Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Alianças afetivas contra a tragédia da paisagem unívoca: um olhar sobre o pensamento de Ailton Krenak
Affective alliances against the tragedy of the univocal landscape: a look at the thought of Ailton Krenak
Wirapuru Revista Latinoamericana de Estudios de las Ideas, núm. 3, pp. 78-94, 2021
Ariadna Ediciones

Artículos



Recepción: 06 Marzo 2021

Aprobación: 10 Agosto 2021

DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.5420314

Resumo: Este artigo tem como objetivo propor uma análise do pensamento do líder indígena e intelectual Ailton Krenak a partir de um alargamento da rede de sociabilidade do autor, que contemple também os mundos que tradicionalmente consideramos não humanos com os quais ele dialoga e que impactam na sua produção. Trata-se de uma concepção que não recusa subjetividade às montanhas, às florestas e aos rios, por exemplo. A partir daí, questiona-se a lógica do progresso e do utilitarismo, bem como o antropocentrismo presente na trajetória epistemológica ocidental. Krenak denuncia um impulso dessa matriz de pensamento de construir uma “única paisagem” (que chamo de “paisagem unívoca”), como uma pulsão de homogeneização, que impossibilita a existência de múltiplos mundos, e narra sua trajetória política a partir da categoria de “alianças afetivas”, que abarca “humanos” e “não humanos”. Finalmente, é apresentada uma leitura da História dentro da cosmovisão reivindicada por Krenak, que consiste na concepção do presente como atualização constante da história de fundação do mundo, opondo-se a uma perspectiva linear. É a partir dessa interpretação que o autor propõe o que chamou de “ideias para adiar o fim do mundo”, em um presente em que perspectivas apocalípticas se tornam cada vez mais comuns.

Palavras-chave: Ailton Krenak, movimento indígena, cosmovisão indígena, alianças afetivas, fim do mundo.

Abstract: This article seeks to analyze the thought of Indigenous leader and intellectual Ailton Krenak, particularly derivative of the expansion of his network, including the worlds that we would traditionally consider non-human with which he dialogues as well and impacted his work. This is a concept that does not refuse the subjectivity of mountains, forests and rivers, for example. From this, the author questions the logic of progress and utilitarianism, as well as the anthropocentrism present in the Western epistemological trajectory. Krenak denounces the impulse of this analytical matrix towards the building of a “single landscape” (which I call “univocal landscape”), as a push for homogenization, which prevents the existence of multiple worlds, and narrates his political course from the category of “affective alliances”, including the “human” and the “non-human”. Finally, the analysis focuses on a reading of history within this worldview claimed by Krenak, which consists of the conception of the present as a constant revision of the history of the foundation of the world, opposing a linear perspective. It is from this interpretation that the author proposes what he referred to as “ideas to postpone the end of the world”, in a present within which apocalyptic perspectives become more and more common.

Keywords: Ailton Krenak, indigenous movement, indigenous worldview, affective alliances, end of the world.

Ailton Krenak

Em setembro de 2020, Ailton Krenak foi o vencedor do Prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano, concedido pela União Brasileira de Escritores. O prêmio homenageia escritores que tenham produzido obras de impacto nacional, e o livro Ideias para adiar o fim do mundo, lançado em 2019, teve uma imensa repercussão, sobretudo pelo cenário de desmonte das políticas ambientais e de proteção aos povos indígenas em que vivemos, e, mais recentemente, pelo terrível impacto da Covid-19 no mundo todo. Dialogando mais especificamente com esse contexto, outras duas obras foram lançadas no ano de 2020: o ensaio O amanhã não está à venda (publicado digital e gratuitamente) e o livro A vida não é útil(no qual o ensaio anterior foi incluído).

A premiação de Ailton Krenak desestabiliza a ideia do senso comum em relação ao que seja um intelectual. O Prêmio Juca Pato já homenageou escritores famosos como Ignácio de Loyola Brandão, Milton Hatoum e Lygia Fagundes Telles, para ficar apenas nos últimos anos, todos esses com uma extensa produção escrita e anos de reconhecimento como letrados. A trajetória de Krenak é diferente. Com poucas exceções, como o livro Como um rio como pássaro, publicado no Japão em 1999 em parceria com o fotógrafo Hiromi Nagakura (e ainda sem tradução para o português), sua produção escrita é constituída principalmente de entrevistas e conferências transcritas.

É esse o caso dos livros mencionados anteriormente, do livro de fotografias O lugar onde a terra descansa, publicado em 2000 (cujo texto é baseado em suas falas), e do volume Ailton Krenak da Coleção Encontros, organizado por Sergio Cohn em 2015, bem como do volume Ailton Krenak da Coleção Tembetá, dedicada a lideranças indígenas, também organizado por Sergio Cohn e por Idjahure Kadiwel, em 2017. Percebe-se que o padrão de letrado com produção referendada por validadores acadêmicos não parece ser exatamente o modelo seguido por Ailton Krenak. Mas, afinal, quem é o vencedor da edição de 2020 do prêmio da União Brasileira de Escritores?

Nascido em 1953, às margens do córrego de Itabirinha, bacia do Rio Doce (na fronteira de Minas Gerais com o Espírito Santo), Ailton Krenak viveu até os 17 anos em terra indígena Krenak, de onde saiu com sua família com destino à divisa do Paraná com o Paraguai, região na qual morou com seus tios até 1975, de lá partindo para São Paulo (Krenak, 1989a: 80-81). Foi nesse momento que Krenak fez curso de primeiro e segundo graus, formando-se em artes gráficas no SENAI em 1978. A formação de Krenak dialoga muito bem com o início de sua atuação junto a uma articulação nacional de lideranças indígenas do Brasil, na qual assumiu papel fundamental justamente na área de comunicação.

Em 1980, por ocasião do I Seminário de Estudos Indigenistas, era fundada no Brasil a primeira instituição representativa nacional composta apenas por indígenas: a União das Nações Indígenas (cujo nome já era utilizado por um grupo de estudantes em Brasília). O encontro contou com a participação de representantes do Estado, mas também de lideranças importantes que haviam se firmado ao longo dos anos 1970, como Mário Juruna e Marçal de Souza, além de antropólogos como Carmem Junqueira e Darcy Ribeiro. Os primeiros anos da UNI, como ficou conhecida, foram muito tumultuados, devido às perspectivas contrastantes que diferentes grupos e gerações de lideranças encampavam. A partir de 1982, optou-se pela regionalização da instituição, ou seja, junto aos representantes nacionais, deveria haver representantes regionais da UNI que estivessem em contato constante com as comunidades, de modo a conciliar os diversos interesses e necessidades, e para que a unificação não significasse uma tentativa de homogeneização da diversidade étnica dos povos indígenas do Brasil. Krenak, então, assumiu a Coordenadoria de Publicações da UNI-Regional Sul, em São Paulo, e, a partir de 1985, a Coordenadoria Nacional de Publicações.1

Foi no âmbito dessa Coordenadoria que, em 1985, fundou-se o Núcleo de Cultura Indígena, atrelado ao qual foi criado o Programa de Índio, a primeira programação produzida por indígenas no rádio –transmitida pela Rádio USP e por outras rádios locais, e também enviada via fita cassete para diversas aldeias por todo o Brasil. Ao longo de seus quase 200 programas, que foram ao ar entre os anos de 1985 e 1990, informações sobre a tradição e a cultura de povos indígenas dentro e fora do Brasil coexistiam com a discussão sobre as políticas indigenistas do Estado brasileiro que afetavam as comunidades, com especial destaque para o debate em torno da Assembleia Nacional Constituinte (Kadiwel, 2017: 23-46).

Para a Assembleia, não havia sido eleito nenhum deputado indígena. O corpo de constituintes era, de maneira geral, pouco receptivo às demandas desses grupos, e muitos representavam interesses privados relacionados à exploração mineral em terras indígenas, por exemplo. Isso não impediu o movimento indígena, representado pela UNI e por uma série de órgãos de apoio, como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), de realizar uma ampla mobilização em defesa dos direitos indígenas, garantindo a presença constante de lideranças no Congresso. Tanto a UNI quanto o CIMI apresentaram emendas populares ao texto elaborado na Comissão de Sistematização da Assembleia, reconhecendo aos povos indígenas a sua organização social, usos e costumes, a defesa de suas terras, de seu patrimônio e de sua vida, além de definir a sociedade brasileira como pluriétnica –no caso da emenda da UNI– e a própria República brasileira como plurinacional –no caso da emenda do CIMI (Lacerda, 2008: 100-101). Foi em defesa da emenda da UNI que Ailton Krenak fez o famoso gesto de pintar seu rosto de preto no plenário, com uma tinta à base de jenipapo, pedindo aos constituintes a proteção dos povos indígenas, que têm

um jeito de pensar, [...] um jeito de viver, [...] condições fundamentais para a sua existência e para a manifestação da sua tradição, da sua vida, da sua cultura, que não coloca em risco e nunca colocou em risco a existência, sequer, dos animais que vivem ao redor das áreas indígenas, quanto mais de outros seres humanos. (Krenak, 1987: 34-35)

Graças a muita pressão e muita negociação com os integrantes da Constituinte, grande parte do conteúdo das emendas acabou sendo incluído no Capítulo VIII –Dos índios– da Constituição Federal de 1988, exceção seja feita à definição da sociedade brasileira como pluriétnica ou plurinacional –defesa antiga do movimento indígena internacional, mas muito contestada pelos Estados Nacionais, ainda radicados sobre uma formulação engessada que associa a existência de um Estado a um único povo.

Nas décadas seguintes à Constituinte, Krenak se tornaria uma das principais vozes indígenas dentro do Brasil, tendo proferido inúmeras falas e concedido diversas entrevistas que servem de matéria prima para este artigo. Em entrevista a Sergio Cohn, na Revista Nau, originalmente publicada em 2013, Krenak faz uma reflexão retrospectiva em relação ao início do que viria a ser considerado o movimento indígena brasileiro. Para isso, ele parte do trabalho de Shelton Davis, antropólogo estadunidense que lançou um livro chamado Vítimas do milagre, em 1977, no qual analisou os impactos da política desenvolvimentista da ditadura militar sobre os povos indígenas e sobre o meio ambiente:

Livro que fala da destruição, mesmo. Ele mostra quando o Brasil descobriu que podia se destruir do ponto de vista ambiental, porque o Brasil vira um canteiro de Transamazônica, de Perimetral Norte, essa coisa que o governo Dilma fica fazendo de conta que está inaugurando, não está inaugurando, só pegou o pacote da ditadura, deu uma escaneada, potencializou com as novas tecnologias e está mandando brasa. [...] Aquela imensa tragédia que estava anunciada para a cabeça dos índios em todos os cantos da bacia Amazônica provocou um despertar de índios que ainda estavam acendendo fogo com palito, girando vareta na mão, e índios que estavam fazendo curso universitário em Brasília, bolsa de estudos da Funai, ou que estavam com algum contato privilegiado com informação sobre os brancos, sobre os instrumentos dos brancos, governança e tudo. E eu me juntei com essa geração, a primeira geração de índios que estavam sendo expulsos das suas origens para uma espécie de convergência não programada de ideias. Foi isso que permitiu que um menino Xavante, outro Bororo, Guarani ou Kaingang, uns com alguma diferença de seis anos, dez anos um do outro, mas todos com experiências próximas, começassem a cerrar fileiras numa frente que a gente chamava de movimento indígena. (Krenak, 2013a: 242-243)

Não há, aqui, espaço suficiente para desenvolver com muitos detalhes o contexto histórico que Krenak está descrevendo. Apresento-o, de toda forma, em algumas breves linhas. A partir, sobretudo, de 1968, a ditadura militar brasileira iniciou uma grande ofensiva contra a nossa Amazônia, em projetos que visavam “integrar” o território nacional –ao mesmo tempo inserindo a floresta em um circuito de produção capitalista e levando adiante um discurso de proteção contra uma suposta ameaça estrangeira à soberania nacional sobre a região. Nesse sentido, grandes estradas foram construídas –como a Transamazônica e a Perimetral Norte, a que Krenak faz referência–, além de usinas hidrelétricas, e diversos empreendimentos agropecuários, mineradores e madeireiros, alguns com autorização (fraudada, muitas vezes), vários ilegais. A devastação ambiental desse conjunto de empreendimentos veio acompanhada de uma brutal intensificação do processo de genocídio dos povos indígenas levado a cabo pelo Estado brasileiro, particularmente dos povos amazônicos.

Mas esse contexto, que Krenak caracteriza como uma “tragédia amazônica”, provocou também o que ele chamou de “despertar de índios”, para muito além da área englobada pelo bioma amazônico. Aquilo que foi caracterizado como movimento indígena teve como uma de suas bandeiras principais o direito dos povos indígenas à sua terra tradicional –mas não para que eles pudessem usufruir dela na lógica capitalista que caracterizava o projeto da ditadura. O direito indígena à terra pressupunha o direito da própria terra, a partir de uma cosmovisão em que natureza e sociedade não são consideradas opostos. A próxima seção se dedica justamente a refletir sobre as bases do pensamento de Ailton Krenak, a partir da negação dessa separação ontológica.

“A natureza da paisagem é a pluralidade”

Em entrevista concedida a Pedro Cesarino, em agosto de 2016, na Bienal de São Paulo, Ailton Krenak mencionou que havia trinta, quarenta anos, ele já tinha “percebido essa ruptura, essa coisa que a turma do Boaventura de Sousa Santos chama de ‘abismo’, essa coisa abissal que é a separação do pensamento no Ocidente” (Krenak, 2016: 66). A ideia de pensamento abissal, tal como Boaventura de Sousa Santos a caracteriza, decorre da constatação de que o pensamento moderno no Ocidente estabelece linhas invisíveis e intransponíveis (abismos, portanto) que criam uma série de distinções, partindo daquela, inaugural, entre as sociedades metropolitanas e os territórios coloniais, e se relacionando a outras distinções, como a que fundamenta a ciência (entre verdadeiro e falso) e o direito (entre legal e ilegal). Esse pensamento, ao mesmo tempo em que representa uma pretensa universalidade, depende da exclusão daqueles indivíduos e grupos que estão do outro lado do “abismo”, tanto uma exclusão concreta (com a sua exploração e extermínio) quanto uma exclusão epistemológica (epistemicídio), ao não admitir outra possibilidade de conhecer o mundo além da científica. E o próprio saber científico, como concebido, tradicionalmente, no Ocidente, parte de distinções do tipo “sujeito e objeto” e “natureza e cultura” (Santos, 2007).2

Discutindo o pensamento abissal, Krenak discorreu:

Esse pensamento pegou uma escola e foi fundo nela, essa escola da negação da possibilidade da água, de uma montanha ou de uma pedra estabelecer qualquer tipo de comunicação com o humano, a ponto de criar uma distinção entre humano e não humano. Uma distinção tão radical que sugere que humanos somos nós, que podemos imprimir a nossa marca sobre tudo o que nós achamos que não é humano, os oceanos e todos os seus trilhões de vidas, as paisagens todas da Terra, que nós pensamos poder derrubar, cortar, podar, plainar (Krenak, 2016: 66).

Como Krenak argumenta, essa distinção radical tem um forte conteúdo político, uma vez que implica no exercício do poder, na exploração e na destruição do humano sobre o não humano:

Nós podemos fazer paisagens, desmontar paisagens, tirar uma montanha daqui, levar para lá. Ora, essa técnica, essa eleição da técnica como um deus do pensamento do branco, foi tão radical que está imprimindo neste lugar que nós compartilhamos, a Terra, uma marca tão profunda que pode inviabilizar a nossa experiência de continuar vivendo aqui, pelo menos da forma que os antigos humanos a conheceram... Essa coisa de a Terra nos acolher, embalar os nossos sonhos, suprir as nossas necessidades de alimentação, de ter ar para respirar, de ter paisagens que comovem, entendeu? Vamos passar a ser uma única paisagem. Ora, se virar única, então não é paisagem. A natureza da paisagem é a pluralidade, a diversidade, é a sucessão. As paisagens se sucedem, ou então não são paisagens. Quando nós acabamos com todas as paisagens da Terra, nós entramos em coma. (Krenak, 2016: 66-67)

O termo “paisagem” é muito utilizado por Krenak, sobretudo em suas falas mais recentes, em um significado que diverge daquele que a ciência geográfica lhe atribui. Para a Geografia, paisagem diz respeito a um conjunto de formas-objetos que exprimem a relação entre homem e natureza, sem considerar “a vida que lhe anima”. Trata-se, portanto, de uma “distribuição de formas-objetos” não levando em consideração a intrusão da sociedade, com seu sistema de valores sempre mutável –a interação entre os dois sendo marca de um outro conceito fundamental, o de espaço. O sentido da paisagem seria, nesses termos, apenas “paisagístico” (com o perdão da redundância), não abarcando uma dimensão de vida exprimível pela ação do homem no presente (Santos, 2006: 66-68).

Ora, é essa possibilidade de uma dimensão da paisagem como um cenário completamente objetificável analiticamente, isolado de sua propriedade relacional, que está sendo questionada por Krenak. A paisagem a que se refere Krenak é composta por um conjunto de mundos que se comunicam –entre si e com o mundo daqueles que foram chamados pela razão ocidental de humanos. Ela é, portanto, fundamentalmente plural e viva. É justamente a arrogância da crença de que apenas os seres que se creem humanos (nós) podem conferir qualidades à paisagem que ele critica, discutindo o impulso de imprimirmos nossa marca sobre tudo que consideramos não humano. Esse impulso se origina na negação da possibilidade de comunicação com esses mundos vários: “se eu não entendo a linguagem do rio, ele vira um esgoto para mim. Se a montanha não fala comigo, eu posso pegá-la e jogá-la em cima de um trem e mandá-la para um depósito de minério qualquer” (Krenak, 2013a: 256).

A reflexão de Krenak parte então da constatação de que, ao deixar a sua marca sobre as várias paisagens, os humanos estão construindo uma única paisagem, uma paisagem dominada pela exploração econômica e, por isso, silenciada. Em diálogo com as proposições de Krenak, acredito que o que ele chama de “única paisagem” pode ser entendido também como uma “paisagem unívoca”, na qual não há espaço para o contraditório, para o ambíguo. Dentro da lógica de Krenak, pelo contrário, esses outros mundos são dotados de agência, uma agência carregada do diverso, do plural. A paisagem unívoca é, portanto, a negação da possibilidade de relação outra com os não humanos que a de subordinação.

Daí a elevação da técnica ao status de um deus: “esse elogio da técnica que a cultura dos brancos faz é a mesma técnica que sustentou as marcas profundas que chamamos de Antropoceno” (Krenak, 2017b: 106). Ou seja, a ode à intervenção violenta nos mundos não humanos corresponde à inviabilização de nossa própria existência naquilo que nós chamamos de mundo: se a natureza da paisagem é a sucessão e a diversidade, reduzi-las ao unívoco nos leva a um coma do qual talvez não possamos sair. Por isso Krenak recupera o conceito de Antropoceno, com o qual se quer pensar a transformação dos humanos em uma força geológica na terra, ameaçando brutalmente a biodiversidade do planeta.

Mais do que transformar todas as paisagens literalmente em uma “mesma coisa”, no viés paisagístico, trata-se de conferir-lhes um único sentido, um único fim teleológico: a exploração capitalista. E esse fim teleológico encontra sua representação maior no cenário urbano. Alcançar o status de civilização corresponde a alcançar o modelo de assentamento da pólis, da cidade (Krenak, 2017b: 104). Por esse motivo, a arquitetura e o urbanismo são apresentados como uma “ferramenta de guerra” (Krenak, 2017b: 102):

Esses diferentes campos do conhecimento, e entre eles está a arquitetura e urbanismo, têm uma matriz comum, que é uma matriz profundamente informada por um pensamento de dominação da Terra em amplo sentido. A ideia de que a natureza é um recurso para ser disponível para os humanos incidirem sobre esse lugar criando espelhos de si mesmos. Se o estado da Terra hoje pode nos causar alguma impressão triste, a gente deveria reconhecer nele a nossa imagem. É o espelho do que nós fizemos com a Terra. (Krenak, 2017b: 103)

A lógica da paisagem unívoca não implica transformar tudo em urbano, mas conceber o urbano como razão de ser de tudo, sua finalidade última. Os cenários não urbanos devem servir ao urbano, transformando em matéria prima os vários mundos que compõem a sucessão de paisagens. A paisagem se torna unívoca justamente porque ela passa a servir a esse fim. E essa questão do “servir”, de se pensar esses mundos em termos de uma utilidade, evidencia uma diferença fundamental em relação às cosmologias indígenas, que não podem aceitar que sejamos maiores do que o que se chama de “natureza”, que possamos dominá-la ou que quaisquer dos seres que a compõem sejam menores do que nós. “Fazer um automóvel, míssil, aviões, prédios, isso não tem nada a ver com o nosso horizonte”, afirma Krenak, “a gente tem a pretensão em primeiro lugar, de achar que estamos aqui para fazer nada” (Krenak, 1989b: 39).

E a pulsão de univocidade sobre as paisagens, de caráter urbano, encontra sua melhor metáfora justamente em Roma, a urbe para a qual todos os caminhos convergiam:

[...] Roma é um ótimo exemplo, porque foi de lá mesmo que partiu essa sanha de ocupar o resto do mundo com uma monocultura, não no sentido da produção de alimentos, mas do sentido de reprodução de ideias. Monocultura de ideias é o que percebo em todo o repertório do pensamento do Ocidente. (Krenak, 2017b: 109)

A ideia de ocupar o mundo com uma monocultura possui um conteúdo polissêmico. Krenak reforça que se trata de uma monocultura de ideias –ou de saberes, como a concebe Boaventura de Sousa Santos. O sentido seria o da imposição de “uma cultura só”, da impossibilidade de se conceber pensamentos distintos do modelo ocidental de racionalidade e universalidade –ou seja, a monocultura como a univocidade do pensamento. Mesmo assim, o termo naturalmente remete ao que Krenak chama de “produção de alimentos”. Afinal, a base da economia brasileira ainda é a monocultura de larga escala e voltada para a exportação. E essa ambiguidade da palavra monocultura reforça o seu sentido, visto que submeter os biomas a uma exploração agrícola predatória em larga escala corresponde justamente a silenciar mundos através da imposição da paisagem unívoca. É a destruição da floresta, da Amazônia, do Pantanal, do Cerrado, em nome do consumo dos urbanos.

Os povos indígenas, por outro lado, constituem justamente a resistência a “toda essa sequência de engenharia complexa que continua sendo oferecida como máquina de guerra sobre territórios e povos que pensam e vivem de uma maneira diferente”:

Eu acredito que o pensamento que mais me inspira é exatamente o que foi transmitido de geração em geração ao longo de muito tempo, para povos que querem continuar vivendo na Terra, tendo a Terra não como uma plataforma, mas como uma extensão da nossa respiração, da nossa presença, um organismo vivo que transpira, respeita, inspira e dá sentido para a gente viver. (Krenak, 2017b: 116)

Habitar a terra vivendo-a como extensão de sua presença não implica na não existência de uma técnica, nem mesmo em não se deixar uma marca sobre as paisagens. Trata-se, sim, de deixar marcas sobre as paisagens sem que isso acarrete a submissão de determinados mundos a outros, de determinados pensamentos a outros, de determinados corpos a outros. Marcas que sejam um diálogo, uma diplomacia entre os mundos, não a sua transformação em matéria prima a ser consumida e, portanto, destruída.

Em conversa com Ana Altberg e o Coletivo Entre, Ailton Krenak recupera as pesquisas do arquiteto Paulo Tavares, que em seu projeto Memória da Terra mapeou os itinerários da remoção forçada dos Xavante de suas terras durante a “modernização” do território brasileiro, no século XX. Dada a escassez de registros governamentais desse processo, Tavares buscou fotos de satélite antigas das aldeias, que sempre apresentavam um formato em arco. Analisando essas áreas hoje, verifica-se que a floresta cresceu nesse mesmo formato de arco, uma “assinatura no chão”. Trata-se de uma marca na paisagem, mas uma marca inteiramente de outro tipo.

Krenak alude ainda ao conteúdo de diversos estudos, particularmente os de arqueobotânica, que demonstram o componente antrópico –ou antropogênico– na formação atual da floresta Amazônica. Isso equivale a dizer que a floresta é manejada por seres que chamamos humanos há mais de 10 mil anos, desde o início de sua ocupação por esses grupos, não sendo uma “mata virgem”, mas, nas palavras de Krenak, um “jardim”. A relação que guiou esse manejo, entretanto, é uma relação de reciprocidade, de troca mútua. Uma relação que reconhece a floresta como sujeito também, não meramente como objeto, e que gera, portanto, uma cartografia inteiramente diferente, pautada em um modelo não antropocêntrico:

[...] eu fiquei muito feliz de saber do encontro do Paulo [Tavares] com o povo Xavante e das experiências que ele tem feito junto de ler as marcas na terra de assentamentos humanos onde se sugere que é possível existirem habitats organizados e estruturados dando suporte à vida sem uma marca tão dura na paisagem. Aquelas imagens que mostram grandes círculos ou pequenas formações dentro da floresta, desenhando jardins na floresta, são cartografias nossas, que foram suplantadas pela ocupação de uma nova cartografia, que é a cartografia colonialista, que não tem vergonha de ser colonialista porque ela faz um elogio dessa ocupação desse território, como se fosse um gesto civilizatório. Esse elogio entusiasma as novas gerações. As crianças nas escolas são estimuladas a seguir isso como um roteiro afirmativo de um tipo de civilização e que está profundamente imerso naquilo que a gente chama de cultura do consumo. Uma cultura que consome não só mercadoria, mas que consome também imagens, consome ideias, e não é capaz de fazer as críticas. Consome sem uma crítica. (Krenak, 2017b: 105-106)

A partir daí, Krenak reflete sobre a ideia de “ler bosques como ruínas”, ou seja, a ideia de que aquilo que chamamos tradicionalmente de natureza carrega também vestígios da ação dos povos indígenas, mas uma ação tão diversa da que o pensamento ocidental concebe que ele nem consegue notar esses vestígios:

É muito potente difundir a ideia de que esses lugares que são avistados na floresta, no cerrado, na mata atlântica, não são natureza da maneira que os viajantes descreviam, como um Éden. Eles são a nossa casa e eles têm impressão da nossa presença. Mas talvez essa impressão da nossa presença seja tão discreta, ao passo que tudo aqui é um ato bruto. Mas quando se vê uma imagem de satélite que mostra as formações diferentes, em forma de arcos, em forma de círculos ou mesmo em algumas linhas continuadas dentro da floresta, recobertas por diferentes formações florísticas, se percebe que aquilo não é uma topografia de áreas remotas, aquilo é um lugar com uma inscrição de povos, de culturas que, em diferentes épocas, fizeram esses jardins. (Krenak, 2017b: 116-117)

Alianças afetivas

Se existe uma relação de influência recíproca entre a floresta e os povos indígenas que a habitam, isso diz muito sobre a forma com que esses povos fazem política. Trata-se de uma ação que pressupõe uma relação, a construção de alianças e mesmo a possibilidade de conflitos, mas conflitos que possam ser mediados a partir de uma ação diplomática, mantendo a pluralidade dos mundos, e não os convertendo ao mesmo. Trata-se de pensar a política com os rios, ou com as montanhas, da mesma forma como se concebe a política de negociação com o “branco”, o não índio. Ou talvez quase da mesma forma, por que essa última forma de fazer política –com o homem ocidental– traz consigo uma urgência: dela depende a existência mesma dos mundos todos, a possibilidade de que a paisagem continue sendo pluralidade, diversidade e sucessão.

Então, aliança na verdade é um outro termo para troca. Eu andei um pouco nessa experimentação até que consegui avançar para uma ideia de alianças afetivas –em que a troca não supõe só interesses imediatos. Supõe continuar com a possibilidade de trânsito no meio de outras comunidades culturais ou políticas, nas quais você pode oferecer algo seu que tenha valor de troca. E esse valor de troca supõe continuidade de relações. É a construção de uma ideia de que seu vizinho é para sempre. (Krenak, 2016: 61)

Krenak reconhece, portanto, que o capitalismo traz um entrave à oportunidade de mediação com mundos possíveis. Refletindo sobre o conjunto de ações e negligências que levou ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), matando o Rio Doce, que banha as terras Krenak e é considerado um parente pelo seu povo, Ailton declarou:

Essas ações, essas intervenções, acontecem no campo do saque daquilo que costumamos chamar de recursos naturais –a floresta, os rios, as montanhas. Eles estão exaurindo o campo das alianças. É como se você retirasse o oxigênio do planeta. É por isso que não dá para pensar que as alianças sejam possíveis entre todos esses diferentes mundos, essas humanidades e sub-humanidades, porque foram postas em diferentes mundos. Se outros mundos são possíveis, então precisamos continuar a perguntar sobre qual é a possibilidade de aliança entre esses mundos, porque, se não, eles serão sempre mundos divorciados. Precisamos pensar na possibilidade de mundos que sejam intercambiáveis, que possam se alternar em diferentes espaços e lugares, se não as fronteiras vão continuar sendo a marca mais brutal, mais anti-humana. Precisamos vazar essas fronteiras, feito uma peneira, para podermos transitar entre esses mundos. (Krenak, 2016: 70)

Se o capitalismo, que impõe a paisagem unívoca, exaure o campo das alianças, a marca da política indígena é justamente a busca por vazar essas fronteiras, transitando entre mundos.

Essas sociedades [ocidentais] conseguem perceber o mundo que se justifica para sua vida, para sua existência. Mas não conseguem atinar com os outros mundos além desse, por causa da sua natureza essencial, mesmo. Vão ficar pensando naquela biosfera deles, na complexidade dos seus mundos, mas não vão perceber as outras conexões. O desafio que eu tive que encarar foi o de admitir a existência de inumeráveis mundos que circundam, que se articulam e que se comunicam com o mundo em que eu transito. As possibilidades de aliança não se dão só no plano das relações sociopolíticas, no plano das ideias, no que é possível estabelecer de colaboração entre uma nação e outra, entre uma sociedade e outra. Quando eu vou a um riacho, a uma fonte, naquela nascente, eu estabeleço uma relação com ela, converso com ela, eu me lavo nela, bebo aquela água e crio uma comunicação com aquela entidade água que, para mim, é uma dádiva maravilhosa, que me conecta com outras possibilidades de relação com as pedras, com as montanhas, com as florestas. [...] As relações não são percebidas como potência que ocorre só entre pessoas, no sentido comum em que nós entendemos as pessoas, as relações humanas, as relações sociais. Elas são alianças com muitas outras potências que estão dadas, que são possíveis. O raio, a chuva, o vento, o sol, a brisa, as paisagens. Aliança é troca com todas as possibilidades, sem nenhuma limitação. (Krenak, 2016: 63-64)

A ideia de aliança, de fato, é uma tônica no pensamento de Krenak. A política indígena parece ser a subjetivação desses muitos mundos intrínsecos a cada paisagem, e o estabelecimento de alianças com eles. Ou, como chama Krenak, o estabelecimento de alianças afetivas. Alianças que supõem a construção de relações que não se esgotam, que se perpetuam eternamente, seja com os mundos que convencionamos chamar de natureza, seja com os mundos que convencionamos chamar de sociedade:

Então o que está em risco, na verdade, não é só o mundo da mercadoria, que vai entrar assim numa espécie de erosão, ou de implosão de sua própria dinâmica. Mas é levar junto com ele os outros mundos, aqueles mundos possíveis. Isso seria aquilo que alguns teóricos chamam de guerra de mundos. Tem um debate sobre a guerra entre mundos e a possibilidade de constituir outras relações apoiadas na cooperação, na solidariedade, nos afetos. Essa hipótese é uma ideia que está mais no campo do pensamento, porque ela não detém as ferramentas, ela não detém os meios. O que o velho Marx chamava de meios de produção. Os meios de produção continuam determinando que tipo de mundo nós podemos compartilhar. (Krenak, 2017a: 25)

Mas a própria ação de Krenak como mediador entre o seu mundo indígena e o mundo ocidental, desde os anos 1980, tornou fundamental que fossem pensadas alianças afetivas que salvaguardassem a possibilidade da existência dos mundos frente ao que chamou de “tragédia amazônica”, que podemos considerar uma metonímia da tragédia capitalista como um todo. Nesse sentido, era preciso buscar aliados, dentro do Brasil e mesmo internacionalmente, para que a luta indígena alcançasse visibilidade:

A gente foi qualificando esses aliados, buscava aliar esses tipos de competência que achava importante para nós, e sabia também que os índios não iam fazer isso. Nenhum de nós ia virar especialista e ficar na Europa fazendo opinião pública, mas íamos ter aliados que fariam isso na Europa na língua deles, no país deles. [...] Essa experiência de rede, eu fui sacando na minha cabeça essa dinâmica de rede antes de existir a coisa da web. Eu já experimentava a atuação em rede, porque sabia que estava no Brasil, no Mato Grosso, mas tinha um cara na Holanda que não falava português, nem eu holandês, mas que sabia que eu estava fazendo aquela trajetória e ele estava divulgando aquilo. [...] E não tinha contrato, protocolo. Era uma relação de confiança, que eu chamei de alianças afetivas. Como eu estava na frente da comunicação, bolei uma coisa e arrumei um lugar para mim nesse arranjo novo que estava surgindo no movimento indígena, o lugar da Coordenação Nacional de Publicações. Isso porque naquela época, na década de 1980, fazer um boletim e um cassete que chegava para 300 aldeias, para 600 aldeias, era um trabalho de tempo integral fantástico, impressionante. (Krenak, 2013a: 250-251)

Pensando a trajetória de Krenak, sua posição na Coordenadoria Nacional de Publicações é a de um diplomata, que negocia não apenas com o que geralmente consideramos externo (a mobilização internacional, tão fundamental para a visibilidade da questão indígena no Brasil), mas também com o interno: a imensa diversidade de povos indígenas inseridos no que foi chamado de “território brasileiro” e que não têm uma solidariedade automática. Afinal, quem os considera “todos iguais” é o pensamento da monocultura de ideias ocidental, mas cada um deles traz consigo um mundo diferente, e a condição de manterem-se plurais é a premissa mesma de existência da luta indígena. Iniciativas dentro da União das Nações Indígenas, como o Programa de Índio encabeçado por Krenak, foram fundamentais para colocar povos muito distantes, muitos deles sem contato entre si, em relação, construindo alianças. Mas, para Krenak, nunca se tratou de construir uma luta absolutamente unificada.

Perguntado sobre a ideia de uma solidariedade indígena em perspectiva latino-americana, Krenak respondeu:

[...] a questão da solidariedade entre os povos indígenas deve ser pensada com muito cuidado, porque são sociedades de aliança por excelência, mas não são sociedades que acatam, ou que aceitam a dispensa da sua identidade na formação de uma massa. A política moderna pensa esse negócio da solidariedade de todo mundo junto; as sociedades tribais pensam a solidariedade dentro das diferenças, dentro da identidade de cada uma. Então, pensar a questão da solidariedade indígena na perspectiva latino-americana seria circunstanciar a uma região geográfica uma realidade que é cultural, que é étnica, que é histórica, que é mítica, que é cósmica. Para os povos indígenas não existe a América Latina, para os povos indígenas existe o universo. (Krenak, 1994: 152)

Esta convicção teve um impacto direto na trajetória da União das Nações Indígenas e demais formas de articulação dos povos indígenas no Brasil. Justamente pela impossibilidade de tornar único, ou unívoco, o conjunto de mundos tão plurais, Krenak nega a expressão “movimento indígena” como um conceito que dê conta da realidade decorrente dessas alianças afetivas múltiplas e dinâmicas:

As pessoas perguntam o que tanta gente diferente que se encontrou naquele momento, índios de diversas etnias, ribeirinhos, seringueiros, podia ter em comum. O que tinha em comum era o medo do progresso! No nosso caso, muito mais do que isso, era medo do branco. Mas não de um branco qualquer. Existe todo um esquema, um acúmulo de capital... O índio achou que não sobreviveria a isso. Eu já me perguntei se íamos conseguir sobreviver a isso. Mas não houve movimento indígena, o que houve foi o índio que se movimenta. Essa foi uma característica de como nos organizamos naquele tempo. Quando organizamos a União das Nações Indígenas, eu fui o representante. Me chamaram para falar com governadores, prefeitos e outros palhaços. Publicamente, eu pus fim naquilo. Não dava para responder por todos. Não acho que possa haver apenas um único homem para dar todas as respostas por todos aqueles povos. Outros movimentos estavam acontecendo. Mas o que eram os índios? Podíamos nos unificar a um desses movimentos... O Movimento Sem Terra, ou outro qualquer. Mas não fizemos. Depois disso o pessoal da CUT veio me atacar, me perguntaram se eu achava que trabalhadores e índios não deviam se unificar. Eu disse que quanto aos trabalhadores eu não sabia, mas quanto aos índios eu acreditava que não. Um movimento indígena unificado iria reduzir muitas etnias e línguas à ocidentalização, todos estariam agora falando apenas o português. Isso acabaria por homogeneizar os índios. (Krenak, 2013b: 220-221)

Por isso:

Mesmo quando nós buscamos fazer intervenção dentro da política institucional do mundo do branco, nós fazemos isso como quem foi à roça buscar batata ou mandioca. Nós sabemos exatamente os limites que temos, até onde podemos ir e o momento em que vamos ser devorados por um outro pensamento que vai significar a extinção do pensamento nativo e da origem mesma da criação do mundo. (Krenak, 1994: 154)

A história da fundação do mundo (e como adiar o fim do mundo)

Do ponto de vista da História intelectual, pensar a produção de Ailton Krenak equivale a alargar a ideia de rede de sociabilidade para que ela englobe também mundos que tradicionalmente consideramos não humanos. Não é possível considerar a sua prática intelectual, política e diplomática sem levar em consideração a subjetividade das florestas, das montanhas, dos rios. Sem reconhecer a agência desses sujeitos. A luta política de Krenak é justamente pelo seu não silenciamento, pela sua não transformação em uma paisagem unívoca, em uma monocultura.

E contar uma história que envolve o reconhecimento desses sujeitos parte da contestação da teleologia de que as coisas têm de servir a um fim (afinal, “estamos aqui para fazer nada”). Implica, portanto, o desafio da lógica do progresso, que concebe como nossa função –nós, os humanos– reduzir os mundos não humanos a mercadorias consumidas nas cidades. Trata-se do fim de uma história linear. A história que Krenak propõe parte de ouvir os mundos à nossa volta. Por isso, a oralidade da sua produção (composta majoritariamente de conversas e entrevistas) não é só forma, mas também conteúdo. Aliás, se formos pensar nos termos de Krenak, por que faria sentido separar forma de conteúdo?

Na conversa de Krenak com Pedro Cesarino, em 2016, na Bienal de São Paulo, ele contou de quando foi com Davi Kopenawa Yanomami para Atenas. Em diálogo com Kopenawa, Krenak refletiu sobre a passagem do tempo mítico em que os antigos gregos viveram, “quando o Olimpo era um lugar de trânsito de seres divinos”, para um tempo histórico: “É a transição do tempo do mito –tempo em que é possível tudo, em que é possível que os mundos se intercambiem– para um tempo chapado, com uma história linear” (Krenak, 2016: 73). Em outro diálogo, quase trinta anos antes, essa relação com um outro tempo já era apresentada. Um tempo cosmogônico, no qual a presença constante da história da fundação do mundo evidencia os limites da própria ação humana no mundo (ou nos mundos):

Na nossa tradição, na tradição indígena, nós temos uma história –a história da fundação do mundo– que nos integra no que poderia ser considerado o universo. Os fatos dessa história se aproximariam muito dos eventos religiosos. Nós temos uma história que poderíamos chamar de história objetiva, história do mundo, sobre a qual agimos. Nós agimos no mundo, mas somos filhos de uma tradição em que o nosso poder é limitado. Quando comecei a ler a literatura universal, descobri um pensamento nos homens de outra tradição que me assustou –o pensamento de que o homem é total, de que ele pode submeter a natureza e a história. Na minha tradição, isso não existe. Somos parte de eventos importantes. [...] Apesar de estar há muito tempo já convivendo e me relacionando com os fatos marcados pelo calendário do relógio, tenho buscado preservar dentro de mim essa memória. A minha apreciação da história tem que ser cuidadosa e seguir a visão do meu povo. Nós entendemos que somos capazes de mover uma pedra que está na beira do igarapé represando tronquinhos e folhas, mas sabemos que não podemos mover o destino das águas. Nós somos parte dos eventos. Interferimos neles a partir da nossa virtude e do nosso conhecimento, da nossa interação com aquele lugar, mas não podemos agir como seres externos aos eventos. (Krenak, 1989a: 91-92)

E pensando nesse desvio do que Krenak chama de “fatos marcados pelo calendário do relógio”, voltamos para Atenas e para a constatação da perda de trânsito dos seres divinos do Olimpo frente ao tempo chapado da história linear. A tradição a que Krenak se filia é uma tradição que não vivenciou essa perda:

Não tem uma régua dessas para você contar o tempo nas narrativas cósmicas ou cosmogônicas que os nossos ancestrais experimentaram e que alguns de nós herdaram deles por boa audição, porque, se fôssemos surdos, também estaríamos com uma régua contando o tempo. (Krenak, 2016: 73)

A fala de que, se fossem surdos, os indígenas também estariam com uma régua contando o tempo me remete ao verso de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa: “pensar é estar doente dos olhos” (Caeiro, 1992: 205). Porém, enquanto este valoriza o sentido da visão contra o exercício da racionalidade, Krenak recupera a audição como antídoto à teleologia do progresso. É necessário ouvir os ancestrais, as águas e as pedras dos rios, que contam as histórias da fundação do mundo. Mas, se essa disposição para ouvir, por um lado, estabelece os limites da ação de qualquer sujeito no mundo (“não podemos mover o destino das águas”), por outro lado, ela traz consigo uma proposta de ação política. Audição não é, afinal, passividade. Ouvir histórias é também contar histórias.

A obstinada ação ocidental de construir uma paisagem unívoca, engolindo a natureza e as subjetividades resistentes à homogeneização, a ponto de falarmos de uma nova idade geológica chamada de Antropoceno, traz à vida cotidiana a iminência do fim do mundo (ao menos àqueles que herdaram uma “boa audição”). E o fim do mundo não se celebra nem se ignora. O fim do mundo se adia. É isso que têm feito pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo, que insistem no prazer e na fruição da vida:

[Nosso tempo] está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta, faz chover. O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida. Então, pregam o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos nossos próprios sonhos. E a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim. (Krenak, 2019b: 26-27)

Engana-se, entretanto, quem acredita que o fim do mundo é novo. Talvez a possibilidade do fim de tantos mundos ao mesmo tempo seja nova, mas a iminência do fim do mundo é parte da história herdada dos ancestrais, assim como o é a luta contra esse fim. É com essa história que Krenak se conecta, para realizar suas alianças afetivas no presente:

Como os povos originários do Brasil lidaram com a colonização, que queria acabar com o seu mundo? Quais estratégias esses povos utilizaram para cruzar esse pesadelo e chegar ao século XXI ainda esperneando, reivindicando e desafinando o coro dos contentes? Vi as diferentes manobras que os nossos antepassados fizeram e me alimentei delas, da criatividade e da poesia que inspirou a resistência desses povos. A civilização chamava aquela gente de bárbaros e imprimiu uma guerra sem fim contra eles, com o objetivo de transformá-los em civilizados que poderiam integrar o clube da humanidade. [...] Às vezes, os antropólogos limitam a compreensão dessa experiência, que não é só cultural. [...] Quantos perceberam que essas estratégias só tinham como propósito adiar o fim do mundo? Eu não inventei isso, mas me alimento da resistência continuada desses povos, que guardam a memória profunda da terra, aquilo que Eduardo Galeano chamou de Memória do fogo [...] (Krenak, 2019b: 28-29)

Alimentando-se dessa resistência ancestral, Krenak nos provoca:

Por que nos causa desconforto a sensação de estar caindo? A gente não fez outra coisa nos últimos tempos senão despencar. Cair, cair, cair. Então por que estamos grilados agora com a queda? Vamos aproveitar toda a nossa capacidade crítica e criativa para construir paraquedas coloridos. Vamos pensar no espaço não como um lugar confinado, mas como o cosmos onde a gente pode despencar em paraquedas coloridos. [...] Cantar, dançar e viver a experiência mágica de suspender o céu é comum em muitas tradições. Suspender o céu é ampliar o nosso horizonte; não o horizonte prospectivo, mas um existencial. É enriquecer as nossas subjetividades, que é a matéria que esse tempo que nós vivemos quer consumir. (Krenak, 2019b: 30-32)

A ideia de suspender o céu como exercício de evitar o fim do mundo remete à obra de Davi Kopenawa em diálogo com o antropólogo francês Bruce Albert, o livro A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. Mas, como Krenak afirma, a prática de suspender o céu é comum em diversas tradições indígenas:

O meu povo, assim como outros parentes, tem essa tradição de suspender o céu. Quando ele fica muito perto da terra, há um tipo de humanidade que, por suas experiências culturais, sente essa pressão. Ela é sazonal, aqui nos trópicos essa proximidade se dá na entrada da primavera. Então é preciso dançar e cantar para suspendê-lo, para que as mudanças referentes à saúde da terra e de todos os seres aconteçam nessa passagem. Quando fazemos o taru andé, esse ritual, é a comunhão com a teia da vida que nos dá potência (Krenak, 2019a: 45-46)

Cantar, dançar e se comunicar com os mundos ao nosso redor passa também por lutar para que aqueles que sempre “suspenderam o céu” continuem fazendo isso. E quem são esses? “Os únicos núcleos que ainda consideram que precisam ficar agarrados nessa terra são aqueles que ficaram meio esquecidos pelas bordas do planeta, nas margens dos rios, nas beiras dos oceanos, na África, na Ásia ou na América Latina”. Aqueles a quem muitas vezes a própria humanidade foi negada: “São caiçaras, índios, quilombolas, aborígenes –a sub-humanidade” (Krenak, 2019b: 21). Para garantir que eles possam contar mais uma história e adiar o fim do mundo, é preciso investir nas alianças afetivas que garantam a sua existência –não apenas a sua existência física, mas a sua existência completa, seus cantos, suas danças, suas histórias, suas relações não utilitárias com o mundo.

O livro A queda do céu, referido acima, desenvolve, a partir da cosmologia Yanomami, uma série de reflexões que podemos aproximar das concepções de paisagem unívoca, alianças afetivas e adiamento do fim do mundo, como foram apresentadas aqui. O antropólogo Renato Sztutman recupera a figura de Davi Kopenawa como a de um diplomata, tanto na negociação entre o mundo dos Yanomami e o dos “brancos” (chamados de napë, o que também pode querer dizer inimigo), quanto naquela que ocorre entre o mundo dos humanos e aquele dos xapiri –ancestrais animais, com os quais Kopenawa consegue se comunicar devido à sua iniciação xamânica. Em ambos os casos, a palavra tem importante significado. Os cantos sagrados são a forma de comunicação com os xapiri, que são aprendidos na iniciação. Da mesma forma, cada som do que chamamos natureza é a fala de um agente dotado de subjetividade e representante do seu mundo (Sztutman, 2019).

Se é necessário saber se comunicar com esses mundos, é necessário também aprender a se comunicar com o mundo dos napë. Ao dirigir seu discurso a eles, entretanto, a mediação diplomática modifica-se. Não só os mundos em questão são diferentes, mas um dos mundos se recusa (ou não consegue) enxergar a existência dos outros. A diplomacia com os napë é fundamental porque dela depende que os rios não desapareçam debaixo da terra, que as árvores não murchem, que a terra não fique vazia e silenciosa, que os espíritos xapiri não fujam para longe sem que seus pais, os xamãs, consigam chamá-los para fazê-los dançar, tornando-se incapazes de espantar as fumaças de epidemia que devorarão a todos e de conter os seres maléficos que transformarão a floresta num caos. Se essa diplomacia falhar, “morreremos, um atrás do outro, tanto os brancos quanto nós. Todos os xamãs vão acabar morrendo. Quando não houver mais nenhum deles vivo para sustentar o céu, ele vai desabar” (Kopenawa & Albert, 2015: 6).

Se o céu desabar, portanto, ele desabará sobre todos, inclusive sobre aqueles que se acreditam humanos e civilizados. Por isso, garantir a existência completa desses que foram chamados, segundo Krenak, de sub-humanidade, é fundamental não apenas para esses mundos, mas para todos os mundos:

E se pudermos dar atenção a alguma visão que escape a essa cegueira que estamos vivendo no mundo todo, talvez ela possa abrir a nossa mente para alguma cooperação entre os povos, não para salvar os outros, mas para salvar a nós mesmos. Há trinta anos, a ampla rede de relações em que me integrei para levar ao conhecimento de outros povos, de outros governos, as realidades que nós vivíamos no Brasil teve como objetivo ativar as redes de solidariedade com os povos nativos. O que aprendi ao longo dessas décadas é que todos precisam despertar, porque, se durante um tempo éramos nós, os povos indígenas, que estávamos ameaçados de ruptura ou da extinção dos sentidos das nossas vidas, hoje estamos todos diante da iminência de a Terra não suportar a nossa demanda. (Krenak, 2019a: 44-45)

Fazendo o caminho de volta

Desde 1990, com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas que estabeleceu a relação entre a emissão de gases estufa e o aquecimento global, a ideia de um fim do mundo como o conhecemos se tornou mais palpável. No ano 2000, pela primeira vez, uma publicação científica –de autoria do biólogo Eugene F. Stoermer e do químico Paul Crutzen– utilizou o termo Antropoceno para pensar a transformação da espécie humana em uma força geológica da terra. A degradação sistemática dos biomas, o gigantesco aumento de espécies que estão sendo extintas do planeta, a quantidade de plástico que polui os oceanos... Todos esses eventos, nas últimas décadas, fizeram com que prognósticos distópicos sobre o nosso futuro se tornassem cada vez mais plausíveis. Em 2020, a pandemia de Covid-19 coroou esses prognósticos e revelou que estávamos ainda mais vulneráveis do que imaginávamos. Para Krenak, a pandemia não pode ser entendida desvinculada da agência dos mundos que tradicionalmente chamamos de natureza:

E agora temos esse vírus, um organismo do planeta, respondendo a esse pensamento doentio dos humanos como um ataque à forma de vida insustentável que adotamos por livre escolha, essa fantástica liberdade que todos adoram reivindicar, mas ninguém se pergunta qual o seu preço. [...] É terrível o que está acontecendo, mas a sociedade precisa entender que não somos o sal da terra. Temos que abandonar o antropocentrismo; há muita vida além da gente, não fazemos falta na biodiversidade. [...] Somos piores que a covid-19. Esse pacote chamado de humanidade vai sendo descolado de maneira absoluta desse organismo que é a Terra, vivendo numa abstração civilizatória que suprime a diversidade, nega a pluralidade de formas de vida, de existência e de hábitos. (Krenak, 2020b: 80-82)

Mas a boa notícia é que podemos aprender com a atual catástrofe. Aprender com ela, entretanto, não significa voltar à suposta normalidade anterior, ou a versões novas das velhas práticas, com nomes bonitos como “sustentabilidade”: “Tomara que não voltemos à normalidade, pois, se voltarmos, é porque não valeu nada a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro” (Krenak, 2020b: 91). Trata-se, antes, de recuperar as velhas histórias de fundação do mundo, tão distantes para os que pertencem ao que Krenak tem chamado de “clube da humanidade”, e tão próximas àqueles que se agarraram à terra, nas bordas do planeta –os “sub-humanos” ou “quase-humanos”:

Se você ainda vive a cultura de um povo que não perdeu a memória de fazer parte da natureza, você é herdeiro disso, não precisa resgatá-la, mas se você passou por essa experiência urbana intensa, de virar um consumidor do planeta, a dificuldade de fazer o caminho de volta deve ser muito maior. (Krenak, 2020a: 104)

Dar esse passo para trás, entretanto, é fundamental para suspender o céu, para adiar o fim do mundo. Se, nos anos 1980, o movimento indígena que Krenak ajudou a construir no Brasil buscava fortalecer redes diplomáticas, alianças afetivas que pudessem garantir a sobrevivência física e subjetiva dos povos indígenas, bem como de suas terras, frente à tragédia da pulsão da paisagem unívoca sobre os mundos por eles habitados, agora o caminho parece ser, em alguma medida, o oposto. Não que esses povos tenham deixado de ocupar posição de especial fragilidade –afinal, aqueles que pretendem apenas “voltar à normalidade” ainda os enxergam como obstáculo ao “progresso”. Mas a conta desse progresso parece finalmente ter chegado, de alguma forma, para todos. Ou aprendemos a fazer o caminho de volta ou estaremos todos perdidos.

As alianças afetivas que permitiram que aqueles vistos como sub-humanidade resistissem, empurrassem o céu um pouco mais para cima, agora, Krenak nos mostra, são justamente o que pode salvar a pele dos que se creem muito humanos. Talvez por isso tenha havido uma imensa busca, por parte do mundo dos urbanos, em conhecer essas outras histórias, essas outras perspectivas, essas outras formas de estar no mundo (ou nos mundos). Em setembro de 2020, o ano da tragédia da Covid-19, Ailton Krenak foi o vencedor do Prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano, concedido pela União Brasileira de Escritores. Talvez isso queira dizer alguma coisa.

Referências

Caeiro, Alberto (1992). Poemas completos de Alberto Caeiro. In: Pessoa, Fernando. Obra poética (volume único). Rio de Janeiro: Nova Aguilar.

Deparis, Sidiclei Roque (2007). União das Nações Indígenas (UNI): contribuição ao movimento indígena no Brasil (1980-1988). Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Dourados, Brasil.

Kadiwel, Idjahure (2017). Programa de Índio: movimento indígena e etnomídia. Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro.

Kopenawa, Davi & Albert, Bruce (2015). A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras.

Krenak, Ailton (1987). “Discurso na Assembleia Nacional Constituinte”. In: Krenak, Ailton (2015). Ailton Krenak: Encontros. Cohn, Sergio (org.). Rio de Janeiro: Azougue.

____________ (1989a). “Receber sonhos” (Entrevista realizada por Alípio Freire e Eugênio Bucci). In: Krenak, Ailton (2015). Ailton Krenak: Encontros. Cohn, Sergio (org.). Rio de Janeiro, Brasil: Azougue.

____________ (1989b). “Terra: organismo vivo” (Entrevista realizada por Jan Fjelder e Carlos Nader). In: Krenak, Ailton (2015). Ailton Krenak: Encontros. Cohn, Sergio (org.). Rio de Janeiro: Azougue.

____________ (1994). “A questão indígena e a América Latina” (Entrevista realizada por Maria Teresa Sierra). In: Krenak, Ailton (2015). Ailton Krenak: Encontros. Cohn, Sergio (org.), Rio de Janeiro: Azougue.

____________ (2013a). “Eu e minhas circunstâncias” (Entrevista realizada por Sergio Cohn). In: Krenak, Ailton (2015). Ailton Krenak: Encontros. Cohn, Sergio (org.). Rio de Janeiro: Azougue.

____________ (2013b). “O movimento indígena e a Constituição de 1988” (Entrevista realizada por Marco Sávio). In: Krenak, Ailton (2015). Ailton Krenak: Encontros. Cohn, Sergio (org.), Rio de Janeiro: Azougue.

____________ (2016). “Alianças vivas” (Entrevista realizada por Pedro Cesarino). In: Krenak, Ailton (2017). Ailton Krenak: Coleção Tembetá . Cohn, Sergio; Kadiwel, Idjahure (orgs.), Rio de Janeiro, Brasil: Azougue.

____________ (2017a). “Outras narrativas” (Entrevista realizada por Sergio Cohn, Idjahure Kadiwel e Ana Paula Simonaci). In: Krenak, Ailton (2017). Ailton Krenak: Coleção Tembetá. Cohn, Sergio; Kadiwel, Idjahure (Orgs.). Rio de Janeiro, Brasil: Azougue.

____________ (2017b). “Trajetos e ruínas” (Conversa com Ana Altberg e o Coletivo Entre). In: Krenak, Ailton (2017). Ailton Krenak: Coleção Tembetá. Cohn, Sergio; Kadiwel, Idjahure (orgs.). Rio de Janeiro, Brasil: Azougue.

____________ (2019a). “Do sonho e da terra. Palestra”. In: Krenak, Ailton (2019). Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo, Brasil: Companhia das Letras.

____________ (2019b). “Ideias para adiar o fim do mundo. Palestra”. In: Krenak, Ailton (2019). Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo, Brasil: Companhia das Letras.

____________ (2020a). “A vida não é útil” (Texto elaborado a partir de uma conversa realizada pela plataforma O Lugar, de uma live realizada com os Jornalistas Livres e de uma entrevista realizada por Fernanda Santana). In: Krenak, Ailton (2020). A vida não é útil. São Paulo, Brasil: Companhia das Letras.

____________ (2020b). “O amanhã não está à venda” (Texto elaborado a partir de três entrevistas realizadas por Bertha Maakaroun, William Helal Filho e Christiana Martins). In: Krenak, Ailton (2020). A vida não é útil. São Paulo, Brasil: Companhia das Letras.

Lacerda, Rosane (2008). Os povos indígenas e a Constituinte (1987-1988). Brasília: Conselho Indigenista Missionário.

Santos, Boaventura de Souza (2007). “Para além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes”. Revista Crítica de Ciências Sociais, núm. 78, outubro, pp. 3-46.

Santos, Milton (2006). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.

Sztutman, Renato (2019). “Um acontecimento cosmopolítico: o manifesto de Kopenawa e a proposta de Stengers”. Mundo Amazónico, vol. 10, núm. 1, pp. 84-105.

Notas

1 Boa parte da documentação relativa a esse processo é analisada no quinto capítulo de minha tese de doutorado, com previsão de defesa no segundo semestre de 2021.
2 Santos defende que, a partir dos anos 1970 e 1980, um contramovimento a esse pensamento abissal ganha força, ao qual ele chama “cosmopolitismo subalterno”. Trata-se de uma série de emergências que compõe a “globalização contra-hegemônica”. Partindo do Sul global e se baseando tanto no princípio da igualdade quanto no do reconhecimento da diferença, elas encontram desdobramentos nas chamadas teorias pós-coloniais e decoloniais. Pensando esse fenômeno, Santos propõe que os movimentos indígenas são aqueles que têm concepções e práticas que tornam mais evidente o “pensamento pós-abissal”. Tal pensamento partiria de uma “ecologia de saberes”, fundada no reconhecimento da diversidade de saberes e na interação sustentável e dinâmica entre eles (Santos, 2007: 18-23). De fato, como veremos, a trajetória de Krenak dentro do movimento indígena e as ideias que ele encampa em sua obra constituem uma apologia e um exercício da ecologia de saberes.

Notas de autor

* Brasileiro, professor de História do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAp-UFRJ). Mestre em História Social pela UFRJ e doutorando em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Enlace alternativo



Buscar:
Ir a la Página
IR
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS4R por