RESUMO
Introdução: A hemovigilância é um elemento da segurança de transfusão sanguínea. As informações advindas da Rede Sentinela integraram o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária no pós-uso ou pós-comercialização, com a finalidade de subsidiar a vigilância sanitária nas ações de regulação desses produtos no mercado.
Objetivo: Demonstrar valores da taxa de reação transfusional (RT) que reflitam a situação das instituições que compõe a Rede Sentinela, a partir de dados do monitoramento da Rede, no ano de 2017.
Método: Foi realizado um estudo retrospectivo, descritivo, com abordagem quantitativa. A amostra de estudo constou de 172 planilhas oriundas dos relatórios enviados por 191 serviços integrantes da Rede Sentinela, com dados referentes ao monitoramento de pelo menos um dos semestres do ano de 2017.
Resultados: Dos 254 serviços credenciados à Rede Sentinela em 2017, 191 instituições enviaram relatório com dados de pelo menos um dos semestres no período em estudo. Desse total de serviços que enviaram o monitoramento, 183 (95,8%) afirmaram ter realizado transfusões de sangue e 120 (62,8%) instituições enviaram planilhas com taxa de RT do estabelecimento de saúde. A taxa geral de RT identificada entre instituições que compõem a Rede Sentinela, para o ano de 2017, foi de 5,29 RT a cada 1.000 transfusões realizadas.
Conclusões: A taxa geral de RT identificada foi 5,29 RT a cada 1.000 transfusões. Identificar a taxa de reação transfusional é um passo importante no gerenciamento de risco de uma instituição por possibilitar o desenvolvimento de estratégias de incremento de qualidade no processo transfusional.
Palavras chave: Hemovigilância, Reação Transfusional, Rede Sentinela, Sangue.
ABSTRACT
Introdução: A hemovigilância é um elemento da segurança de transfusão sanguínea. As informações advindas da Rede Sentinela integraram o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária no pós-uso ou pós-comercialização, com a finalidade de subsidiar a vigilância sanitária nas ações de regulação desses produtos no mercado.
Objetivo: Demonstrar valores da taxa de reação transfusional (RT) que reflitam a situação das instituições que compõe a Rede Sentinela, a partir de dados do monitoramento da Rede, no ano de 2017.
Método: Foi realizado um estudo retrospectivo, descritivo, com abordagem quantitativa. A amostra de estudo constou de 172 planilhas oriundas dos relatórios enviados por 191 serviços integrantes da Rede Sentinela, com dados referentes ao monitoramento de pelo menos um dos semestres do ano de 2017.
Resultados: Dos 254 serviços credenciados à Rede Sentinela em 2017, 191 instituições enviaram relatório com dados de pelo menos um dos semestres no período em estudo. Desse total de serviços que enviaram o monitoramento, 183 (95,8%) afirmaram ter realizado transfusões de sangue e 120 (62,8%) instituições enviaram planilhas com taxa de RT do estabelecimento de saúde. A taxa geral de RT identificada entre instituições que compõem a Rede Sentinela, para o ano de 2017, foi de 5,29 RT a cada 1.000 transfusões realizadas.
Conclusões: A taxa geral de RT identificada foi 5,29 RT a cada 1.000 transfusões. Identificar a taxa de reação transfusional é um passo importante no gerenciamento de risco de uma instituição por possibilitar o desenvolvimento de estratégias de incremento de qualidade no processo transfusional.
Keywords: Hemovigilância, Reação Transfusional, Rede Sentinela, Sangue.
ARTIGO
Estudo da taxa de reação transfusional das instituições de saúde credenciadas à Rede Sentinela da Anvisa, do ano de 2017
Study of transfusion reaction rate of health institutions accredited in the Sentinel Network of the Anvisa in 2017
Recepção: 22 Julho 2019
Aprovação: 04 Novembro 2019
A hemotransfusão, uma prática comum em cuidados intensivos, não é isenta de riscos, estando associada a inúmeros eventos adversos como infecções, injúria pulmonar aguda, sobrecarga volêmica, alterações imunes e reações hemolíticas 1. Em levantamento recente utilizando o Banco de Dados da Rede Internacional de Hemovigilância, representando 25 países, foi identificado que a taxa de reação adversa à transfusão de produtos sanguíneos era de 660 por 100.000 indivíduos 2.
No Brasil, a introdução de uma gestão de riscos no ciclo hemoterápico, por meio da Portaria nº 121, de 24 de novembro de 1995 3, publicada pelo Ministério da Saúde, regulamentando o roteiro para inspeção em unidades hemoterápicas, representou uma importante medida no processo de minimização de erros, uma vez que estabelece as rotinas básicas a serem seguidas para a execução das diferentes atividades desenvolvidas no serviço de hemoterapia 4. Segundo Carrazzone et al. 5, entende-se por segurança transfusional o conjunto de medidas adotadas que vise um menor risco aos doadores e receptores de sangue.
A Portaria do Ministério da Saúde (MS) nº 1.660, de 22 de julho de 2009, instituiu o Sistema de Notificação e Investigação em Vigilância Sanitária (Vigipós), no âmbito do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), como parte integrante do Sistema Único de Saúde (SUS), para o monitoramento, análise e investigação dos eventos adversos e queixas técnicas relacionados aos serviços e produtos sob vigilância sanitária na fase de pós-comercialização/pós-uso. Como estratégia para concretizar o Vigipós, a Rede Sentinela, regulamentada pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 51, de 25 de setembro de 2014 6, funciona como observatório no âmbito dos serviços para o gerenciamento de riscos à saúde, compondo um conjunto de instituições que atuam de forma articulada com os entes do SNVS. Cada instituição deve constituir uma Gerência de Risco, que representa a referência interna do Vigipós, responsável por notificar eventos adversos e queixas técnicas de produtos sob vigilância sanitária em uso no Brasil. De acordo com a Instrução Normativa (IN) nº 8, de 19 de dezembro de 2014, as atividades voltadas para gestão de risco das instituições credenciadas à Rede serão monitoradas semestralmente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sendo os dados coletados consolidados periodicamente pela Agência 7.
A hemovigilância é um elemento da segurança de transfusão, consistindo em um sistema de avaliação e alerta, através do constante monitoramento do processo transfusional, organizado com o objetivo de recolher e avaliar informações sobre os efeitos indesejáveis e/ou inesperados da utilização de hemocomponentes, a fim de prevenir seu aparecimento ou recorrência. A hemovigilância está inserida nas ações de Vigilância em Saúde desenvolvidas no Brasil e representa uma das áreas estratégicas de atuação da Anvisa e do MS 8.
O monitoramento da taxa de reação transfusional (RT) é um importante parâmetro de avaliação para agências reguladoras em outros países, como no sistema de hemovigilância Serious Hazards of Transfusions (SHOT), voltado para minimizar erros transfusionais no Reino Unido ou a Agence Nationale de Sécurité du Médicament et des Produits de Santé (ANSM), na França, onde a notificação é compulsória, como ocorre no Brasil 9, 10. Apesar de obter referências de outros sistemas de hemovigilância internacionais 11, no Brasil ainda não existe uma taxa nacional de reação adversa em hemovigilância, sendo adotado o parâmetro francês, em algumas ocasiões, nas estatísticas prospectivas.
Diante do interesse em gerar informação em hemovigilância, o presente estudo buscou demonstrar os valores da taxa de RT que reflitam a situação das instituições que compõe a Rede Sentinela, a partir de dados do monitoramento da Rede, no ano de 2017. A divulgação de estudos envolvendo um maior número de instituições de saúde distribuídas pelo país objetiva oferecer informações que possam subsidiar ações a partir de dados que reflitam a realidade brasileira.
Foi realizado um estudo do tipo retrospectivo, descritivo, com abordagem quantitativa, com o intuito de identificar uma taxa de RT a partir de dados obtidos no monitoramento da Rede Sentinela, no período de janeiro a dezembro de 2017. A amostra de estudo constou de 172 planilhas oriundas dos relatórios enviados pelas instituições credenciadas à Rede Sentinela, que preencheram ao menos um relatório padrão referente a um dos semestres no período de 2017. Os dados contidos em relatório foram obtidos do Formulário de Monitoramento da Rede Sentinela, documento preenchido pelas instituições na base de dados do FormSus. O monitoramento do ano de 2017 ocorreu em duas etapas, por meio do envio de dois formulários, contemplando um semestre cada.
Cada formulário conta com 76 itens com perguntas distribuídas em blocos que agrupam questões sobre controle e monitoramento de riscos, comunicação de risco, minimização de risco, integração com outras áreas, capacitações e educação continuada, programa nacional de segurança do paciente, além de grupos de questões sobre pontos específicos de estratégias de monitoramento em farmacovigilância, tecnovigilância, hemovigilância e biovigilância. Para o presente estudo, foi analisada, juntamente com os dados de identificação da instituição, como localização estadual, a sessão correspondente à Hemovigilância, especificamente os seguintes itens:
“Realizou transfusões no período monitorado?”;
“Taxa de Reação Transfusional 1º Semestre de 2017” e/ou “Taxa de Reação Transfusional 2º Semestre de 2017”.
Em caso afirmativo para o primeiro item, a instituição deveria anexar uma planilha com formatação previamente estabelecida, contendo dados referentes ao semestre avaliado. Como critério de inclusão, foram consideradas as planilhas com dados preenchidos referentes ao monitoramento em hemovigilância enviadas pelas unidades integrantes da Rede Sentinela através do Formulário de Monitoramento da Rede Sentinela (2017.1) e do Formulário de Monitoramento da Rede Sentinela (2017.2). Não ter anexado as planilhas de monitoramento em hemovigilância ou informar que não realizou transfusões no período monitorado foi considerado, portanto, critério de exclusão. As variáveis dependentes foram o quantitativo de casos de RT identificadas pelo estabelecimento mensalmente e a quantidade transfundida. A variável independente foi a taxa de RT identificada no estabelecimento. As taxas foram apresentadas por tipo de hemocomponente, estratificadas considerando a quantidade de transfusões do hemocomponente e a quantidade de RT apresentadas, segundo a fórmula:
Taxa de reação transfusional do hemocomponente = quantidade (n) de reações transfusionais envolvendo o hemocomponente/total (n) de transfusões do hemocomponente
A taxa global foi calculada considerando o número de RT por número de transfusões em cada instituição de saúde, de acordo com a seguinte fórmula:
Taxa de reação transfusional (T x RT) = quantidade (n) de reações transfusionais/total (n) de transfusões
Foi realizado um consolidado dos formulários de Monitoramento da Rede Sentinela referentes ao ano de 2017, enviados através da plataforma FormSus. A base de dados foi extraída e armazenada em planilhas Excel versão 2016, compatíveis com a estrutura do formulário. Após a extração, os dados foram analisados, por meio de estatística descritiva, utilizando-se de técnicas de distribuição de frequência e média de variáveis. Os resultados foram expostos sob a forma de tabelas e gráficos para análise e discutidos conforme literatura existente.
Foram considerados os consolidados de unidades de saúde (US) que enviaram pelo menos um relatório dos monitoramentos realizados no ano de 2017. Neste mesmo ano, 254 instituições integravam a Rede Sentinela e 191 responderam ao menos um relatório semestral. As 63 instituições que não enviaram relatórios em 2017 foram excluídas. Foram analisados, portanto, 191 serviços integrantes da Rede Sentinela, com dados correspondentes ao primeiro e/ou segundo semestres de 2017. Desse total de serviços, 183 (95,80%) afirmaram ter realizado transfusões de sangue no período monitorado, conforme Tabela 1, e 8 (4,20%) US afirmaram não ter realizado transfusões. É possível observar uma concentração de unidades nos estados das regiões Sudeste e Sul, totalizando 117 (63,93%) US.
Dentre as instituições que afirmaram ter realizado transfusões no período, 120 (62,8%) instituições enviaram planilhas com o consolidado de taxa de RT do estabelecimento em pelo menos um semestre de 2017, conforme Tabela 2. O monitoramento referente ao ano de 2017 ocorreu em duas etapas, por meio do envio de dois formulários em momentos distintos, contemplando um semestre cada. Contudo, algumas instituições enviaram dois relatórios e outras apenas um relatório referente ao primeiro ou segundo semestre do ano em estudo, motivo pelo qual a análise da taxa de RT foi realizada com uma amostra de 172 planilhas. Cada planilha consolidava a taxa de RT da instituição em um dos semestres de 2017.
As notificações advindas da Rede Sentinela representam importante percentual no quantitativo de notificações de reações adversas envolvendo uso de sangue e hemocomponentes recebidas no Notivisa, conforme demostrado na Figura 1, que apresenta dados extraídos do sistema informatizado desenvolvido pela Anvisa para receber notificações de incidentes, eventos adversos (EA) e queixas técnicas (QT) relacionadas ao uso de produtos e de serviços sob vigilância sanitária. É possível observar a representatividade dos serviços da Rede Sentinela na frequência de notificações de reações envolvendo uso de sangue e hemocomponentes, com um percentual de 35,54% das notificações recebidas no sistema Notivisa em 2017. Cabe ressaltar que, segundo Boletim de Hemovigilância nº 7 11, publicado pela Anvisa em 2015, as instituições que compõe a Rede Sentinela representam cerca de 3,00% de todos os serviços de saúde que possuem complexidade para realizar transfusões sanguíneas e que 20%–30% deles ainda não notificam.
Na Tabela 3, é possível observar a taxa geral de RT encontrada de 5,29 RT a cada 1.000 transfusões, um valor maior do que o parâmetro utilizado como referência nos relatórios de Hemovigilância da Anvisa 11, baseado em estatísticas do sistema de hemovigilância francês, de três RT por 1.000 hemocomponentes transfundidos (3 RT/1.000). Em estudo realizado com dados de um grupo de instituições de saúde na Itália 12, a taxa de reação adversa encontrada foi de 0,8 RT por 1.000 hemocomponentes transfundidos. Harvey et al. 13 analisaram dados transfusionais de 77 instituições nos Estados Unidos e identificaram uma taxa de reação adversa de 2,39 RT/1.000 transfusões. Com o objetivo de identificar dados contextualizados com a realidade brasileira, a Tabela 3 apresenta também as taxas de RT distribuídas por unidade federativa (UF), considerando a localização das Instituições que forneceram os dados para o período estudado. A separação por estado se assemelha a um estudo realizado na Itália 12, contudo, é importante mencionar que a distribuição de instituições de saúde por UF na Rede Sentinela é variável, tendendo a uma concentração de US nas regiões sul e sudeste, como evidenciado na Tabela 1. Nenhuma instituição localizada nos estados de Goiás, Mato Grosso, Piauí, Acre, Amapá, Roraima, Tocantins e Espírito Santo anexou planilha com taxa de RT nos relatórios de monitoramento da Rede Sentinela no ciclo de 2017.
A Figura 2 detalha a taxa de RT por tipo de hemocomponente. Interessante observar que, embora os hemocomponentes concentrado de hemácias (CH), concentrado de plaquetas (CP) e plasma fresco congelado (PFC) estejam entre os componentes sanguíneos com maiores taxas de RT, em consonância com outros estudos 14, 15, 16, 17, a taxa de reação envolvendo o hemocomponente concentrado de granulócitos (CG) apresentou-se significativamente alta no presente estudo. Não foram considerados os diferentes tipos de filtração e/ou preparação do hemocomponente para análise dos dados.
Podemos apontar como limitações do estudo o quantitativo de instituições avaliadas, consideravelmente inferior ao número de instituições que compõem os dados do “Caderno de Informação: Sangue e Hemoderivados” 18, além da distribuição não proporcional de instituições nos estados, o que dificulta a generalização de dados a nível nacional. Contudo os dados levantados dentro dos serviços da Rede Sentinela são coletados através de levantamento anual realizado por unidade, sob responsabilidade dos gerentes de risco da Instituição, conforme determinado pela RDC n° 51/2014, apresentando, portanto, maior proximidade com a realidade das instituições integrantes da Rede Sentinela 6. Além disso, a possibilidade de subnotificação, problema relatado em muitos estudos sobre Hemovigilância 12, 14, 19 é uma questão recorrente quando se tentar estimar taxas de RT.
A taxa geral de RT identificada entre instituições que compõem a Rede Sentinela, para o ano de 2017, foi 5,29 RT a cada 1.000 transfusões. Identificar a taxa de RT é um passo importante no gerenciamento de risco de uma instituição por possibilitar o desenvolvimento de estratégias de incremento de qualidade no processo transfusional. Contudo, outros estudos são essenciais para consolidar uma taxa de RT que reflita a realidade do Sistema Nacional de Hemovigilância.
A segurança e qualidade do sangue e hemocomponentes devem ser garantidas em todo o processo, desde a captação de doadores até a sua administração ao paciente. Incentivar uma cultura de notificação qualificada de erros é essencial para monitorar a segurança do sangue e auxiliar os gerentes de risco a tomar decisões embasadas para identificar e solucionar problemas no ciclo do sangue. Espera-se que os dados apresentados possam contribuir para melhoria dos serviços de hemovigilância.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
* E-mail: vanessa_louiscr@yahoo.com.br