Editorial
A filosofia de uma revista latinoamericana e caribenha sobre urbanização e patrimonialização

A filosofia de uma revista latinoamericana e caribenha sobre urbanização e patrimonialização
A PatryTer é uma revista científica que publica artigos inéditos sobre a dinâmica contemporânea de territórios urbanos, rurais e da “natureza” em processo de patrimonialização, na América Latina e Caribe.
Falaremos, em síntese, da origem e da proposta desta revista que já nasce internacional e regional.
A origem da PatryTer vincula-se à utopia de nosso grupo de Pesquisas CNPq [Gecipa - Cidades e Patrimonialização na América Latina e Caribe] em compreender, mapear e valorizar as investigações sobre urbanização e patrimonialização desenvolvidas no continente. Mas, acreditamos que um sonho compartido é o melhor caminho para realizar a dádiva, enquanto ato de dar, de receber e de retribuir [i]; práticas fundamentais para uma existência solidária - um pouco esquecida no mundo do presente.

Foto da Doutoranda Rúblia de Paulo Rúbio. Integrante do GECIPA/CNPQ
Acervo de Rúbia RúbioAssim, na travessia que estamos, tivemos a oportunidade de encontrar pessoas para lançar à frente o projeto, que é gestado desde 2012, pelo nosso grupo, no Departamento de Geografia da Universidade de Brasília, especialmente, nossos orientandos e ex-orientandos de mestrado e de doutorado. Durante os anos de 2016 e de 2017, tivemos a oportunidade de desenvolver o projeto Riscos ao Patrimônio da Humanidade na América Latina e Caribe. Nesse interregno, visitamos sete países e quatorze universidades do continente, quando conhecemos pessoas especiais motivadas a nos acompanhar nesse projeto. No Instituto de Geografia da Universidad Nacional Autónoma do México (UNAM) usufruímos de singular acolhida, onde nos reunimos, no mês de março de 2017, para I Colóquio Latinoamericano sobre Urbanização e Patrimonialização (CLUP - evento que desejamos bianual e itinerante por países), e apresentamos a proposta da Revista. Ali, ficou notório que a utopia seguia o melhor rumo para sua concretização.
Então, iniciamos o processo de criação da PatryTer, junto com as servidoras técnicas da Biblioteca Central da Universidade de Brasília e o apoio incondicional dos integrantes do Gecipa/CNPq. Foi quando começamos a refletir sobre a estética e a filosofia da revista e encontramos na fotografia acima síntese do pretendido. A portada dá acesso ao átrio da Igreja de San Francisco, na Calle Francisco I Madero, Cidade do México. Esta igreja foi construída no local do jardim zoológico de um palácio, do imperador asteca Moctezuma. Sabemos que as cidades são fatos que advém de reconstruções objetivas e subjetivas. A colonização desfez símbolos, os redefiniram, para dar sentido a novas memórias espaciais. Logo, a foto grafa o poder de se refazer a cidade, por meio de signos e de símbolos. Denota os limites a serem transpostos pelas análises investigativas que a PatryTer deseja divulgar, no contexto do processo civilizatório que perfaz a América Latina e o Caribe. E mais, a fotografia foi capturada em um contexto de construção coletiva ou de trabalho mútuo, quando da realização do I CLUP do México (mencionado acima).
Essas referências à fotografia são para justificar a logomarca da PatryTer, que dialoga - estética e filosoficamente - com o desenho indígena contido na portada barroca, síntese da acumulação e da sobreposição espaço-temporal constituinte da civilização latinoamericana.
Ainda sobre a proposta da PatryTer, cabe dizer que não seguiremos a lógica abusiva de publicações que impõem o mundo reprodutivo das universidades globalizadas, pela quantidade ou pela vigente métrica descompensada do conhecimento. Primaremos pela qualidade dos artigos publicados, resultados de investigações preocupadas não somente em revelar novos casos analíticos em Geografia e outras ciências sociais (bem como as ditas ambientais), mas de apontar saídas teóricas e metodológicas para as problemáticas da cidade, do campo e da natureza, especialmente no que diz respeito à patrimonialização, com suas intervenções espaciais.
Por fim, esse primeiro número da PatryTer traz artigos de pesquisadores latinoamericanos e caribenhos que nos acompanham no projeto. São eles professores e pesquisadores do México, de Cuba, da Costa Rica e do Brasil, os quais estão preocupados com lógica preservação patrimonial - valorização espacial, dentro de suas respectivas abordagens metodológicas. O cubano René Alejandro Gonzalez Rego discute a dinâmica do espaço em La Habana, especialmente após a Revolução de 1959, situando o papel do turismo internacional sobre a refuncionalização da memória urbana. A mexicana Miriam Reyes Tovar e Isaías Daniel Hinojosa Flores assinala a importância do conceito “heterotopia” apresentado por M. Foucault, correlacionado à ideia de espaço real, de H. Lefebvre, para tratar da migração internacional e a criação do valor espacial de um patrimônio gerado no encontro de migrantes. A cubana Mabel Teresa Chaos Yeras apresenta o resultado de sua pesquisa sobre usos e apropriações do espaço urbano e do patrimônio; faz a relação entre identidade cultural e memória, fundamentada nas ações contemporâneas que conduzem a perdas do patrimônio. A brasileira Luana Nunes Martins de Lima faz uma síntese dos elementos constituintes da teoria e da metodologia de seu doutoramento; reconhece, pelos conceitos lugar e memória, o sentido do “esquecimento” e da “resistência” revelados pelo patrimônio do estado de Goiás. A geógrafa de Costa Rica, Isabel Avendãno-Flores, baseada em fontes secundárias e do Arquivo Nacional, trata da ressignificação de San José, do final do século XIX até meados do século XX, no transcurso da implantação da ferrovia até a instituição de um patrimônio ferroviário. Fernando Luiz Araújo Sobrinho e Edilene Américo Silva, geógrafos do Brasil, debatem patrimônio material e patrimônio imaterial a partir de um estudo de caso goiano; a análise da duração de uma feira e a conservação do sítio histórico conduz ao entendimento da importância dos sujeitos na preservação patrimonial. Adriana Dennise Rodríguez Blanco, do México, trata do potencial urbanizador do turismo e da percepção de residentes sobre esse fenômeno e sobre a cidade; a análise problematiza as especificidades do espaço turístico periurbano em Cidade do México. O equatoriano Boris Vladimir Tapia Peralta reconhece a pertinência dos conceitos “valor intrínseco” e “regime de valor” para o debate da patrimonialização. Polemiza sobre a ideia de um sistema estável de valores atribuídos aos objetos arquitetônicos, que formam parte do patrimônio cultural mexicano; defende o questionamento desses conceitos, para apreender as contradições que envolvem a patrimonialização.
Resta-nos dizer que começamos a ressignificar a utopia necessária de compreender, de mapear e de valorizar as investigações sobre urbanização e patrimonialização desenvolvidas na América Latina e Caribe. Esperamos que este primeiro número atenda ao objetivo de estimular o debate sobre os rumos da preservação patrimonial em nossas Américas. Boa leitura!
Email: everaldocosta@unb.br
Email: ialvarado@igg.unam.mx

Foto da Doutoranda Rúblia de Paulo Rúbio. Integrante do GECIPA/CNPQ
Acervo de Rúbia Rúbio