Artigos
Recepção: 12 Setembro 2022
Aprovação: 14 Março 2023
Publicado: 15 Abril 2023
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e90914
Resumo: Este texto, de caráter ensaístico, busca problematizar o enunciado de que o surdo é um sujeito visual no campo da Educação Matemática, bem como a propagada necessidade do uso de recursos visuais para o ensino e aprendizagem de matemática de estudantes surdos. Também busca problematizar a ideia de que a falta de sinais específicos em Libras para conceitos matemáticos é um dos principais entraves à atuação do intérprete educacional em aulas de matemática. A partir de um deslocamento de pensamento e das experiências docentes das autoras – uma enquanto formadora de tradutores-intérpretes de Libras, outra enquanto formadora de professores de matemática – com base em uma pesquisa referencial, defende-se que o investimento em uma boa construção discursiva por parte do professor e a construção do conhecimento extralinguístico por parte do intérprete são condições fundamentais para que os processos de comunicação em salas de aula inclusivas sejam potencializados e para uma boa construção do discurso matemático em Libras.
Palavras-chave: Matemática, Surdo, Linguagem, Libras, Intérprete educacional.
Abstract: This text, of an essayistic nature, seeks to problematize the statement that the deaf person is a visual subject in the field of Mathematics Education, as well as the widespread need for the use of visual resources for teaching and learning mathematics for deaf students. It also seeks to problematize the idea that the lack of specific signs in Libras for mathematical concepts is one of the main obstacles to the performance of the educational interpreter in mathematics classes. From a displacement of thought and the teaching experiences of the authors – one as a trainer of Libras translators-interpreters, the other as a trainer of mathematics teachers – based on a referential research, it is argued that the investment in a good discursive construction by the teacher and the construction of extralinguistic knowledge by the interpreter are fundamental conditions for the communication processes in inclusive classrooms to be enhanced and for a good construction of mathematical discourse in Libras.
Keywords: Math, Deaf, Language, Libras, Educational interpreter.
O surdo é um sujeito visual
No campo da Educação Matemática, o enunciado1 de que o surdo é um sujeito visual tem circulado como uma verdade praticamente inquestionável, conformando certos modos de aprender e ensinar matemática a estudantes surdos. Em geral, apoiando-se em tal enunciado, é recorrente a argumentação da necessidade cognitiva de estudantes surdos quanto ao uso de recursos visuais (imagens, materiais concretos, jogos, etc.) em aulas de matemática, que são tomados, por sua vez, como garantia de aprendizagem desses sujeitos.
Nesse campo de investigação, em relação à educação de surdos, as pesquisas têm se concentrado, em grande medida, na discussão de metodologias de ensino que se apoiam no uso de “materiais visuais”, em análises que se voltam, predominantemente, a conteúdos de nível fundamental do ensino básico, com grande ênfase nas áreas de números e geometria. Isso porque, conforme já argumentamos em Machado & Oliveira (2023), no nível de ensino fundamental estão os conteúdos considerados “menos abstratos” e, em especial, números e geometria são os que parecem ter maior “apelo visual”.
Para além disso, o enunciado de que o surdo é um sujeito visual o coloca também como um sujeito que tem mais necessidade, em relação aos estudantes não-surdos, do lúdico, do concreto, de materiais manipuláveis, de métodos ativos, etc. Afirmação que se mostra recorrentemente em muitos trabalhos, tal como em Nogueira, Borges & Frizzarini (2013, p. 11, grifos nossos), por exemplo, que argumentam que “mais do que o ouvinte, o surdo precisa de um ‘método ativo’ de educação para compensar a ausência de um canal importante de contato com o mundo”; ou em Viana & Barreto (2011, p. 19), em que se diz ser “importante que o professor proporcione, aos alunos surdos, ambientes de aprendizagem ricos em estimulação visual”; e que “o lúdico para o aluno surdo é um trabalho muito envolvente”.
Isso tudo nos leva a problematizar tais afirmações. Afinal, como é possível que essas coisas sejam ditas com tal naturalidade? Ou seja, como é possível, afinal, que se tenha constituído no campo da Educação Matemática o enunciado de que o surdo é um sujeito visual e, mais que isso, de que o surdo é um sujeito visual, por isso é preciso usar materiais concretos, ou lúdicos, ou metodologias ativas etc. nas aulas de matemática?
De nossas investigações anteriores (Machado & Oliveira, 2023), é possível perceber que é propriamente a partir do campo dos Estudos Surdos que as pesquisas em Educação Matemática têm procurado sustentar e legitimar o enunciado de que o surdo é um sujeito visual. Pesquisadoras surdas de renome e com densa produção intelectual na discussão e reivindicação de uma Pedagogia Surda ou Pedagogia da Diferença; Perlin, 2003; Rangel & Stumpf, 2004; Perlin & Strobel, 2008) e de uma Pedagogia Visual (Campello, 2008) são fortemente citadas, buscando-se em seus trabalhos subsídios para a defesa de “metodologias visuais” para o ensino de matemática de estudantes surdos. Borges & Rossi (2019), por exemplo, afirmam:
Tal valorização (do aspecto visual) está em consonância com o que Strobel (2008) defende, ou seja, os surdos dependem das experiências visuais, aspecto esse característico de uma cultura surda. Como um pressuposto para a presente categoria, entendemos que a valorização do aspecto visual e a diversificação de representações de objetos matemáticos acaba por contribuir para um número maior de estudantes, sejam eles surdos ou não.
(Borges & Rossi, 2019, p. 14).Viana & Barreto (2011), defendendo o uso de jogos na educação de surdos como um recurso lúdico e visual, também se apoiam em pesquisadoras surdas para dizer:
A Pedagogia Visual tem hoje como um dos grandes expoentes a pesquisadora Karin Strobel. Ela afirma que o primeiro artefato da cultura surda é a experiência visual na qual as pessoas com surdez percebem o mundo de maneira diferente, através principalmente dos sinais viso-espaciais (Strobel, 2008). Na mesma linha, Perlin e Miranda (2003, p. 218) afirmam que ‘a experiência visual significa a utilização da visão, em substituição total à audição, como meio de comunicação’. Essas percepções visuais devem ser estimuladas através da língua de sinais e também de outros recursos que tragam essa possibilidade.
[...]
A Pedagogia Visual direciona práticas docentes para o uso de imagens que visem a experiências adaptadas a quem não dispõe o sentido da audição. Possui uma forma estratégica de transmitir a representação do objeto, de imagem e de língua, cuja natureza e aspecto são precisamente de aparato visual (Campello, 2007). Trata-se, portanto, de uma tendência que implica em ‘emancipação cultural pedagógica’ (Perlin, 2006).
(Viana & Barreto, 2011, p. 19).Contudo, o que temos salientado2 é que as pesquisas desenvolvidas no âmbito dos Estudos Surdos, quanto ao desenvolvimento de uma Pedagogia Surda ou de uma Pedagogia Visual, não tratam exclusivamente da necessidade de uso de material concreto ou manipulável, de jogos, de métodos ativos etc., como se isso fosse mais essencial para pessoas surdas do que para pessoas ouvintes. Mas sim, da defesa da valorização da cultura surda e de sua língua, em toda sua potencialidade visual para a construção de significações por parte do sujeito surdo. Mais ainda, quando enfatizam a exploração de aspectos visuais, não estão indicando um uso generalizado de recursos meramente visuais e sim a exploração de um pensamento visual mediado e construído a partir de uma cultura visual e de uma língua de modalidade viso-espacial.
Disso, nosso entendimento é o de que tem havido uma apropriação no mínimo apressada das discussões em torno do termo visual/visualidade em relação ao ensino e aprendizagem de matemática de estudantes surdos, em função de uma incompreensão das bases culturais e linguísticas sobre as quais se funda uma Pedagogia Surda ou Pedagogia Visual. Também “por uma espécie de ‘sequestro’ dessa pedagogia no campo da Educação Matemática por uma pedagogia de cunho psicologizante e cognitivista que, de maneira geral, embasa de forma determinante os discursos sobre ensinar e aprender matemática” (Machado & Oliveira, 2023, p. 13).
Assim é que, inegavelmente, a indissociabilidade entre o visual e o concreto no ensino de matemática para surdos vem agindo “como forças conjuntas, produzindo verdades que acabam sendo naturalizadas e, por isso, deixam de ser questionadas nos processos pedagógicos” (Carneiro & Wanderer, 2019, p. 16). Assumir tal indissociabilidade, a nosso ver, é afirmar, de maneira equivocada, que sem o intermédio de materiais concretos ou visuais o surdo não tem capacidade de raciocinar linguisticamente, inferir informações, interagir socialmente etc., ou que conceitos ou ideias altamente abstratas não poderiam ser expressos por uma língua de sinais.
Disso tudo, nosso movimento, portanto, é desassossegar certas verdades instituídas no campo da Educação Matemática em relação ao ensino de matemática de estudantes surdos. Não tanto para “desmenti-las” mas porque “existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir” (Foucault, 2001, p. 13).
O que pode3 o professor de matemática?
Ao problematizar o enunciado de que o surdo é um sujeito visual no discurso da Educação Matemática, queremos dar a ver o afastamento nesse campo das bases culturais de sua constituição no campo dos Estudos Surdos (a ponto de se constituir, na verdade, em um enunciado distinto) e, com isso, tornar menos óbvias certas verdades produzidas e assumidas que condicionam o ensinar e o aprender matemática de sujeitos surdos ao uso de materiais ou recursos visuais. Ora, nem todo surdo é visual; o surdo torna-se visual na e pela cultura surda, instituído em sua alteridade, por uma construção cultural e política de luta que proporciona condições materiais para a sua existência.
Assim, o que temos reforçado é que quando pesquisadoras do campo dos Estudos Surdos ressaltam o aspecto visual inerente à Pedagogia Surda ou Pedagogia Visual, isso quer dizer que ao expressar um pensamento em língua de sinais, o discurso utilizado vale-se “de uma dimensão visual que não é captada por uma língua oral-auditiva, e, da mesma forma, o oposto é verdadeiro” (Quadros, 2008, p. 99). Logo, a construção discursiva (portanto, o pensamento) que se coloca sob uma língua viso-espacial dá-se por uma linguagem imagética, produzindo formas de apreensão e interpretação do mundo a partir de uma cultura visual. Daí que a imagem não seja somente uma forma de ilustrar um discurso, por exemplo, mas que o próprio discurso em língua de sinais tem caráter imagético ou visual.
Dessa forma, temos operado um deslocamento de pensamento que nos coloca na contramão do discurso pedagógico atual dominante no campo da Educação Matemática, problematizando tanto o enunciado de que o surdo é um sujeito visual, sob um viés cognitivista, assim como outros enunciados que a esse se juntam e que condicionam os processos de ensinar e aprender matemática de estudantes surdos ao uso de recursos ou materiais visuais. Com isso, claro esteja, não estamos negando qualquer pedagogia, tampouco o uso de recursos e materiais visuais. Apenas queremos olhar para questões que lhes são anteriores, relativas à prática da linguagem, entendendo que qualquer processo educativo não é mais do que, antes de tudo, um processo de comunicação e interação linguística (Machado, 2022).
Logo, pensamos que o ponto central e fundamental para qualquer discussão sobre ensino e aprendizagem de matemática de estudantes surdos em escolas inclusivas situa-se, primeiramente, na discussão da potencialização de comunicação entre professor de matemática e estudante surdo, mediada pelo intérprete educacional. Assim é que nem o desconhecimento da língua de sinais pela grande maioria dos docentes atuantes em escolas inclusivas, nem a presença de intérpretes educacionais, exime os professores de sua responsabilidade pedagógica quanto a esses estudantes.
Em suma, defendemos que o professor atente para a linguagem e seus usos, em sua potencialidade de expressão e significação4. Ou seja,
a preocupação e o investimento em uma boa construção discursiva por parte do professor (seja ele surdo ou não-surdo) é condição fundamental para todo e qualquer processo educativo (de estudantes surdos e não-surdos). É isso, por sua vez, que poderá favorecer a atuação do intérprete educacional, dando condições a uma boa construção discursiva em Libras
(Machado & Oliveira, 2023, p. 16-17).Em outras palavras, para que o intérprete educacional possa construir um bom discurso5 em Libras, antes, o professor precisa garantir a construção de um bom discurso em Língua Portuguesa. E essa construção por parte do professor não se dá, conforme temos argumentado, pelo mero uso de recursos visuais. É perfeitamente possível uma boa construção discursiva (de uma aula, por exemplo), seja em Libras ou seja em Português, sem qualquer desses recursos. Assim como, por outro lado, a construção de um discurso em Libras, bem como em Português, que se utilize de recursos visuais, não faz mais do que usar recursos de linguagem que diversificam e ampliam (mas não garantem) suas condições de significação.
Dessa forma, o que temos chamado de uma boa construção discursiva por parte do professor caracteriza-se, antes, na estruturação e organização de seu discurso a partir da rede de relações conceituais internas de sentido necessárias à significação de um conceito, aliado à escolha por estratégias de linguagem que potencializem a capacidade expressiva e de significação do seu discurso6. Tal escolha, aí sim, pode se dar pelo uso de imagens, ou materiais manipuláveis, ou recursos tecnológicos, ou fazendo-se referência a situações cotidianas, ou aplicadas; ou ainda, por meio de uma semiótica imagética, tal como defende Campello (2008); etc.; assim como pode se dar sem que se recorra a qualquer dessas coisas.
Sob o viés que assumimos, portanto, o uso de recursos visuais, embora não suficientes e nem necessários, podem contribuir a uma boa construção discursiva não por questões de ordem cognitiva mas sim porque operam como suporte de registro para a organização do discurso e para a comunicação, favorecendo sua significação. Não é preciso que se reporte à imagem de um triângulo para se falar de um triângulo em uma aula de matemática, assim como não é preciso uma imagem dos órgãos do corpo humano para se falar dos órgãos do corpo humano em uma aula de biologia, por exemplo. Contudo, nesses casos, o uso de imagens é certamente uma estratégia de linguagem que auxilia e amplia as condições de significação de tais conceitos7. Além disso, ao fornecer pontos de apoio linguísticos para ancoragem do discurso, o uso de imagens ou recursos visuais pode favorecer sobremaneira a construção discursiva em Libras por parte do intérprete, que encontra aí uma espécie de sustentação visual do discurso.
De tudo isso, portanto, nossa defesa é que uma boa construção discursiva por parte do professor, que atente para a rede de relações conceituais internas de sentido para significação dos conceitos e que, a partir disso, se dê por meio de estratégias de linguagem que potencializem sua organização, é ponto basilar para qualquer ação de ensinar. Mais que isso, é condição necessária à atuação dos intérpretes educacionais, favorecendo uma boa construção discursiva em Libras. No entanto, embora necessária, não é condição suficiente. É o que pretendemos discutir na próxima seção.
O que pode8 o intérprete educacional?
Tal como viemos argumentando, uma boa construção discursiva por parte do professor é fundamental para uma boa atuação do intérprete educacional9. Contudo, isso não garante que uma boa construção discursiva em Libras de fato ocorra. Nesse sentido, o que temos defendido é que um maior trânsito pelos jogos de linguagem da matemática escolar e uma maior compreensão de seus conceitos, coloca melhores condições ao intérprete educacional para a construção do discurso matemático em Libras e para a exploração da potencialidade viso-espacial dessa língua, inerente à forma de vida surda.
Isso porque, muitas vezes a atividade do intérprete parece ser associada a uma visão extremamente limitada da tarefa de interpretar, indicando-se a ausência de sinais específicos para conceitos matemáticos como principal problema para interpretação nas aulas de matemática (Porto, 2014; Carvalho, 2017; Costa & Silveira, 2020). Tais afirmações reduzem a atividade de interpretação a uma associação palavra-sinal, o que contradiz resultados de investigações consolidadas desenvolvidas no campo dos Estudos da Tradução e dos Estudos da Interpretação10.
Roy (2000), por exemplo, argumenta que a atividade de interpretação consiste em mediar discursos, no sentido de fazer uso da língua em contextos de interação social com a intenção de alcançar um objetivo específico. Ao intérprete, portanto, cabe negociar além da mensagem em si, o modo como essa mensagem vai ser apresentada aos participantes (tanto surdos, quanto ouvintes) e, para isso, primeiramente é preciso que se estabeleça uma comunicação efetiva entre ele e o professor de matemática, ou seja, que o intérprete compreenda o discurso do professor de modo que tenha autonomia para definir as unidades de significado e como elas serão apresentadas.
As unidades de significado são, de acordo com Lederer (2002, p. 138, tradução nossa), “[...] segmentos de sentido que aparecem em intervalos irregulares na mente daqueles que ouvem a fala com um desejo deliberado de compreendê-la”. Em outras palavras, os “[...] pedaços de sentido aparecem na interpretação sempre que o intérprete tem uma compreensão clara do significado pretendido pelo falante. Eles podem ser precedidos por uma pequena pausa ou vir depois de algumas palavras de sondagem que são traduzidas literalmente” (Lederer, 2002, p. 138, tradução nossa). Em suma, o intérprete trabalha nem no nível palavra-sinal, nem no nível discurso oral — discurso sinalizado11, mas sim no nível das unidades de significado, decupadas de acordo com as necessidades de gerenciamento das informações escolhidas.
Dessa forma, na segmentação do discurso o intérprete tomará decisões com base em associações de ideias apresentadas no decorrer da interpretação (palavras presentes na memória de curto prazo) com o seu conhecimento prévio. Quando o uso da palavra ou dos termos12, no caso do vocabulário especializado de matemática, não está explícito no discurso, o intérprete fará associações somente com base em suas experiências prévias. Contudo, tais associações podem ser diferentes daquelas esperadas em uma aula de matemática, visto que as palavras ganham significados distintos de acordo com as relações estabelecidas discursivamente.
Assim, por exemplo, para além do contexto situacional – o contexto aula de matemática –, que faz com que o intérprete desconfie de que quando o professor menciona o termo “raiz” em um enunciado provavelmente não está referindo-se à “raiz de uma planta”, é necessário que o intérprete tenha um conhecimento prévio do conteúdo que o permita analisar também o contexto linguístico, ou seja, analisar as palavras que co-ocorrem com “raiz” para decidir se o professor está falando de uma operação (a raiz quadrada de um número) ou da solução de uma equação (a raiz real da uma equação), por exemplo13. É essa análise, inclusive, o grande diferencial de qualidade de tradução/interpretação humana quando comparada à tradução automática realizada por inteligência artificial. Se fosse apenas uma questão de associação de palavras entre língua fonte e língua alvo, os computadores produziriam traduções muito mais confiáveis do que os seres humanos, uma vez que têm uma capacidade de memória e processamento extremamente maior. No entanto, a dinamicidade das línguas e os jogos que se estabelecem nas interações discursivas exigem muito trabalho humano para analisar e corrigir equívocos de traduções automáticas geradas por sistemas que têm dificuldades de definir escolhas adequadas no âmbito tanto do contexto linguístico quanto do contexto situacional.
Sendo assim, a análise do contexto linguístico e do contexto situacional, a tomada de decisão relacionada às escolhas de segmentação das unidades de significado e a negociação do modo como a informação será apresentada na língua alvo são habilidades fundamentais para o exercício adequado da tarefa tradutória de um tradutor-intérprete bem-sucedido. Disso, e do entendimento de que “aprender é tornar-se capaz de dizer” (Machado, 2022), argumentamos que ser bem-sucedido na interpretação de aulas de matemática implica em aprender matemática e ser capaz de dizer matemática. Obviamente, um aprender matemática que não se dá da mesma maneira que o professor, cujo objetivo é o ensino, mas sim com a intenção de agregar conhecimento extralinguístico14 (Gile, 1995), ou seja, conhecimento suficiente dos assuntos dos textos ou discursos objetos de sua atividade profissional, conhecimento sobre o conteúdo das aulas, sobre os conceitos apresentados pelo professor e de como esses conceitos se relacionam e podem ser inseridos em uma rede de relações conceituais-discursivas. Além disso, conhecimento do quadro dos interesses dos participantes na comunicação, as suas linhas de raciocínio, posições, desejos, fragilidades, interação etc.
É necessário, afinal, saber do que se diz (em língua portuguesa) para definir estratégias de como se diz em Libras. Desse modo, o intérprete estará atento e poderá até mesmo antecipar situações de desambiguação linguística, tal como no exemplo de “raiz”, apresentado anteriormente. O conhecimento extralinguístico, necessário para saber do que se diz, está na composição da “equação de compreensão”, proposta por Gile (1995):
(i) C = KL + ELK
Em que,
C representa a compreensão;
KL representa o conhecimento linguístico;
ELK representa o conhecimento extralinguístico;
= não significa ‘igualdade’, se refere ao resultado da interação entre KL e ELK;
+ não significa uma adição aritmética, se refere à ‘junção das interações’
(Gile, 1995, p. 78, grifos do autor, tradução nossa).Em aulas de matemática em escolas inclusivas, o intérprete de Libras compartilha a mesma língua com o professor (língua portuguesa), logo, a princípio, é possível pensar que o conhecimento linguístico15 está garantido nessa situação. No entanto, a especificidade do contexto situacional é um exemplo da necessidade de justaposição dos conhecimentos linguístico e extralinguístico, uma vez que o professor faz uso de palavras da língua portuguesa, inclusive muitas de uso cotidiano, para se referir a elementos matemáticos16. Assim, por exemplo, o conhecimento linguístico do intérprete garante que ele reconheça a palavra “medida” nas sentenças abaixo:
Podemos determinar a medida de um arco de circunferência (https://youtu.be/tDFMSf7m2ac);
A medida do diâmetro é sempre duas vezes a medida do raio (https://youtu.be/BiZiirZ_GjM);
Também podemos determinar a medida de um ângulo (https://youtu.be/_ZWriXYmAug);
Considere um arco de medida 67° (https://youtu.be/oaVGmTxJXJM);
Considere um arco de medida 1,2cm (https://youtu.be/vvbNM5J6Bms).
Entretanto, será necessário o conhecimento extralinguístico sobre a diferença entre “medida linear” e “medida angular” para que ele faça as escolhas tradutórias apropriadas, de modo que a informação em Libras faça sentido, visto que a sinalização de uma medida linear (a altura de uma parede, por exemplo) é diferente da sinalização de uma medida angular (a medida do ângulo de inclinação de uma rampa, por exemplo). Dessa forma, “medida” nas sentenças b) e e) será sinalizada como “medida linear”, enquanto em c) e d) será sinalizada como “medida angular”. Em a), por sua vez, talvez a melhor estratégia seja utilizar as duas, já que na sentença ainda não é possível definir se a medida será linear ou angular17.
Uma possibilidade de distinção dessas medidas em Libras (Figuras 1 e 2) pode ser observada no Vídeo 1 (link: https://www.youtube.com/watch?v=gC-iYKIWZBA), que é uma proposta de tradução do texto: “Importante destacar que arcos de comprimentos diferentes podem ter um mesmo ângulo central associado. Ou seja, arcos de diferentes medidas lineares podem ter a mesma medida angular” (Machado & Oliveira, 2023, p. 56).
Assim, se o professor pedir para determinar a medida do ângulo e apresentar uma figura tal como a indicada abaixo (Figura 3), os estudantes podem pensar em medir com a régua as “linhas” que representam as semirretas que determinam o ângulo. Isso pode acontecer com estudantes surdos e ouvintes, mas na palavra ‘medida’ não há uma indicação icônica explícita que faça referência a uma linha, tal como há em uma das possibilidades de realização do sinal medida em Libras (Figura 1). Por outro lado, se o intérprete, ciente dessas diferentes possibilidades de medida, indicar algo semelhante à Figura 2, contribuirá discursivamente para marcar a distinção entre medida [angular] e medida [linear]. Vale ressaltar ainda que não se trata de determinar um sinal específico para medida [angular], existem outras possibilidades de indicar que o interesse no caso é pela medida da abertura e que esta não é medida como a distância linear entre as semirretas ou pelo tamanho das linhas que representam as semirretas18.
Voltando às sentenças iniciais, o intérprete só poderá indicar as diferentes possibilidades de tradução para ‘medida’ na sentença (a), se tiver o conhecimento extralinguístico, ou seja, o conhecimento matemático que identifica o tipo de grandeza que será medida.
Para Gile (1995), quanto maior o nível de cada componente (conhecimento linguístico e conhecimento extralinguístico), melhor a compreensão do tradutor da mensagem na língua fonte. Gile (1995) destaca ainda que enquanto o conhecimento linguístico (KL) se estabiliza em determinado ponto – à medida que textos/discursos mais técnicos provavelmente não exigem conhecimentos aprofundados de estilo ou outras informações relacionadas aos aspectos culturais manifestados na língua fonte –, em contrapartida, o conhecimento extralinguístico (ELK) não se estabiliza:
Em relação a um discurso ou conferência, quanto mais se sabe sobre a situação, maiores são as hipóteses de compreender melhor o discurso do emissor no quadro dos interesses dos participantes na comunicação, as suas linhas de raciocínio, posições, desejos, fragilidades, interação etc. Tal compreensão é útil na medida em que facilita a antecipação e compreensão do texto, não apenas nos procedimentos de desambiguação linguística, mas também na “leitura nas entrelinhas”.
(Gile, 1995, p. 85, grifos do autor, tradução nossa).Em outras palavras, tomando o nosso exemplo, o conhecimento linguístico do intérprete garante que compreenda a palavra ‘medida’, mas somente com conhecimento extralinguístico ele conseguirá responder à pergunta: sobre o que se fala quando se fala em ‘medida’?
Saber sobre o que se fala implica em receber alguma formação sobre o tema. Desse modo, encontramos em Bayraktar Özer (2017), por exemplo, recomendação para que os programas de treinamento em interpretação simultânea se concentrem em conhecimentos linguístico e extralinguístico. A pesquisadora realizou um estudo a fim de investigar a complementaridade entre o conhecimento linguístico e extralinguístico, bem como se a falta de KL ou ELK afeta o desempenho na interpretação simultânea no par linguístico inglês-turco. Apesar de ter observado no pré-teste realizado, antes do treinamento, que os participantes não acreditavam que seria possível superar a falta de LK através de ELK, “[...] eles sentiram que iriam falhar quando encontrassem um uma situação linguística ou extralinguística desconhecida” (Bayraktar Özer, 2017, p. 111, tradução nossa). Os resultados obtidos indicaram que os participantes complementaram com sucesso sua falta de conhecimento linguístico com seu conhecimento extralinguístico, mas não o contrário. Além disso, após o treinamento, os participantes adotaram uma atitude mais positiva em relação à superação dos problemas relacionados com a falta de conhecimento linguístico através do conhecimento extralinguístico.
Sheneman (2018), por sua vez, realizou uma pesquisa com intuito de investigar como os principais termos relacionados à doença ‘câncer’ seriam traduzidos do inglês escrito para Língua de Sinais Americana (ASL) por intérpretes surdos, com e sem experiência pessoal e profissional com o tema, em comparação com os mesmos termos expressos por um oncologista surdo, e como o conhecimento extralinguístico dos intérpretes surdos poderia influenciar a experiência dos clientes da tradução. A pesquisadora teve como informantes dois intérpretes surdos que se identificaram como bilíngues equilibrados, um familiarizado com o tema e outro não. O resultado do estudo foi que os intérpretes surdos relataram que “[...] ter conhecimento extralinguístico tornou mais fácil romper com a forma e criar uma tradução de destino dinâmica” (Sheneman, 2018, p. 7, tradução nossa).
Ainda de acordo com Gile (1995), o conhecimento extralinguístico pode ser subdividido em duas subcategorias: ELK pré-existente e conhecimento adquirido no próprio texto ou conhecimento contextual19, sendo que um mínimo de conhecimento pré-existente é necessário em várias situações para desambiguar o discurso na língua fonte e fazer as escolhas apropriadas para a produção da mensagem na língua alvo. Além disso, o conhecimento extralinguístico desempenha um papel importante tanto na fase de compreensão quanto na fase de reformulação da mensagem na língua alvo. A coordenação dessas fases pelos intérpretes tem sido estudada e modelada por Gile (1995) e discutida a partir da proposição dos “Modelos dos Esforços em Interpretação”:
No início dos anos oitenta, um conjunto de modelos foi desenvolvido com um objetivo diferente, a ideia não foi descrever o processo de interpretação simultânea, mas explicar erros e omissões identificados no desempenho dos intérpretes simultâneos e consecutivos que não poderiam ser facilmente atribuídos às habilidades linguísticas deficientes, conhecimento extralinguístico insuficiente ou às más condições de entrega do texto fonte. Esses ‘Modelos dos Esforços’ (veja, por exemplo, Gile 1995, 1997) reúnem os componentes operacionais da interpretação em três “Esforços” [...]
(Gile, 1999, p. 593).Assim, além da “equação de compreensão” (i), Gile (1995) também propõe uma equação (ii) para modelar a interpretação simultânea20, um processo constituído por três esforços principais, denominados:
A esses três esforços soma-se ainda o esforço de coordenação que vai equilibrar a distribuição da atenção do intérprete entre os demais esforços durante o processo. Tem-se:
(i) SI = L + P + M + C
Em que,
SI representa a interpretação simultânea;
L o esforço de audição e análise;
P o esforço de produção
M o esforço de memória de curto prazo;
C o esforço de coordenação dos demais esforços
(Gile, 1995, p. 169, tradução nossa).O desenvolvimento desses modelos partiu de duas ideias principais: a de que a atividade de interpretação exige uma “energia mental” que tem um limite e, além disso, ao fato de que, às vezes, a atividade requer mais energia do que a disponível – isso geralmente é constatado no momento em que o desempenho do intérprete sofre uma queda de qualidade. Por outro lado, conforme a “Hipótese da Corda Bamba” (Gile, 1999), na maior parte do tempo os intérpretes trabalham perto do nível de saturação, logo, qualquer aumento na demanda de capacidade de processamento pode trazer sobrecarga e afetar a produção do discurso alvo. Não só isso, uma vez que as operações realizadas pelo intérprete seguem o ritmo do falante, os esforços estão sempre em concorrência – “Hipótese da Concorrência” (Gile, 1999) –, ou seja, os esforços estão sempre demandando energia mental do intérprete, estão “concorrendo entre si” pela sua atenção.
Assim é que na preparação da interpretação22 torna-se importante aos intérpretes adquirir conhecimento extralinguístico, aumentando as chances e poder de antecipação e, portanto, diminuindo seus esforços de audição e análise. Conforme Gile (1995, p. 152), “ao fazer isso, eles aumentam a capacidade restante para os outros dois esforços e provavelmente reduzirão a frequência de problemas relacionados à capacidade de processamento”.
O conhecimento extralinguístico, conforme já destacamos, trata do conhecimento pelo intérprete dos assuntos dos textos ou discursos objetos de sua atividade profissional, dos conceitos envolvidos e de suas inter-relações, e do conhecimento do quadro dos interesses dos participantes na comunicação, as suas linhas de raciocínio, posições, desejos, fragilidades, interação, etc. Logo, não diz respeito, simplesmente, à pesquisa por termos especializados, realizada a partir de materiais especializados disponíveis na língua fonte e/ou na língua alvo, ou em glossários (especialmente no caso da Libras)23. Tal pesquisa, assim como a organização do próprio glossário, pode ser interessante durante o estudo para a preparação da interpretação, entretanto:
Os glossários [de intérpretes] são preparados principalmente para comunicação imediata em um determinado contexto, não para servir de referência por longos períodos ou para uma ampla gama de conferências. Em seus glossários, os intérpretes costumam listar indicações terminológicas apropriadas para uma ocasião particular e acrescentar muito pouca informação sobre a confiabilidade da informação, sua fonte, seu alcance de aplicação, o significado ou natureza dos referentes etc. Por causa da baixa precisão e confiabilidade, tais glossários nem sempre podem ser confiáveis para uso em conferências diferentes daquelas para as quais foram preparados.
(Gile, 1995, p. 150, tradução nossa).Para ilustrar essa dinâmica, no contexto de uma aula de matemática, podemos pensar no triângulo retângulo e dois de seus lados, o cateto oposto e o cateto adjacente, que podem ser marcados espacialmente em Libras de acordo com o contexto linguístico e com o triângulo apresentado. Contudo, as relações “oposto à” e “adjacente à” exigem um referente e de acordo com o ângulo escolhido como referente as posições oposto e adjacente se invertem.
Considerando o ângulo α (Figura 4), o lado que se encontra à sua frente é chamado de cateto oposto. O lado adjacente (“que está ao lado”) de α é chamado de cateto adjacente:
Se considerarmos o ângulo β (Figura 5), no entanto, os catetos oposto e adjacente se invertem:
Sendo assim, quando um intérprete define uma estratégia visual-espacial para indicar o cateto oposto, por exemplo, isso não significa que essa representação será fixa, pois vai depender do ângulo considerado. Logo, quando o professor falar em cateto oposto, o intérprete precisará identificar rapidamente qual é o ângulo considerado para definir qual é o lado oposto, e ainda, caso o professor não explicite inicialmente qual ângulo está considerando, o intérprete poderá questionar/verificar qual é o ângulo em questão para definir sua estratégia de sinalização em Libras. Essa análise e verificação só é possível na medida em que o intérprete tenha o conhecimento extralinguístico de que os catetos oposto e adjacente em um triângulo retângulo não estão fixados, mas se dão sempre em relação a algum dos ângulos agudos considerados. Esse exemplo é uma pequena mostra do fato de que enquanto realiza o esforço de ouvir e analisar o discurso do professor de matemática, o intérprete também se esforça para construir o discurso em Libras e para memorizar as palavras que estão sendo ditas para estabelecer conexões entre elas de modo a constituir uma unidade de significado a ser produzida, que deve ser ainda conectada na cadeia de sentido do discurso em Libras.
Das hipóteses propostas por Gile (1995, 1999), e da compreensão dos esforços realizados pelos intérpretes educacionais, nossa defesa, portanto, é de que a construção do conhecimento extralinguístico pode contribuir significativamente para a coordenação dos esforços de interpretação no momento de atuação do intérprete educacional, uma vez que, quanto mais familiaridade com os conceitos e em como se relacionam na língua fonte, menos demanda da capacidade de processamento de audição e análise e da memória de curto prazo será requerida. E pode contribuir, dessa forma, para evitar a sobrecarga do intérprete, já que frequentemente este profissional está trabalhando com recursos limitados de atenção, coordenando diferentes esforços de interpretação, pressionado pelo tempo de ação (entre o ouvir e o sinalizar).
É assim que, na medida em que o intérprete dispõe de conhecimento extralinguístico, maior é seu trânsito pelos jogos de linguagem da matemática escolar e maior é a compreensão dos seus conceitos. Isso, por sua vez, amplia as condições “de dizer de uma maneira gramaticalmente correta [aceita como lance legitimo] no jogo de linguagem em que esse dizer é produzido” (Machado, 2022, p. 7), potencializando as possibilidades de uma boa construção discursiva em Libras.
Para concluir
Assumindo que o ponto chave para toda discussão sobre ensino e aprendizagem de matemática de estudantes surdos em escolas inclusivas situa-se, antes, na discussão da potencialização de comunicação entre professor de matemática e estudante surdo, mediada pelo intérprete educacional, temos concentrado nossos esforços no âmbito da formação do professor de matemática e da formação do tradutor e intérprete de Libras. No entre dessas formações, acreditamos encontrar formas de contribuir não somente à educação de surdos, mas dos processos educativos de uma maneira mais ampla.
Por um lado, temos defendido que nem o desconhecimento da língua de sinais por grande maioria dos professores que atuam em escolas inclusivas, nem a presença de intérpretes educacionais, desobriga os docentes quanto à sua responsabilidade pedagógica, de modo que o professor precisa atentar para a linguagem e seus usos, em sua capacidade de expressão e significação. Por outro lado, ainda que uma boa construção discursiva por parte do professor seja fundamental para uma boa atuação do intérprete educacional, temos problematizado que isso não garante que uma boa construção discursiva em Libras de fato aconteça. Daí nossa aposta e defesa na construção do que temos chamado de conhecimento extralinguístico por parte do intérprete.
Com isso, defendemos que uma boa construção discursiva por parte do professor e um bom conhecimento extralinguístico por parte do intérprete são condições fundamentais para que os processos de comunicação em salas de aula inclusivas sejam potencializados. É o que temos chamado de Princípio da Boa Construção Discursiva em Libras em salas de aula inclusivas. Princípio que é descrito, por sua vez, pelo que denominamos de Modelo do Cabo de Força Equilibrado24.
Assim sendo, pensamos que antes e mais do que o uso de imagens ou do que a busca por correspondências palavra-sinal, quanto melhor forem esses elementos – a boa construção discursiva do professor e o conhecimento extralinguístico do intérprete – maiores são as condições de uma boa construção do discurso matemático em Libras. Daí que as discussões trazidas neste texto possam dar a pensar sobre questões tão naturalizadas no discurso atual acerca da educação de surdos, em especial quanto ao enunciado de que o surdo é um sujeito visual, tal como evidenciamos circular no campo da educação matemática, assim como o pressuposto de que os processos de tradução e interpretação se dão prioritariamente a partir de uma correspondência entre palavra e sinal.
Desnaturalizar tais questões, a nosso ver, é fundamental para que se possa livrar-se ou, ao menos, transgredir, tanto quanto se queira, as amarras de uma pedagogia que insiste em ditar regras para o ensinar e aprender matemática (de estudantes surdos e não-surdos), possibilitando-nos vislumbrar outras racionalidades pedagógicas.
Referências
Albres, Neiva de Aquino; Costa, Mairla Pereira Pires. “Indicadores Bibliométricos da Produção Acadêmica Internacional sobre o Intérprete Educacional de Línguas de Sinais”. Cadernos de Tradução, 41(1), p. 68-106, 2021. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e85299
Ampessan, João Paulo; Guimarães, Juliana Sousa Pereira & Luchi, Marcos. Intérpretes educacionais de Libras: orientações para a prática profissional. Florianópolis: DIOESC, 2013.
Borges, Fabio Alexandre & Rossi, Eduardo Mateus Guimarães. “O Ensino de Matemática para Surdos e pesquisas brasileiras: uma revisão bibliográfica categorizada a partir de periódicos científicos”. EM TEIA – Revista de Educação Matemática e Tecnológica Iberoamericana, 10(2), p. 1-22, 2019. DOI: https://doi.org/10.36397/emteia.v10i2.240508
Bayraktar Özer, Özge. Complementarity between Linguistic and Extralinguistic Knowledge in Simultaneous Interpreting. 2017. 170 f. Dissertação (Mestrado em Tradução e Interpretação) – Department of Translation and Interpretation, Hacettepe University Graduate School of Social Sciences, Ankara, 2017. Disponível em: http://www.openaccess.hacettepe.edu.tr:8080/xmlui/bitstream/handle/11655/3796/10153000.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 6 abr. 2023.
Campello, Ana Regina e Souza. Aspectos da visualidade na educação de surdos. 2008. 245 f. Tese (Doutorado em Educação) – Centro de Ciências da Educação, Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/91182. Acesso em: 6 abr. 2023.
Campello, Ana Regina e Souza. “Pedagogia visual/sinal na educação dos surdos”. In: Quadros, Ronice Muller de & Perlin, Gladis Teresinha Taschetto (Org.). Estudos surdos II. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2007. p. 84-126.
Carneiro, Fernando Henrique Fogaça & Wanderer, Fernanda. “‘O surdo é um sujeito visual, por isso é preciso usar materiais concretos nas aulas de matemática’: problematizações acerca da educação matemática para alunos surdos bilíngues”. Revista Educação Especial, 32(1), p. 1-23, 2019. DOI: http://dx.doi.org/10.5902/1984686X34343
Carvalho, Danilo Couto Teixeira de. CALCULIBRAS: construindo um glossário de Matemática em Libras na Web. 2017. 112 f. Dissertação (Mestrado em Diversidade e Inclusão) – Instituto de Biologia, Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2017. Disponível em: http://cmpdi.sites.uff.br/wp-content/uploads/sites/186/2018/08/Dissertação-DaniloCoutoTeixeiradeCarvalho-17.pdf. Acesso em: 6 abr. 2023.
Costa, Walber Christiano Lima da & Silveira, Marisa Rosâni Abreu da. “O Modelo Referencial da Linguagem na aprendizagem matemática de alunos surdos”. Educação Matemática Pesquisa, 22(1), p. 490-511, 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.23925/1983-3156.2020v22i1p490-511
Faulstich, Enilde. “Da linguística histórica à terminologia”. Investigações (UFPE Impresso), Recife, 7(1), p. 71-101, 1997.
Foucault, Michel. História da sexualidade II: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 2001.
Foucault, Michel. A arqueologia do saber. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2009.
Gile, Daniel. Basic Concepts and Models for Interpreter and Translator Training. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 1995.
Gile, Daniel. “Testing the Effort Models’ Tightrope Hypothesis in Simultaneous Interpreting – A Contribution”. Hermes, 23, p. 153-172, 1999.
Gile, Daniel. “Testando a hipótese da ‘corda bamba’ do modelo dos esforços na interpretação simultânea – uma contribuição”. Tradução de Markus Johannes Weininger, Giovana Bleyer Ferreira dos Santos & Diego Maurício Barbosa. Cadernos de Tradução, 35(2), n. esp. 2, p. 590-647, 2015. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2015v35nesp2p590
Kade, Otto. “Casualidade e regularidade na tradução”. Tradução de Maurício Mendonça Cardozo. In: Cardozo, Maurício Mendonça; Heidermann, Werner & Weininger, Markus Johannes (Org.). A Escola Tradutológica de Leipzig. Frankfurt: Peter Lang, 2009. p. 119-168.
Lacerda, Cristina Broglia Feitosa de. “O intérprete de língua de sinais no contexto de uma sala de aula de alunos ouvintes: problematizando a questão”. In: Lacerda, Cristina Broglia Feitosa de & Góes, Maria Célia Rafael de (Org.). Surdez: processo educativo e subjetividade. São Paulo: Lovise, 2000. p. 51-84.
Lacerda, Cristina Broglia Feitosa de. “O intérprete educacional de língua de sinais no Ensino Fundamental: refletindo sobre limites e possibilidades”. In: Lodi, Ana Cláudia Bailieiro; Pacheco, Harrison Kathryn Marie; Campos, Sandra Regina Leite de & Teski, Ottmar (Org.). Letramento e minorias. Porto Alegre: Mediação, 2013. p. 120-128.
Lederer, Marianne. “Simultaneous Interpretation – Units of Meaning and Other Features”. In: Pöchhacker Franz & Shlesinger Miriam (Ed.). The Interpreting Studies Reader. New York: Routledge, 2002. p. 130-140.
Machado, Rosilene Beatriz. “Irene vista de dentro, outra vez. Ou, sobre um aprendizer e um ensinar-traduzir [matemática]”. REVEMAT, 17(1), p. 1-20, 2022. DOI: https://doi.org/10.5007/1981-1322.2022.e86726
Machado, Rosilene Beatriz & Oliveira, Janine Soares de. “A importância da construção discursiva por parte do professor [de matemática] para a atuação do intérprete de Libras em salas de aula inclusivas”. REVEMAT, 18(1), p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/1981-1322.2023.e93517
Machado, Rosilene Beatriz & Oliveira, Janine Soares de (Org.). Trigonometria. Coleção FOR-MA- TEMáTICA: Matemática em Estudo. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2022.
Martins, Vanessa Regina de Oliveira. “Tradutor e intérprete de língua de sinais educacional: desafios da formação”. Belas Infiéis, 5(1), p. 147-163, 2016. DOI: https://doi.org/10.26512/belasinfieis.v5.n1.2016.11374
Meneghetti, Francis Kanashiro. “O que é um ensaio-teórico?”. Revista de Administração Contemporânea, 15(2), p. 320-332, 2011. DOI: https://doi.org/10.1590/S1415-65552011000200010
Nogueira, Clélia Maria Ignatius; Borges, Fábio Alexandre & Frizzarini, Sílvia Terezinha. “Os surdos e a inclusão: uma análise pela via do ensino de matemática nos anos iniciais do ensino fundamental”. In: Nogueira, Clélia Maria Ignatius (Org.). Surdez, inclusão e matemática. Curitiba: CRV, 2013, p. 163-183.
Perlin, Gladis Teresinha Taschetto. O ser e o estar sendo surdos: alteridade, diferença e identidade. 2003. 156 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/5880. Acesso em: 6 abr. 2023.
Perlin, Gladis Teresinha Taschetto & Miranda, Wilson. “Surdos: o Narrar e a Política”. Ponto de Vista, 5(1), p. 217-226, 2003.
Perlin, Gladis Teresinha Taschetto & Strobel, Karin. Fundamentos da educação de surdos. Florianópolis: UFSC, 2008.
Pöchhacker, Franz & Shlesinger, Miriam (Org.). The Interpreting Studies Reader. New York: Routledge, 2002.
Porto, Nádia dos Santos Gonçalves. “A atuação dos TILS no processo de construção de sinais na área de conhecimento das ciências exatas – qualificando o ensino dos surdos”. Caderno de Letras, 22(1), p. 201-220, 2014. DOI: https://doi.org/10.15210/cdl.v0i22.4565
Quadros, Ronice Muller de. “Situando as diferenças implicadas na educação de surdos: inclusão/exclusão”. Ponto de Vista, 5(1), p. 81-111, 2003.
Rangel, Gisele M. M. & Stumpf, Marianne Rossi. “A Pedagogia da Diferença para o Surdo”. In: Lodi, Ana Cláudia Balieiro; Harrinson, Kathrin Marie Pacheco & Campos, Sandra Regina Leite de (Org.). Leitura e Escrita: no contexto da diversidade. Porto Alegre: Mediação, 2004. p. 86-97.
Roy, Cynthia B. Interpreting as a Discourse Process. New York: Oxford University Press, 2000.
Santos, Lara Ferreira dos & Lacerda, Cristina Broglia Feitosa de. “Atuação do intérprete educacional: parceria com professores e autoria”. Cadernos de Tradução, 35(2), n. esp. 2, p. 505-533, 2015. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2015v35nesp2p505
Sheneman, Naomi. Does Extralinguistic Knowledge Really Matter? An Examination of the Impact of Deaf Interpreters Personal and Professional Experience on Cancer-Related Translated Texts. 2018. Tese (Doutorado em Filosofia). Department of Interpretation and Translation, Gallaudet University, Washington, 2018. Disponível em: https://www.proquest.com/openview/bd36de4615069e90be338402daff5fbb/1?pq-origsite=gscholar&cbl=18750. Acesso em: 6 abr. 2023.
Viana, Flávia Roldan & Barreto, Marcília Chagas. “A construção de conceitos matemáticos na educação de alunos surdos: o papel dos jogos na aprendizagem”. Horizontes, 29(1), p. 17-25, 2011.
Notas
Matemática é uma dessas áreas com poucas fontes confiáveis para consulta. Basta lembrar, por exemplo, que não há sequer uma coleção de livros didáticos de Ensino Médio em Libras para que pessoas Surdas estudem ou que sirvam de referência para a preparação de intérpretes. A partir disso, uma das principais ações que temos desenvolvido no GEPAM (Grupo de Estudos e Pesquisa em Alteridade e Educação Matemática) é a oferta anual do FormaGEPAM (Encontro de Formação em Matemática para Intérpretes e Tradutores de Libras), bem como a produção e divulgação da Coleção For-Ma-Temática: Matemática em Estudo, que reúne materiais de apoio de matemática por nós desenvolvidos, em versão bilíngue Português-Libras. Maiores informações podem ser encontradas em: gepam.ufsc.br.
Autor notes
E-mail: janinemat@gmail.comE-mail: rosibmachado@gmail.com