Resumo: O trabalho que apresentamos tem por objetivo analisar as possíveis tendências tradutórias da estrutura “bu (mei) + verbo” do chinês para o português. Em chinês moderno, os dois advérbios negativos “bu” e “mei” têm uma relação muito estreita com o aspeto dos verbos pospostos; ou seja, como os verbos chineses não têm conjugações, estes dois advérbios negativos servem para associar os verbos aos aspetos diferentes, com o advérbio “bu” a ligar o verbo posposto ao aspeto imperfeito e o advérbio “mei”, ao aspeto perfeito. Para verificar se as suas traduções portuguesas também obedecem a esta relação, recorremos a um corpus paralelo chinês-português, criado com base numa obra de Mo Yan, escritor chinês, e a sua tradução portuguesa por Amilton Reis. Por meio da análise dos exemplos bilíngues extraídos, procuramos analisar e discutir as possíveis tendências de tradução da estrutura “bu (mei) + verbo” para o português e, com isso, esperamos ajudar os tradutores em formação a compreenderem e a dominarem as possíveis orientações tradutivas da dita estrutura.
Palavras-chave: Advérbio negativo “bu”, Advérbio negativo “mei”, Tradução, Corpus paralelo, Chinês.
Abstract: This study aims to analyse the possible translation tendencies of the structure “bu (mei) + verb” from Chinese to Portuguese. In modern Chinese, the two negative adverbs “bu” and “mei” have a very close relationship with the aspect of postponed verbs, that is, as Chinese verbs are not conjugated, these two negative adverbs associate the verbs to different aspects (the adverb “bu” links the postponed verb to the imperfect aspect, and the adverb “mei”, to the perfect aspect). To verify whether the Portuguese translations of such adverbs also obey this relationship, we use a parallel Chinese-Portuguese corpus, whose design is based on a work by Mo Yan, Chinese writer, and its Portuguese translation by Amilton Reis. By examining the extracted bilingual examples, we sought to analyse and discuss the possible tendencies in the translation of the structure “bu (mei) + verb” into Portuguese, in the hope of helping translators in training to understand and master the translation tendencies of this structure.
Keywords: Negative adverb “bu”, Negative adverb “mei”, Translation, Parallel corpus, Chinese.
Artigo
SOBRE A TRADUÇÃO DA ESTRUTURA CHINESA “BU (MEI) + VERBO” PARA O PORTUGUÊS COM BASE NUM CORPUS PARALELO CHINÊS-PORTUGUÊS
ON THE TRANSLATION OF THE CHINESE STRUCTURE “BU (MEI) + VERB” INTO PORTUGUESE BASED ON A CHINESE-PORTUGUESE PARALLEL CORPUS
Recepção: 15 Abril 2022
Aprovação: 09 Novembro 2023
Publicado: 01 Dezembro 2023
Neste artigo, pretende-se trazer reflexões sobre as possíveis tendências tradutórias da estrutura “bu (mei) + verbo” do chinês para o português, tendo como base um corpus constituído pela versão portuguesa da novela Mudança de Mo Yan (escritor chinês, laureado do Prémio Nobel em 2012) e pela sua versão original em chinês. A razão da escolha do corpus consiste em que o tradutor desta novela, Amilton Reis (brasileiro), é o primeiro lusófono a traduzir as obras de Mo Yan diretamente do chinês; como tradutor experiente, até à presente data, já traduziu várias obras de Mo Yan, tais como Mudança, As Rãs e Uma Corrida há 30 Anos.
Na realidade, o público leitor português tinha conhecido as obras de Mo Yan através de algumas traduções indiretas (traduções a partir da versão inglesa em vez da versão chinesa), tais como Peito Grande, Ancas Largas, traduzido por João Martins (2007, 2012) e Mudanças, por Vasco Gato (2012, 2013). Levando isso em conta e devido ao facto de não existirem muitos escritores chineses traduzidos diretamente do chinês para o português, decidimos escolher a obra Mudança de Mo Yan (a versão original em chinês e a sua tradução em português) para a criação do corpus aplicável para a nossa análise tradutológica.
No chinês moderno, tanto o advérbio negativo “bu” como o advérbio negativo “mei” podem funcionar para negar os verbos pospostos. Segundo Zhao (1998, p. 320), estes dois advérbios negativos têm uma relação muito estreita com o aspeto dos verbos pospostos; ou seja, como os verbos chineses não têm conjugações, estes dois advérbios negativos conseguem associar os verbos aos aspetos diferentes (o advérbio “bu” liga o verbo posposto ao aspeto imperfeito, e o advérbio “mei”, o aspeto perfeito).
Quanto ao conceito de aspeto, para Cunha & Cintra (2016, p. 396), o aspeto designa “uma categoria gramatical que manifesta o ponto de vista do qual o locutor considera a ação expressa pelo verbo”. O aspeto divide-se, basicamente, em duas categorias: o tempo perfeito e o tempo imperfeito; estes dois aspetos básicos podem ser subdivididos em mais tipos, tais como, o pontual e o durativo, o contínuo e o descontínuo, o incoativo e o conclusivo (Cunha & Cintra, 2016).
Concretamente, neste trabalho, com base num corpus paralelo chinês-português, pretendemos analisar e descrever as orientações tradutivas das estruturas “bu + verbo” e “mei + verbo1” do chinês para o português. Pela nossa análise, iremos abordar os seguintes dois aspetos:
(1). Tal como exposto anteriormente, o advérbio negativo “bu” costuma adicionar ao verbo posposto o aspeto imperfeito, e o advérbio negativo “mei” tende para associar o verbo posposto ao aspeto perfeito. Como o português é uma língua inflexiva, cujos verbos têm flexões morfológicas (que conseguem indicar tempos e aspetos linguísticos), é muito provável que se recorra, na prática tradutória, aos aspetos correspondentes na tradução das estruturas destes dois advérbios negativos “bu” e “mei” (usa-se o aspeto imperfeito para a tradução da combinação “bu + verbo”, e adota-se o aspeto perfeito na tradução da combinação “mei + verbo”). Pela nossa análise dos resultados extraídos do corpus, podemos confirmar esta suposição nossa. Aliás, estamos igualmente interessados nas “exceções” que surjam eventualmente no processo tradutório (os casos que não obedecem à nossa suposição). Iremos também analisar estas “exceções”, tentando procurar os motivos possíveis que ficam por atrás.
(2). Além das traduções em que se recorre à (in)correspondência dos aspetos, existem, a nosso ver, também casos em que se aplicam os processos tradutórios de “modulação2” e “transposição3” - conceitos tradutológicos propostos por Vinay & Darbelnet (1995). Iremos também abordar estes casos, dadas as possibilidades tradutórias oferecidas por estas práticas tradutórias.
Até o presente, há vários estudos a abordar a tradução do par linguístico chinês-português, que podem ser divididos, basicamente, nas seguintes categorias:
Sobre a aplicação teórica no processo tradutório, o trabalho de Zhang, Wen & Humblé (2022) pode servir como um exemplo, no qual, é examinada a possibilidade de a Gramática de Construção Radical (RCG) ser uma ferramenta útil na análise do processo de tradução. Os autores apresentam seis princípios derivados da construção: a prioridade da função semântica, a prioridade do espaço concetual, a aplicação da Gestalt, a interatividade, a taxonomia e a prioridade do protótipo. O estudo demonstra como a RCG oferece um novo quadro para lidar com a polissemia na tradução ao aplicar estes princípios. Para ilustrar este facto, os autores apresentam exemplos da tradução do verbo “yao” do clássico chinês “A Dream of Red Mansions”.
Na abordagem da história de tradução, o estudo de Escaleira (2016) apresenta uma análise da pedagogia e da aquisição de competências de tradução no par linguístico português-chinês em Macau. Especificamente, são apresentados os contributos do Instituto Politécnico de Macau durante o período compreendido entre 1991 e 2004. Este estudo tem como objetivo analisar a adequação dos tradutores no mercado, com um enfoque específico na satisfação das necessidades locais, nomeadamente no domínio da Administração Pública.
No nível do estudo tradutológico de cariz teórica, Jatobá (2019), com a apresentação dos conceitos de uma “poética do traduzir na China” e uma “poética de traduzir a China”, analisa as facetas históricas, filosóficas e literárias da língua chinesa, enfatizando a importância de (re)considerar as noções relativas à literatura, a tradução e a língua no contexto da civilização chinesa, e discutindo também os termos como “chinesidade”, “traduto(meio)logia”, “traição criativa”, “paralaxe tradutória” e a metáfora do “Taotie”.
No que toca à tradução dos elementos culturais do chinês para o português, a pesquisa de Zhang & Lou (2023) analisa a tradução de palavras com carga cultural no romance “Viver” de Yu Hua (escritor chinês), nas edições brasileira (2008) e portuguesa (2019). Concretamente, adota-se o enquadramento teórico de eco-translatologia de Hu Gengshen como base para uma análise qualitativa de caso para avaliar a amplitude da transformação tridimensional. O estudo de Lu, Han & André (2022) tem como objetivo analisar as referências culturais extralinguísticas encontradas no volume I do “Manual de Chinês Língua Não Materna - Nível Elementar”. O estudo deles concentra-se principalmente em encontrar padrões e regularidades para traduzir essas referências. Concretamente, são analisadas as abordagens semânticas e pragmáticas de tradução utilizadas na introdução da cultura chinesa aos alunos lusófonos que aprendem chinês como língua estrangeira.
Em relação às considerações tecidas pelos teóricos chineses em relação à tradução, são notadas duas traduções por Li (2019) e Ye (2021). Li (2019) traduz um artigo (1921) de Mao Dun (escritor e tradutor chinês), intitulado “Sobre os métodos da tradução de livros literários”, no qual, se focam nas facetas literária e geral da filosofia da tradução, aprofundando-se os conceitos das técnicas tradutórias de “espírito versus aparência”, “palavras singulares” e “espírito das entoações”. A tradução de Ye (2021) é sobre um artigo (1932) de Qu Qiubai (escritor e teórico de tradução da China), no qual, é salientado o ponto de vista do autor sobre o papel da tradução no desenvolvimento da língua chinesa, e se discutem abordagens (tais como os novos métodos de expressão) que contribuem para o desenvolvimento de uma nova língua chinesa moderna.
No que diz respeito à tradução dos poemas chineses para a língua portuguesa, há estudos de Barreto (2011) e Wang (2022). No estudo de Barreto (2011), o foco consiste na tradução do poema “Menina Acanhada” da antiga coleção poética chinesa “Shijing”. O artigo investiga a natureza intrincada da tradução deste poema com mais de 2500 anos de história, com especial atenção à escolha da estratégia estrangeirizante sobre a domesticante, acompanhado de uma análise ponderada dos aspetos teóricos relacionados com o processo de tradução. Wang (2022) realiza a análise tradutológica da versão portuguesa do poema chinês “O Velho Carvoeiro” de Bai Juyi (772-846), adotando, concretamente, o enquadramento teórico da linguística sistémico-funcional, destacando, assim, a importância da aplicação da metafunção ideacional para evitar erros comuns na tradução.
No que se refere à tradução dos poemas brasileiros para a língua chinesa, Lang & Sun (2020), no seu estudo, debruçam-se sobre a análise do estranhamento na poesia de Paulo Leminski, um poeta vanguardista do Brasil. Os autores concentram-se especificamente na recriação desse estranhamento na tradução chinesa. Apresentam uma nova categorização composta por seis aspetos distintos (estranhamentos fonético, lexical, sintático, semântico, pragmático e visual), que ilustra efetivamente o processo de recriação e oferece uma visão valiosa sobre as estratégias empregues na tradução de obras poéticas.
O número 1 do volume 36 da revista “Cadernos de Tradução” tem como temática “Corpus Use and Learning to Translate, almost 20 Years on”, no qual, são publicados vários artigos focados nesse tema. Dada a sua pertinência com o nosso estudo (uma análise tradutológica das estruturas negativas do chinês para o português como base num corpus paralelo chinês-português, que pode ajudar os tradutores em formação a compreenderem e dominarem as possíveis orientações tradutivas das ditas estruturas), convém também listar certos trabalhos que achamos relevantes para reforçar o nosso referencial teórico.
Conforme Bernardini (2016), há uma ênfase crescente na utilização de corpora como recursos educacionais para o ensino de línguas estrangeiras a tradutores em formação, destacando-se o potencial dos corpora para desenvolver as competências necessárias para o Mestrado Europeu em Tradução (EMT) (nomeadamente, a prestação de serviços de tradução, as competências linguísticas e interculturais). Frérot (2016) indica que, desde meados da década de 1990, os corpora e os concordanciadores se tornaram populares e oferecem vantagens para as aulas de tradução. Embora os cursos de tradução assistida por computador usem principalmente os sistemas de TM (translation memory), estão a ser feitos esforços para incorporar os corpora aos programas de mestrado e oferecer módulos especializados na formação de tradutores. De acordo com López Rodríguez (2016), desde a Conferência “Corpus Use and Learning to Translate” (CULT) em 1997, tem-se destacado o valor dos corpora para tradutores, e a Internet tornou-se um corpus essencial devido à disponibilidade de ferramentas em linha e concordanciadores multilingues. E o trabalho dela foca-se na forma do uso dos corpora de alta qualidade nos cursos de tradução científica e técnica. O trabalho de Sánchez Nieto (2016) descreve um pequeno projeto de pesquisa que visa ensinar a tradução de alemão para espanhol. O projeto usa técnicas de escrita criativa, aprendizagem baseada em dados e uso de corpus, cujo objetivo consiste na avaliação do papel dessas intervenções na tradução, promovendo a aprendizagem baseada em dados e conscientizando os alunos sobre as diferenças entre os tempos verbais do passado do alemão e do espanhol.
A edição mais anterior da revista “Cadernos de Tradução” (v. 1 n. 9 (2002)) foca-se na temática de “Tradução e Corpora”. Entre os artigos constantes, há também vários estudos que salientam o papel valioso que desempenham os corpora no ensino de tradução. No trabalho de Tagnin (2002), são descritas duas experiências, nas quais os alunos de tradução constroem corpora para tarefas tradutivas, mostrando-se a importância da utilização de corpora em contextos autênticos para melhorar a fluência e a naturalidade das traduções. Maia (2002) indica que o uso de minicorpora “faça você mesmo” e “descartáveis” tem ganho força entre os educadores como instrumentos pedagógicos para ajudar os alunos a aprender sobre assuntos específicos e melhorar sua compreensão do estilo e do registo dos textos. Conforme Maia (2002, p. 223), os corpora multilingues paralelos ou alinhados, compostos por textos originais e traduções, podem desempenhar um papel ativo nos estudos de tradução.
Tal como exposto na parte de introdução, segundo Zhao (1998, p. 320), nas orações negativas chinesas, usam-se advérbios negativos “bu” ou “mei” para corresponder aos aspetos verbais diferentes. Apresentamos os seguintes exemplos elaborados por nós.
(1). 我不 吃 饭。
Eu bu (advérbio negativo) comer (aspeto imperfeito)
Não como./ Não vou comer.
(2). 我 没 吃饭。
Eu mei (advérbio negativo) comer (aspeto perfeito)
Eu não comi.
(3). 我今天不吃饭。
Eu hoje bu (advérbio negativo) comer (aspeto imperfeito)
Hoje não como. / Hoje não vou comer.
(4). 我昨天没吃饭。
Eu ontem mei (advérbio negativo) comer (aspeto perfeito)
Eu não comi ontem.
Pelos exemplos bilingues de acima, nota-se que nas orações negativas com o uso do “bu”, usa-se o aspeto imperfeito na versão portuguesa; e nas orações negativas com o uso do “mei”, usa-se o aspeto perfeito na versão portuguesa. Segundo Zhao (1998, p. 320), os advérbios negativos “bu” e “mei” (advérbios negativos) estão associados aos aspetos verbais; apesar da não conjugação dos verbos chineses, estes dois advérbios negativos conseguem aliar estes verbos aos aspetos diferentes. Adiciona Zhao (1998, p. 321) também que “bu” e “mei” são os advérbios negativos mais básicos, e outros advérbios negativos assim podem ser agrupados quer na divisão de “bu” quer na de “mei”.
Aliás, Zhao (1998, p. 321) aponta também que, além das correspondências aos aspetos imperfeitos e perfeitos, os advérbios negativos “bu” e “mei” também se associam aos aspetos volitivos e registativos. Usamos os exemplos de Zhao (1998, p. 321-322) para a ilustração (acompanhados pelas traduções portuguesas nossas):
(1). 我 问了半天,她什么都不说。
Eu perguntar muito tempo, ela nada dou4 bu dizer
Por mais que eu perguntasse, ela não queria dizer nada.
(aspeto volitivo; aspeto imperfeito; a parte a negrito refere-se a um facto no passado, “bu + dizer” indica a vontade do sujeito “ela”: “ela não queria dizer nada” (trata-se de um aspeto volitivo).)
(2). 我 问了半天,她什么都没说。
Eu perguntar muito tempo, ela nada dou5 mei dizer
Por mais que eu perguntasse, ele não disse nada.
(aspeto registativo, aspeto perfeito; a parte a negrito refere-se também a um facto no passado, estando “mei + dizer” associado ao facto de que “ela não disse nada”, de um aspeto registativo.)
Na realidade, além de Zhao (1998), vários estudiosos da área abordaram também a matéria, apesar de não usarem os conceitos de “aspeto volitivo” e “aspeto registativo”. De acordo com Lv (1999, p. 383), uma das diferenças do uso entre os advérbios negativos “bu” e “mei” consiste em que: (a). “mei” usa-se para a narração objetiva, referindo-se ao passado e ao presente; (b). “bu” aplica-se para expressar a vontade subjetiva, referindo-se ao passado, ao presente e ao futuro. Zhu (1982, p. 200) indica que o advérbio negativo “bu”, ao ser usado antes dos verbos, pode negar certa vontade ou certo hábito do sujeito. Lu (2013, p. 20-24), depois da revisão da literatura, organiza e aponta os seguintes aspetos em relação à combinação “bu (ou mei) + verbo”:
O “bu” é anteposto aos verbos, expressando a vontade subjetiva;
O “bu” também se usa para negar as ações habituais, frequentativas e repetitivas;
O “bu” pode negar os verbos volitivos, mentais e o verbo de julgamento (note: o verbo chinês de julgamento corresponde ao verbo “ser” em português).
O “mei” é anteposto aos verbos, negando o acontecimento dos factos ou a realização das ações (para um registo objetivo).
O “mei” só pode negar certos verbos volitivos.
Quanto aos verbos mentais mencionados (a parte itálica) na síntese de Lu (2013) de acima, Bai (2000) tem uma ideia diferente. Para esse autor, na abordagem de gramática tradicional, o advérbio negativo “bu” nega os verbos mentais; no entanto, após uma pesquisa sobre 99 verbos mentais chineses mais usuais, ele descobriu que nem todos estes verbos podem ser negados pelo advérbio “bu”. Bai (2000, p. 23-24) lista 4 categorias de verbos mentais:
os verbos que só podem ser negados pelo “bu” (28 verbos);
os verbos que apenas aceitam a negação do “mei” (9 verbos);
os verbos que aceitam a negação tanto do “bu” quanto do “mei” (57 verbos);
os verbos que rejeitam a negação do “bu” e do “mei” (5 verbos).
Pelo que se nota, o advérbio “bu” costuma negar os verbos mentais, mas isso não quer dizer que o “mei” não possa desempenhar a mesma função; na realidade, há 9 verbos que só aceitam a negação do “mei”. Dado tudo isso, a nosso ver, para o uso do advérbio negativo “mei”, também se deve considerar a negação do “mei” para certos verbos mentais.
Quanto à tradução dos advérbios negativos chineses “bu” e “mei” para o português (ou tradução das orações negativas), até ao presente, não existem muitas referências. Mesmo que existam, esta parte não representa o foco da abordagem, tal como o manual de Li (2002) sobre a tradução entre português e chinês, pois na parte de tradução dos advérbios negativos, o manual oferece apenas dois exemplos bilingues para a ilustração.
Não obstante, se dermos um olhar à tradução dos advérbios negativos chineses para outras línguas, tal como para o espanhol, um idioma linguisticamente aproximado do português, temos as considerações de Zhao (1999, p. 154). De acordo com ele, traduzindo do chinês para o espanhol, para diversificar as respostas tradutivas, tornam-se, geralmente, as orações negativas para as afirmativas ou vice-versa. Conforme Zhu (2013, p. 99), na tradução do espanhol para o chinês, a conversão das orações negativas para as afirmativas e vice-versa constitui uma das técnicas tradutórias mais frequentes nas práticas. Tanto as considerações de Zhao como as de Zhu estão centradas na “negation of the opposite”, uma das práticas concretas do processo tradutório “modulation” oferecida por Vinay & Darbelnet (1995, p. 252), que não tem, de facto, muito a ver com o nosso estudo: a análise tradutológica das possíveis tendências da conversão dos advérbios negativos “bu” e “mei”.
A obra original em chinês desta obra tem 31511 carateres chineses (incluindo os sinais de pontuação), e 103 não carateres chineses (incluindo as palavras de línguas estrangeiras e os números). Após a separação das palavras chinesas (uma vez que entre os carateres chineses, não existe espaço), localizámos 21842 palavras chinesas (incluindo as palavras de outras línguas e os sinais de pontuação, dado que na separação e a etiquetagem, tanto as palavras chinesas e as palavras de outras línguas, quanto os sinais de pontuação são separados e etiquetados).
Com o auxílio da ferramenta AntConc, conseguimos localizar, no total, 92 ocorrências do advérbio negativo “bu” na versão original em chinês da obra Mudança de Mo Yan. Depois de um filtro manual (para tirar os resultados que seguem a estrutura “bu + verbo”), obtivemos 71 casos da combinação “bu + verbo”. Após uma análise detalhada, descobrimos as seguintes tendências tradutórias.
Nesta parte, analisaremos as traduções efetuadas no nível sintático. Tendo em conta o limite do espaço deste trabalho, iremos citar uns exemplos típicos para a ilustração das orientações tradutórias do advérbio negativo “bu” (ou seja, a estrutura “advérbio negativo bu + verbo”). Aliás, devemos salientar que, conforme exposto anteriormente, o advérbio negativo “bu” está associado ao tempo imperfeito, pelo que é bem provável que nas traduções portuguesas o aspeto predominante também seja o imperfeito. E para as “exceções” na tradução portuguesa, ou seja, para os casos em que o aspeto é perfeito, iremos listá-los para uma análise mais detalhada.
(1). 经/v6 领导/n 批准/v,/w在/p 工具 /n 储藏室/n 里/nd 为/p 我/r 安/a 了/u 一/m 桌/n 一/m 椅/n,/w 允许/v 我/r 不/d(bu) 值班/v 时/nt 可以/vu 进去/v 学习 /v 。/w (Mo, 2010, p. 48)
Mediante direção aprovar em ferramenta depósito interior para mim instalar le7 uma mesa uma cadeira, permitir eu bu estar de plantão altura poder entrar estudar
Mediante a aprovação da direção, no depósito de ferramentas, colocaram para mim uma mesa e uma cadeira, permitindo que eu, quando não estava de plantão, pudesse entrar para estudar. (tradução literal)
Com a autorização da chefia, colocaram uma escrivaninha e uma cadeira no depósito de ferramentas, onde eu podia estudar quando não estava de plantão. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 70)
Para descrever a ação frequentativa no passado (“quando eu não estava de plantão, podia estudar no depósito de ferramentas”), a combinação “bu + estar de plantão” foi traduzido para o tempo pretérito imperfeito do indicativo, indicando o aspeto frequentativo (representação típica do aspeto imperfeito).
(2). 他/r 说/v :/w 你/r 押/v 次/q 宝/n 吧/u 。/w 如果/c 我/r 闯/v 好了/e ,/w 这/r 钱/n 就/d 不/d(bu) 还/d 你 /r 了/u 。/w (Mo, 2010, p. 20-21)
Ele disse você fazer uma aposta ba8 se eu dar bem este dinheiro então bu devolver te le9
Ele disse, “Você pode fazer uma aposta. Se eu me der bem, este dinheiro, não te devolvo”. (tradução literal)
“Quer fazer uma aposta?”, propôs ele. “Se eu me der bem, não devolvo o dinheiro. […] (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 30)
Para se referir a uma ação possível no futuro, a parte a negrito em chinês foi traduzida para o presente do indicativo em português (aspeto imperfeito), indicando a intenção do falante para uma ação possível no futuro.
(3). 后来/nt 他/r 跟/c 我/r 谈判/v , /w 说/v 要/vu 借/v 我/r 的/u 军装/n 、/w 军帽/n, w 如果/c 我/r 不/d(bu) 借给/v 他/r ,/w 他/r就/d 在/p 街上/nl 撒/v 铁蒺藜/n ,/w 扎破/v 我/r 的/u 轮胎/n 。/w (Mo, 2010, p. 53)
Depois ele com mim negociar dizer querer pedir meu de10 farda militar quepe militar, se eu bu emprestar a ele ele então em rua espalhar estrepes, furar meu de11 pneu
Depois, ele conversou comigo, dizendo que queria pedir emprestados a minha farda e quepe, se eu não emprestasse, ele iria espalhar estrepes na rua para furar os meus pneus. (tradução literal)
Depois veio conversar comigo, dizendo que queria pedir emprestados minha farda e meu quepe e, se eu não emprestasse, ele encheria a rua de estrepes para furar os meus pneus”. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 79)
Como a conjunção “se” se refere a uma hipótese no passado, no âmbito do discurso indireto, a parte a negrito em chinês foi traduzida para o pretérito imperfeito do conjuntivo em português (aspeto imperfeito) para representar esta hipótese (a condição irreal).
(4). [...] 解放军/n 同志/n ,/w 如果/c 你们/r 不/d (bu) 嫌/v ,/w 我/r 就/d 给/p 你们/r 搭/v 两/m 张/nhf 地铺/n 。/w (Mo, 2010, p. 37)
Soldados camaradas, se vocês bu importar-se eu então para vocês arrumar dois zhang12 lugares no chão para dormir
[…] Camaradas soldados, se vocês não se importarem, eu vou arrumar a vocês dois lugares no chão para dormir. (tradução literal)
[…] “Camaradas soldados, se não se importarem, posso arrumar um lugar para vocês dormirem”. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 52)
Devido à conjunção “se” e ao facto de que se trata de uma sugestão concretizável no futuro, a parte a negrito em chinês foi traduzida para o futuro do conjuntivo em português (aspeto imperfeito), indicando que existe uma probabilidade de que a ação na sugestão seja realizada.
(5). 好不容易/i 来到/v 北京/ns ,/w 这/r 辈子/n 还/d 不/d (bu) 知道/v 能不能/i 再/d 来/vd ,/w [...] (Mo, 2010, p. 39-40)
Dificilmente vir Pequim, esta vida ainda bu saber poder ou não outra vez vir
Era difícil ter uma oportunidade de vir a Pequim e na vida ainda não se sabia se podíamos ou não vir outra vez, […] (tradução literal)
Não era sempre que se encontrava uma oportunidade de ir a Pequim, e ninguém poderia garantir que teríamos outra chance dessas na vida. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 58)
A parte a negrito “bu + saber” em chinês foi traduzida para “ninguém poderia garantir” do condicional simples em português (aspeto imperfeito); apesar da mudança de “bu + verbo” (“não saber”) para a frase “ninguém poderia garantir”, pode expressar-se basicamente a ideia da versão chinesa, ou seja, a incerteza ou dúvida subjetiva do falante quanto à realização de alguma ação futura.
(6). 我/r 总是/d 依偎/v 在/p 一个/r 墙角/n 里/nd ,/w 身体/n 尽量/d 地/u 萎缩/v ,/w 为的是/p 不/d(bu) 引起/v 别人/r 注意/v ,/w 为的是/p 博得/v 众人/n 的/u 同情/v 。/w (Mo, 2010, p. 6)
Eu sempre colar-me em um canto do muro interior, corpo o mais possível de13 encolher-se, para bu chamar outros atenção, para despertar todos de14 compaixão
Eu colava-me sempre a um canto de muro e o corpo encolhia-se o mais possível, para não chamar atenção a outros e para despertar a compaixão de todos. (tradução literal)
Colava-me a um canto do muro, o corpo todo encolhido, em parte para não ser notado, em parte para despertar compaixão. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 14-15)
Pela preposição “para” que se antepõe, a estrutura “bu + verbo” (neste exemplo “bu + chamar outros atenção” em chinês foi traduzida para o infinitivo simples “não ser notado” em português, indicando um aspeto imperfeito.
Além do uso dos tempos verbais do aspeto imperfeito nos casos de acima, existem também exceções ou casos em que se adota tempos verbais do aspeto perfeito. Levando isso em conta, nesta parte, iremos analisá-las um a um, oferecendo as nossas explicações. No nosso corpus, para a tradução da estrutura “bu + verbo”, o uso do aspeto perfeito que conseguimos localizar consiste no tempo pretérito perfeito simples do indicativo. De acordo com as estatísticas baseadas na ferramenta de AntConc, localizámos 7 ocorrências (sem considerar as traduções não realizadas no nível sintático).
(7). 这/r 道理/n 明/a 摆/v 在/p 眼前/nl ,/w 但/c 刘老师/n 就是/r 不/d (bu) 明白/v 。/w (Mo, 2010, p. 5)
esta razão claro pôr diante dos olhos, mas professor Liu mesmo bu entender
A razão é como posta diante dos olhos, mas o professor Liu não conseguiu entender mesmo. (tradução literal)
Isso era óbvio, só que o professor Liu não se deu conta. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 14)
(8). 一一我/r 至今/d 也/d 不/d (bu) 明白/v ,/w 她/r 为什么/d 要/vu 哭/v 。/w (Mo, 2010, p. 10)
eu até hoje também bu entender, ela porquê querer chorar
Até hoje também não entendi porque é que ela quis chorar. (tradução literal)
(Até hoje não entendi por que ela precisava chorar.) (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 18)
(9). 我/r 实在/a 弄/v 不/d(bu) 明白/v 他/r 的/u 逻辑/n ,/w […] (Mo, 2010, p. 21)
eu realmente conseguir bu entender ele de15 lógica
Eu realmente não consegui entender a lógica dele, […] (tradução literal)
Para ser sincero, não consegui entender aquela lógica. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 30)
(10). 你/r 想想看/v ,/w 全旗/ns 首富/n 何志武/nh ,/w 选/v 了/u一个/r 大麻子/n 做/v 老婆/n 。/w 很多/a 人/n 都/d 不/d(bu) 明白/v ,/w 他们/r 当然/d 不/d 明白/v 。/w (Mo, 2010, p. 77)
você pensar bem, toda a região o mais rico He Zhiwu, escolher le16 uma mulher de cara esburacada como esposa. Muitas pessoas dou17não entender, eles claro não entender
Pense bem: He Zhiwu, o homem mais rico de toda a região, escolheu uma mulher de cara esburacada como esposa. Muitas pessoas não entenderam e naturalmente eles não. (tradução literal)
Pense bem: He Zhiwu, o homem mais rico do pedaço, casou-se com uma mulher de cara esburacada. Ninguém entendeu nada, claro que não. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 114)
Quanto aos quatro exemplos acima listados, as partes a negrito em chinês são iguais: “bu + 明白/v (entender)”; aliás, as traduções portuguesas também são basicamente iguais - o recurso ao aspeto perfeito. No exemplo (9), apesar de o verbo “entender” ser no infinitivo, tem o valor do pretérito perfeito simples (aspeto perfeito) na combinação “não consegui entender”, pois o verbo anteposto “consegui” encontra-se no “pretérito perfeito simples do indicativo”.
Na perspetiva de Bai (2000, p. 23-24), o verbo chinês “明白 (mingbai)/v (entender)” (uma das palavras mentais) aceita a negação tanto de “bu” quanto de “mei”. Para confirmar isso, realizámos uma pesquisa no Corpus do Chinês Moderno pelo “Center for Chinese Linguistics”18 pela Universidade de Pequim, e descobrimos que a combinação “bu + mingbai/v (entender)” tem 5727 ocorrências, enquanto a combinação “mei + mingbai/v (entender)” tem apenas 135 ocorrências. Isto significa que o verbo “mingbai/v (entender)”, apesar de poder ficar antecedido de “bu” e “mei”, tende a ser negado por “bu”, tendência essa que é também notada no nosso corpus (no nosso corpus, são localizadas 7 ocorrências da combinação “bu + mingbai/v (entender)”, e não é encontrada nenhuma ocorrência da combinação “mei + mingbai/v (entender)”, ou seja, o verbo “mingbai/v (entender)” tende a aparecer depois do advérbio “bu”).
Quanto às características semânticas do verbo chinês “mingbai /v (entender)”, Zhao (2017, p. 13-14) aponta 4 categorias:
características mentais (expressa o que se pensa ou as atividades mentais; um estado mental);
características momentâneas (indica que algo não entendido antes é subitamente entendido; “ficar a entender” ou “perceber de repente”);
características de transmissão de informações (o que uma pessoa não entende é entendido através de outra pessoa);
características de compreensão profunda (ter uma compreensão profunda de algo ou alguém; neste caso, o verbo está acompanhado de um advérbio de intensidade).
Para os 4 exemplos de acima, na versão chinesa, quase todos são da primeira categoria, ou seja, a combinação “bu + mingbai/v (entender)” está a indicar as características semânticas de atividades mentais do narrador (o estado mental do narrador).
Antes da análise da tradução portuguesa, vejamos os seguintes exemplos elaborados por nós:
– Ao vê-lo, entendi tudo. (a característica semântica do verbo “entender” é “ficar a entender”)
Neste exemplo, pelo tempo pretérito perfeito simples do verbo “entender”, percebe-se que o narrador não entendia até “vê-lo”, ou seja, só depois de “vê-lo” é que o narrador entendeu tudo. Notamos uma mudança no processo cognitivo do narrador: (antes) não entendia – entendi (fiquei a entender) – (agora) entendo. Isto quer dizer que, pela forma “entendi”, observa-se a mudança na cognição do narrador (representação concreta do aspeto perfeito). Nesse caso, se mudarmos o exemplo de acima para a negativa:
– Até agora, eu ainda não entendi. (a característica semântica do verbo “entender” é “ficar a entender”)
Pelo uso do pretérito perfeito simples do verbo “entender”, o advérbio “não” está a negar o verbo “entendi” (ou seja, é negada a ação de “ficar a entender”).
Nas traduções portuguesas dos 4 exemplos de acima extraídos do nosso corpus, o verbo “entender”, na sua forma de pretérito perfeito simples, muda no âmbito de características semânticas para “ficar a entender” (ou “perceber de repente”). Por tudo isso, nas traduções portuguesas mudaram não só o aspeto verbal do imperfeito para o perfeito, mas também as características semânticas do verbo “mingbai/v (entender)”, do “estado mental” para o “perceber de repente; ficar a entender”.
(11). 我/r 把/p 这/r 事/n 回家/v 说给/v 我/r 娘/n 听/v , 她/r 根本/d 不/d(bu) 信/v 。/w (Mo, 2010, p. 42)
eu ba19 este assunto voltar para casa contar minha mãe ouvir ela completamente bu acreditar
Eu contei este assunto, quando voltei para casa, à minha mãe e ela não acreditou nada. (tradução literal)
Quando voltei para casa, contei tudo a minha mãe, que não acreditou em uma palavra do que eu disse. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 61)
Segundo Bai (2000, p. 23-24), o verbo chinês “(相)信(xiangxin)/v (acreditar)”, como um dos verbos mentais, aceita a negação tanto do “bu” como do “mei”; mas, conforme a nossa pesquisa no Corpus do Chinês Moderno pelo “Center for Chinese Linguistics” da Universidade de Pequim, a combinação “bu + xiangxin/v (acreditar)” tem 26 ocorrências, ao passo que a combinação “mei + xiangxin/v (acreditar)” não tem nenhuma ocorrência. Isto mostra que o verbo “xiangxin/v (acreditar)” costuma ser negado pelo “bu”.
Na versão chinesa, a combinação “bu + xiangxin/v (acreditar)” está a transmitir uma ação duradoura (aspeto imperfeito) no passado: “a mãe do narrador não acreditava no que disse o narrador”; aliás, também se trata de uma negação da vontade subjetiva: “a mãe do narrador não queria acreditar”. No entanto, na tradução portuguesa, usa-se o pretérito perfeito simples do indicativo (o aspeto perfeito), registando um facto no passado: “a mãe do narrador não acreditou no que disse o narrador”.
(12). 张老师/n 说完/v 了/u 这些/r 话/n ,/w 鲁文莉/nh 抬起/v 头/n ,/w 摸出/v 一条/r 花/n 手绢/n ,/w 擦擦/v 眼/n ,/w 不/d(bu) 哭/v 了/u 。/w (Mo, 2010, p. 13)
professor Zhang falar terminar estas palavras Lu Wenli levantar cabeça, puxar um estampado lencinho, enxugar olhos , bu chorar le20
Assim que o professor Zhang terminou de falar estas palavras, Lu Wenli levantou a cabeça, puxou um lencinho estampado, enxugou os olhos e não chorou mais. (tradução literal)
Assim que o professor terminou de falar, Lu Wenli levantou a cabeça, puxou um lencinho estampado, enxugou os olhos e parou de chorar. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 21)
Na combinação “bu + 哭(ku)/v (chorar)” em chinês, indica-se uma negação da vontade subjetiva do sujeito. Não obstante, na tradução portuguesa, recorre-se ao pretérito perfeito simples do indicativo (aspeto perfeito) para registar o facto de uma ação realizada (não chorar).
(13). 你/r 每月/nt 工资/n 多少/d ?/w 我/r 问/v 她/r ,/w 她/r 不/d (bu) 答/v 。/w (Mo, 2010, p. 74)
você cada mês salário quanto ? eu perguntar ela, ela bu responder
Perguntei a ela: “Quanto você ganha por mês?” Ela não respondeu. (tradução literal)
[…] logo perguntei: ‘Quanto você ganha por mês?’ Ela não respondeu, […] (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 110)
Da mesma razão verificada no exemplo anterior, a combinação “bu + 答(da)/v” (não responder) em chinês é substituído por “não respondeu” em português, sendo o aspeto imperfeito do verbo chinês (enfatizar a vontade subjetiva) convertido no aspeto perfeito do verbo português (registar a ação realizada no passado).
(14). [...] 愣怔/v 半天/nt ,/w 也/d 弄/v 不/d 明白/a 为什么/d 会/vu 这样/r。/w (Mo, 2010, p. 27)
Atordoado meio dia ainda conseguir bu entender porque acontecer isso
[…] fiquei atordoado por bastante tempo, não entendia como isso tinha acontecido. (tradução literal)
Fiquei algum tempo atordoado, sem entender como aquilo tinha acontecido. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 41)
Neste exemplo, observa-se que existe uma conversão lexical aquando da tradução, a parte a negrito em chinês “bu + v” foi traduzida para a preposição “sem + v” (preposição de valor negativo + v), recorrendo ao processo tradutório de transposição.
(15). 朗读/v 前/nd 他/r 不/d 报/n 作者/n 的/u 姓名/n ,/w 朗读/v 完/v 让/p 大家/n 猜/v 。/w (Mo, 2010, p. 7)
Ler antes ele bu revelar autor de21 nome, ler depois pedir todos adivinhar
Antes de ler, ele não revelava o nome dos autores, e depois de ler, pedia a todos que adivinhassem. (tradução literal)
Em vez de revelar o nome dos autores, pedia que a gente adivinhasse, depois de terminada a leitura. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 16)
Neste exemplo, existe uma conversão lexical na tradução e a combinação “bu + v” foi traduzida para a locução prepositiva “em vez de + v” (locução de valor negativo), recorrendo ao processo de transposição.
(16). 章/n 技师/n 将/p 车/n 停/v 在/p 路边/nl ,/w 头伏/nt 在/p 方向盘/n 上/nd ,/w 好久/a 不/d 动/v 。/w (Mo, 2010, p. 36)
Zhang técnico deixar veículo estacionar em acostamento, apoiar a testa em volante em cima, muito tempo bu mover
O técnico Zhang deixou o veículo estacionado no acostamento, apoiou a testa no volante e não se movia durante bastante tempo. (tradução literal)
Zhang parou o veículo no acostamento, apoiou a testa no volante e ficou assim, imóvel. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 51)
Neste exemplo, a combinação “bu + v” em chinês foi adjetivada para “imóvel” (adjetivo de valor negativo), recorrendo ao processo tradutório de transposição.
(17). 我/r 知道/v 鲁文莉/nh 很/d 不/d 鬼意/vu22 跟/c 刘老师/n 打球/v ,/w [...] (Mo, 2010, p. 21)
Eu sei Lu Wenli muito bu querer com professor Liu jogar bola
Eu sabia que Lu Wenli não queria nada jogar ténis de mesa com o Professor Liu, […] (tradução literal)
Eu sabia que Lu Wenli jogava com ele muito a contragosto, […] (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 30)
Para este exemplo, a combinação “bu + v” em chinês foi traduzida para a locução de valor negativo “a contragosto”, recorrendo ao processo tradutório de transposição.
(18). 我/r 说/v :/w 鲁师傅/n 您/r 不/d 认识/v 我/r 吗/u ?/w (Mo, 2010, p. 52)
Eu dizer Mestre Lu você bu conhecer eu ma23
Eu disse: “Mestre Lu, você não me conhece?”. (tradução literal)
“Mestre Lu”, falei, “ainda me reconhece?” (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 78-79)
Para este exemplo, a estrutura negativa “bu + v” em chinês foi traduzida para uma frase afirmativa, recorrendo ao método de “negation of opposite” do processo tradutório de modulação (Vinay & Darbelnet, 1995, p. 252). Com base nas análises de acima, elaborámos a Tabela 1 para mostrar as possíveis orientações na tradução da estrutura “advérbio negativo bu + verbo”.
Conforme as considerações de Zhao (1998) referidas anteriormente, a estrutura “bu + verbo” costuma indicar o aspeto imperfeito; nas suas traduções portuguesas, esta tendência também é revelada, apesar de algumas exceções em que se adota o aspeto perfeito (pretérito perfeito simples do indicativo). Na nossa opinião, as exceções estão relacionadas com a perspetiva do tradutor para com as ações. Por exemplo, na versão chinesa, a combinação “bu + mingbai (entender)” transmite a ideia de atividades mentais (ações de realização prolongada); não obstante, ao ser traduzida para o pretérito perfeito simples do indicativo (“não se deu conta”, “não entendi”, “não consegui entender”, “ninguém entendeu”), faz-se a negação da ação “ficar a saber”, ou seja, o verbo “entender” mudou as suas características semânticas de “atividades mentais; estado mental; ação de realização prolongada” para “perceber de repente; ficar a entender”. Aliás, existem também casos em que se usam os mecanismos lexicais na tradução da estrutura “bu+ verbo”, ou traduções em que se envolve a mudança de “frase afirmativa para frase negativa”, sendo práticas concretas bem mais inspiradoras.
De acordo com a nossa pesquisa, existem, no total, 21 ocorrências do advérbio negativo “mei” no nosso corpus; depois de um filtro manual, conseguimos localizar 18 ocorrências da estrutura “mei + verbo”. Vejamos as seguintes tendências tradutórias desta estrutura.
Tal como referimos anteriormente, o advérbio negativo “mei” está associado ao aspeto perfeito, ou seja, a ação expressa pelo verbo negado pelo advérbio “mei” é uma ação realizada até ao presente. A percentagem (81.82%, vide na tabela 2) dos casos (da tradução no nível sintático) em que se recorre ao pretérito perfeito simples (aspeto perfeito) também reflete esta relação entre o “mei” e o aspeto perfeito. Vejamos o seguinte exemplo:
(1). 接下来/v 的/u 三/m 天/nt 里/nd ,/w 无论/c 是/vl 对面/nd 喝酒/v 还是/d 漫步/v 海滩/n ,/w 他/r 的/u 嘴/n 几乎/d 没/d 停/v 过/u 。/w (Mo, 2010, p. 67)
Seguintes de24 três dias seja ser frente a frente beber seja passear praia, ele de25 boca quase mei fechar guo26
Nos três dias seguintes, fosse bebendo frente a frente fosse passeando na praia, a boca dele quase não fechou. (tradução literal)
Nos três dias seguintes, praticamente não fechou a boca, não importava se estávamos bebendo ou passeando na praia. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 101)
Para descrever uma ação realizada no passado (“a boca dele quase não fechou”), a parte a negrito em chinês foi traduzida para o tempo pretérito perfeito simples do indicativo, relatando um facto concluído no passado (“a boca quase não fechar”).
(2). 他/r 有/v 一个/r 外号/n 叫/v “/w 河马/n ”/w ,/w 我们/r 谁/r 也/d 没/d 见/v 过/u 河马/n ,/w [...] (Mo, 2010, p. 4)
Ele ter uma alcunha chamar-se Hema (hipopótamo) nós qualquer ye27mei ver guo28 hipopótamo
Ele tinha a alcunha de Hema (hipopótamo), e ninguém de nós viu um hipopótamo, […] (tradução literal)
Ele tinha o apelido de Hema, que quer dizer hipopótamo. Não fazíamos ideia de que animal era aquele, […] (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 12)
Pela combinação “mei + ver + guo29” em chinês, percebemos que se trata de um registo de uma ação concluída no passado (aspeto perfeito); porém, na versão portuguesa, esta combinação foi traduzida para o pretérito imperfeito do indicativo (aspeto imperfeito), indicando uma ação duradoura no passado “não fazíamos ideia de que […]”. Aliás, o verbo da ação concreta “ver” foi traduzido para a locução verbal mental “fazer ideia de”, envolvendo uma mudança na perspetiva em relação aos verbos.
(3). [...] 但/c 对于/p 国营/a 胶河/ns 农场/n 来说/v ,/w 那/r 简直/d 就是/r 母鸡/n 身上/nl 的/u 一片/mq 羽毛/n ,/w 我/r 之所以/c 没/d 说/v 是/vl 九牛一毛/i ,/w 是/vl 因为/c 九牛一毛/i 太过/d 夸张/a 。/w (Mo, 2010, p. 16)
mas para estatal Jiaohe fazenda aquilo realmente ser galinha corpo de30 uma pena, eu razão pela qual mei dizer ser um pelo em nove bois, ser porque um pelo para nove bois demasiado exagerado
[…] mas, para a Fazenda Estatal Jiaohe, aquilo era como uma pena numa galinha; a razão pela qual eu não disse um pelo em nove bois, foi porque seria demasiado exagerado. (tradução literal)
[…], mas, para a Fazenda Estatal Jiaohe, aquilo era como uma pena para uma galinha. Não digo um pelo para nove bois, como no ditado popular, porque aí seria exagero. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 25)
Para este caso, na tradução portuguesa, a combinação chinesa “mei + dizer” (do aspeto perfeito) foi traduzida para “não digo”, que é do aspeto imperfeito. Na nossa modesta opinião, a tradução neste caso não se revela bem fiel, uma vez que a combinação “mei + dizer” na versão chinesa indica uma ação já realizada no passado. No entanto, o uso do tempo presente do indicativo na tradução portuguesa “Não digo” parece estar a transmitir a ideia de que isso trata de uma vontade do narrador no presente.
(4) [...] 我们/r 看到/v ,/w 刘老师/n 不但/c 没/d 往/p 外/nd 吐/v 乒乓球/n ,/w 反而/d 是/vl 抻/v 着/u 脖子/n ,/w 瞪/v 着/u 眼/ n ,/w 努力/v 地/u 往下/d 吞/v 球/n 。/w (Mo, 2010, p. 22-23)
nós ver professor Liu não só mei para fora cuspir bolinha mas ser esticar zhe31 pescoço arregalar zhe32 olho esforçar-se de para debaixo engolir bolinha
[…] nós vimos que o professor Liu não cuspiu para fora a bolinha, mas sim esticava o pescoço e arregalava os olhos, esforçando-se por engolir a bolinha. (tradução literal)
[…] vimos o professor esticar o pescoço e arregalar os olhos num esforço para engolir a bolinha, em vez de cuspi-la. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 32)
Neste exemplo, existe uma conversão lexical na tradução e a combinação “mei + v” foi traduzida para a locução prepositiva “em vez de + v” (locução de valor negativo), recorrendo ao processo de transposição.
(5). 有/v 很多/a 时候/n ,/w 我/r 是/vl 吃/v 了/u 大/a 亏/v ,/w 但/c 连/p 小便宜/n 都/d 没/d 沾着/v 。/w (Mo, 2010, p. 79)
exitir muitas vezes eu ser tomar le33 grandes prejuízos mas nem pequeno benefício dou34 mei ganhar
Muitas vezes, eu tomava grandes prejuízos, mas nem pequenos benefícios ganhava. (tradução literal)
[…] Muitas vezes tomei grandes prejuízos sem ganhar um benefício sequer”. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 116)
Neste exemplo, é constatado que existe uma conversão lexical na tradução, a parte chinesa a negrito “mei + v” foi traduzida para a preposição “sem + v” (preposição de valor negativo + v), com recurso ao processo tradutório de transposição.
(6). 但/c 没/d 等/v 他们/r 回/v 教室/n 坐定/v ,/w 我/r 又/d 出现/v 在/p 校园/n 内/nd 了/u 。/w (Mo, 2010, p. 6)
Mas mei esperar eles voltar sala de aula sentar-se , eu de novo aparecer em campus dentro
Mas antes que eles voltassem à sala de aula para se sentarem, eu já aparecia de novo no campus. (tradução literal)
Nem bem eles voltavam para suas carteiras eu já reaparecia do lado de dentro. (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 14)
A combinação “mei + esperar” na versão chinesa representa uma locução bem usual na fala quotidiana, colocada geralmente no início de uma oração, significando “antes que alguma ação se realize”. No exemplo (6), esta combinação foi traduzida para a locução conjuncional “nem bem”, significando “assim que, logo que, mal” e transmitindo basicamente a ideia refletida na combinação chinesa “mei + esperar”.
(7). 一一还/d 没/d 等/v 我/r 辩白/v ,/w 他/r 就/d 说/v :[…] (Mo, 2010, p. 59)
ainda mei esperar eu justificar, ele então dizer
Antes que eu me justificasse, ele começou a dizer: […] (tradução literal)
Antes que eu pudesse explicar, ele continuou: […] (tradução no corpus) (Mo, 2013, p. 86)
Tal como no exemplo (6), neste exemplo, a parte a negrito em chinês também é a combinação “mei + esperar”, que foi traduzida para a conjunção “antes que”, transmitindo fielmente a ideia da versão chinesa. Com base nas nossas análises dos exemplos de acima, elaborámos a Tabela 2 para mostrar as possíveis orientações na tradução da estrutura “advérbio negativo mei + verbo”.
De acordo com as considerações de Zhao (1998) citadas anteriormente, o advérbio negativo “mei”, no chinês moderno, tende a associar aos verbos pospostos o aspeto perfeito, registando ações realizadas, tendência essa que é também revelada nas suas traduções portuguesas, apesar de poucas exceções em que se adota o aspeto imperfeito. A razão da existência destas exceções, a nosso ver, tem muito a ver com a perspetiva do tradutor em relação às ações, como por exemplo, no exemplo (2), o tradutor muda o verbo mais concreto “ver” para uma locução verbal mental “fazer ideia de”, daí que se verifique também a mudança do aspeto adotado. Aliás, pela nossa análise, existem também não poucos casos em que se recorre aos mecanismos lexicais na tradução da estrutura “mei + verbo”. Estas práticas podem oferecer uma grande ajuda aos tradutores, particularmente aos tradutores em formação, dando-lhes inspiração e alargando-lhes o horizonte para as possíveis conversões desta estrutura do chinês para o português.
Pelo presente trabalho, realizou-se uma análise sobre a tradução das estruturas “bu + verbo” e “mei + verbo” do chinês para o português. Esta ideia nossa deriva-se das considerações de Zhao (1998). De acordo com ele (1998, p. 320), estes dois advérbios negativos, ao negar os verbos pospostos, podem associar aos verbos aspetos diferentes (considerando que os verbos chineses não se conjugam): sendo o advérbio “bu” a ligar o verbo posposto ao aspeto imperfeito e o advérbio “mei”, ao aspeto perfeito. Para tornar o nosso trabalho mais viável, recorremos, na nossa análise, ao uso de um corpus paralelo chinês-português, criado com base numa obra de Mo Yan (escritor chinês) e a sua tradução portuguesa por Amilton Reis.
Os resultados extraídos do nosso corpus conseguem refletir basicamente as considerações de Zhao (1998) quanto à relação entre os advérbios negativos “bu” ou “mei” e o seu verbo posposto. Concretamente, nas traduções portuguesas, é costume usar os tempos do aspeto imperfeito35 (sendo os dois tempos verbais mais usuais o presente do indicativo e o pretérito imperfeito do indicativo) para a tradução da estrutura “bu + verbo” e adotar, geralmente, os tempos do aspeto perfeito36 (apenas o uso do pretérito perfeito simples do indicativo no nosso corpus) na tradução da estrutura “mei + verbo”.
Neste trabalho nosso, para as “exceções”, ou seja, casos que não seguem a tendência tradutória de acima, realizámos também análises detalhadas. A razão da existência delas, a nosso ver, costuma estar relacionada com a mudança da perspetiva do tradutor em relação às ações. Aliás, um facto que não devemos ignorar consiste na existência de certos casos em que se recorre aos mecanismos lexicais ou à mudança da frase negativa para a afirmativa, o que, a nosso ver, reflete práticas bem interessantes e inspiradoras que merecem também toda a nossa atenção.
E-mail: zhihua.hu@ua.pt. E-mail: wangsuoying@ua.pt