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O avesso do neodesenvolvimentismo: os conflitos sociais no entorno das obras do pac e a estratégia do consenso setorial
The reverse of neodevelopmentalism: social conflicts around the pac works and the strategy of sectoral consensus
Revista Tópicos Educacionais, vol. 28, núm. 2, pp. 45-75, 2022
Centro de Educação - CE - Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

ARTIGO


Recepção: 15 Julho 2022

Aprovação: 15 Setembro 2022

DOI: https://doi.org/10.51359/2448-0215.2022.254524

Resumo: Este artigo tem o objetivo de problematizar os desafios das experiências dos conflitos sindicais e sociais no contexto do auge do neodesenvolvimentismo, cujo carro chefe foi o Programa de Aceleração do Crescimento e seus entornos gerados pelos grandes projetos da construção civil pesada, articulados e financiados pelos governos progressistas.

Palavras-chave: neodesenvolvimentismo, conflitos sociais, lulismo, governo Lula, construção civil.

Abstract: This article aims to problematize the challenges of the social experiences of union conflicts and not, whose car was the Growth Acceleration Program and its surroundings generated by the large projects of heavy civil construction, articulated and led by progressive governments.

Keywords: neodevelopmentalism, social conflicts, lulismo, Lula government, civil construction.

1. Introdução: o avesso do desenvolvimento

O reverso social do neodesenvolvimentismo relacionado ao mundo do trabalho se manifestou numa perversa sociabilidade circundante às grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em janeiro de 2007 para impulsionar megaprojetos de infraestrutura no país e catalisar a economia nacional no Brasil.

Estimuladas por levas massivas de migração interna desordenada de trabalhadores às regiões inóspitas do país que, tiveram como marcas a superexploração da força de trabalho, bem como na falta de fiscalização do Estado em relação ao cumprimento das leis trabalhistas. Das formas de recrutamento da força de trabalho à instalação precária dos trabalhadores, as condições de trabalho em jornadas extenuantes, além de uma omissão do governo com despotismo patronal, foram a regra da gestão patronal exercida nos canteiros de obras e nos seus entornos.

Neste âmbito político, econômico e jurídico, o capital relacionado à construção civil, foi um dos mais beneficiados com aquele novo ciclo de desenvolvimento que foi denominado de neodesenvolvimentismo (SAMPAIO JR.2; ALVES3). O crescimento deste setor gerou também um incremento significativo de contratação de força de trabalho, gerando uma renovação geracional com um jovem proletariado no Brasil com características distintas da geração anterior, com perfil social e modos de ação sindical que se distanciaram dos modelos tradicionais da outras categorias e gerações que sofreram com a restruturação produtiva dos anos 1990.

Podemos afirmar que quatro características se destacam para a constituição deste jovem proletariado forjado a partir da emergência do neodesenvolvimentismo com a implementação das grandes obras incluídas no PAC, na relação Estado x capital x trabalho:

  1. 1. A anatomia do processo de produção deste setor que agrega força de trabalho de forma massiva;
  2. 2. O perfil social e profissional da força de trabalho que não necessita de qualificação para contratação;
  3. 3. As características de atrelamento ao Estado que o movimento sindical brasileiro possui historicamente e aprofundou, após a chegada de Lula da Silva ao poder;
  4. 4. A relação de subsídio permanente que o setor da construção civil possui com o Estado.

Os aportes que Estado agregou ao setor, desde a subida do Presidente Lula ao poder foram crescentes em relação aos governos anteriores. A construção de um edifício residencial e a oferta de apartamentos no mercado de imóveis é uma relação determinada entre pessoas físicas e jurídicas privadas na vida comercial do mundo capitalista. Uma incorporadora qualquer necessita levantar um valor aproximado de 40% do custo da obra para compensar seus investimentos iniciais, cobrir os custos com insumos produtivos e com a força de trabalho e, após o término do empreendimento, alcançar taxas medianas de lucro no mercado imobiliário.

No entanto, neste ramo de investimento do capital, o Estado interfere de forma direta e indireta para a realização do capital, na medida em que grande parte dos compradores desta mercadoria que incorpora altas taxas de valor agregado - os imóveis particulares - busca o financiamento da Caixa Econômica Federal e, mais recentemente, do Banco do Brasil, com taxas de juros mais baixas que o mercado financeiro oferece, buscando viabilizar o pagamento de uma parte do valor do imóvel.

No caso da construção civil leve, agregou-se ainda uma política de ampliação volumosa de crédito pela via da Caixa Econômica Federal e da implementação do Programa Minha Casa Minha Vida. Mas, há também a regulamentação do Estado a partir das exigências mínimas das legislações municipais e das relações trabalhistas que é dada a partir da legislação nacional da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e leis complementares.

As obras do PAC que foram incluídas no conceito de construção civil pesada, se executaram sob uma dinâmica ainda mais diferenciada. A participação do Estado, neste caso, deu-se de forma direta e decisiva para sua realização, tanto no âmbito dos estímulos fiscais e dos investimentos, bem como na encomenda e na gestão das obras quando acabadas.

Um aspecto que distingue o processo de acumulação de capital no setor da construção civil é que, os incrementos tecnológicos que ocorreram principalmente a partir dos anos 90 no Brasil e demais países, na maioria dos ramos econômicos – servindo de base para o que se chamou de restruturação produtiva que impactou a indústria de uma forma geral – no setor, não fez reduzir de forma significativa o perfil de uma indústria que absorve força de trabalho de forma massiva.

Conforme Antunes (2001)4, o incremento tecnológico no processo produtivo e as inovações gerenciais que marcaram os grandes capitais e as empresas centrais da economia, a exemplo do setor siderúrgico, metalúrgico, bancário, petroquímico, associado com as privatizações no setor público, geraram a diminuição das contratações, em função das novas tecnologias, da automação e a adoção do modelo de acumulação flexível em suas formas inovadoras de gerenciamento produtivo e de recursos humanos – incluindo aí o estímulo ao sindicalismo parceiro e cooperativo – fez diminuir o peso quantitativo e qualitativo do proletariado industrial na agenda sindical, impactando fortemente na diminuição da força dos sindicatos.

No caso da construção civil das duas últimas décadas, em particular da construção civil pesada, os impactos ocorreram, mas observa-se que o nível de contratação de força de trabalho demonstrou-se mais vinculado aos programas habitacionais e ao aquecimento da economia do que às inovações tecnológicas, ou seja, aqui o papel do Estado através de políticas públicas habitacionais foram decisivos para o aquecimento da demanda agregada relacionada à realização do capital e à contratação de força de trabalho no setor.

Neste sentido, podemos afirmar que na etapa do pós-neoliberalismo, no que concerne às relações estimuladas pelo neodesenvolvimentismo houve, temporariamente, uma superação daquela cultura denominada por Mota5 como “cultura da crise”, até então predominante antes da ascensão de Lula ao poder:

[...] o discurso da crise, ou sobre a crise, é formador de uma cultura política que procura negar os referenciais teóricos, políticos e ideológicos, que permitiam, no caso brasileiro, até a segunda metade da década, identificar propostas e práticas diferenciadas por parte das classes trabalhadoras e capitalistas acerca da situação social e econômica do país [...] o traço predominante dessa cultura é a ideia de que a crise afeta igualmente toda a sociedade, independente da condição de classe dos sujeitos sociais, de modo que a ‘saída’ da crise exige consensos e sacrifícios de todos. Para tanto, a burguesia tenta obter o consenso ativo das classes subalternas, baseado em questões que afetam o cotidiano das classes trabalhadoras, considerando-as como situações decorrentes da crise. (2000, p. 101)

Com a emergência do neodesenvolvimentismo, no setor da construção civil, tal superação se destacou à enésima potência já que houve um processo de contratação massiva de um proletariado, muitas vezes sem experiência de trabalho e sem capacitação profissional.

Os impactos negativos que estagnaram a contratação de força de trabalho no setor da construção civil se relacionavam mais com a ausência das políticas públicas habitacionais com a extinção do BNH (Banco Nacional da Habitação), no que diz respeito às habitações populares, às diversas limitações que havia com relação à busca de crédito da parte da classe média, bem como a inexistência de uma agenda nacional de obras públicas até a vitória do novo bloco de forças políticas e sociais vinculadas às forças de esquerda e centro-esquerda. Este contexto foi superado a partir dos programas do PAC.

Isso não quer dizer que não houve incrementos tecnológicos no processo produtivo. Registra-se principalmente o desenvolvimento de novas máquinas para execução de terraplanagem, modernas máquinas de perfuração do solo, técnicas de fabricação de pré-moldados e de concreto pronto, mas, ainda assim, o caráter massivo das contratações dos trabalhadores e o perfil profissional não mudaram de forma significativa. Ao contrário, nos últimos anos, relacionados à ascensão do neodesenvolvimentismo, cresceu à época de forma significativa a contratação da força de trabalho em relação ao conjunto dos assalariados no Brasil.

Um dos aspectos que marcaram também a diferença nas relações sociais de produção neste setor foi, por um lado, a rapidez que se exige na execução do processo produtivo, em função dos contratos de entrega dos imóveis privados, no âmbito da construção civil leve, ou a agenda política relacionada às obras da construção civil pesada, a exemplo da transposição do Rio São Francisco, das refinarias, dos portos e aeroportos, e no caso mais evidente, dos estádios de futebol e cidades da Copa.

De forma que a agenda de celeridade relacionada à realização do capital, conecta-se com o calendário eleitoral, visto que o cumprimento das obras é totalmente permeado pela agenda política de inauguração de obras e das aprovações das Leis Orçamentárias Anuais. Desta forma, os ritmos de produção e a intensificação do trabalho são exigidos ao extremo, como horas-extras em todos os dias, sábados, domingos, feriados e a criação de turnos extras noturnos.

Numa aproximação exploratória com o ambiente social empírico da pesquisa que foi objeto da Tese de Doutoramento, pudemos registrar algumas declarações de operários, como afirma o operário anônimo6, da Arena da Copa... “a empresa quer que nós trabalhemos além da conta, o pessoal da Cipa [Comissão Interna de Prevenção de Acidentes] dizia que não era pra trabalhar nem mais nem menos que o normal, que era pra ter cuidado”.

Por motivos relacionados à anatomia do processo produtivo e da agenda política do bloco de poder dominante, a relação entre capital-trabalho assumiu um caráter despótico, ou seja, o clima nos canteiros das obras eram extremamente coercitivos e repressivos.

O Estado, que inicialmente já vinha participando de forma indireta, a partir das Parcerias Público Privadas, com a garantia dos incentivos, do crédito e da gestão compartilhada, após o término da obra, também passa a atuar diretamente nos conflitos que surgiram entre capital e trabalho por melhores condições de trabalho e salário. Neste caso, disponibilizando efetivos especiais e permanentes da Política Militar (PM) e da Tropa de Choque e para sua conclusão, como ocorreu na construção da Arena Pernambuco, da participação direta da Secretaria de Articulação Social, na finalização dos conflitos.

Um elemento que se destacou na relação de conflito entre capital e trabalho no setor é que, diferentemente do que ocorre como rotina, nos diversos setores privados brasileiros, que, regra geral, são marcados pelas negociações diretas, inscritas nos contratos coletivos de trabalho ou mesmo quando tais negociações diretas não chegam a um consenso, pela arbitragem da justiça do trabalho, na construção civil, sempre há a presença do Estado como mediador político para pacificar os confrontos. Neste aspecto, nos vieram à tona interrogantes do porquê e como vem atuando o Estado, nacionalmente via Ministério do Trabalho e Emprego, e a Secretaria de Articulação Social, no caso do Estado de Pernambuco.

Nos conflitos entre capital e trabalho da construção civil, ocorreu uma forte participação direta dos agentes políticos governamentais: governadores, prefeitos, secretários ou mesmo o Ministério do Trabalho e Emprego. Logo após o caso da revolta de Jirau, foi o motivo de reuniões no Ministério do Trabalho e Emprego com as centrais sindicais, no mês de abril de 2011, para tratar das reivindicações, criando a Mesa Nacional da Construção Civil. No caso de Pernambuco, a Secretaria de Articulação Regional participou diretamente das negociações, nas greves que ocorreram tanto em Suape, como também na Arena da Copa.

Respondendo ao caráter despótico de gerenciamento das obras, destaca-se a disponibilidade de um forte aparato repressivo. No canteiro da Arena Pernambuco, a Odebrecht construiu um posto permanente da Polícia Militar, em convênio com a Secretaria de Defesa Social, no interior do espaço geográfico delimitado pela empresa e conveniou com o governo do Estado a presença permanente de viaturas e contingentes de policiais militares.

No caso da deflagração de greves, como foi no caso da greve ocorrida no mês de novembro de 2011, foi constante a presença e permanência da Tropa de Choque da PM dentro do canteiro de obras para dificultar a realização e a adesão às assembleias, reprimir os trabalhadores e ocupar vários ambientes do espaço de trabalho com turnos de revezamentos ao dia e à noite.

As semelhanças com as das usinas de Jirau, Santo Antônio e Belo Monte são evidentes. Houve ambientes extremante coercitivos nos canteiros de obras, cuja marca foi o despotismo patronal, para garantir a execução do trabalho, sob condições de exploração extremada. Tal relação baseada em condições de superexploração do trabalho de forma degradante são uma permanente fonte de conflitos sociais, como bem destaca o Editorial da Revista O Empreiteiro, especializada em construção civil7, tratando da revolta em Jirau:

[...] A tensão social, que gerou tais acontecimentos, não ficou circunscrita àquela obra. Ao contrário, alastrou-se pelos canteiros da usina hidrelétrica de Santo Antônio, também no rio Madeira, Rondônia; usina hidrelétrica São Domingos, no Mato Grosso do Sul; petroquímica de Suape e Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco; paralisou os trabalhos na termelétrica de Pecém, no Ceará, e alcançou até o terminal marítimo de Açu, no Rio de Janeiro. [...] Neste ano, também em março, movimento grevista semelhante ocorreu em Jirau, com desdobramentos em Santo Antônio, Belo Monte e Teles Pires. E, a exemplo das violências registradas durante o movimento do ano passado, desta vez houve práticas de vandalismo contra instalações, em especial os alojamentos, que foram incendiados. [...] A partir da experiência anterior, o governo federal tentou adotar medidas preventivas para inibir paralisações de obras, tendo em vista os prazos apertados e, a essa altura, já comprometidos, para a conclusão das usinas de Jirau e Santo Antônio. Ele tomou até a iniciativa de convocar empresários e trabalhadores, num acordo tripartite destinado a resolver pendências trabalhistas nas obras do PAC. Contudo, embora divulgado com pompa e circunstância no Palácio do Planalto, tal acordo chegou tarde aos canteiros daquelas obras. [...] Cada canteiro, aberto em regiões distantes das áreas do poder central e das metrópoles, tem característica de um desbravamento, vulnerável às complexidades logísticas de toda ordem, incluindo as dificuldades para a organização dos contingentes de mão de obra. [...] Em nosso entender, o acordo tripartite, para dar certo, precisa acercar-se do conhecimento histórico das obras construídas em passado recente e do conhecimento, profundo, das causas que geram a tensão social nos canteiros: falta de comunicação dos trabalhadores com a família deixada em núcleos urbanos distantes – um problema que hoje, na era da tecnologia da informação, seria facilmente solucionável; o isolamento; falha na percepção para se antecipar aos fenômenos sociais; maior rigor nos cuidados prévios para a contratação; as condições de alojamento; o trabalho para a construção de um convívio entre pessoas de hábitos e costumes diferentes; e a consciência de que o custo da mão de obra tem peso, sim. Contudo, uma usina hidrelétrica vai gerar energia por anos e anos, mesmo depois que o custo dessa mão de obra não venha a ter mais nenhuma significação no conjunto dos lucros contabilizados.

Na Arena Pernambuco, por exemplo, após a greve para equiparação dos valores do auxílio alimentação e das horas-extras aos valores alcançados pelos operários de Suape, as reivindicações não foram aceitas nem negociadas e, uma semana depois, dois membros da Cipa foram demitidos. A demissão de dois cipeiros de forma arbitrária foi o fato que se destacou na greve da Arena Pernambuco, o operário membro da Cipa demitido, José Cícero, afirmou: “[...] o coronel ficava fiscalizando se os trabalhadores pegavam um copo ou dois de suco, se pegavam mais comida, se levavam laranjas para comer fora do refeitório, ninguém podia comer em paz [...] nós queremos trabalhar com amor.”. Segundo a matéria do jornal eletrônico Universo On Line-UOL8:

Os dois funcionários da Arena Pernambuco que foram demitidos no dia 31 de outubro eram membros da Cipa [...] e foram demitidos porque incitaram os trabalhadores a fazer greve, informa a empreiteira Odebrecht, responsável pela obra do estádio na Grande Recife que será a sede pernambucana da Copa do Mundo de 2014. [...] A demissão dos operários, junto com um suposto assédio moral praticado pelo responsável pela segurança do canteiro, levaram os funcionários a decretar greve na última terça-feira. A construtora foi à Justiça do Trabalho pedindo a declaração de abusividade da greve.

Na Arena Pernambuco, no mês de novembro de 2011, a tentativa de realização de uma assembleia, em frente ao canteiro de obras, foi dispersada com a presença, intimidação e repressão de mais de 60 policiais militares e, mesmo antes disso, com a construção da guarita da Polícia Militar, logo após a portaria da Odebrecht.

Neste aspecto, houve um diferencial em relação à postura patronal dos demais setores empresariais, já que a política de cooptação, aos projetos das empresas, e ao discurso de que trabalhador e patrão fazem parte de uma mesma família, não foram muito reproduzido no setor da construção civil, o que prevaleceu no trato com o movimento sindical e as greves foi o despotismo patronal para controlar e disciplinar a força de trabalho. Este regime despótico tem como sua face mais degradante a quantidade de acidentes de trabalho neste ramo de atividade, como relata Milton Peres, Presidente da Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes9:

Entre julho de 2003 e julho de 2013, o número de trabalhadores da construção civil cresceu de 1,7 milhão para quase 3,5 milhões no Brasil. O maior salto se deu a partir de 2008, quando o governo federal criou estímulos através do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e do Minha Casa, Minha Vida. Esse aumento veio seguido de campanhas para prevenir acidentes de trabalho no setor. O resultado foi que, entre 2008 e 2010, houve queda no número de acidentados. Porém, a partir de 2011, os dados recrudesceram. Segundo os ministérios da Previdência Social, da Saúde e do Trabalho e Emprego, a construção civil, que chegou a cair para o 4º lugar no ranking de acidentes, voltou a oscilar entre o 3º e o 2º posto. [...] Hoje, de cada 10 acidentes de trabalho que ocorrem no país, três acontecem em canteiros de obras. Dos acidentados, apenas metade retorna ao mercado de trabalho da construção civil. Essas estatísticas têm sido alvo de preocupação do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que recentemente participou no senado federal de um debate sobre o tema. Entre as constatações, está a de que a qualificação da mão de obra não conseguiu acompanhar o volume de contratações. Além disso, o TST admitiu que faltam auditores fiscais para detectar irregularidades em obras. Outro aspecto preocupante é a terceirização, que, segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, está envolvida em oito de cada dez acidentes no setor.

Também chamou atenção os altos níveis de exploração e a falta de fiscalização do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho na garantia das condições mínimas em respeito à legislação trabalhista, agravadas ainda mais nas obras que se caracterizaram por ser distantes das grandes cidades, a exemplo das hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte. Aqui, cabe destacar os altos índices de acidentes de trabalho e mortes no setor da construção civil de conjunto que já são destaque no mundo inteiro10:

A construção é um dos setores de atividade econômica que mais absorve acidentes do trabalho e onde o risco de acidentes é maior. De acordo com as estimativas da OIT [Organização Internacional do Trabalho], de aproximadamente 355 mil acidentes mortais anuais no mundo, 60 mil ocorrem em obras de construção.

Dois aspectos que marcaram os processos grevistas com as rebeliões das bases e a postura patronal: primeiro, o argumento geral é de que já haviam, antes da deflagração das greves, assinado Contratos Coletivos de Trabalho com os respectivos sindicatos oficiais, e por isso, as reivindicações dos trabalhadores seriam abusivas, já que supostamente fugiram à disciplina legal do acordo coletivo celebrado entre as partes; segundo, a postura despótica da patronal com o movimento grevista, com a utilização de ameaças, repressão e demissão.

A reação da classe trabalhadora, diante deste quadro de crescimento acelerado, combinado com condições de extrema exploração, percebeu-se na ocorrência de grandes e violentos conflitos grevistas, envolvendo reivindicações dos operários por melhores salários e condições de trabalho. Mas também outros segmentos sociais, como os indígenas e demais populações nativas, que foram atingidas pelos impactos ambientais e sociais nas regiões das principais grandes obras, a exemplo de Santo Antônio, Jirau, Suape, São Domingos, Porto do Açu, Belo Monte e quase todos os canteiros de obras das arenas previstas para a Copa do Mundo da FIFA, que foram obras incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal.

A face do Estado sob a direção do que foi o bloco de poder se manifestou aqui como um fenômeno nacional, mas com suas ramificações particulares nos governos estaduais e municipais, que se materializaram nas parcerias econômicas e políticas estimuladas pelo governo central, a partir do Programa de Aceleração do Crescimento como bem destaca a matéria do Ministério Público do Trabalho da 15ª Região11:

O número de acidentes de trabalho acompanhou a ascendência do mercado da construção civil, ou seja, cresceu vertiginosamente nos últimos anos. Um levantamento realizado pelo Ministério da Previdência indica que houve um crescimento de 70% no número de ocorrências em quatro anos. Em 2004 foram registrados 29 mil acidentes, enquanto que no ano de 2008 foram 49 mil. [...] De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o segundo trimestre de 2010 registrou expansão do segmento de 16,4% em relação ao igual período de 2009. A consultoria Lafis mostra que os investimentos gerados por programas habitacionais (Minha Casa, Minha Vida), pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e obras da Copa do Mundo devem garantir o crescimento do PIB do setor no patamar de aproximadamente 6% ao ano até 2012. [...] O paralelo entre o aumento dos acidentes e a aceleração da economia, assim como o avanço dos casos de trabalho escravo na Região Metropolitana de Campinas, levou as autoridades a avaliar a questão da terceirização nos canteiros de obras. [...] A presença nas cidades do gato como o intermediador de mão de obra para a construção de empreendimentos, a forma como os migrantes são alojados, o esquema de contratação e a maneira como a legislação de segurança é vista ou adotada pelas terceirizadas trouxe à tona evidências de que a participação sem limites de empreiteiras na execução de obras representa um prejuízo em potencial aos trabalhadores.

As obras financiadas pelo PAC, em particular as obras das usinas hidrelétricas, que se caracterizaram pelas longas distâncias dos canteiros em relação aos centros urbanos e por uma forte migração de operários, chocaram-se com o exercício dos direitos trabalhistas, a exemplo do não pagamento das horas extras e do trabalho em finais de semana; a subcontratação ou a terceirização; a extorsão dos trabalhadores, nos canteiros de obra, com a venda de produtos de primeira necessidade a preços abusivos; trabalhos noturnos recorrentes; além do uso da força bruta ilegal para coibir descontentamentos que frequentemente se generalizam devido aos altos níveis de exploração e ao isolamento por que passam os operários, e ao trabalho em condições insalubres e longe de suas cidades e famílias por semanas e até meses. Além do uso força bruta, através de capangas armados, as empresas se recusam a aceitar pedidos de demissão, coagindo os trabalhadores e retendo suas carteiras de trabalho.

Percebeu-se que nos canteiros de obras, uma mediação recorrente da relação entre capital e trabalho, sem rupturas desta que foi a etapa neodesenvolvimentista, que foi o despotismo patronal, ou seja, o recurso ao método da coerção e da repressão no setor da construção civil foi predominante.

Um padrão distinto de relação patronal de poder do que foi a postura empresarial dos outros segmentos empresariais, que emergiu na década de 90, onde prevaleceu a busca da cooptação e colaboração das entidades sindicais e dos trabalhadores aos Círculos de Controle de Qualidade, às demissões voluntárias, à participação nos lucros e resultados ou mesmo na gestão mais horizontalizada do modelo toyotista.

O caso de Jirau foi emblemático. Com mais de 22 mil operários e onde houve também o maior confronto registrado. O conflito começou porque um motorista de ônibus se recusou a levar um operário que desejava viajar a Porto Velho, sem autorização da empresa. O resultado foi que a briga entre os dois foi o estopim para uma revolta operária de massas, sem nenhuma organização sindical, assembleia ou protocolo de reivindicações, mas que num período de 10 horas, deixou um saldo de um confronto que resultou em 45 ônibus e 35 alojamentos queimados ou destruídos, mais de 5 mil demissões e paralisação completa da obra, administrada pela Camargo Correa que liderou um consórcio bilionário responsável pelo empreendimento. 12 Segundo a Comissão Pastoral da Terra de Rondônia13:

[...] enquanto os revoltados, armados de paus, queimavam ônibus e barracões (uns 45 ônibus, mais alojamentos, refeitório e lojas de conveniência da área), muitos operários fugiram para Porto Velho e outros se refugiaram no mato. Depois que o canteiro de obras foi fechado, não deixando sair nem entrar ninguém, nem refeições teriam sido servidas. O governo estadual de Rondônia enviou mais de 200 policiais esta madrugada para tentar conter a revolta. Comentaristas desta postagem relatam cenas dramáticas vividas pelos operários, e o desespero dos familiares. Muitos operários reclamam do intenso calor nos alojamentos, e de um surto de viroses no local. Também foi confirmado que nas últimas semanas a cozinha não dava conta de atender os 22.000 operários contratados, tendo piorado muito a qualidade das refeições servidas [...]

Mesmo nos centros urbanos, como em Suape, as motivações das greves são muito semelhantes. Na greve em agosto de 2011, as reivindicações dos operários refletiram o não atendimento de necessidades básicas como as condições dos alojamentos, banheiros, pagamento de horas-extras em valores de 100%, etc. A cesta básica paga aos operários pelo Consórcio Odebrecht/OAS (Conest), antes da greve era de R$ 80,00 (oitenta reais) e depois da greve passou para R$ 160,00 (cento e sessenta reais). O detalhe é que houve enfrentamento armado entre um segurança do sindicato da categoria e os operários em manifestação, e a greve, mesmo diante de tantas evidências, foi julgada ilegal pelo Tribunal Regional do Trabalho.

Em quase todas as grandes obras do PAC, explodiram conflitos recorrentes para a garantia dos direitos básicos relacionados ao trabalho. Houve um momento onde cerca de 80 mil operários em todo o país encontravam-se paralisados nas obras do PAC, nos canteiros de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia; Suape, em Pernambuco e Pecém, no Ceará. Todas as greves, mais ou menos violentas, longas ou curtas estavam relacionadas com o enfrentamento ao despotismo patronal, às péssimas condições de trabalho, aos altos índices de exploração da força de trabalho, à coerção e repressão nas obras, e longos períodos de permanência em alojamento dos trabalhadores migrantes.

Uma característica que se destacou nas ações operárias, foi que, na maioria dos casos, os conflitos se iniciaram de forma espontânea, por iniciativas isoladas e desorganizadas das bases e depois se alastraram rapidamente e de forma desordenada para o conjunto da obra, as quais, em várias ocasiões resultaram em destruição das obras e maquinários seguidos do abandono dos postos de trabalho.

Em Belo Monte, a segunda greve foi deflagrada, no mês de novembro de 2011, e a terceira, em agosto de 2012, com reivindicações relativas ao não pagamento das horas-extras, reajuste salarial, melhores condições de trabalho, impedimento de folgas no final do ano para os trabalhadores passarem as festas natalinas com suas famílias, melhorias nos alojamentos e refeições, além de instalações de telefones públicos perto das obras.

Segundo a ONG Xingu Vivo, na segunda greve, houve uma operação de acordo entre o governo federal, o sindicato e a construtora que lidera o consórcio da construção para à revelia dos trabalhadores acabarem com a greve:

Governo, sindicato e construtora manobram para acabar com greve em Belo Monte [...] O panorama da greve nos canteiros de obra de Belo Monte está confuso. Segundo informações de alguns trabalhadores, cerca de 800 operários voltaram nesta quarta (30) ao trabalho no canteiro Belo Monte, principal sítio da construção da obra. No entanto, a maioria não embarcou e permanece em greve na cidade. [...] A confusão é fruto de uma reunião que ocorreu na terça-feira, 29. No final da tarde, um grupo de trabalhadores organizado pelo Sindicato da Construção Pesada (Sintrapav) se reuniu com o Consórcio Construtor Belo Monte, na Superintendência Regional do Trabalho, em Altamira, para negociar a pauta de reivindicações dos operários. Na reunião, que deveria ter acontecido na segundafeira, 28, a empresa exigiu que a greve fosse suspensa para que as negociações pudessem ser feitas. Apenas a pauta foi protocolada pelo Delegado Regional do Trabalho. Um assessor da Secretaria-Geral da Presidência da República participou da negociação. [...] A empresa garantiu que apresentaria um cronograma das negociações somente se todos voltassem ao trabalho nesta terça. Segundo alguns trabalhadores, haverá um primeiro encontro com a empresa hoje, 30, às 14h. Os trabalhadores não sabem o local. O sindicato da categoria, dirigido pela Força Sindical – grupo político do Ministro do Trabalho Carlos Lupi (PDT) – participará da rodada14.

Os baixos níveis salariais e os altos níveis de exploração do setor da construção civil, já desde antes, se destacavam numa série histórica. No ano de 199615, a renda familiar per capitamédia da construção civil era de R$ 423,81, passando para R$ 381,95 reais, em 2003, e R$ 538,76, em 2009. Ao passo que, a média familiar per capita-média de rendimento, considerando todos os trabalhadores ocupados de todos os setores econômicos, já era de R$ 629,88, em 1996, passando para R$ 582,28, em 2003, e aumentando para R$ 758,31, em 2009.

A Tabela 1 demonstra esta defasagem quanto ao rendimento médio individual dos trabalhadores da construção civil em relação ao conjunto dos trabalhadores ocupados, à época do período pesquisado.

Tabela 1
Comparação dos rendimentos médios do trabalho da construção civil e conjunto dos trabalhadores – 1996 a 2009

Fonte: CPS/FGV a partir dos dados da PNAD/IGBE16. Edição do autor

Houve ainda na construção civil um componente maior de exploração que se agrega nos períodos de crescimento acelerado, como foi naquela conjuntura, com a ênfase no desenvolvimentismo a todo custo. Observou-se a possibilidade legal e muitas vezes ilegal de se alcançar melhores rendimentos, a partir da realização de horas-extras que podem até dobrar os salários, com esforços físicos e mentais extenuantes.

Regra geral as construtoras optam por terminar mais rapidamente as obras, principalmente aquelas relacionadas à construção civil pesada. Nesta hipótese, as jornadas de trabalho no setor são elevadíssimas. Um operário pode chegar a trabalhar 16 horas-extras por semana, sem contar com os domingos e feriados. Neste caso, a jornada semanal pode alcançar 56 a 60 horas de trabalho e para o trabalhador, a solução de realizar mais trabalho é a mais imediata que ele encontra como resposta individual para superar os baixos salários homologados nos acordos coletivos de trabalho intermediados pelos sindicatos oficiais, nos remetendo à categoria de superexploração com aprofundamento da extração do mais-valor relativo e absoluto pelo capital, que no caso se manifesta de forma bárbara com mais intensidade do trabalho.

Sobre tal temática, em pesquisa realizada com várias categorias, no Distrito Federal, Dal Rosso17 chama atenção sobre essa tendência no capitalismo contemporâneo:

Um trabalho é considerado mais intenso do que outro quando, sob condições técnicas e de tempo constantes, os trabalhadores que o realizam despendem mais energias vitais, sejam físicas, emocionais, intelectuais ou relacionais, com o objetivo de alcançar resultados mais elevados quantitativamente ou qualitativamente superiores aos obtidos sem esse acréscimo de energias. A categoria intensidade do trabalho é reservada para descrever o fenômeno que reúne distintas formas e maneiras de fazer com que o trabalhador produza resultados quantitativa e qualitativamente superiores, mantidas constantes as condições técnicas, a jornada e o número de funcionários. A intensidade do agir aparece tanto no labor como no esporte, no qual também é possível distinguir-se corridas e partidas mais intensas de jogos menos exigentes quanto ao gasto de energias e aos resultados. Trabalho mais intenso distingue-se de trabalho mais produtivo à medida que os resultados mais elevados do trabalho são obtidos mediante o acréscimo de energias adicionais do trabalhador e não resultados de ganhos mediante avanços técnicos, como acontece quando se emprega o conceito de produtividade (2008, p. 197).

Outro fenômeno que chamou atenção foi o da forte migração entre estados e regiões como componente presente nos conflitos operários, principalmente em locais distantes da moradia dos operários, que se abrigaram em alojamentos precários, a quilômetros de cidades pequenas e com pouca infraestrutura de transportes, comunicações, entretenimentos e serviços em geral. Há impactos inclusive na capacidade de unidade e na reação entre os operários que em grande parte vêm da tradição camponesa, sem a cultura de renda assalariada regular e sem tradição de organização coletiva, e os operários que têm tradição urbana com experiências associativas que tendem a não aceitar os mecanismos do despotismo patronal.

Nos canteiros urbanos, também ocorreram grandes conflitos. No PAC da Copa, que envolve a construção das arenas previstas para realização dos jogos, houve greves e paralisações nas obras do Maracanã, Fonte Nova, Arena Pernambuco e no Mineirão. As demandas que envolveram as paralisações e greves tiveram um perfil muito semelhante: altas jornadas com recusas ao pagamento decente de horas-extras; miseráveis auxílios-alimentação (chegando até R$ 80,00); péssimas condições, de trabalho e nos alojamentos.

Tais condições também foram a motivação da formação de movimentos contra a realização da Copa, pois já havia todo um rol de denúncias internacionais quando da realização da Copa de 2010, na África do Sul, desta o Dossiê sobre os impactos da Copa no Brasil18, tratando das pressões da FIFA (Federação internacional de futebol):

No Brasil, no entanto, essa pressão parece favorecer também às próprias empreiteiras, uma vez que contribuiu para os atropelos legais, aportes adicionais de recursos públicos, irregularidades nos processos de licenciamento de obras e inconsistência e incompletude de alguns projetos licitados sem qualquer segurança econômica, ambiental e jurídica. [...] Mais que isso: serviu como pretexto para as violações de direitos dos trabalhadores nas obras dos estádios e dos projetos de infraestrutura. A conjugação entre a magnitude das obras e os cronogramas supostamente apertados para realizar os empreendimentos já tem resultado em más condições de trabalho e na superexploração dos operários, a despeito das cifras milionárias destinadas às obras. [...] Constitui-se um paradoxo perverso e evidente: cerca de 50% dos recursos destinados aos empreendimentos provém do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Caixa Econômica Federal (CEF), com utilização de recursos provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). E são nessas obras que são constatadas violações de direitos trabalhistas.

A tabela 2 é ilustrativa de como as condições de trabalho nas construções das arenas para o campeonato mundial de futebol de 2014 cuja imposição do calendário foi dada pela FIFA:

Tabela 2
Greves nos estádios da Copa – até 04/2012

Fontes: www.uol.com.br. Disponível em: <http://esporte.uol.com.br>. Acessado em 11 de nov. 2011. Dossiê Megaeventos Violações de Direitos Humanos no Brasil-2ª Ed. Organização do autor.

O quadro que se sobressaiu nos conflitos entre o capital e o trabalho, no setor da construção civil, incorporou as construções dos estádios para Copa de 2014. Conflitos de grande magnitude e que se destacaram no comportamento coletivo das classes sociais, no mosaico desta nova etapa de hegemonia política nacional que pudemos caracterizar de neodesenvolvimento. Até o mês de abril de 2012, foram registadas pelo menos 18 paralisações, em oito dos 12 estádios que foram para a Copa: Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Fortaleza, Recife, Natal, Manaus e Rio de Janeiro. Em Salvador houve ameaça de paralisação nas obras do estádio Fonte Nova.

No âmbito deste ciclo de acumulação de capital sob o signo do neodesenvolvimentismo, no cenário dos conflitos entre capital e trabalho, manifestou-se um movimento sindical com características distintas do período anterior, surgido no pós-ditadura, que consolidou as organizações e as principais lideranças políticas e sindicais dos anos 80/90, entre elas, o próprio ex-presidente Lula.

No período histórico anterior ao novo sindicalismo, a combinação entre o ciclo de crescimento econômico imposto pela Ditadura Militar e sua crise posterior propiciaram a ascensão de sujeitos coletivos vinculados ao movimento operário brasileiro contemporâneo que contribuíram para desencadear a crise terminal do regime autocrático, constituindo no cenário nacional dirigentes sindicais e políticos do período pós-ditadura, com destaque para a CUT e o PT.

O destaque é que, passados 30 anos do cenário das principais lideranças surgidas daquele período, após um processo de duas décadas de lutas sindicais e políticas, os protagonistas da resistência e das grandes mobilizações operárias passaram a gerir o poder central do Estado brasileiro, com suas alianças sociais e políticas, e puseram em execução um novo projeto de desenvolvimento nacional que favoreceu um setor específico do grande capital, com seus reflexos políticos, sociais, ambientais e sindicais.

Este novo ciclo de desenvolvimento se revelou com sua particularidade central, pois foi dinamizado pela participação direta do Estado, no apoio keynesiano ao capital, dirigido pelos governos liderado pelo PT, que por sua vez, gerou conflitos acirrados e recorrentes, com destaque aos conflitos associados à ascensão de uma jovem classe operária, sem tradição de lutas e organização, e uma nova geração, que se puseram em movimento com suas demandas e manifestações de lutas coletivas, seus novos sujeitos sindicais e políticos.

Destacamos aqui a relevância da relação entre a ascensão do novo bloco de poder hegemônico, que foi o resultado das expectativas eleitorais dos setores sociais e políticos da geração sindical e dos movimentos sociais de esquerda do pós-ditadura, e, ao chegar ao poder, 22 anos após a fundação do PT, estabeleceu uma política de gestão do Estado brasileiro e, pela via do apoio ao capital da construção civil, fazendo desencadear um novo movimento de um importante setor da classe trabalhadora, em ações coletivas e em conflitos sindicais de grande envergadura nacional.

Um movimento social de massas, mais precisamente vinculado ao operário-massa, com um grau de espontaneidade, radicalidade e explosividade, combinadas com ações de revoltas e com consequências capazes de elevar ao debate nacional temas como o atraso das obras da Copa e a paralisação dos grandes projetos das hidrelétricas nacionais, ou seja, da principal política energética do governo central e dos eventos esportivos internacionais que foram realizados no Brasil, entre os anos 2013 e 2016.

O neodesenvolvimentismo sob o governo do PT direcionou o Estado liberalcapitalista para assumir características distintas das do bloco de poder anterior não somente na relação do Estado com a economia, bem como em relação à sociedade de conjunto com seus reflexos no papel da luta de classes.

O perfil político e social dos dirigentes, líderes e setores de classes relacionados com os sujeitos políticos coletivos, à frente do Estado, agregaram componentes diferenciados para a compreensão do governo diante do boom do capital da construção civil, sua expansão à esfera internacional com destaque para América do Sul e África, resultando em manifestações coletivas com ascensão de um movimento operário massificado, nas grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento.

Neste âmbito, cumpriram um papel decisivo o incremento qualitativo dos investimentos estatais implementados principalmente a partir das linhas de financiamento do BNDES para viabilizar as obras do PAC 1, PAC 2 e PAC da COPA. Destaque-se nesta direção a formação dos consórcios privados, bem como as Parcerias Público Privadas (PPP) que se constituíram para liderar os empreendimentos relacionados à Copa do Mundo – nos estádios de futebol, aeroportos, vias de transportes terrestres urbanos e interestaduais – bem como anteriormente com as gigantescas obras relacionadas com as hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte, a Transposição do Rio São Francisco, e do reforço dos novos polos industriais, como Suape-PE, Pecém-CE, Camaçari-BA e Porto de Açu-RJ.

Neste cenário, tivemos a questão social gerada pelo projeto neodesenvolvimentista que se manifestou principalmente nas relações de degradação do trabalho, dos impactos ambientais e suas vítimas locais e regionais, bem como nas ações coletivas das classes e setores sociais subalternos relacionadas às resistências aos grandes projetos de construção.

Observou-se, que na maioria as grandes obras planejadas, financiadas e estimuladas pelo governo federal, com o apoio dos governos locais e estaduais promoveram reflexos sociais extremamente explosivos considerando a fratura dos tecidos sociais anteriormente existentes nas cidades e comunidades para onde são direcionados os investimentos bem como nas relações entre capital e trabalho nas obras de construção. As migrações massivas e desordenadas de trabalhadores em busca de emprego nas grandes obras tem agravado o caos urbanos de superpopulação combinado com ausência de equipamentos e serviços públicos, gerado nas pequenas e médias cidades que não possuem infraestrutura para receber dezenas de milhares de novos moradores migrantes com demandas sociais, a exemplo de Altamira-PA, Cabo de Santo Agostinho-PE e Ipojuca-PE; estímulo à prostituição das mulheres e jovens, bem como do aumento ao consumo de álcool e drogas dos trabalhadores e juventude que vivem nos municípios que são receptores dos investimentos e o desterramento de populações originárias e comunidades populares, relacionadas com a expropriação de propriedades rurais e urbanas pelos grandes consórcios privados com os incentivos dos governos. No caso das manifestações operárias, principalmente nas hidrelétricas da região Norte, estas caracterizaram-se por violentos levantes espontâneos, ações de tipo descoordenadas, pois não foram organizadas pelas entidades sindicais existentes como manda a legislação trabalhista, ou seja, onde a entidade convoca assembleia, aprova uma pauta de reivindicação e protocola perante à patronal e ao Poder Judiciário. Este seria o roteiro seguido pela maioria dos sindicatos, seguindo a legislação trabalhista.

O questionamento das instituições, incluindo as sindicais, revelou-se naqueles casos numa complexa relação que foram desafiadas entre as organizações e direções sindicais, as instâncias governamentais e jurídicas do Estado, tanto através do governo central como das unidades federadas, em relações às bases sociais massificadas, superexploradas, espoliadas e radicalizadas em suas ações desordenadas. Aqui nasceu o recurso do consenso como estratégia de pacificação da luta de classes no setor. A Mesa Nacional Permanente para o Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Indústria da Construção o Compromisso gerado pelos sindicatos e empresas que aderirem às diretrizes do pacto setorial.

2. A Mesa Nacional da Construção Civil como estratégia de consenso setorial

No âmbito dos conflitos sociais desencadeados pelas grandes obras do PAC, manifesta-se a resposta do Estado em relação aos trabalhadores. Num primeiro momento, diversas instâncias de governo se omitiram completamente com relação às exigências de infraestrutura necessárias para a execução das obras dos consórcios privados, bem como os governos locais e empresas com as demandas de condições de trabalho e descolamento, políticas públicas e equipamentos sociais, assim como infraestrutura para recepcionar os trabalhadores migrantes. Sequer agências públicas de contratação de mão-de-obra especificas foram instaladas no entorno das obras.

Posteriormente, quando explodiram os conflitos de grande envergadura, sem organização e sem direções sindicais, se constituiu a Mesa Nacional da Construção Civil impulsionada a partir do Ministério do Trabalho e Emprego (TEM) que se instituiu oficialmente somente no ano de 2011, após os destaques nacionais e internacionais das revoltas operárias nas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio. Segundo a Cartilha Compromisso da Construção19:

A Mesa de Diálogo contou com a participação de representantes de seis centrais sindicais: Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical, Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), União Geral dos Trabalhadores (UGT) e Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST). Também participaram dos debates a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), a Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção (CNTIC), a Confederação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores nas Indústrias da Construção e da Madeira (Conticom), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria da Construção e do Mobiliário (Contricom) e a Federação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Fenatracop), com assessoria do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). [...] A parte patronal foi representada pelo Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada – Infraestrutura (Sinicon) e pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Pelo governo federal, participaram o Ministério do Trabalho e Emprego e a Secretaria de Direitos Humanos.

A Mesa da Construção foi inspirada no modelo da Mesa Nacional de Diálogo da Cana de Açúcar, instalada em 1º de julho de 2008, também sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da República com a participação direta dos trabalhadores, através dos representantes dos trabalhadores representados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp). A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) e o Fórum Nacional Sucroenergético representaram os empresários e o através dos ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; do Trabalho e Emprego; da Educação; do Desenvolvimento Agrário e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, onde formalizaram um acordo com o objetivo de valorizar e disseminar as melhores práticas trabalhistas na lavoura da cana-de-açúcar e buscar a reinserção ocupacional dos trabalhadores desempregados pelo avanço da mecanização da colheita.

As negociações para a formação da Mesa Nacional Permanente para o Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Indústria da Construção se iniciaram sob a coordenação do então Ministro Carlos Roberto Lupi, ex-Ministro do Trabalho e Emprego, e atualmente Presidente Nacional do Partido Democrático Trabalhista (PDT), mas depois a Secretaria Geral da Presidência da República assumiu diretamente a condução das reuniões ante as grandes revoltas de grandes impactos sociais e políticos que assumiram os eventos.

A iniciativa resultou no Compromisso Nacional para o Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Indústria da Construção e na institucionalização da mesa de negociação em Mesa Nacional Permanente da Indústria da Construção, sendo instalada em 01 de março de 2012, por meio do Decreto do mesmo dia, publicado no Diário Oficial da União nº 43, de 2 de março de 2012, com o caráter tripartite entre o governo, empresas e entidades sindicais.

A grande cerimônia pública de instalação da Mesa Permanente ocorreu sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da República, contando com a presença da Presidente Dilma Rousseff, do Vice Presidente da República, vários Ministros de Estado, líderes do governo na Câmara e Senado, vários parlamentares e líderes de partidos, além do Presidente da Câmara dos Deputados e do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ao final do evento foi assinado acordo em cerimônia pública pelos representantes do governo nacional, pelos representantes das entidades sindicais de trabalhadores, pelas entidades patronais e por algumas construtoras presentes ao evento, a Norberto Odebrech, Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão, Carioca Engenharia, Constram, Galvão Engenharia e Mendes Júnior.

Segundo o discurso da maioria dos representantes das entidades sindicais que falaram ao ato20, a instalação da Mesa deve ser considerada um momento histórico, pois cria as comissões de trabalhadores por local de trabalhado e acaba com a figura do gato que é o agente ilegal que intermedia a viabilidade da contratação da força de trabalho nas obras de difícil acesso tendo como prática a extorsão do trabalhador pela intermediação na contratação. Também, segundo a Presidente Dilma Rousseff, o acordo tripartite celebrado naquela data cria “um novo paradigma nas relações entre trabalhadores, empresários e governo da área da construção civil”.

O chamado Compromisso Nacional para o Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Indústria da Construção resultante do acordo da Mesa de Diálogo e Negociação Tripartite – sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da República, depois de quase um ano de negociação, respondendo às Revoltas de Santo Antônio e Jirau que envolveram cerca de 15 mil operários, estabeleceu diretrizes para o aperfeiçoamento das condições de trabalho no setor, tendo como referência a legislação trabalhista brasileira, as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificadas no Brasil, as normas de saúde e segurança e os acordos ou convenções coletivas específicas locais.

Baseada na livre adesão do patronato do setor da construção civil à Mesa Nacional, a constatação do DIEESE (05/2013), num primeiro momento, destacou a participação ínfima em relação ao conjunto de empresários, bem como à totalidade nacional da categoria de trabalhadores:

Até o momento, aderiram ao Compromisso Nacional da Construção 22 empresas e consórcios, que empregam um total estimado de 79.772 trabalhadores. [...] Estas empresas são responsáveis por 24 obras, subdivididas em - 16 grandes obras da construção pesada (seis em usinas hidrelétricas, uma em refinaria, duas em estádios, uma de mineração, três em portos, uma em estaleiro, uma em saneamento e uma no complexo petroquímico do Rio de Janeiro); e oito empreendimentos da construção civil (2013, p. 10).

Os primeiros indicadores elucidaram o quanto foram limitados os mecanismos tripartites de livre adesão do patronato às demandas de negociação ofertadas pelos sindicatos, principalmente no setor da construção civil que historicamente tem se mostrado predominante, com a prevalência do despotismo patronal como forma de gestão das relações do capital com o trabalho.

O Ministro Gilberto Carvalho, representante da Secretaria-Geral da Presidência da República, anunciou durante a 6ª reunião da Mesa Nacional Permanente para o Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Indústria da Construção21, realizada em dezembro de 2013, um balanço extremamente positivo da implementação do pacto da Construção, há menos de dois anos do lançamento do Compromisso Nacional:

Quero destacar o quanto vocês foram importantes nesse processo, pois fizeram o gesto de abrir mão de pontos de vista pessoais para que pudéssemos avançar no diálogo. O Compromisso Nacional representa hoje um amadurecimento democrático, pois saímos do embate e fomos para o ganha-ganha”, afirmou. Lançado em março de 2012, o Compromisso Nacional da Construção já beneficia cerca de 135 mil trabalhadores de 39 obras que integram o acordo. A meta para 2014, segundo José Lopez Feijó, assessor da Secretaria-Geral da Presidência da República, é triplicar o número de trabalhadores atendidos. A ampliação do alcance do Compromisso Nacional da Construção é também um objetivo do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). ‘É preciso criar uma cultura e divulgar esse bom exemplo para outros setores’, disse o secretário de Relações do Trabalho do MTE, Manoel Messias. Para que isso aconteça, o Ministério vem orientando suas Superintendências Regionais a prospectar grandes obras, em todos os estados, que tenham interesse em aderir ao Compromisso. Os auditores do Ministério também estão sendo treinados, para que não só conheçam o acordo, mas também ajudem a disseminá-lo pelo país afora.

Até o mês de outubro de 2014, foram registrados apenas 49 canteiros de obras nos quais o patronato adotou o Compromisso, conforme indica o Anexo 6, mesmo diante de medidas genéricas, não impositivas e consensuais entre as partes, pois as principais diretrizes do mesmo, segundo se deduz dos principais itens publicizados na Cartilha que resumos o Compromisso Nacional, assinada pelos signatários, grande parte das medidas mais imediatas e concretas já está prevista na legislação trabalhista e ambiental:

  1. 1. Recrutamento, Pré-Seleção e Seleção: [...] institucionalidade ao processo de contratação e prioriza o Sistema Nacional de Emprego (Sine), do governo federal, que terá sua estrutura fortalecida em todo o país para apoiar as necessidades do empresário e do trabalhador.
  2. 2. Formação e Qualificação: [...] garante aos operários qualificação social e profissional, com formação em temas como cidadania e direitos do trabalhador, processo de trabalho e sua relação com a saúde, e mecanismos de regulação e proteção à saúde. Também estão previstas medidas de desenvolvimento locais que contemplem a alfabetização, a elevação do nível de escolaridade e a qualificação da mão de obra.
  3. 3. Saúde e Segurança: [...] prevê estratégias tanto para garantir o cumprimento da legislação já existente quanto para a implementação de medidas adicionais de prevenção de acidentes e de doenças relacionadas ao trabalho, especialmente no que diz respeito à capacitação, dispositivos de proteção coletiva, equipamentos de proteção individual, acompanhamento da saúde ocupacional, além do direito à informação e o exercício, pelos trabalhadores, do direito de recusa em situações de risco grave e iminente.
  4. 4. Representação Sindical: [...] a representação sindical no local de trabalho significa uma garantia a mais para os trabalhadores das obras. Sua principal premissa é a ampliação do diálogo social em todos os níveis, com base na negociação, na troca de informações e na consulta entre as partes envolvidas, no sentido de buscar soluções para os problemas específicos de cada obra em relação a processos de trabalho, mudanças organizacionais e condições contratuais, entre outras questões.
  5. 5. Condições de Trabalho: [...] deve ser garantido ambiente de trabalho seguro e saudável ao trabalhador, por meio de mecanismos de negociação coletiva. Ao governo federal cabe ampliar as condições de segurança, combatendo o crime organizado e o tráfico de drogas nas áreas próximas das obras. Já o empregador deve garantir alojamento, alimentação, treinamento em equipamentos e máquinas, transporte, além de manter o processo de contratação de mão de obra dentro das normas legais.
  6. 6. Relações com a Comunidade: [...] padrões de relacionamento e compensações sociais sempre que houver alterações na vida das pessoas ou do meio ambiente em torno da obra. A identificação dessas alterações será feita por meio da avaliação de relatórios de impacto social e ambiental e pelo monitoramento do processo construtivo, entre outros instrumentos. Devem ser previstos recursos para realocação de moradores e implementação de políticas públicas de combate à exploração de crianças e adolescentes, ao tráfico de drogas e ao crime organizado, além de programas de elevação da escolaridade e qualificação profissional da população próxima aos canteiros.

A Mesa surgiu na conjuntura das revoltas operárias de Jirau e Santo Antônio como uma resposta política do governo em conjunto com a direção das centrais sindicais, pois ficou evidente para o país que as condições de deslocamento e sobrevivências nestas regiões inóspitas não foi pautada de forma preventiva pelos governos nacional e locais, bem como as condições de trabalho e superexploração imposta pelas empresas do capital da construção com as características de despotismo patronal, segundo os relatos jornalísticos e das entidades que se solidarizaram com os trabalhadores durante as revoltas.

Ocorre que a Mesa possuiu problemas intrínsecos ao seu surgimento e de concepções quanto à solução dos problemas que envolveram e envolvem o trabalho na construção civil nas grandes obras do PAC, principalmente àquelas que se localizam nas regiões de difícil acesso e de quase nenhuma fiscalização do Estado.

A estratégia adotada, ainda pelo Governo Dilma em comum acordo com os principais sindicatos de trabalhadores, foi de estimular consensos entre capital e trabalho, com a intermediação do Estado, mas tentar minorar as condições de trabalho, instalações, traslados e sociabilidade de uma forma geral, buscando a livre adesão do capital, ou seja, a estratégia do pacto setorial para evitar as revoltas operárias diante da superexploração e garantir as condições para a realização do capital do setor, como bem evidencia o momento de ascensão dos investimentos das empresas do setor nesta etapa neodesenvolvimentista, expresso também na Cartilha22:

A pactuação desse Compromisso não poderia ser mais propícia, diante da crescente demanda do país atrelada ao setor da construção. Apenas no âmbito do governo federal estão previstos investimentos que ultrapassam R$ 1 trilhão até 2014. No PAC 2 os recursos são da ordem de R$ 955 bilhões de 2011 a 2014, para investimentos nas áreas de transportes, energia, habitação, saneamento e equipamentos urbanos. Somente no Minha Casa, Minha Vida, que visa à produção e à aquisição de moradias, serão investidos R$ 150 bilhões na contratação de 2,4 milhões de unidades habitacionais até 2014. [...] Além disso, temos pela frente inúmeras outras obras que vão dar suporte aos eventos da Copa do Mundo, que contará com recursos da ordem de R$ 27,5 bilhões para obras civis, sem falar nas Olimpíadas de 2016 e tantas obras privadas em construção por este Brasil afora que refletem o momento positivo do desenvolvimento nacional.

Primeiro, porque a Mesa surgiu para responder aos questionamentos da imprensa nacional e internacional, diante das revoltas operárias ocorridas nas obras das usinas hidrelétricas do Rio Madeira, Jirau e Santo Antônio. Ocorre que, segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)23, o projeto das obras da região do Rio Madeira, existiam desde o ano 2000, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), sendo assumido pelo governo Lula e pelo novo bloco de poder como um dos principais projetos do neodesenvolvimentismo:

Desde de setembro do ano 2000, através de uma iniciativa do então presidente FHC, o plano das hidrelétricas no Rio Madeira foi ganhando forma e mais força. Mais tarde, o Governo Lula assumiu o plano como um dos principais projetos de geração de energia de seu governo. [...] Em dezembro de 2008 houve o leilão das usinas de Santo Antônio e Jirau. As empresas construtoras das hidrelétricas terão 30 anos de concessões e venda da energia gerada pelas obras. Terão faturamento com a venda da energia em torno de 92 bilhões por um período de 30 anos. Por dia, as duas usinas terão em tono de 4 milhões de reais com a venda da energia. [...] As barragens de Santo Antônio e Jirau significam a privatização do rio Madeira, com mais de 25 bilhões de reais de dinheiro público para a construção das barragens e garantia de que por 30 anos as empresas vão faturar mais de R$ 115 bilhões com a geração, R$ 22 bilhões com a transmissão e mais de R$ 130 bilhões com a distribuição de energia elétrica. Para o povo, ficam as violações de direitos humanos e a conta a pagar.

Evidentemente que não houve nenhum planejamento relacionado às necessárias políticas públicas nacionais e locais para impedir os danos ambientais e populacionais relacionados às megaconstruções, bem como ao descolamento, recepção e alojamento dos trabalhadores das obras.

Segundo, que a Mesa surgiu como uma resposta às manifestações operárias massivas que ocorreram sem intermediação das principais centrais e confederações do setor), mas a constituição da Mesa reflete a participação das entidades sindicais que possuem representação perante o governo e o Ministério do Trabalho.

O setor da construção civil possui cerca de 390 sindicatos no país que representam a categoria, no entanto, a representação dos trabalhadores coube às centrais sindicais (CGTB, CTB, CUT, Força Sindical, NCST, UGT e CSP-Conlutas24) e confederações nacionais de trabalhadores da construção (CNTIC, Conticom, Contricom, Fenatracop) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria-CNTI, além do DIEESE como assessoria da bancada dos trabalhadores.

Representando o governo federal, além da Secretaria-Geral da Presidência e do Ministério do Trabalho e Emprego estão representados na Mesa os ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão; Previdência Social; Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Casa Civil; Educação; Cidades; Minas e Energia; Esporte; Integração Nacional; Transportes; e a Secretaria de Direitos Humanos. Já os representantes patronais estão assegurados pelo Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada-Infraestrutura (SINICON) e pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).

Terceiro, a Mesa teve um caráter tripartite e paritário, e como consequência cabe aos empresários aderirem por livre e espontânea vontade à instância de conciliação impulsionada pelo governo. Aos trabalhadores as pressões para adesão são advindas das degradáveis condições de trabalho e sociabilidade nos canteiros de obras, através de sindicatos e federações que como vimos carecem de representatividade das bases como demonstraram as revoltas massivas espontâneas. Sendo que, já há diversas pesquisas e no histórico do movimento sindical brasileiro o balanço negativo quanto aos instrumentos tripartites de negociação permanente, a exemplo das câmaras setoriais cuja maior referência foi a do setor metalúrgico do ABCD.

O objetivo da Mesa foi pacificar a relação entre capital e trabalho, no âmbito da estratégia em estabelecer do consenso entre as classes, com a intervenção/mediação do Estado, como evidencia o Compromisso Nacional que é resultante da Mesa tripartite, conforme o Regimento da Mesa, Lei de 1º de março de 2012:

Art. 3º A Mesa Nacional Permanente para o Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Indústria da Construção terá a seguinte composição:

  1. I - dez representantes do Poder Executivo federal;

  2. II - dez representantes de entidades da indústria da construção; e

  3. III - dez representantes de centrais sindicais e entidades nacionais de trabalhadores do setor da construção.

§ 1º A Mesa Nacional de que trata o caput será coordenada, em conjunto, pela Secretaria-Geral da Presidência da República e pelo Ministério do Trabalho e Emprego. [...]

§ 8º As decisões da Mesa Nacional serão tomadas sempre por consenso entre os membros presentes.

Art. 4º O apoio administrativo ao funcionamento das atividades da Mesa Nacional Permanente para o Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Indústria da Construção e dos grupos de trabalho será provido pela Secretaria-Geral da Presidência da República e pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

França25 (2013) recupera o histórico das origens e resultados das câmaras setoriais naquela região de São Paulo, no início dos anos 1990, as quais já haviam sido defendidas pelo sindicalismo de resultados do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, sob a Presidência de Antônio Medeiros, nos anos 1980, sendo, naquele momento, fortemente criticado pela CUT:

O início da participação dos trabalhadores brasileiros em fóruns desse tipo se dá a partir da atitude do deputado federal pelo PT, Aloízio Mercadante, que fez constar um artigo na lei que amparava as câmaras, n. 8.178, de 21 de março de 1991, no qual fazia com que elas passassem a ser definidas como organismos a serem compostos por ‘representantes do Ministério da Economia, dos empregadores e dos trabalhadores dos respectivos setores produtivos ou das entidades sindicais nacionais’. A proposta do petista, provavelmente já articulado com os sindicalistas da CUT pertencentes à sua corrente do partido – Articulação – era transformar as câmaras em organismos tripartites dos setores produtivos em geral e não especificamente do complexo automotivo. No entanto, será neste setor que o fórum irá vingar com maior fôlego, em que pese que por apenas dois anos. (FRANÇA: 2013, p. 44)

França (2013) demonstra que o resultado das câmaras setoriais no setor automobilístico, resultou em passividade sindical já que o sindicato passou a priorizar os acordos setoriais em detrimento das mobilizações cujo maior beneficiário foi o próprio capital, pois cresceram o faturamento das empresas, a produção total de veículos, a produtividade do trabalhador em detrimento da diminuição da absorção da força-de-trabalho do setor.

1. Considerações finais

Vejamos que no histórico das iniciativas patronais no Brasil consta a partir dos anos 90, no auge do neoliberalismo, na relação capital e trabalho diante de graves crises de empregabilidade e de implantação de restruturação produtiva nas empresas, notadamente no setor bancário e metalúrgico, serviram de instrumento de pacificação na estratégica de consenso da época, cujo argumento foi alimentado pela cultura da crise internacional e necessidade de substituição do sindicalismo combativo de lutas de classes pelo sindicalismo cidadão

Na conjuntura de mudanças de diretrizes no desenvolvimento nacional com a hegemonia do novo bloco de poder, desenvolveu-se uma estratégia similar de consenso, visando a pacificação nos canteiros de obras em função da insustentável opressão e extrema exploração dos operários da construção civil.

Observou-se que o Estado não se dispôs a disciplinar, a partir de recursos políticos e jurídicos, a histórica e degradante condição de trabalho do setor da construção civil, como houve, ainda com seus limites na relação de trabalho com as empregadas domésticas e que somente recentemente tiveram seus direitos equiparados aos trabalhadores regidos pela CLT.

Os trabalhadores da construção civil além de se submeterem às históricas condições de extrema exploração e periculosidade em qualquer canteiro de obra, no âmbito das obras do PAC se submeteram às novas condicionantes da degradação do trabalho que se verificaram nas migrações para distantes regiões, longas jornadas de trabalho acima da média, longos períodos sem voltar às suas casas e famílias, trabalhos pesados em condições de insegurança, temporalidade dos contratos com as empresas em função da finalização das obras, entre outras degradações e precarizações relacionadas à sociabilidade no entorno dos canteiros de obras em regiões distantes e inóspitas.

O Estado que teria a prerrogativa de fiscalização e deveria ter em relação a recepção dos trabalhadores nas cidades de origem falhou nas suas atribuições. As revoltas operárias nos canteiros do PAC e do PAC da Copa denunciaram tais falhas constantemente. A solução encontrada, através da Mesa Nacional da Construção, com a adesão voluntária das empresas e instituição de comissões de trabalhadores nos canteiros de obras, apenas onde haja adesão patronal é uma iniciativa que tem se revelado totalmente limitada para combater as históricas relações de trabalho no setor da construção civil, agregadas e pioradas com o Programa de Aceleração do Crescimento dos governos que lideram o projeto de neodesenvolvimentismo nacional.

Anos se passaram, o Brasil entrou numa dinâmica recessiva desde o segundo governo Dilma que combinado com a crise política e social e a ascensão de movimentos de extrema-direita geraram as condições para um golpe parlamentar que abriu caminho para um retorno ao neoliberalismo na economia, associado com uma agenda protofascista no ataque e desmonte a toda legislação e direitos que tinha lugar nas normas trabalhistas, sociais e ambientais.

Espera-se que a possibilidade do retorno de governos progressistas no Brasil seja acompanhada de reflexões profundas dos futuros gestores para que os erros do passado não sejam repetidos e assim se inicie uma agenda de reformas estruturais onde as classes subalternizadas não sejam meros expectadores de um pacto social com as classes dominantes beneficiárias do grande capital.

REFERÊNCIAS

SAMPAIO JR, Plínio de Arruda. Desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo: tragédia e farsa. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 112, p. 672-688, out./dez. 2012

ALVES, Giovani. Neodesenvolvimentismo e precarização do trabalho no Brasil – Parte I. https://blogdaboitempo.com.br/2013/05/20/neodesenvolvimentismo-e-precarizacao-do-trabalho-no-brasil-parte-i/

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho – Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 5ª Ed. São Paulo: Boitempo, 2001.

MOTA, Ana Elizabete. Cultura da Crise e Seguridade Social - Um Estudo Sobre as Tendências da Previdência e da Assistência, Manuais, Projetos, Pesquisas de Serviço Social. São Paulo: Cortez Editora, 2000.

Dossiê Trabalho e Vida. Disponível em: http://www.trabalhoevida.com.br/download/pirajuarez.pdf. Acessado em 21 de jun. de 2014.

DAL ROSSO, Sadi. Mais trabalho? A intensificação do labor na sociedade contemporânea. São Paulo: Boitempo, 2008.

Dossiê Megaeventos Violações de Direitos Humanos no Brasil-2ª Ed. Disponível em: http://comitepopulario.wordpress.com. Acessado em 05 de jun. de 2014.

FRANÇA, Teones. Novo sindicalismo no Brasil: histórico de uma desconstrução. São Paulo: Cortez, 2013.

Notas

2 SAMPAIO JR, Plínio de Arruda. Desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo: tragédia e farsa. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 112, p. 672-688, out./dez. 2012
3 ALVES, Giovani. Neodesenvolvimentismo e precarização do trabalho no Brasil – Parte I. 1s://blogdaboitempo.com.br/2013/05/20/neodesenvolvimentismo-e-precarizacao-do-trabalho-no-brasil-parte-i/-
4 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho - Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 5ª Ed. São Paulo: Boitempo, 2001.
5 MOTA, Ana Elizabete. Cultura da Crise e Seguridade Social - Um Estudo Sobre as Tendências da Previdência e da Assistência, Manuais, Projetos, Pesquisas de Serviço Social. São Paulo: Cortez Editora, 2000.
6 Entrevista exploratória realizada pelo autor com um operário, sob o critério da escolha aleatória em função da disponibilidade e acessibilidade do entrevistado.
7 Editorial de Quinta-feira, 31 de maio de 2012. Disponível em: :http://www.oempreiteiro.com.br/Publicacoes/11053/Tensao_social_persiste_um_ano_depois_.aspx. Acesso em: 25 de mai. De 2014. Trecho em negrito destacado pelo autor.
10 Dossiê Trabalho e Vida. Disponível em: http://www.trabalhoevida.com.br/download/pira-juarez.pdf. Acessado em 21 de jun. de 2014.
12 Disponível em: http://diariodonordeste.globo.com. Acessado em abr. 2011.
14 Disponível em: http://www.xinguvivo.org.br. Acessado em 03 de nov. 2011.
15 Disponível em http://www.cps.fgv.br/cps/bd/vot3/Vot3_Construcao_Texto.pdf (pag. 9). Acessado em 03 de jul/2014.
16 Idem.
17 DAL ROSSO, Sadi. Mais trabalho? A intensificação do labor na sociedade contemporânea. São Paulo: Boitempo, 2008.
18 Dossiê Megaeventos Violações de Direitos Humanos no Brasil-2ª Ed. Disponível em: http://comitepopulario.wordpress.com. Acessado em 05 de jun. de 2014.
20 Assinatura do compromisso nacional da indústria da construção - parte 1 e 2. Vídeo produzido pela TVNBR. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=Se81mgMNzVs. Acessado em 22 de maio de 2014.
24 A CSP-CONLUTAS fez parte do início das negociações e depois se retirou da composição da formação da Mesa Nacional Permanente da Construção, mas possui apenas 2 sindicatos do ramo filiado à central.
25 FRANÇA, Teones. Novo sindicalismo no Brasil: histórico de uma desconstrução. São Paulo: Cortez, 2013.

Autor notes

1 Doutor em Serviço Social e Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor da Pós-Graduação em Ciência Política na UNICAP; E-mail: david.cavalcante.pe@gmail.com.


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