizer que a gestão democrática implica, principalmente, participação nas decisões, com o objetivo da eliminação do binômio dirigentes/dirigidos, tal qual pensava Gramsci. Com isso, ela pressupõe o acesso às informações por parte dos envolvidos, inclusive para dar mais transparência à gestão pública – princípios expressos na lei 12. 527, conhecida como Lei de Aceso a Informação (LAI), em vigor desde 2011 –. O conceito e a prática da gestão democrática não estão finalizados nem são suficientes, mas são, sim, uma conquista processual, um “vir a ser” constante de avanços e retrocessos. Ela pode ser resultado de ações espontâneas, impostas, concedidas ou provocadas. Associada a ela, está a participação, que de acordo com Martins; Santos (2001, p. 240) é a:
[...] capacidade de o grupo e/ou pessoas individualmente influenciarem e/ou determinarem a tomada de decisão em um processo político, de modo a garantir a manifestação de sua opinião tanto contra quanto a favor dos procedimentos a serem realizados pelo grupo ou pessoa.
O Estado deve estabelecer, primeiramente, práticas que garantam a participação da sociedade civil no resgate da esfera pública e da cidadania, assim como o estabelecimento de uma nova relação/interação entre o Estado e a sociedade. Nesse contexto, a participação assume um caráter dialógico entre as partes em um sentimento de cooperação; será mais ou menos importante quanto aos aspectos considerados nas decisões.
A participação envolve, por um lado, o fomento de uma cidadania ativa e, por outro, a quebra, dentro do próprio Estado, da resistência presente no interior dos órgãos públicos. Nesse sentido, a participação obterá grande êxito se os governantes tiverem vontade política para abrir os canais de participação a sindicatos, associações, comunidades e outros grupos, para que juntos possam traçar as políticas públicas de interesse local.
Só com a participação dos “envolvidos” é possível promover a democracia, que pode e deve começar pela escola e pelos sistemas de ensino. Dessa forma é que se percebe quais são as necessidades reais de uma comunidade. Para Gadotti (1991, p. 88.), um sistema democrático de ensino pode ser avaliado, “[…] pela capacidade que ele tem de acolher criticamente esses problemas da sociedade [necessidades reais], pela capacidade dos educadores de escutarem criticamente esses problemas, para identificá-los, equacioná-los, respondê-los […]”.
Por meio da democratização da estrutura, os envolvidos conseguem obter as informações necessárias, o que, além de melhorar a sua participação nos conselhos e em suas organizações, qualifica o seu envolvimento na luta por melhores condições de ensino.
A implementação de conselhos, os processos de formação inicial e continuada dos profissionais da educação numa perspectiva democrática, a eleição de diretor são momentos de exercício da democracia na própria comunidade em que está inserida a escola, mas são também uma forma de educação, pois a comunidade irá ouvir diferentes propostas, tomará decisões, aprenderá a fazer escolhas e emitirá suas opiniões.
Essa participação popular é essencial para que a população se aproprie das informações e políticas implementadas pelo Estado, como também para garantir o amplo controle social sobre as decisões das instâncias da Administração Pública. Além disso, garante que as políticas públicas levem em conta as necessidades das comunidades locais e coloquem o indivíduo na condição de sujeito das ações.
Para efetivar a participação dos envolvidos, é preciso descentralizar e desconcentrar atividades por meio de uma gestão democrática, ao contrário do que ocorre em muitos sistemas, nos quais se propõe desconcentrar as tarefas educacionais, concentrando o poder de decisão.
Uma das formas de garantir a participação popular no cotidiano escolar é a eleição direta para diretor, que foi, inclusive, uma das temáticas mais debatidas por sindicatos da categoria, intelectuais e movimentos comunitários. Sabemos que não é a única forma de participação nem que garantirá, isoladamente, a democratização da gestão. Mas, mesmo assim, a eleição direta para diretor é um bom termômetro da participação.
Em 1990, Dourado (1990) detectou as formas mais usuais de gestão das escolas brasileiras durante a década de 1980, entre elas, a indicação livre pelo executivo, a indicação com base em listas tríplices, a aprovação por concurso público, a criação da carreira de diretor e a eleição direta. Esta última tem sido defendida pelos sindicatos por representar, na visão destes, a forma mais democrática.
Em outra pesquisa, no cenário da década de 1990, o mesmo autor (1998) constatou, num total de 31,3% das 53 secretarias pesquisadas, que a eleição direta era a forma mais usual de prover o cargo de diretor. Valendo-se da ideia de que a administração escolar não se resume à questão técnica, mas é também um ato político, Dourado defendia a eleição direta para diretor, assim como outros canais de participação popular.
Convém, ainda, lembrar que, durante o processo eleitoral, a comunidade escolar reorganiza-se, reestimula-se e revive a vontade democrática presente em cada um. Além disso, o impedimento de reeleição possibilita a mobilidade de grupos de poder existentes na escola, em busca de soluções para problemas não resolvidos. Isso, na prática, configura a democracia como um processo inacabado e em constante transformação.
Outra forma de garantir a gestão democrática é a implantação dos conselhos escolares e municipais, resultado de uma longa luta política desde a década de 1980. O objetivo era dar ao município e à escola a autonomia necessária para a elaboração e a execução, respectivamente, do seu plano municipal de educação e do projeto político-pedagógico, além de institucionalizar a participação da sociedade civil.
Os conselhos influenciam o ensino público de qualidade, na medida em que os pais, alunos, professores e demais representantes se fazem presentes, pois os conteúdos refletem mais de perto as necessidades da comunidade. Além disso, eles foram e ainda são altamente educativos, pois promovem a participação, a discussão, a troca de ideias e a busca por soluções.
Em análise, passada mais de duas décadas de experiência em conselhos de educação, Melo (2007) observa o pouco avanço quanto à sua efetividade social, administrativa e política. Em muitos casos, os conselhos existem apenas como mera formalidade. Até reproduzem o que combatiam: o burocratismo e o formalismo dos aparelhos centrais, a hierarquização entre os membros e vários tipos de manobras.
Eles “emperram”, graças à atitude ainda centralizadora dos diretores, e muitas vezes são convocados somente para homologar o que já foi proposto pela escola. Além das condições socioeconômicas, a própria prática política ainda não está voltada para a construção de espaços de discussão, nem para a distribuição de poder, como deveria acontecer com os conselhos. Por fim, os professores não veem os conselhos como espaços de trocas com as famílias e a gestão da escola, vendo nele apenas mais uma obrigação burocrática que “vem de cima”. Sobre isso falaremos mais adiante.
Além disso, os pais e alunos são vistos como “incapazes” de deliberar sobre questões internas e/ou pedagógicas, pelo seu baixo nível de escolaridade, pelo fato de não terem formação específica, como se isso fosse garantia de que eles seriam porta-vozes de boas propostas. Mas, contraditoriamente, os pais são chamados para auxiliar seus filhos nas atividades de casa, realizar mutirões de limpeza e construção na escola, participar de comemorações para arrecadação de recursos. Sendo assim, vale destacar que os conselhos são, acima de tudo, órgãos políticos.
Em um estudo realizado com as escolas de Teresina, em 1994, Ghanem (2004, p. 127) constatou que a maioria dos conselhos existia como mera formalidade. Os entrevistados apontaram como causa disso a greve do magistério, a mudança de diretor, a inexistência de grêmio estudantil e associação de pais, o descrédito da comunidade com a eficácia dos conselhos e a falta de incentivo da escola e da Secretaria Municipal de Educação. Cabe, então, a seguinte pergunta: Vista a realidade apresentada, em que medida os conselhos foram um fator para a melhoria da qualidade do ensino, como era um dos seus objetivos?
A formação dos profissionais da educação que assume as características e os princípios da gestão democrática, onde o professor participa de modo consciente da tomada de decisões do/no/sobre o cotidiano escolar precisa ser entendido como algo que ultrapassa o mero acúmulo de cursos, apontando para uma mudança de postura, já que a formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Assim, o desenvolvimento profissional dos professores tem que estar articulado com as escolas, seus projetos e com políticas de formação de âmbito institucional (NÓVOA, 2002).
Vale salientar que quando falamos em formação docente temos que levar em consideração dois momentos: a formação inicial e a formação continuada, que assumem diferentes características, já que envolvem diferentes contextos. No que se refere à inicial, pode-se salientar que de acordo com Perrenoud (2002, p. 20) “a formação inicial destina-se a seres híbridos, estudantes-estagiários que se tornarão profissionais. Ela deve formá-los para uma prática que, na melhor das hipóteses, está nascendo, ou foi sonhada”. Ou seja, é uma formação que se dá essencialmente nos cursos de graduação, de licenciatura, nos momentos das escolhas dos futuros docentes.
Diferentemente, a formação continuada tem como ponto de partida dar continuidade, a partir dos saberes acadêmicos dos professores à formação docente, que assume caráter essencial para a condução de um trabalho pedagógico de qualidade e alicerçado em bases teórico-práticas sólidas, consistentes e refletidas no conjunto da comunidade escolar. Desse modo, a formação continuada pode se dar em outros locais para além das salas de aulas das universidades, faculdade e outros institutos formativos, ou seja, tanto dentro quanto fora da escola, no momento de atuação ou em momentos correlatos.
A formação contínua pode desempenhar um papel importante na configuração de uma ‘nova’ profissionalidade docente, estimulando a emergência de uma cultura organizacional no seio das escolas (NÓVOA, 2002). Além disso, vale salientar que o diálogo ente os professores é fundamental para consolidar saberes emergentes da prática profissional. Mas a criação de redes coletivas de trabalho constitui, também, um fato decisivo de socialização profissional e de afirmação de valores próprios da profissão docente (idem).
Diante do exposto, entendemos que políticas de formação sérias são essenciais para que os professores se vejam como agentes transformadores da ação pedagógica dentro e fora da escola, ao mesmo tempo em que se percebam como profissionais que também têm o papel de gerir a ação pedagógica, não só no contexto da sala de aula, na transmissão dos conteúdos sócio-historicamente construídos, mas como membros descentralizadores das políticas educacionais de modo macro e micro.
Paro (1992), em pesquisa sobre as condições de participação popular na escola, examinou os problemas e perspectivas que se apresentavam. Insiste que “não basta, entretanto, ter presente a necessidade de participação da população na escola. E preciso verificar em que condições essa participação pode tomar-se realidade” (p. 256). Por isso, busca elucidar os condicionantes imediatos de tal participação que se encontram dentro e fora da escola.
Segundo Paro (1992), entre os condicionantes internos destacam-se: os materiais, que se referem às condições objetivas em que se desenvolvem as práticas e relações no interior da unidade; os institucionais, que atuam em serviço do caráter hierárquico formalista e burocratizado da distribuição da autoridade, estabelecendo relações verticais, de mando e submissão, em prejuízo de relações horizontais, favoráveis ao envolvimento democrático; os político-sociais, que refletem os interesses dos grupos no interior da escola, ou seja, que as pessoas de orientam por seus interesses imediatos e que estes são conflituosos entre os grupos presentes na escola; e os ideológicos, que refletem a concepção de participação das pessoas que trabalham na escola, suas crenças sedimentadas historicamente que movem suas práticas e comportamentos no relacionamento com os outros (grifo nosso).
Em relação aos condicionantes externos, segundo Paro (1992), pode-se afirmar os seguintes elementos: econômico-sociais, calcados nas condições objetivas de vida da população e a medida em que tais condições proporcionam tempo, materiais e disposição pessoal, que os move à participação; culturais, relativos à visão das pessoas sobre a viabilidade e a possibilidade da participação, movidas por uma visão de mundo e de educação escolar que lhes favoreça ou não a vontade de participar; institucionais, os mecanismos coletivos, institucionalizados ou não, presentes no ambiente social, dos quais a população pode dispor para encaminhar sua ação participativa (grifo nosso).
Ghanem (2004) fez um estudo sobre a gestão democrática de alguns municípios brasileiros e chegou à seguinte conclusão:
Em quase todos os municípios estudados, encontrou-se alguma menção à democratização da gestão escolar, porém não necessariamente ligada a objetivos como a descentralização dos espaços de decisão, a equidade do sistema educativo ou a definição de uma nova concepção de educação e cultura escolar (p. 133).
Infelizmente, as propostas de gestão democrática encontram dificuldades impostas pelo modelo da educação escolar e são incompatíveis com o modelo que prioriza a escola como “unidade transmissora de conhecimento”, moldado numa organização burocrática e hierarquizada, herdada do sistema de funcionamento empresarial. Vale questionar: é possível democratizar a gestão da escola pública no âmbito do Estado tradicional, vinculado à ideologia de mercado e às estruturas políticas que expressam a vivência da exclusão?
De acordo com Bastos (2005, p. 18), a gestão democrática só conseguiu ser efetivada onde secretarias de educação, sindicatos, escolas e comunidades assumiram o compromisso. Jacobi (2000, p. 143) afirma que a:
Gestão democrática e participação popular requerem um fortalecimento das formas de organização da sociedade civil, uma mudança na correlação de forças, uma transformação qualitativa dos padrões de gestão, enfim, um processo real de democratização do estado e de sua gestão.
Compreendemos a educação como prática de uma “radicalidade democrática”. Nesse sentido, garante-se a todos as oportunidades iguais de acesso e permanência à educação única, pública e gratuita. Uma “radicalidade democrática” também efetiva na gestão do ensino, para que legitime, por exemplo, uma eleição direta para diretor e a formação de um colegiado paritário, escolhido entre os membros da comunidade escolar.
Por esse entendimento, uma educação de qualidade deve atender às necessidades reais da população, necessidades que podem ser atendidas por meio de pequenos projetos dentro da própria escola, que envolvam toda a comunidade escolar em um sistema de gestão democrática. Aos poucos, a população seria preparada para o exercício do poder, por meio da aquisição de um conhecimento técnico e científico e de uma profunda formação cultural, política, social e econômica.
Pretendemos com esse artigo debater a existência de uma educação em um sistema aberto, único e descentralizado, uma educação que trabalhe com a tensão e o conflito, destacando a escola e a sala de aula como os locus por excelência da ação educativa, permitindo que as decisões sejam tomadas pela comunidade escolar; um sistema embasado em uma gestão democrática, que promova a comunicação direta das escolas com a comunidade escolar e com os órgãos institucionais, bem como a autonomia das escolas, de modo que cada uma delas possa construir o seu projeto político-pedagógico.
Para isso é importante uma formação de professor e uma prática docente que dialogue com as formas gestão democráticas presente na educação ...
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[Artigo corrigido , vol. 1, 36-45] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/2/356