Resumo: Este artigo pretende trazer novas perspectivas sobre a gestão da Comunicação e Relações Públicas no contexto da Ciberdemocracia como uma maneira de garantir uma maior participação dos públicos estratégicos na gestão das organizações. Compila-se reflexões realizadas nas teses de doutoramento defendidas pelos seus autores, articulando e hibridizando as suas postulações teóricas sobre a gestão de rastros digitais para a participação popular, a partir da tipologia estabelecida para esse fim, e o alargamento da dimensão participativa, por cidadãos comuns, permitido pela noção de ciberterritório que, por sua vez, proporciona novas formas de ativismo político e social no contexto da ciberdemocracia. Como considerações conclusivas têm-se a imprescindibilidade da dimensão cibernética da gestão para a ampla participação dos públicos envolvidos e o ciberterritório como o espaço híbrido que vai proporcionar essa participação.
Palavras-chave:Rastros DigitaisRastros Digitais,CiberdemocraciaCiberdemocracia,ComunicaçãoComunicação,Relações PúblicasRelações Públicas.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo traer nuevas perspectivas sobre la gestión de la Comunicación y las Relaciones Públicas en el contexto de la Ciberdemocracia como una forma de garantizar una mayor participación de audiencias estratégicas en la gestión de las organizaciones. Aporta reflexiones hechas en las tesis doctorales defendidas por sus autores, articulando e hibridando sus postulaciones teóricas sobre la gestión de huellas digitales para la participación popular, a partir de la tipología establecida para este fin, y la ampliación de la dimensión participativa, por parte de los ciudadanos comunes, permitido a través de la noción de cyberterritorio que, por supuesto, proporciona nuevas formas de activismo político y social en el contexto de la ciberdemocracia. Como observaciones finales se tiene la indispensabilidad de la dimensión cibernética de la gestión para la amplia participación de los públicos involucrados y el cyberterritorio como el espacio híbrido que proporcionará esta participación. Palabras Clave Huellas Digitales, Cyberdemocracia, Comunicación, Relaciones Públicas Introdução
Palabras clave: Huellas Digitales, Cyberdemocracia, Comunicación, Relaciones Públicas.
Artículos Libres
Comunicación, Relaciones públicas y gestión de huellas digitales en el contexto de la ciberdemocracia
Comunicación, Relaciones públicas y gestión de huellas digitales en el contexto de la ciberdemocracia
Recepção: 07 Julho 2019
Aprovação: 22 Agosto 2019
As transform
As transformações que a noção de democracia e ativismo politivo tem passado, com respeito ao híbrido imposto pelo ambiente tecnológico contemporáneo, não se limita somente a uma comunicação pensada para o espaço físico, mesmo com todas as relações de poder e as questões simbólico-culturais que se dão nos territórios físicos. É importante pensar numa comunicação híbrida, que envolvem territórios físicos e virtuais.
O processo de Relações Públicas no contexto contemporâneo necessita investigar e entender as novas formas de relações com os públicos estratégicos dentro desse novo contexto em que a hibridez é um dos conceitos-chave, conforme Chamusca (2017). Isso porque, segundo Carvalhal (2017), o advento das tecnologias digitais não desvincula a participação democrática do território – como alguns analistas costumam pensar. Ao contrário, cria-se mais vínculos ainda, na medida em que hibridiza o processo, dando forma a territórios híbridos – físico e virtual –, aqui chamado de ciberterritórios, potencializando assim a participação cidadã, independentemente da sua localização geográfica no momento do seu envolvimento e participação nas discussões democráticas.
Carvalhal (2008) conceituou Ciberterritório como espaço “territorial” híbrido -, em que as virtualidades são potencializadas pela inexistência da necessidade de contiguidade espacial, em lócus físico dos agentes envolvidos -, caracterizado e concretizado pelo produto, gerado das relações sociais, estabelecidas na intersecção do ciberespaço com o espaço físico, ampliando as interações sociais.
Essa hibridez do ciberterritório permite a ampliação da dimensão participativa da democracia direta, a ciberdemocracia. Permite novas formas de ativismo político, social e exercício da cidadania.
A democracia, desde a Grécia Antiga, vem se transformando, mudando suas características, se atualizando, não só pelas variáveis concernentes ao tempo, como também pelas relacionadas ao espaço, ou seja, ganhando novos conceitos e aplicações em momentos históricos e locais diferentes do mundo, inclusive no simbolismo do locus virtual. Apesar de ter sido concebida, originalmente, para ser participativa – mesmo com restrições, uma vez que apenas 10% da população participava das resoluções –, a sua forma mais difundida é de democracia representativa, que reduz a dimensão da participação à escolha de representantes (JONES, 1997, p. 156).
Saiu da ágora ateniense e se instituiu, na modernidade, nos espaços das câmaras, assembleias e congressos nacionais. Saiu da esfera pública, na qual, segundo Habermas (1987), formava a opinião pública genuína, como produto de amplas discussões, com lugar para a divergência e as controvérsias e passou, na contemporaneidade, a ser encenada, forjada pelas mídias existentes. Toda a transformação do processo democrático, e os seus múltiplos conceitos, entretanto, se deu paulatinamente, ao longo de cerca de vinte e cinco séculos de história e, a partir de adequações dos grupos sociais e das sociedades com características diferenciadas.
Nos últimos 25 anos, em que muitos autores trataram de um novo processo de ruptura de paradigmas históricos e se fala em um novo período histórico, a pós-modernidade1, retoma-se algumas características da democracia original que, apesar de ser questionável em diversos pontos, mantinha uma arquitetura de participação direta dos cidadãos atenienses, que não se resumia à eleição e cessão de representatividade a outrem, nos espaços de poder instituídos, para tomada de decisões macropolíticas.
Neste sentido, presume-se que o contexto atual destaca a retomada gradativa da dimensão participativa da democracia e de que se está criando uma espécie de esfera pública para a discussão e formação de uma opinião pública genuína que, apesar de ser caracterizada por outras bases de sustentação conceituais e ser fundada em outra concepção de mundo, de certa forma, garante a participação direta dos cidadãos no processo de discussão dos temas macropolíticos da sociedade - apesar das relações quase sempre se darem no contexto da micropolítica -, o que termina por influenciar, de modo muito mais flagrante, o poder decisório dos representantes nas instâncias de poder e governos.
A diferença fundamental entre a dimensão participativa do processo democrático original – ateniense – e a que se esboça nesta hipotética “nova esfera pública de debate”, é que na atualidade o espaço não é mais a ágora, onde a característica territorial, que dá base à ação participativa dos agentes sociais, é a do substrato material do espaço geográfico – mesmo entendendo que ali também estavam intrínsecos o imaterial e o virtual –, mas a internet, que possibilita o surgimento de um espaço “territorial” hibrido – em que as virtualidades são potencializadas pela inexistência da necessidade de contiguidade espacial, em locus físico dos agentes envolvidos –, caracterizado e concretizado pelo produto, gerado das relações sociais, estabelecidas na intersecção do ciberespaço2 com o espaço físico, ampliando as interações sociais. Esse espaço territorial híbrido, que neste artigo é chamado de ciberterritório3.
É importante observar que o momento contemporâneo da democracia é potencializado pela comunicação mais acessível, que se traduz em um processo tecnológico que envolve várias etapas de desenvolvimento, que podem ser subdivididas em, pelo menos, cinco momentos básicos, conforme sistematizado por Carvalhal (2017).
O primeiro momento é o mais longo e se inicia com a invenção da imprensa gráfica por Johannes Gutenberg (1398-1468), em 1450 que, apesar de só ter se popularizado alguns séculos depois de ter sido inventada, revolucionou a comunicação entre as pessoas, na medida em que possibilitava a impressão de informações e a sua reprodução em larga escala. O invento de Gutenberg, de certa forma, reduziu o poder da Igreja Católica e alterou a natureza do conhecimento que se baseava no controle político e religioso (AMARAL, 2007). Em termos de comunicação interpessoal, essa foi a era da correspondência e da comunicação face-a-face.
O segundo momento pode ser demarcado entre a invenção do rádio, no final do século XIX e a sua difusão comercial no início do século XX, que inaugurou os meios eletrônicos de comunicação e impulsionou o desenvolvimento da comunicação de massa em todo o mundo. Segundo Vargas (1994, p. 323), “a primeira transmissão comercial de rádio ocorreu em Pittsburgh, EUA, em 1920, utilizando o que seria chamado de transmissor heteródino na faixa média de frequências”. Do ponto de vista da comunicação entre as pessoas, esta foi a fase em que, a invenção de Graham Bell (1847-1922), o telefone, tornou-se a grande atração, pois possibilitava, pela primeira vez na história, a conversação, em tempo real, entre pessoas que estavam espacialmente distantes. “Graham Bell patenteou a invenção em 1876 nos EUA”. (VARGAS, 1994, p. 317)
O terceiro momento tem como marco temporal o advento da eletrônica, na metade do século XX, depois da Segunda Guerra Mundial, pois, foi a partir dele, que equipamentos de comunicação mais sofisticados começaram a surgir. Do ponto de vista comercial, um bom exemplo, foi a televisão, que iniciou seu funcionamento com válvulas e depois passou para os transistores. Segundo Vargas (1994, p. 325), “as primeiras transmissões regulares públicas de TV ocorreram nos EUA, em 1941, mas o esforço de guerra obrigou as indústrias eletrônicas a produzir outros itens, e só em 1946 a televisão vingou, inaugurando um tremendo mercado de consumo até então inexplorado”. Já, do ponto de vista da comunicação interpessoal, o fax representou bem esta fase da comunicação.
O quarto momento foi inaugurado com a microinformática, e reforçado com o advento da internet, que compõe, na prática, uma rede mundial de computadores que, ao se conectarem em escala planetária, permitem aos seus usuários comunicação sem fronteiras, potencializando a discussão política, em todas as escalas territoriais, na medida em que encurtam distâncias e tornam, conforme Friedman (2005), o mundo plano. Graças a essas possibilidades, a definição de rede mundial de computadores se tornou inconsistente e hoje a maioria dos autores, que tratam e trabalham com a internet, preferem defini-la como um conjunto de redes de sociabilidades de dimensões mundiais.
Esta fase, além da reconfiguração social, - que todo novo meio de comunicação provoca naturalmente -, representa uma ruptura do processo de evolução histórica dos meios de comunicação, pois, os meios digitais modificaram os modelos de fluxos informacionais de forma significativa, ao liberar o polo de emissão. Se, até a fase anterior, os meios de comunicação seguiam o fluxo do modelo paradigmático de “um para todos”, - em que apenas os veículos tradicionais de comunicação emitiam informação de forma massiva -, na fase atual, os meios são socializados e a produção e distribuição de informações podem ser realizados por qualquer pessoa que tenha acesso a eles.
Do ponto de vista da comunicação interpessoal, hoje, não é só possível a relação entre pessoas, em tempo real, por voz, mas também com recursos de imagem, bastante desenvolvidos que, em algumas situações, transcendem às meras videoconferências e os videochats e podem até simular um encontro real, como nos ambientes de realidade virtual.
O quinto, e último momento, a ser considerado é o da mobilidade digital, que também está no contexto das tecnologias digitais, mas é marcada pelo advento dos dispositivos móveis digitais conectados à internet, nos anos 1990, com popularização nos anos 2000. A mobilidade desconstrói o que se chama de “mito do enclausuramento”, que se difundiu no quarto momento, e que diz respeito à ideia de que, por conta do novo contexto de facilidades proporcionadas pela internet, as pessoas ficariam enclausuradas nos seus quartos e escritórios, presas aos seus computadores. Com a mobilidade digital esse mito cai de forma inquestionável, pois, para estar conectado e se comunicar a partir daí não é mais necessário estar fixo em lugar nenhum. Lemos (2009) chama atenção para o fato de que “pela primeira vez se tem uma conjunção de mobilidade física e mobilidade informacional, o que possibilita produzir, consumir e distribuir informação em movimento”. Esse é o momento atual.
Diante do cenário exposto, se propõe uma tipologia para pensar acerca das ações do processo de Comunicação e Relações Públicas no campo da cibernética. Uma tipologia de ações cibernéticas voltadas para a participação popular, a partir das categorias pré-estabelecidas como reativas e proativas, de acordo com os conceitos já expostos. Com o objetivo de viabilizar uma análise mais qualificada dessas ações foi preciso e necessário caracterizar as ações já existentes, buscando padrões de níveis e formas de participação adequadas, bem como formas mais eficientes de interação dos cidadãos nos processos estabelecidos por essas ações.
A caracterização das ações e a sua tipificação também possibilitaram a identificação de modo mais claro dos tipos mais adequados - para adaptação, a cada realidade específica das cidades -, tornando a proposta de gestão cibernética competente da cidade contemporânea adaptável e, por sua vez, multiplicável a qualquer cidade, independente das suas características geográficas, demográficas ou sociais.
Para a elaboração dessa tipologia de ações de gestão cibernética da Comunicação e Relações Públicas no âmbito da cidade se levou em conta quatro critérios:
nulo - nível zero;
baixo - nível um;
médio - nível dois;
alto - nível três;
superior - nível quatro.
Esse último, quando a interação acontece através de um canal em que o diálogo entre público e gestão empodera verdadeiramente os públicos, transcendendo a mera troca de mensagens entre as partes e os conteúdos veiculados nessa relação, ultrapassam o campo da sugestão, ganhando status de indicação e, portanto, atribuindo-lhe poder no processo de decisão da gestão.
Para se estabelecer a classificação com precisão e legitimidade, se definiu alguns indicadores de qualidade. Entende-se por nula quando a participação é inexistente; por baixa quando numa escala de 0 a 10 o nível alcança apenas um valor até 4; quando o nível se encontra entre 5 e 6 numa escala de 0 a 10 lê-se como uma interação de nível médio; obtendo de 7 a 9 nessa mesma escala, a interação é considerada de nível alto; e, por fim quando se atribui o valor 10 à interação, ela é considerada superior.
Para se atribuir essas notas que servirá de base para os indicadores de qualidade, se estabeleceu os seguintes critérios/questões:
1-A interação dos públicos é apenas no nível da informação ou a ação contempla diálogo com a gestão?
2-A interação dos públicos se dá apenas em nível de sugestão/denúncia ou a ação contempla proposição de projetos?
3-Em caso positivo, se contempla, como se dá a proposição de projetos por parte do público? Em nível privado entre gestão e público? Em canal aberto para opinião dos demais públicos sobre a proposta?
4-A interação se dá através de texto ou ligação telefônica ou o cidadão pode manipular e/ou inserir conteúdos numa base pública?
5-Além de manipular ou inserir conteúdos numa base pública, o público pode compartilhá-los em redes de relacionamentos para difundir a informação?
6-As propostas dos públicos são territorializadas? Identificadas no território? Georeferenciadas?
As ações encontradas nas práticas das organizações dão base para a elaboração da seguinte tipologia:
Ao identificar as propostas de ações, a partir dessa tipología, o gestor conseguirá não somente determinar quanto interativa será a sua proposta de gestão cibernética, mas também reconhecerá que características terá a sua gestão.
Dada a tipologia, é preciso chamar atenção para as ações proativas e tratar do conceito de Appropriate Data, que vai ampliar e dimensionar a tipologia dentro do contexto da Comunicação e Relações Públicas no âmbito da Ciberdemocracia.
Quando se referem as ações proativas está se tratando de ações realizadas através de monitoramento e uso de sistemas inteligentes para captação, seleção, categorização, análise e armazenamento das informações, deixadas pelas pessoas, através dos seus dispositivos móveis digitais, no espaço da cidade, que nesta reflexão denominada de rastros digitais.
Ao tratar de rastros, em geral, se está tratando de um residual, geralmente esquecido e relegado a um plano de pouca ou nenhuma importância. Trata-se de algo que se desprezou como sem importância, que não merece se perder tempo para resgatar.
Nesta reflexão, entretanto, que tem no seu eixo temático central o contexto digital, o rastro é a essência do processo, pois nele está todo o legado informacional contemporâneo da humanidade, uma vez que envolve não apenas informações dos usuários das tecnologias digitais, mas também de governos, empresas, instituições e organismos públicos e privados, que agregam dados de toda a humanidade, inclusive dos que não possuem acesso às tecnologias digitais. Nele estão informações sobre as formas de pensar, os padrões de comportamento, costumes e de ação, linguagem, cultura, a estética e a ética das sociedades.
Um dos aspectos do rastro, que se mostra extremamente importante para o fortalecimento desta proposta teórica, é a possibilidade de ser recuperável. Conforme Bruno (2012):
(…) toda ação deixa um rastro potencialmente recuperável, constituindo um vasto, dinâmico e polifônico arquivo de nossas ações, escolhas, interesses, hábitos, opiniões, etc. Esses numerosos rastros digitais têm feito, como se sabe, a fortuna das empresas de rastreamento e mineração de dados para fins comerciais e publicitários. Dispositivos de vigilância têm igualmente visto nestes rastros uma valiosa base de dados para o controle (p. 684).
Os rastros possuem um potencial informativo e de construção de conhecimento semantizado, contextualizado localmente, com base na cultura e entendimento locais do conhecimento em questão, que pode instrumentalizar as ações para o planejamento e gestão de Comunicação e Relações Públicas na contemporaneidade. Ao tratar desse rastro potencial, Bruno (2012, p. 684) observou que “além e mesmo na contramão do comércio e da polícia dos rastros digitais, há aí uma ocasião para se recolocar o problema da produção de um saber dos rastros”. E, ao tratar da obra de Bruno Latour, chamou a atenção de que: “(…) diante de uma riqueza tão grande de dados: rastros subjetivos, comportamentais, linguísticos, financeiros, bem como interações, associações e conflitos de diversas escalas tornam-se significativamente mais fáceis de serem descritos e retraçados”. (Bruno, 2012, p. 685)
Para o conceito do que se entende por rastro, entretanto, se faz mister, numa proposta teórica, considerar seus dados subjetivos, visto que o rastro
(…) situa-se num limiar entre presença e ausência; visível e invisível; duração e transitoriedade; memória e esquecimento; voluntário e involuntário; identidade e anonimato, etc. Uma lista bastante incompleta de aspectos importantes incluiria os seguintes “postulados”: a) Rastros são mais ou menos visíveis. A visibilidade dos rastros não é uniforme, mas múltipla, e implica técnicas distintas de visualização, as quais, por sua vez, interferem no modo de existência do rastro. Um traço a lápis e uma impressão digital numa folha de papel, por exemplo, são rastros de visibilidades distintas. b) Rastros são mais ou menos duráveis, persistentes. Oscilam desde a transitoriedade das pegadas na areia, ou a duração instável das pedrinhas com que O Pequeno Polegar marca seu caminho de volta para casa, até à persistência das inscrições picturais nas grutas Chauvet-Pont d’Arc, que guardam esse gesto há 32 mil anos. Espessuras temporais variáveis, portanto. c) Rastros são mais ou menos recuperáveis. Prestam-se à memória e ao arquivo de modos distintos. Um telefonema, uma carta, um e-mail, um SMS têm graus de rastreabilidade diferenciados. d) Rastros são mais ou menos voluntários ou conscientes. Posso, por exemplo, inscrever deliberadamente a minha ação num objeto ou texto que produzo. Ou, posso deixar sem me dar conta, rastros de minha presença em lugares, coisas, corpos. e) Rastros são mais ou menos atrelados à identidade daqueles que os produzem (…) f) Rastros envolvem necessariamente uma inscrição material mais ou menos recuperável por outrem. Neste sentido, remetem ao coletivo.
Dentre esses postulados de Bruno (2012, p. 686-687), quando se trata especificamente de rastros digitais, deve-se observar que eles são quase todos visíveis, duráveis e persistentes, quase cem por cento recuperáveis, podem ser voluntários ou conscientes e possuem assinatura, mas também podem ser mantidos no anonimato e representar tanto o coletivo quanto o individual. Os rastros digitais também podem não proceder de ações humanas, mas de sistemas informáticos e processos automatizados, que geram informações, e ficam disponíveis na rede. A delimitação desta proposta, entretanto, restringe a sua análise aos rastros que podem ser identificados como decorrentes de ações humanas, ainda que estas sejam fruto de redes socio-técnicas heterogêneas, que envolvem actantes humanos e não humanos.
Fatos incontestáveis, sobre rastros digitais, são os que Bruno (2012, p. 687-689) classificou, a partir de suas peculiaridades, como:
não há como não deixar rastro nas ações realizadas na Internet;
nesse ambiente, os rastros não são esquecidos, pois são gerados em forma de arquivos e sempre poderão ser recuperados. O esquecimento, nesse caso, não é algo natural como os rastros analógicos, mas uma ação deliberada de apagar um determinado arquivo, que por sua vez, pode gerar um novo rastro que dê indício do esquecimento artificial do rastro anterior;
no ambiente da internet, os rastros são persistentes e muito fáceis de serem recuperados;
os rastros possuem formas diferenciadas e se apresentam em camadas.
A primeira, e mais visível, vem das ações diretas como um post numa mídia social ou uma busca no Google, mas, ao mesmo tempo, há rastros que são desdobramentos dessa primeira ação e geram outras camadas de rastros. Os cookies, que rastreiam a sua navegação pela rede, é um exemplo desses rastros menos visíveis, mas que são absolutamente rastreáveis.
Em síntese, o conceito de rastros digitais, nesta reflexão, refere-se a toda e qualquer informação digital pública produzida por actantes humanos – aqui reconhecidos como usuários de dispositivos móveis digitais – nas relações estabelecidas com actantes não humanos – aqui reconhecidos como dispositivos móveis digitais - durante a sua atuação social no âmbito da cidade.
Em uma ação proativa, envolvendo a captura de rastros digitais, ou seja, de dados georreferenciados deixados pelos públicos atuais ou potenciais de uma empresa, no seu dia-a-dia, se está praticando o que é aquí chamado de Appropriate Data, uma vez que os dados provenientes dessa captura serão analisados e tratados semanticamente, com uso combinado de inteligência humana e cibernética, para apropriação desses dados pela gestão, para usos específicos no processo de tomada de decisões, que envolve o planejamento e a gestão da comunicação e Relações Públicas
Appropriate Data é um conceito próprio, inspirado no conceito de Big Data, que busca se diferenciar do mesmo, ao focar na apropriação dos dados disponíveis, para fins e propósitos específicos. Se baseia na mineração para se restringir ao máximo o significado dos dados encontrados e não na amplitude e magnitude dos dados disponíveis.
A combinação das ações de gestão cibernética, reativas e proativas, podem proporcionar os elementos essenciais para a materialização do que se chama de gestão urbana competente, dando voz e ouvindo os públicos estratégicos, na tomada de decisões, no processo de planejamento como na propia gestão da comunicação da empresa ou instituição.
Por outro lado, as discussões e articulações políticas começaram a se fortalecer, entre pessoas geograficamente distantes, e as organizações, que lutam por justiça social e direitos para as minorias, começaram a se apropriar desses novos meios de comunicação, que permitem uma maior participação livre do cidadão comum e das instituições menos favorecidas economicamente em quase todos os setores da vida em sociedade.
O processo de transformação de territórios físicos em territórios híbridos – físicos e virtuais –, tem em vista o uso sistemático dessa ambiência pelos novos movimentos sociais como “campo de luta” e espaço para o exercício da cidadania. Antes existia somente o produtor e o consumidor da informação com papeis bem definidos e hoje, com a sociedade digital todos são potencialmente produtores, consumidores e também distribuidores da informação. Cidadãos com oportunidade de falar e ter voz no processo de decisão política das empresas e organizações.
Hoje, portanto, as ações de Comunicação e Relações Públicas para terem êxito, necessitam ser pensadas nos ambientes híbridos, físicos e virtuais. Conforme Chamusca (2011), os cidadãos comuns, usuários de dispositivos digitais, no contexto contemporâneo, estão empoderados com poder de mídia e por conta disso, disputam sentidos com as empresas e instituições em diversas escalas de percepção, inclusive aquelas que antes não tinham acesso, já que o fluxo informacional dos meios de massa é unidirecional e não permitia níveis de interação que lhes ofereciam essa possibilidade.
Por isso, o conhecimento que provêm dos rastros digitais pode oferecer uma profunda reinvenção política e social das organizações na atualidade, porque a percepção dos sentimentos e expressões de uma proporção significativa dos públicos podem formar uma base de dados que represente um legado de inteligência coletiva nunca imaginado antes na história humana, para a gestão organizacional.
Nos rastros digitais estão todo o legado informacional contemporâneo da humanidade, já que involucram não somente informações dos usuários das tecnologias digitais, mas também de governos, empresas, instituições e organismos públicos e privados que agregam dados de toda a humanidade, inclusive de quem não tem acesso as tecnologias digitais. Neles estão informações sobre as formas de pensar, os tipos de comportamento, costumes e de ações, linguagem, cultura, estética e a ética das sociedades.
É importante observar as muitas possibilidades de mapas que podem ser gerados através dos dados procedentes das ruas e determinar os tipos de comportamento dos públicos, pois permitem uma rica leitura das dinâmicas estabelecidas dentro das organizações.
Por outro lado, atualmente, as pessoas desejam ser autónomas e protagonizar todos os papeis sociais que elas exercem:
como profissional, não está satisfeito com o ambiente de trabalho, que não lhe permite fazer e decidir o que pensa, transformar os procesos de acordo com as suas necesidades e conveniências;
como membro do corpo familiar, não aceita mais subordinar-se ao chefe da familia. Ele quer opinar, protagonizar, ter autonomía para promover seus próprios espaços de convivência e relações;
É por isso que pensar estrategicamente em Comunicação e Relações Públicas na atualidade é necessariamente pensar em dar voz e ouvir os públicos.
Para escutar é preciso, antes que se dê voz, mas o contrário não se aplica. É possível dar voz a alguém sem ouvi-lo. O sentido de ouvir que está se falando não é o que consta no dicionário que se refere aos sentidos da audição, da pessoa que ouve, que pode ou não interpretar a informação, mas no sentido de prestar atenção ao assunto, reconhecer o que se está sendo dito, ter em conta e tomar decisões de acordo com o que se escutou.
Fala-se também das novas formas de comunicar-se e relacionar-se com a compreensão do ativismo político, o ciberativismo e a noção de ativismo de sofá que inicialmente foi popularizado pejorativamente mas depois que autores de alto reconhecimento, como Pierre Lévy e André Lemos, que valorizaram o conceito em suas obras publicadas, passou a ser sinónimo de ação altamente legítima. Lemos y Lévy (2010) observaram que uma petição é sempre uma petição independente do esforço que se fez para realizá-la.
A informação que uma pessoa assinou em uma lista de apoio a uma causa, através de seu computador, ou celular, confortavelmente em seu sofá, não quer dizer que a sua causa é menos legítima do que a de quem foi a uma praça para assinar presencialmente. O que faz uma causa mais ou menos legítima é o seu chamamento e relevância social.
Conquistar ese público é importante. O ativista de sofá pode apoiar as ações de Comunicação e Relações Públicas. Um exemplo de movimento emblemático que utilizou ferramentas digitais sofisticadas é o do grupo de ativistas espanhóis chamado No somos Delito4, que usou a tecnologia da holografia para protestar numa manifestação em frente à Câmara dos Deputados da Espanha contra leis que criminalizavam várias formas de protesto, como ficar em frente ao Parlamento espanhol, por exemplo. O protesto com hologramas mostrou que mesmo o governo proibindo a presença física das pessoas nas ruas, existem muitas outras opções para se manifestar.
Os ativistas lançaram o site Hologramas por la Libertad5, que oferecia a ferramenta digital em que a pessoa podia inserir sua foto para ter o seu holograma no protesto. Através de um vídeo mostram como a transformação acontece e como a pessoa se torna um holograma, numa ação de Relações Públicas absolutamente adequada ao objetivo da ação.
É importante observar que quando se fala em “Dar voz”, está se referindo a disponibilizar os canais de entrada de informação, proporcionar espaços para que as pessoas possam se expressar, dizer o que pensam, propor ideias, etc. Neste sentido, quando uma gestão institui canais de comunicação para a participação de seus públicos, garantindo que as pessoas possam se expressar e dizer o que pensam sobre os problemas da sua organização, só está dando-lhe voz e não ouvindo-as.
É neste ponto que ocorre a apropriação das expressões dos públicos, por meio da captura dos rastros digitais e sua análise semântica para a formação de um legado informacional para a tomada de decisões estratégicas - que aqui chamamos de Appropriate Data -, pode se converter em um grande diferencial para o planejamento e para a gestão da comunicação contemporânea, já que o próprio ato de apropriar-se desses dados já traduzem em uma ação de ouvir, de entender os anseios, os desejos, a opinião, as frustrações e até as expectativas desses públicos.
Se por meio da dimensão reativa – que se constitui em um dialogo com os públicos a partir de instrumentos de participação institucionalizados – a gestão cibernética pode integrar as pessoas a partir de uma governança democrática, a dimensão proativa, que se realiza através da gestão dos rastros digitais, pode significar um enorme diferencial para a gestão da Comunicação e Relações Públicas, pela capacidade que tem de construir inteligencia coletiva para a transformação de uma organização mais democrática, justa e agradável, tanto para os que trabalham nela, como para os seus diversos públicos estratégicos.
Os espaços híbridos, proporcionados pelos ciberterritórios para o estabelecimento da ciberdemocracia não transformam as pessoas, somente potencializam o verdadeiro poder de transformação que se encontra com o cidadão, em seu desejo de transformação, na sua luta diária por justiça social e mais igualdade entre as pessoas, que nunca pode deixar de existir e que move o mundo.