Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Política de gestão de pessoal da SEE/SP: implicações para a composição dos quadros docentes
Teaching staff management policy of see/sp: some implications for team composition
Política de gestión de personal de la see/sp: implicaciones para la composición del cuerpo docente
Laplage em Revista, vol. 1, núm. 1, pp. 57-72, 2015
Universidade Federal de São Carlos

Dossiê Temático

Copyright © 2015 Laplage em Revista. Todos os direitos reservados.

Recepção: 10 Abril 2015

Aprovação: 30 Abril 2015

DOI: https://doi.org/10.24115/S2446-62202015117p.57-72

Resumo: O artigo tem por objetivo analisar os principais traços que caracterizam a política de gestão de pessoal docente da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE/SP), a situação funcional de seus quadros docentes. O texto inicia- se contemplando as características que definem os princípios que fundamentam a burocracia moderna. A análise dos dados apresentados indica que a SEE/SP tem desenvolvido o projeto educacional de ensino na escola pública paulista, nas últimas décadas, sob a responsabilidade majoritária de professores contratados em caráter temporário de trabalho, considerado aqui como em um dos elementos responsáveis pela baixa qualidade da educação aferida nas avalições padronizadas.

Palavras-chave: Políticas educacionais Seleção de docentes. Burocracia moderna..

Abstract: The article aims to analyze the main features that characterize the teaching staff management policy the State Department of Education of São Paulo (SEE/SP), the functional status of their teaching staff. The text begins contemplating the characteristics that define the principles that underlie modern bureaucracy. A review of the data indicates that the SEE / SP has developed a teaching educational project in the state public school, in recent decades, mostly under the responsibility of teachers hired on temporary work, considered here as one of the factors responsible for the low quality of education measured in standardized evaluations.

Keywords: Educational policies. Selection of teachers. Modern bureaucracy..

Resumen: El artículo tiene como objetivo analizar los principales rasgos que caracterizan a la política de gestión de personal docente de La Secretaria Estatal de Educación de São Paulo (SEE/SP), el estado funcional de sus cuerpos docentes. El texto comienza contemplando las características que definen los principios que fundamentan la burocracia moderna. Una revisión de los datos indican que la SEE/SP ha desarrollado un proyecto educativo de enseñanza en la escuela pública del estado, en las últimas décadas, bajo la mayor responsabilidad de los profesores contratados de manera temporal, considerando esto como uno de los factores responsables de la baja calidad de la educación medida en las evaluaciónes estandarizadas.

Palabras clave: Las políticas educativas. La selección de los profesores. La burocracia moderna..

Introdução

O objetivo proposto é apresentar uma discussão a respeito da seleção de docentes, via concurso público, empreendida pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE/SP) nas últimas décadas, à luz do conceito frankfurtiano da racionalidade tecnológica (MARCUSE, 1999) e do conceito weberiano de burocracia estatal (WEBER, 1999a, 1999b, 2002). Esses conceitos podem ser considerados categorias explicativas e deverão auxiliar nas análises do problema em questão: A política de gestão de pessoal da SEE/SP e as implicações para a composição de quadros docentes

Os concursos públicos em geral são decorrentes de determinações jurídicas e técnicas, cuja finalidade é selecionar profissionais que compõem os quadros burocráticos governamentais. Cumpre destacar que os concursos públicos realizados em todo o território nacional e em todas as instâncias, tornaram-se um fenômeno significativamente hodierno na sociedade contemporânea. Na área da educação não tem sido diferente, tendo em vista a grande concorrência observada nas últimas edições dos diversos concursos realizados nos últimos anos, ademais, constata-se um crescente contingente de professores que concorrem aos cargos oferecidos pela rede pública de ensino, como por exemplo, os dados referentes à rede estadual pública de São Paulo.

Segundo Ferreira (2006), em 1998 e em 2003, houve um grande número de inscritos para os concursos para a efetivação de professores realizados pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE/SP), que totalizaram 148 mil inscrições para 47 mil vagas e 247 mil inscritos para 49 mil vagas, respectivamente – com respectivas médias apuradas de 3,2 e 5,0 candidatos por vaga. No concurso realizado em 2010 pela SEE/SP, o contingente de candidatos foi de 266 mil, para disputar as 10.083 oferecidas em edital, cuja média geral foi de aproximadamente 26,0 candidatos por vaga. A realização desses concursos na rede pública de São Paulo mobiliza um significativo número de pessoas, recursos financeiros e técnicos, pois somente dessa forma se torna possível atender tamanha demanda. Em geral, esses concursos são organizados pelo governo estadual e executados por empresas contratadas, reconhecidas pelo alto nível de especialização que apresentam.

Recorre-se aqui ao conceito de racionalidade tecnológica, por entender que ela representa a racionalidade própria da burocracia estatal. De outro lado, as contribuições de Max Weber são fundamentais para compreender o fenômeno da burocracia nas sociedades modernas. Para Weber, a racionalidade e a complexidade do Estado moderno capitalista e a democracia de massas exigem uma estrutura burocrática dotados de recursos monetários próprios, necessários para sua constante manutenção. Segundo Weber, a burocracia é umas das estruturas sociais mais difíceis de ser destruída, pois à medida que o Estado amplia-se, na sociedade administrada, o seu aparato burocrático privado e estatal cresce proporcionalmente, a fim de garantir às classes dirigentes o controle do processo de produção e circulação de mercadorias, assim como assegurar a sua hegemonia no poder, ponto que norteará a discussão nesse texto.

A burocracia moderna e a as políticas de seleção docente da Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo

A análise sócio-histórica da política de gestão de pessoal docente da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE/SP) considera que a composição dos quadros da administração pública, não raras vezes, segue as determinações previstas em leis e nos preceitos que fundamentam as bases da burocracia moderna, que é responsável por organizar racionalmente os serviços públicos oferecidos à comunidade. Considera-se nesse texto, o conceito de burocracia tomando-se por referência o ponto de vista de Weber, como se poder depreender nas afirmações de Tragtenberg (1985), que a considera como um tipo de poder.

Burocracia é igual à organização. É um sistema racional em que a divisão do trabalho se dá racionalmente com vista a fins. A ação racional burocrática é a coerência da relação de meios e fins visados. Assim, para Weber a burocracia implica predomínio do formalismo, de existência de normas escritas, estrutura hierárquica, divisão horizontal e vertical de trabalho e impessoalidade no recrutamento de quadros (TRAGTENBERG, 1985, p.139, grifos no original)

Para Weber, a racionalidade voltada para fins, a complexidade do Estado moderno capitalista e a democracia de massas exigem uma estrutura burocrática dotada de recursos monetários próprios, necessários para sua constante manutenção, razão pela qual “[...] requer um sistema estável de tributação [...] precondição para a existência permanente da administração burocrática” (WEBER, 2002, p.146). Além disso, assevera que “(...) por motivos bem conhecidos e gerais, somente uma economia monetária plenamente desenvolvida oferece uma base segura para esse sistema de tributação” (WEBER, 2002, p. 146, grifos do autor).

O pensador alemão considera também que a burocracia é uma das estruturas sociais mais difíceis de ser destruída, porque à medida que o Estado amplia-se, na sociedade capitalista, o aparato burocrático privado e estatal cresce proporcionalmente, adquirindo assim um caráter permanente. Nas palavras do autor:

Quando se estabelece plenamente, a burocracia está entre as estruturas sociais mais difíceis de destruir. A burocracia é o meio de transformar uma “ação comunitária” em “ação societária” racionalmente ordenada. Portanto, como instrumento de “socialização” das relações de poder, a burocracia foi e é um instrumento de poder de primeira ordem – para quem controla o aparato burocrático. E, onde a burocratização da administração foi completamente realizada, uma forma de relação de poder se estabelece de modo praticamente inabalável. (WEBER, 2002, p. 160)

Por outro lado, a burocracia apresenta uma racionalidade própria, fundamentada em princípios que, segundo Weber, é voltada para fins. Assim sendo, para que funcione satisfatoriamente é necessário, dentre outros fatores, estabelecer uma divisão racional do trabalho – executado primordialmente por especialistas – uma estrutura hierárquica rígida e impessoalidade no recrutamento dos quadros de funcionários. Em termos gerais, o autor assinala os seguintes princípios pelos quais se baseia a estrutura e o modo como se expressa a racionalidade burocrática:

a) Princípios das competências fixas, mediante regras, leis ou regulamentos administrativos; b) Princípio da hierarquia de cargos e da sequência de instâncias, isto é, um sistema fixamente regulamentado de mando e subordinação das autoridades, com fiscalização das inferiores pelas superiores; c) Baseada em documentos; d) Pressupõe, em regra, uma intensa instrução da matéria; e) Requisição do emprego da plena força de trabalho do funcionário, quando o cargo está plenamente desenvolvido, independentemente da carga horária fixada; f) Realização da administração dos funcionários de acordo com regras gerais, mais ou menos fixas e mais ou menos abrangentes, que podem ser aprendidas (WEBER,1999b, p. 198).

Em relação ao quadro administrativo, a estrutura burocrática se expressa da seguinte maneira:

a) São livres e obedecem às obrigações objetivas; b) São nomeados por uma hierarquia rigorosa; c) Têm competências funcionais fixas; d) São contratados formalmente, através de seleção, segundo a qualificação profissional, avaliada mediante prova e certificada através de diploma; e) São remunerados com salários em dinheiro; f) Exercem o cargo como profissão única e principal; g) Têm perspectiva de uma carreira; h) Trabalham em separação absoluta dos meios administrativos e sem apropriação do cargo; i) Estão submetidos a um sistema rigoroso e homogêneo de disciplina e controle do serviço. (WEBER, 1999a, p. 144).

Destaque-se dessas considerações o formalismo imanente a essa poderosa organização social, cuja lógica de funcionamento pressupõe princípios e procedimentos operacionais objetivos, além de exigir do funcionário a posse de diplomas e competências compatíveis com o cargo ou função exercidos. Contudo, a burocracia proporciona ao funcionário uma perspectiva de carreira estável e ganhos integrais assegurados com a aposentadoria, embora fique submetido a um rigoroso sistema de controle e disciplina, consubstanciados nos estatutos profissionais que regem o exercício de funções públicas, quando se tratar da burocracia estatal.

A escola pública, por sua vez, que historicamente tem-se constituído como uma das instituições mais importantes na modernidade e responsável pela difusão dos padrões culturais, de comportamento e atitudes socialmente desejáveis, também segue afinada com as premissas da burocracia moderna. Cumpre enaltecer que tal reconhecimento social pode ser constatável, por exemplo, no recente processo de universalização do ensino promovido pelos países considerados em desenvolvimento como resultado das políticas engendradas pelo Estado. Na atualidade, o ideário norteador dos conteúdos e do perfil de aluno que se deseja formar na escola pública sofre decisiva interferência dos organismos multilaterais tais como: UNESCO, UNICEF, Fundo Monetário Internacional (FMI); e também do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cujo principal propósito visa fortalecer a educação, considerada como um dos elementos capazes acelerar o processo de desenvolvimento econômico e social desses países, justificando-se assim o gradativo aumento dos investimentos financeiros nesse setor social (AFONSO, 2003; AZEVEDO, 2004; DALE, 2009).

Sendo assim, dentre as inúmeras funções que a escola assume, permanece a responsabilidade pela transmissão do patrimônio cultural, científico e artístico, histórica e socialmente constituído, porém espera-se também que ela seja capaz de desenvolver com o alunado as principais competências e habilidades requeridas pelas funções especializadas, visto que existe uma permanente pressão exercida pelo sistema de produção flexível, na expectativa de se formarem pessoas aptas para atuarem de acordo com as novas demandas do capitalismo contemporâneo.

A fim de atender às demandas sociais por educação historicamente estabelecidas, faz-se necessário que o poder público contrate professores para suprir o funcionamento do sistema educacional. De acordo com a legislação educacional vigente no país, ou seja, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96), exige-se a contratação de professores habilitados, visando compor os quadros da burocracia pública. Os funcionários contratados devem seguir as determinações previstas em leis e os preceitos que fundamentam as bases da burocracia estatal, visando organizar racionalmente o serviço público oferecido nas escolas.

Considerando-se especificamente a rede estadual púbica de São Paulo, o trabalho do professor segue as normativas provenientes do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo (Lei n.º 10.261, de 28/10/1968), pelo Estatuto do Magistério Paulista (Lei Complementar n.º 444, de 27/12/1985), que estabelecem a forma de admissão, os direitos, os deveres e garantias desses servidores. A Lei 500/74, por sua vez, regulamentou especificamente a contratação de professores temporários até a sua recente substituição, realizada pela Lei Complementar 1.093/09. Como se poderá conferir logo adiante, nos quadros apresentados de professores PEB I e PEB II, a Lei 500/74 foi largamente utilizada pelo governo de São Paulo, em vista da necessidade de contratar professores em caráter emergencial, “[...] contudo, o que era uma situação excepcional passou a ser regra e, durante muitos anos, a Secretaria da Educação deixou de realizar concursos de ingresso ao magistério secundário” (TEIXEIRA, 1988, p. 96).

Essa lógica de funcionamento imanente à política de gestão de pessoal docente reflete uma constante na historia recente da SEE/SP que, ao invés de promover concursos de efetivação, admitiu em larga escala professores em caráter temporário. O modelo de seleção e admissão de professores da Secretaria vem acarretando implicações para a composição dos quadros docentes, para o cotidiano do profissional contratado e também para as atividades desenvolvidas na escola, e que pode ser considerado como um dos fatores que impactam os índices de qualidade da educação aferidos.

Quanto ao ingresso no serviço público, a seleção e o recrutamento realizado por intermédio de concursos de provas e títulos têm sido a forma mais racional e democrática adotada pelos governos na história recente do país, a qual, segundo Weber (2002), tem efeitos específicos sobre a educação. Ressalte-se que, apesar do concurso ser a forma mais democrática para prover cargos públicos, visando coibir as nomeações ilícitas e os apadrinhamentos pessoais, muito comuns no passado, existe nisso uma ambiguidade, visto que no funcionalismo público o profissional contratado deverá submeter-se às normas rígidas e aos princípios que orientam a burocracia moderna.

Por outro lado, se no passado a educação visava à formação do homem culto, nos dias atuais, a burocracia moderna demanda essencialmente técnicos especialistas. Isto se deve ao avanço do capitalismo, e tal processo intensificou-se principalmente após a Segunda Guerra Mundial, período em que ocorre a expansão de urbanização e consequentemente um crescimento das demandas sociais sobre a atuação do Estado, no sentido de oferecer à população um rol mais abrangente de serviços sociais, tais como os programas de assistência à saúde, transporte, moradia, segurança e educação escolar.

Daí ser compreensível, como ressalta Weber (2002), a busca pelos diplomas e certificados de treinamentos especializados, por parte daqueles que almejam assumir um cargo na burocracia estatal, e com isso garantir um ganho financeiro estável, uma posição social privilegiada bem como uma pensão garantida na velhice. Há que se destacar também que o contingente de pessoas interessadas pelo ingresso no serviço público cresce ao longo dos anos, à medida que a estrutura burocrática amplia-se e adquire formas mais complexas de atuação na sociedade, resultando em uma elevada concorrência pelos cargos economicamente mais atrativos.

No que se refere aos professores que ingressam no serviço público, seja em caráter temporário ou efetivo, cumpre enaltecer que devem submeter-se à estrutura de funcionamento da burocracia do Estado, de acordo com os seus códigos e regulamentos internos. Nesse sentido, a estrutura burocrática desenvolve um mecanismo de conformação e adaptação do sujeito, em razão do processo de padronização e a especialização requeridos pelas funções existentes no quadro de funcionários. Para Marcuse (1999), essa especialização decorrente da estrutura burocrática:

[...] tende a atomizar as massas e a isolar as funções subordinadas das executivas. Mencionamos que o treinamento vocacional especializado implica adaptar o homem a uma tarefa especifica ou a uma linha especifica de tarefas, direcionando assim sua “personalidade”, espontaneidade e experiência para as situações especiais que ele possa encontrar ao ocupar o posto. Dessa forma, as várias profissões e ocupações, apesar de sua convergência para um padrão geral, tendem a se tornar unidades atomizadas que requerem coordenação e gerenciamento de uma instância superior. A democratização técnica de funções é neutralizada por sua atomização, e a burocracia surge como o órgão que garante o curso e a ordem dessas funções. (MARCUSE, 1999, p. 94, grifos do autor)

Ressalte-se nisso a contradição apontada pelo autor, visto que, ao mesmo tempo em que a burocracia promove uma democratização de funções, neutraliza-a pela atomização e o isolamento, que, por sua vez, são garantidos pela ação de uma coordenação e gerenciamento superior. No entanto há que se ponderar, pois:

A burocracia emerge assim num terreno aparentemente objetivo e impessoal, fornecido pela especialização racional das funções, e esta racionalidade, por sua vez, serve para incrementar a racionalidade da submissão. Pois quanto mais funções individuais são divididas, fixadas e sincronizadas de acordo com os padrões objetivos e impessoais, tanto menos razoável é para o indivíduo recuar ou resistir. (MARCUSE, 1999, p. 94)

Na rede estadual pública de São Paulo, tanto as unidades como os professores estão subordinados aos ditames impostos pelo aparato da organização burocrática. Para os profissionais da educação pública paulista a dominação e subordinação centralizam-se, sobretudo nas leis, códigos e estatutos que regem as especializações técnicas individualizadas. Isto ocorre em razão do próprio modelo em que se estrutura a organização do sistema de ensino brasileiro, caracterizado pela burocratização e hierarquização existentes em todos os níveis. Tragtenberg (2004a) define este modelo como um tipo piramidal, administrativamente instituído de forma vertical, em que a posição representada pelo protagonista da educação – o professor – situa-se estrategicamente distante do poder decisório (executivo), restando-lhe exercer unicamente a autonomia possível no interior da sala de aula. Além disso, o autor acrescenta as seguintes ponderações:

Um dos aspectos estruturais do sistema de educação burocrático é que os usuários não controlam de modo algum a gestão dos fundos que dedicam à coletividade. A estrutura burocrática de ensino no âmbito nacional desenvolve-se em três níveis: 1 - Organização do pessoal; 2- Programas e trabalho; 3 – Inspeções e exames. No que se refere a pessoal, o burocrata da educação está separado dos meios de administração como o operário dos meios de produção, o oficial dos meios de guerra e o cientista dos meios de pesquisa. (TRAGTENBERG, 2004b, p. 47)

Essa estrutura hierarquizada, contudo, não elimina o individualismo, como concluiu Marcuse (1999), ainda que o sujeito deva exercer com eficiência a sua atividade profissional, de acordo com as premissas e as demandas do aparato burocrático. Nestes termos, o sujeito eficiente é aquele:

[...] cujo desempenho consiste numa ação somente enquanto seja a reação adequada às demandas objetivas do aparato, e a liberdade do indivíduo está confinada à seleção dos meios mais adequados para alcançar uma meta que ele não determinou. (MARCUSE, 1999, p.78).

Observa-se que no sistema educacional administrado – atualmente orientado por uma racionalidade que pressupõe, de instâncias oriundas desde o exterior da escola, o estabelecimento de metas de desempenho para a comunidade escolar – que a possibilidade de promoção da autonomia dos agentes envolvidos encontra-se travada. Nesse sistema, tanto a eficiência do professor quanto o resultado de seu trabalho pedagógico são avaliados por intermédio dos escores obtidos pelos alunos nas provas governamentais padronizadas e aplicadas periodicamente. Nessa lógica de funcionamento operacional do sistema, o profissional eficiente é aquele que consegue melhor se adaptar aos mecanismos de avaliação de desempenho pedagógico, bem como atingir a metas preestabelecidas. Isso decorre daquilo que é definido por Marcuse (1999), como a mecânica da submissão, visto que, em uma sociedade racionalmente dominada pelos ditames da técnica e da tecnologia, a submissão se espraia para outros segmentos da vida social, além do ambiente da fábrica, alcançando o comércio, os escritórios, as escolas, as repartições públicas, incluindo-se também as atividades de descanso, esporte e lazer.

Para o autor, à medida que o homem vai sendo incorporado pela lógica do aparato, sua capacidade de contrapor-se a essa racionalidade se desvanece, pois,

[...] a questão é que, atualmente, o aparato ao qual o indivíduo deve ajustar-se e adaptar-se é tão racional que o protesto e a libertação individual parecem, além de inúteis, absolutamente irracionais. O sistema de vida criado pela indústria moderna é da mais alta eficácia, conveniência e eficiência. A razão, uma vez definida nestes termos, torna-se equivalente a uma atividade que perpetua este mundo. O comportamento racional se torna idêntico à factualidade que prega uma submissão razoável e assim garante um convívio pacífico com a ordem dominante. (MARCUSE, 1999, p. 82-83)

Portanto, na sociedade administrada, a possibilidade de contestação e protesto tornou-se cada vez mais eclipsada frente à dominação real do indivíduo, que, uma vez submisso, adere pacificamente àquilo que se encontra estabelecido, visando garantir a sua própria sobrevivência no interior da ordem social vigente. Frente a essa realidade contraditória, cumpre ao professor da escola pública a busca pela sua adaptação, na medida do possível, com o intuito de sobreviver no interior do próprio sistema educacional.

A par das informações anteriormente contempladas, busca-se analisar as principais características que norteiam a política de gestão a SEE/SP, que é responsável pelo modelo de seleção e admissão adotada pelos sucessivos governos de São Paulo nas últimas décadas. Pretende-se, assim, responder as seguintes questões, a saber: que traços caracterizam o modelo de gestão de pessoal docente da Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP), suas implicações para o modelo de seleção e admissão desses profissionais da educação? Quais implicações permite-se identificar como resultante dessa política para a composição dos quadros docentes nas últimas décadas?

Traços principais que definem o modelo de gestão de pessoal docente da SEE/SP

Com o intuito de responder essas questões, cumpre destacar de início que a contratação de pessoal docente da SEE/SP segue afinada com a política de governo direcionada à administração de pessoal, e de acordo com as diretrizes e normas estabelecidas pela administração pública, respeitando-se os princípios que orientam a organização burocrática e as leis vigentes. Nos últimos anos, as sucessivas gestões do governo de São Paulo têm-se caracterizado por um modelo de racionalização da administração pública, que pressupõe a contenção dos gastos públicos, o enxugamento do aparato burocrático, privatizações de empresas estatais, terceirização de serviços e contratação de funcionários temporários a título de trabalho precário.

Desse modo, o governo tem procurado administrar o orçamento do Estado procurando contratar o mínimo contingente possível de funcionários em caráter efetivo. Tal política se justifica, tendo em vista que o funcionário admitido e que cumpre regulamente o período de três anos correspondente ao estágio probatório, adquire o direito de usufruir garantias pecuniárias que perdura até a aposentadoria. Por outro lado, a terceirização de serviços, principalmente a partir da admissão de funcionários temporários, a exemplo do que vem ocorrendo há décadas na área da educação, permite ao poder público estadual eximir-se da responsabilidade de oferecer as mesmas garantias pecuniárias que são legalmente asseguradas para os efetivos. Além disso, no que tange às reformas administrativas implantadas no aparato burocrático do estado, realizadas de acordo com as agendas políticas assumidas pelos governantes, incide numa vulnerabilidade maior sobre os funcionários temporários.

Apesar disso, segundo Teixeira (1988, p. 47) a política educacional do governo estadual é dirigida a partir de normas e diretrizes que visam alcançar a “(...) consecução dos objetivos do sistema de ensino”. Destaca também que esses objetivos devem orientar a política de pessoal docente, buscando suprir a rede pública estadual de ensino com professores em quantidade e qualidade suficiente para atender às demandas a contento. Contudo, considera também, que as medidas tomadas a partir da política educacional assumida pelo governo estadual nem sempre foram acompanhadas de iniciativas que pudessem “dar suporte” ao funcionamento adequado do sistema de ensino público. Para a autora, isso se tornou mais acentuado à medida que a rede se expandiu em tamanho e complexidade, "[...] sem que medidas de política de pessoal procurassem adequar a administração do pessoal docente às exigências da nova situação da Rede.” (TEIXEIRA, 1988, p. 143)

Essas considerações ressaltam um traço que tem marcado a política de pessoal da SEE/SP nas últimas décadas e, consequentemente o provimento de cargos docentes, ou seja, o descompasso existente entre as demandas por pessoal qualificado estabelecido pela educação e a constatação do insuficiente atendimento quantitativo e qualitativo realizado pelo governo. De outra parte, não se pode considerar que esse descompasso seja unicamente uma característica disfuncional do sistema educacional. Ao contrário, reflete a lógica operacional da administração pública em relação às causas da educação, que, em última instância, deveria ter em vista a assunção de iniciativas efetivas a fim de promover um ensino de qualidade. Tomando-se por referência os baixos índices de desempenho observados nas avaliações institucionais padronizadas (SARESP, SAEB, etc.), nas condições de trabalho e salário dos professores (FONTANA, 2008), conclui-se que as políticas educacionais empreendidas nos últimos anos não têm sido suficientes para resolver, de modo satisfatório, os problemas recorrentes que historicamente se manifestam na escola pública paulista.

Portanto, o modelo de admissão de professores desenvolvido pela SEE/SP, realizada principalmente por meio de contrato precário de trabalho, representa uma flagrante consolidação da lógica da administração pública empreendida em São Paulo, nas últimas décadas. Disso decorre observar a existência de uma permanente e intensa movimentação de pessoal ocorrendo no interior da rede, e que se configura nos quadros docentes apresentados logo adiante. Assim, pode-se afirmar que a política de seleção de docentes não tem sido formulada com o propósito de tratar de forma adequada e suficiente as demandas surgidas na escola pública paulista. Em consequência disso,

[...] a legislação de pessoal docente, que expressa a política adotada, acabou se transformando num emaranhado de leis, decretos e regulamentos, muitos dos quais formulados com objetivos casuísticos, tornando a administração de pessoal extremamente complexa, e até certo ponto “caótica”. (TEIXEIRA, 1988, p. 145)

Diante dessa realidade, resta aos professores temporários assumirem classes e aulas em caráter substitutivo, tanto nas atribuições iniciais de cada ano letivo, como no decorrer dele, bem como aquelas substituições que ocorrem diariamente realizadas pelos professores eventuais, que permanecem de plantão nas unidades escolares exclusivamente para exercer tal função. Quanto às atribuições, são duas as modalidades de atribuição de classes e aulas para aqueles que compõem os quadros dessa categoria (não efetivos), como aponta Fontana (2008, p. 108):

No início do processo de atribuição de classes e aulas contamos com aulas e classes livres que serão atribuídas conforme a classificação dos candidatos. O fato é que muitos professores escolhem as aulas ou classes e se afastam para prestar serviço seja junto à Diretoria de Ensino, seja nas próprias unidades escolares como vice-diretor ou coordenador pedagógico; temos ainda aqueles que se afastam por motivos particulares, sem vencimentos, outros por licença para tratamento de saúde, licença prêmio, enfim, são diversos tipos de afastamentos previstos em lei que acabam por originar aulas em substituição. Ao contrário dessas, aquelas que não foram atribuídas a nenhum docente, são cognominadas aulas livres.

Em decorrência desse modelo de gestão da educação paulista ocorre uma intensa e permanente movimentação nos quadros docentes e, consequentemente, uma alteração da relação percentual observada entre o contingente de professores efetivos e não efetivos em atividade. Ressalte-se ainda que, dentre os professores não efetivos, há aqueles que assumem uma posição privilegiada no interior do sistema, geralmente representado pelo grupo que acumula maior tempo de trabalho realizado no magistério público e, portanto, ficam mais bem classificados nas listas de atribuições, que por sua vez, são decisivas para definir a jornada desejada assim como de suas respectivas unidades escolares.

Portanto, o traço mais acentuado que se pode identificar na política de contratação de docentes da SEE/SP é a presença de uma extensiva movimentação de professores no interior da rede. Tal fato tem sido recorrente ao longo das últimas décadas, como se afirmou anteriormente, e tem amparo nos dispositivos legais vigentes, que definem a chamada mobilidade funcional, representada principalmente pela remoção, readaptação de professores e também em razão do próprio sistema desenvolvido para as atribuições de classes e aulas. De acordo com o Estatuto do Magistério, o processo de remoção – que é realizado em nível estadual – antecede à realização de nova edição dos concursos de efetivação previstos pela SEE/SP, permitindo-se assim que o professor mude para outra unidade escolar da rede, de acordo com a classificação de cada profissional e também em razão das indicações realizadas oportunamente.

Contudo, cumpre destacar que a movimentação de professores é um fenômeno mais abrangente e cuja análise mais apurada extrapola os limites desse texto, considerando que as substituições de professores afastados por motivos particulares ou definidas de acordo com as várias designações promovidas internamente. Além disso, abrange as substituições de professores que deixam seus cargos no decorrer do ano letivo, por motivo de exoneração ou aposentadoria. Urge considerar também os deslocamentos necessários, que obrigam muitos professores efetivos ingressantes a ocuparem um cargo em localidade distante daquela de sua origem após as sessões de escolha, caracterizando-se assim como mais uma situação que acentua a movimentação no interior da rede.

A movimentação de professores da SEE/SP, considerada como uma resultante da situação funcional da categoria, razão pela qual se analisa em seguida a composição histórica dos quadros de PEB I e PEB II.

Situação funcional dos professores da rede pública paulista

Em primeiro lugar, é digno de nota ressaltar as dificuldades enfrentadas consideráveis para reunir dados sobre o tema junto aos órgãos públicos. O Departamento de Recursos Humanos da SEE/SP (DRHU), por exemplo, que sistematiza os dados referentes à situação funcional de seus funcionários, divulgando-os periodicamente em página da Secretaria na internet, apresenta uma série histórica iniciada no ano de 1999. Assim, buscou-se realizar um levantamento de dados junto a outras fontes, principalmente por intermédio dos trabalhos de pesquisa produzidos antes dessa data (PEREIRA, 1963; TEIXEIRA, 1988; RUS PERES, 1994).

Há, portanto, muitas dificuldades em se obter informações sobre os quadros da SEE/SP a fim de descrever uma série histórica regular em período anterior à primeira divulgação do DRHU, ocorrida em 1999. A dificuldade em coligir dados estatísticos sobre as categorias docentes da SEE/SP tem sido enfatizada por outros pesquisadores (RUS PERES, 1994; COSTA, 1999; MÁSCULO, 2002, BROUCO, 2006; FERREIRA, 2006). Rus Perez (1994), por exemplo, ressalta as dificuldades pelas quais passou para coligir dados para sua pesquisa, que foram obtidos por intermédio de diversas fontes:

Entre as inúmeras dificuldades encontradas para analisar os recursos humanos da Secretaria da Educação destacam-se (...) a ausência de controle rigoroso de elaboração dos dados, existência de documentos oficiais sem precisão e autenticidades garantidas. (...) Existe uma precariedade do sistema de informações sobre os recursos humanos vinculados ao Poder Executivo do Estado de São Paulo. (RUS PEREZ, 1994, p. 117)

Apesar das dificuldades apontadas, o autor conseguiu reunir dados referentes ao contingente de professores da rede estadual paulista no período entre 1967 e 1990. Com base no seu estudo foi possível apurar os seguintes dados relativos ao contingente total de professores: em 1970 (111.184), 1980 (182.462) e 1990 (206.836). De acordo com as demais informações assinaladas pelo autor, referentes às porcentagens de professores efetivos e não efetivos no período (1970, 1980, 1990), elaborou-se a seguinte tabela:

Tabela 1
Contingente total de professores (1970, 1980, 1990), com indicação do número de efetivos e não efetivos, e dos números índices (IE, INE, IT, 1970 como base)

Fonte: Elaborada com base nas informações extraídas deRus Peres (1994) * número de efetivos e não efetivos não informados pelo autor; - número índice (IE, INE E IT) representa o valor da variável em razão da data base, multiplicado por (100)

Apesar da precariedade de dados em relação ao período retratado, como aponta o autor, apresenta-se uma série histórica que permite “[...] avaliar, pelo menos tendencialmente, o contingente de professores que sustentam a política educacional” (RUS PERES, 1994, p. 116). Sendo assim, nota-se que no período entre 1970 e 1980 ocorreu um crescimento de 64% do número total de docentes, enquanto que no período total considerado (1970 – 1990) esse crescimento em média representa 86%, indicando que o maior percentual observado na tabela foi durante os primeiros dez anos. Os dados também assinalam especificamente a mesma tendência em relação aos efetivos, cujo aumento foi de 76%, e dos não efetivos 93% de crescimento.

Assim, o maior índice de crescimento apurado ocorreu na categoria dos professores não efetivos, demonstrando que, pelo visto, o crescimento do contingente total no período compreendido entre 1970 e 1990, centrou-se mais na contratação de professores temporários. Pode-se afirmar, em síntese, que a lógica dominante na administração de pessoal docente emanada pelo poder público estadual, no período especificado, foi a de promover uma expansão na rede pública estadual de ensino fundamentada na admissão de professores temporários.

Na tabela II, contempla-se a média anual dos quadros de professores PEB II, no período de 1994 a 2011, cotejando, inclusive, os percentuais do contingente dos não efetivos. Da mesma maneira que se elaborou uma tabela relativa ao quadro de professores PEB II, apresenta-se em seguida a tabela III referente aos docentes PEB I, permitindo-se assim estipular análises distintas de acordo com a situação encontrada em cada caso.

Tabela II
Professores PEB II (1994-2011), com indicação do número de efetivos e não efetivos e dos números índices (IE, INE, IT, 1994 como base) e da porcentagem de não efetivos

Fonte: Elaborada com base nas informações extraídas de Fontana (1994, p. 102); Centro de Informações Educacionais (CIE); e DRHU (Cadastro funcional da educação, 2011) número índice (IE, INE E IT) representa o valor da variável em razão da data base, multiplicado por (100).

De acordo com dados da tabela, vale destacar inicialmente o crescimento de 51% no total de professores PEB II observado no período de dezoito anos (1994-2011). Esse crescimento sistemático teve início em 2.000, e após as reduções nos anos de 1996 a 1999, se consolidou de forma gradativa até o final do período considerado. De modo análogo, verifica-se que o aumento ocorrido no quadro dos efetivos segue a mesma tendência, com aumento sistemático a partir de 2.000, alcançando o valor final mais expressivo observado em todo o período (211%). O número de não efetivos apresenta uma oscilação (aumenta e diminui) até 2005. A partir daí decresce de modo constante até o final do período.

Isso sugere que, desde 2000, houve um acentuado processo de efetivação de professores, determinado pela realização de concursos de efetivação nos anos de 1998 e 2003, que ofereceram respectivamente 47.000 e 49.000 vagas. Note-se, porém, que em 1999 o percentual de não efetivos era de 79,6% do contingente total de professores, configurando-se no maior valor percentual identificado nos dados reunidos. Portanto, pode-se dizer que os concursos realizados em 1998 e 2003 compensaram em parte o elevado déficit de efetivos identificado em período anterior ao ano 2.000.

Apesar disso, pode-se aferir que em 2011 o contingente de não efetivos em números absolutos é superior a 70 mil professores, representando uma parcela importante (43,3%) do total de docentes que atuam na escola pública estadual de São Paulo. A seguir analisa-se na tabela III, a série histórica (1994-2011) dos quadros docentes PEB I, responsáveis pelo ensino fundamental de Ciclo I.

Tabela III
Contingente de professores PEB I (1994-2011), com indicação do número de efetivos e não efetivos, dos números índices (IE, INE, IT, 1994 como base) e da porcentagem de não efetivos

Fonte:Elaborada com base nas informações extraídas de Fontana (1994, p. 107); Centro de Informações Educacionais (CIE); e DRHU (Cadastro funcional da educação, 2011) número índice (IE, INE E IT) representa o valor da variável em razão da data base, multiplicado por (100)

De acordo com os dados da tabela, observa-se a tendência de decréscimo gradativo do contingente total de professores no período considerado (1994-2011), principalmente a partir de 1999, finalizando com o valor de 44% em 2011, valor obtido subtraindo-se de 100 (ano base) o valor de 56% constante na tabela. Da redução total apurada, observa-se que a mais significativa se refere ao contingente de efetivos, (50%) em 2011.

Em relação ao quadro de não efetivos, os dados apontam que o contingente reduziu acentuadamente em 2.000, ano em que havia 15% a menos de professores do que o ano base 1994. Posteriormente, apuraram-se menores índices de variação, finalizando o período com 37% (2011) de redução em comparação a 1994. Portanto, constata-se que no final do período considerado, o decréscimo total apurado do contingente de efetivos (50%) foi mais acentuado do que aquele apontado no quadro dos não efetivos (37%). Além disso, o valor percentual da relação existente entre efetivos e não efetivos, verificada ao longo dos dezoito anos considerados na tabela, indica a tendência da manutenção de não efetivos ter prevalecido na maior parte do tempo decorrido.

Cumpre ressaltar que, a redução do contingente total de professores PEB I ocorreu, muito provavelmente, em razão do processo de municipalização do ensino fundamental de Ciclo I, iniciado em 1997. De acordo com os dados da tabela, evidencia-se que a redução do contingente se acentua a partir de 1999. Além disso, no período que compreende de 1990 a 2005, a SEE/SP não promoveu concursos públicos para essa categoria docente, ano em que surgiu uma nova edição, visando efetivar 10.268 novos docentes PEB I, como destaca Fontana (2008, p. 104):

O Estado de São Paulo passou 15 (quinze) anos sem concursos para o provimento de cargos de PEB I, antigo P I, provavelmente devido ao processo de municipalização do ensino que se encontrava em andamento. Ressaltamos que a realização de concursos e a consequente efetivação de grande número de professores inviabilizariam a municipalização, tanto por parte do Estado como dos Municípios, tendo estes, na maioria das vezes, realizado concursos.

De acordo com as ponderações da autora, tudo indica que os municípios do estado de São Paulo absorveram parte do professorado que anteriormente fazia parte dos quadros da SEE/SP. Tal situação foi definida em razão das parcerias estabelecidas entre estado e municípios, que absorveram parte do professorado PEB I, e também por intermédio dos processos de seleção docente promovidos por inúmeras prefeituras em todo o território estadual. Por fim, cumpre enfatizar que da mesma maneira como ocorreu com os quadros de PEB II, a manutenção da educação pública paulista esteve ao longo do período retratado, majoritariamente sob a responsabilidade dos professores não efetivos.

Uma última análise que se pode realizar a propósito dos quadros gerais de PEB I e PEB II da SEE/SP, trata-se de estabelecer uma comparação com a situação funcional dos professores das escolas públicas em nível nacional, de acordo com a pesquisa de professores realizada em 2002 e publicada pela UNESCO (2004).

De acordo com os dados da tabela II de PEB II, tomando por referência os dados do ano de 2002 o contingente de efetivos representava uma porcentagem estimada em 43,7% do total, enquanto que a de PEB I é 41,3% (tabela III), mostrando que os valores apontam uma tendência de proximidade na situação funcional dos quadros docentes da SEE/SP para o mesmo ano em ambas as categorias. Enquanto isso, em nível nacional, encontra-se outra situação em relação aos quadros de professores das escolas públicas do país, relativos ao mesmo ano (2002), como se depreende nas seguintes afirmações:

A situação funcional dos docentes que atuam em escolas públicas aponta para mais da metade na categoria de concursados (66,1%). Há ainda 9,2% dos professores efetivos sem concurso. Contudo, o contrato temporário apresenta proporção expressiva, uma vez que se considera que este trabalho esta vinculado ao setor público – 19,1% dos professores que atuam em escolas públicas estão submetidos a esse tipo de contrato de trabalho. (UNESCO. 2004, p. 85)

A tabela IV, apresentada a seguir, contém uma síntese da composição dos quadros docentes do ensino público no país, de acordo com o vínculo institucional mantido pelo professor com a escola.

Tabela IV
Professores da rede pública no país por tipo de vínculo institucional estabelecido, em porcentagem (2002)

FONTE:UNESCO, Pesquisa de professores, 2002. Extraído de UNESCO (2004, p. 85)

Com base nos dados da tabela acima, pode-se constatar que a porcentagem nacional de professores efetivos nas escolas públicas atinge a cifra de 75,3%, somados os valores de efetivo concursado (66,1%) e efetivo sem concurso (9,2%). Por outro lado, a porcentagem de professores efetivos apurada nos quadros da SEE/SP, extraídos das tabelas II e III relativas ao mesmo ano da pesquisa da UNESCO (2002), são respectivamente PEB II (43,7%) e PEB I (41,3%), cuja média desses dois valores é 42,5%. Constata-se, portanto, que em São Paulo, considerado o estado mais populoso e rico do país, bem como possuidor da maior rede estadual de ensino público, apresenta em seus quadros docentes uma porcentagem de professores efetivos significativamente inferior à média nacional.

Pode-se verificar na comparação realizada que as políticas engendradas pelo governo estadual de São Paulo seguem desafinadas com a tendência apontada em nível nacional, em que as inúmeras redes de ensino demostram atender as respectivas comunidades estudantis com trabalho pedagógico desenvolvido majoritariamente com professores contratados em caráter efetivo.

Em síntese, considerando os dados aqui apresentados permite-se concluir que a política de gestão de pessoal docente da SEE/SP tem sido desenvolvida de maneira insatisfatória, no sentido de desenvolver o projeto educacional da rede pública estadual sob a responsabilidade majoritária de professores contratados em caráter efetivo e, portanto, com estabilidade de emprego e condições de desenvolver um projeto de trabalho pedagógico duradouro em uma determinada unidade escolar, como seria recomendável para se promover uma educação de boa qualidade.

Considerações finais

Com o entendimento de que a realidade da educação pública de São Paulo necessita de um exame mais acurado, o estudo teve por objetivo trazer uma contribuição para elucidar parte das questões que definem esta realidade, particularmente no que tange a política de gestão de pessoal docente e consequentemente das definições que implicam na composição dos quadros docentes da SEE/SP observada nas últimas décadas. Os dados apresentados mostram que o traço marcante na política de administração de pessoal docente da SEE/SP tem sido a admissão de elevado contingente de professores temporários, que submete tanto os próprios professores como a escola a conviver com uma situação de precariedade.

Por fim, as evidências do estudo demostram que expressiva parcela de profissionais contratados a título precário pouco contribuem para que a sua atuação promova a continuidade do projeto pedagógico da escola, pois a instabilidade característica do contrato de trabalho estabelecido não permite estabelecer vínculos duradouros com a escola e a sua integração à equipe de trabalho e aos alunos. Portanto, a não fixação de professores na escola tem sido um decisivo elemento negativo, que se acrescenta aos demais fatores que determinam a ineficiência observada na educação pública de São Paulo, constatável nos baixos índices de qualidade do ensino aferidos nos sistemas de avaliação institucional.

Referências

AFONSO, J. A. Estado, globalização e políticas educacionais: elementos para uma agenda de investigação. Revista brasileira de educação, n.22, Jan/Fev/Mar/Abr 2003.

AZEVEDO, J.M.L. de. A educação como política pública. Campinas/SP: Autores Associados, 2004.

BROUCO, G. R. As diferentes tendências pedagógicas da Educação Física escolar e os concursos para professores da rede pública estadual de ensino nas regiões sul e sudeste do Brasil. Dissertação (Mestrado em Educação). Rio Claro: UNESP, 2006.

COSTA, J. C. da. Dos concursos públicos e da política de recrutamento de professores do ensino fundamental I, no Município de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Educação). São Paulo: PUCSP, 1999.

DALE, R. Os diferentes papéis, propósitos e resultados dos modelos nacionais e regionais de educação. Revista Educação e Sociedade, Campinas, vol. 30, n. 108, p. 867-890, out. 2009.

FERREIRA, M. P. Concursos, Ingresso e Profissão Docente: um estudo de caso dos professores de História (São Paulo, 2003 – 2005). Dissertação (Mestrado em Educação). São Paulo: PUCSP, 2006.

FONTANA, C. A. O trabalho informal docente na rede pública de ensino do Estado de São Paulo . Dissertação (Mestrado em Educação). Piracicaba/SP: Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), 2008.

MARCUSE, H. Algumas implicações sociais da tecnologia moderna. In: ____. Tecnologia, guerra e fascismo. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1999.

MÁSCULO, J. C. Concursos de professores de História da rede pública frente às práticas e ao conhecimento histórico (São Paulo: 1970-1998). Dissertação (Mestrado em Educação). São Paulo: Faculdade de Educação/USP, 2002.

PEREIRA, L. O magistério primário numa sociedade de classes: estudo de uma ocupação em São Paulo. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1963.

RUS PERES, J. R. A política educacional do estado de São Paulo 1967-1990. Tese (Doutorado em Educação). Campinas/SP: Faculdade de Educação/UNICAMP, 1994.

TEIXEIRA, M. C. S. Política e administração de pessoal docente: um estudo sobre a Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Educação), São Paulo: Faculdade de Educação/USP, 1988.

TRAGTENBERG, M. Burocracia e ideologia. São Paulo, Editora Ática, 1985.

TRAGTENBERG, M. A escola como organização complexa. In: ____. Sobre educação, política e sindicalismo. São Paulo, Editora UNESP, 2004a.

TRAGTENBERG, M. Universidade e hegemonia. In: ____.Sobre educação, política e sindicalismo. São Paulo, Editora UNESP, 2004b.

UNESCO. O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que almejam. São Paulo: Moderna, 2004.

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 2002.

WEBER, Max. Economia e Sociedade. Volume I. Brasília: UNB, 1999a.

WEBER, Max. Economia e Sociedade. Volume II. Brasília: UNB, 1999b.

Ligação alternative

Artigo relacionado

[Artigo corrigido , vol1. 1, 57-72] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/7/358



Buscar:
Ir a la Página
IR
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por