APRESENTAÇÃO
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e97679
Financiamento
Fonte: Universidade Politécnica de Macau
Número do contrato: RP/ESLT-02/2021
As relações entre a China e os países de língua portuguesa são antigas, vêm paulatinamente se intensificando, e têm se dado em diversos âmbitos, como o econômico, político, social e cultural. E a tradução, podemos dizer, é a responsável por disseminar grande parte do conhecimento nesses diferentes países. Não por acaso, nos últimos anos, especialmente no século XX, registou-se um aumento significativo do número de instituições que se dedicam ao ensino do português na China e do chinês nos países lusófonos. Atualmente, há mais de 50 universidades chinesas nas quais se ensina a língua de Camões e de Machado de Assis e o interesse pela tradução vem aumentando, como atesta o professor Changsen Li, em entrevista concedida para compor este número (Zhang, X., 2023). Por sua vez, no Brasil, para citar apenas um país de língua portuguesa, há cerca de 20 Institutos Confúcio que desempenham um importante papel na divulgação da língua e cultura chinesas, bem como na formação de tradutores das obras chinesas, sem contar com a influência da comunidade de imigrantes chineses nos países de língua portuguesa. A intensificação do ensino da língua/cultura impacta diretamente na tradução, que serve de ponte entre os sistemas culturais de língua chinesa e portuguesa, e tem sido usada em diferentes áreas: da economia à tecnologia, da literatura à religião e filosofia. Portanto, este número de Cadernos de Tradução se dedica às trocas culturais em tradução entre a China e os países de língua portuguesa.
Os 15 textos que compõem essa edição foram escritos e traduzidos por pesquisadores de diferentes instituições de ensino e pesquisa e abordam temáticas que fortalecem o diálogo entre os respectivos sistemas culturais. Abre o número o artigo de Xiang Zhang e Xin Huang, intitulado “Tradução e disseminação da literatura chinesa em língua portuguesa: características e tendências”, no qual os autores fornecem uma visão geral da tradução e disseminação da literatura chinesa em língua portuguesa desde 1979 até o presente, com ênfase nas características e tendências nesse período, a partir dos dados coletado em plataformas online, como Goodreads, Amazon, Skoob, Wook, além do banco de dados do acervo bibliográfico Worldcat (Zhang & Huang, 2023). Na sequência, Giorgio Sinedino, no artigo “Um texto, muitas vozes: ‘autoria difusa’ e a tradução de literatura clássica chinesa para o português”, argumenta que as obras literárias na China são criadas coletivamente e produzem um conceito mais opaco e fluído de texto de partida, por isso, o texto aborda o dilema encontrado pelo tradutor entre preservar a fidelidade estrita ou violá-la para o valor literário da obra clássica chinesa para o público da tradução (Sinedino, 2023). Por sua vez, Jing Lu e Lili Han, em “Estratégias de tradução dos realia em O problema dos três corpos: uma análise com base no modelo existencial de tradução”, identificam os realia na obra científica O problema dos três corpos e tratam das estratégias principais de tradução desses realia do chinês para o português, levando em conta a sua denotação e conotação, a função no texto e a função nas normas (Lu & Han, 2023). Em “Aplicação do modelo de avaliação de Juliane House na tradução literária. O caso de traduzir um ensaio anônimo de Shi Tiesheng”, Tao Zheng utiliza o modelo de Juliane House para analisar a tradução literária, explorando as vantagens e desvantagens que esse modelo pode trazer para a prática de tradução (Zheng, 2023). No artigo de Fan Xing, “Tradução literária como construção da identidade cultural: a tradução da literatura brasileira na China entre 1919 e 1966”, a autora apresenta uma visão panorâmica sobre a tradução da literatura brasileira na China. Ela defende que a publicação da literatura brasileira, após 1949, seguiu o mesmo caminho da tradução da literatura das nações desfavorecidas na primeira metade do século XX, que visava quebrar a hegemonia cultural dos países ocidentais e construir uma nova nação e uma nova literatura (Xing, 2023). Em “Jorge ‘Amado’ pela China: uma abordagem historiográfica da tradução de obras de Jorge Amado na China (1949-1976)”, Jianbo Zhang, a partir da análise das quatro primeiras traduções de obras do autor baiano desde a fundação da República Popular da China até 1976, discute como a tradução faz parte da típica institucionalização da tradução literária da China, em que fatores como poder e ideologia exerceram manipulação na comunicação cultural ocorrida no contexto chinês (Zhang, J., 2023). Em “Tradução comentada: a recriação da ‘etra’ de Azul Corvo”, Ting Huang apresenta uma análise que se baseia na própria tradução de Azul Corvo, do português para o chinês. O estudo aborda o texto traduzido recorrendo aos conceitos de “tradução não platônica” e de “tradução da letra”, defendendo o modelo hermenêutico de Berman (Huang, 2023). Em “Traduzindo a diversidade linguística e o contexto cultural em Terra Sonâmbula, de Mia Couto: estratégias de tradução e paratextos na versão chinesa”, Yingyi Liang discute os procedimentos da tradução de Terra Sonâmbula, de Mia Couto, para o chinês e de como a tradutora, Xuefei Min, teve de lidar com a diversidade linguístico-cultural presente nesta obra em particular (Liang, 2023). Em “Sobre a tradução da estrutura chinesa “bu (mei) + verbo” para o português com base num corpus paralelo chinês-português”, Zhihua Hu & Wang Suoying analisam as possíveis tendências tradutórias da estrutura “bu (mei) + verbo” do chinês para o português a partir de um corpus paralelo chinês-português, criado com base em uma obra de Mo Yan, escritor chinês, e sua tradução portuguesa feita por Amilton Reis (Hu & Suoying, 2023). Em “Tradução de metáforas verbo-pictóricas para páginas Web do Smartphone Huawei P40 Pro à luz da teoria de necessidades”, Yuqi Sun e Zi Ye, com o objetivo de verificar como as metáforas conceitualizam as características do produto nas diferentes versões de tradução, exploram as diferentes intenções do anunciante chinês e do tradutor brasileiro em estimular as necessidades de compra dos públicos-alvo chinês e brasileiro (Sun & Ye, 2023). Em “Práticas multilíngues de tradução na paisagem linguística de Macau: reflexões através da abordagem de placeness e subjetividade do lugar”, Peiyu Ma e Siqing Mu analisam e refletem sobre as manifestações linguísticas públicas na cidade de Macau, com incidência nas práticas multilíngues e interculturais nela patentes e tornadas visíveis por meio da tradução (Ma & Mu, 2023). Em “As correspondências e não correspondências entre a língua e cultura chinesa e lusófona: análise de termos da botânica”, Yuxiong Zhang exemplifica algumas das questões de correspondências e não correspondências entre as duas línguas, com o objetivo de contribuir para uma melhor compreensão das duas culturas e auxiliar na tradução de textos de botânica entre a língua chinesa e portuguesa (Zhang, Y., 2023).
Na seção “Entrevista”, Xiang Zhang entrevista o professor titular da Universidade Politécnica de Macau, Changsen Li, também conhecido por James Li, que é um dos principais responsáveis pela difusão do português na China, tendo publicado o importante livro Aspectos Teórico-Práticos de Tradução Chinês-Português, em 2002, que serviu e serve de base para o ensino de português na China. Na seção “Artigos Traduzidos”, Li Ye propõe a tradução de um texto publicado em 1935, considerado um dos clássicos da teoria da tradução na China. O texto, intitulado “A retradução é indispensável”, foi escrito por Lu Xun, pseudônimo de Zhou Shuren, considerado um grande escritor, pensador, revolucionário e tradutor literário da China (Xun, 2023). Na seção “Tradução e Criação”, Lili Han traduz para o chinês alguns poemas de Adriana Lisboa, presentes no livro Parte da Paisagem, publicado no Brasil em 2014 (Han, 2023).
Para finalizar, desejamos que esses artigos ampliem a discussão sobre as relações luso-chinesas em tradução e que este número venha se somar aos mais de 10 trabalhos publicados na revista Cadernos de Tradução ao longo dos últimos anos1.
Agradecimentos
Este número foi desenvolvido no âmbito do Projeto Científico RP/ESLT-02/2021, financiado pela Universidade Politécnica de Macau, China.
Referências
Barreto, Cristiano Mahaut de Barros. “Menina Acanhada: uma tradução do shījīng”. Cadernos de Tradução, 2(28), p. 181-200, 2011. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2011v2n28p181
Escaleira, Maria de Lurdes Nogueira. “O que é preciso para ser tradutor?: estudo de caso – Macau (China)”. Cadernos de Tradução, 36(2), p. 180-204, 2016. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2016v36n2p180
Escaleira, Maria de Lurdes Nogueira & Bizarro, Rosa. “Ensino Politécnico da Tradução em Macau”. Cadernos de Tradução, 1(31), p. 155-178, 2013. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2013v1n31p155
Guerini, Andréia; Ye, Li & Zhang, Xiang. “Entrevista com Fan Xing”. Cadernos de Tradução, 43(1), p. 1-14, 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e93045
Guerini, Andréia; Ye, Li; Han, Lili & Zhang, Xiang. “Machado de Assis na China: contos traduzidos”. Cadernos de Tradução, 43(esp.3), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e97682
Han, Lili. “Tradução de poemas de Adriana Lisboa para o chinês: uma breve reflexão”. Cadernos de Tradução, 43(esp.3), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e97182
Hu, Zhihua & Suoying, Wang. “Sobre a tradução da estrutura chinesa ‘bu (mei) + verbo’ para o português com base num corpus paralelo chinês-português”. Cadernos de Tradução, 43(esp.3), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e87041
Huang, Lin. “Rescrever Bei Dao: poesia Menglong 朦胧诗 em língua portuguesa”. Cadernos de Tradução, 42(1), p. 1-32, 2022 DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2022.e82154
Huang, Ting. “Tradução Comentada: a Recriação da ‘Letra’ de Azul Corvo”. Cadernos de Tradução, 43(esp.3), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e97210
Jatobá, Júlio Reis. “Poéticas do Traduzir a, na e para a China: uma proposta”. Cadernos de Tradução, 39(esp.), p. 121-147, 2019. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39nespp120
Lang, Sida & Sun, Yuqi. “Estranhamento como estratégia de tradução: categorização do estranhamento na poesia leminskiana e a sua recriação na língua chinesa”. Cadernos de Tradução, 40(3), p. 154-186, 2020. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2020v40n3p154
Liang, Yingyi. “Traduzindo a diversidade linguística e o contexto cultural em ‘Terra sonâmbula’, de Mia Couto: estratégias de tradução e paratextos na versão chinesa”. Cadernos de Tradução, 43(esp.3), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e97136
Lu, Jing & Han, Lili. “Estratégias de tradução dos realia em O Problema dos Três Corpos: uma análise com base no modelo existencial de tradução”. Cadernos de Tradução, 43(esp.3), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e97179
Lu, Jing; Han, Lili & André, Carlos Ascenso. “Tradução portuguesa de referências culturais extralinguísticas no Manual de Chinês língua não materna: aplicação de estratégias de tradução propostas por Andrew Chestermann”. Cadernos de Tradução, 42(1), p. 1-39, 2022. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2022.e82416
Ma, Peiyu & Mu, Siqing. “Práticas multilíngues de tradução na paisagem linguística de Macau: reflexões através da abordagem de placeness e subjetividade do lugar”. Cadernos de Tradução, 43(esp.3), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e92513
Menezes Júnior, Antônio José Bezerra & Chen, Flávia Chen. “Wang Wei e o Mistério do Musgo Verde Azulado”. Cadernos de Tradução, 39(esp.), p. 248-258, 2019. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39nespp248
Schmaltz, Márcia. “’Confúcio e o menino sem nome’: intertextualidade e adaptação”. Cadernos de Tradução, 36(1), p. 114-134, 2016. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2016v36n1p114
Sinedino, Giorgio. “Um texto, muitas vozes: ‘autoria difusa’ e a tradução de literatura clássica chinesa para o português”. Cadernos de Tradução, 43(esp.3), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e97197
Sun, Yuqi & Ye, Zi. “Tradução de metáforas verbo-pictóricas para páginas web do smartphone Huawei P40 Pro à luz da teoria de necessidades”. Cadernos de Tradução, 43(esp.3), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e97183
Wang, Chengxu. “Análise da tradução do poema O Velho Carvoeiro sob a perspetiva da Linguística Sistémico-funcional” Cadernos de Tradução, 42(1), p. 1-35, 2022, DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2022.e83708
Xing, Fan. “Tradução literária como construção da identidade cultural: a tradução da literatura brasileira na China entre 1919 e 1966”. Cadernos de Tradução, 43(esp.3), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e97143
Xun, Lu. “A retradução é indispensável”. Tradução de Li Ye. Cadernos de Tradução, 43(esp.3), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e97554
Zhang, Jianbo. “Jorge ‘Amado’ pela China: uma abordagem historiográfica da tradução de obras de Jorge Amado na China (1949-1976)”. Cadernos de Tradução, 43(esp.3), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e97152
Zhang, Jianbo & Lou, Zhichang. “Tradução das palavras com carga cultural no romance 活着 (huó zhe, Viver) a partir da perspectiva da eco-translatologia” Cadernos de Tradução, 43(1), p. 1-22, 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e86532
Zhang, Xiang. “Entrevista com Changsen Li”. Cadernos de Tradução, 43(esp.3), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e97533
Zhang, Yuxiong. “As correspondências e não correspondências entre a língua e cultura chinesa e lusófona: análise de termos da botânica”. Cadernos de Tradução, 43(esp.3), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e94952
Zhang, Xiang & Huang, Xin. “Tradução e disseminação da literatura chinesa em língua portuguesa: características e tendências”. Cadernos de Tradução, 43(esp.3), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e97532
Zheng, Tao. “Aplicação do modelo de avaliação de Juliane House na tradução literária: o caso de traduzir um ensaio anônimo de Shi Tiesheng”. Cadernos de Tradução, 43(esp.3), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e97163), 2023. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2023.e97163
Notas
Autor notes
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