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UM MAUSOLÉU CHAMADO DESEJO, UMA CARTOGRAFIA DO FRACASSO: PARA CAETANO ROMÃO
Fabio Pomponio Saldanha
Fabio Pomponio Saldanha
UM MAUSOLÉU CHAMADO DESEJO, UMA CARTOGRAFIA DO FRACASSO: PARA CAETANO ROMÃO
Muiraquitã, vol. 11, núm. 2, pp. 440-453, 2023
Universidade Federal do Acre
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Resumo: Este texto tenta elaborar dois movimentos paralelos. Em um primeiro momento, demonstro tentativas frustradas de apresentar o livro de Caetano Romão, Um nome inteiro disposto à montaria (2021), assim como das teorias analíticas a serem comparadas, quando da tentativa barrada por terceiros, que acabam não atingindo uma possibilidade de pensamento livre, a dar também liberdade de movimento analítico, na junção teoria-objeto em si. Em um segundo momento, aproximo o livro em questão de teorias, após um abandono prévio, que parecem oferecer tanto ao objeto, quanto à junção à teoria em si, uma maior liberdade para se colocar ambas em questão, ao se juntarem, contaminarem e darem ao resultado final outra forma, sendo essas as teorias da desconstrução, focado em termos como a difer.nça, o traço, o porvir e a hostipitalidade. Ao tentar demonstrar, durante o texto, como o desejo (entre homens) se configura a partir dos poemas de Romão em relação a um abandono do foco somente na violência e na opressão, tento pensar as possibilidades de outros mundos a surgir, assim como outras formas de amar, entrelaçando as duas ideias (viver, amar), como uma entrega absoluta, nas conclusões do texto.

Palavras-chave: Caetano Romão, desejo, violência, amor, Jacques Derrida.

Abstract: The paper tries to elaborate two parallel movements. At first, I show some of my frustrated attempts to analyze Caetano Romão’s book, Um nome inteiro disposto à montaria (2021), as well as the analytical theories to be compared, when the attempt is blocked by third parties, which ends up not reaching a possibility of free thought, and to also give freedom inside the analytical movement, with the theory-object junction itself. In a second moment, I bring the book closer to theories, after a previous abandonment, which seem to offer both the object, and the theory itself, a greater freedom to place both in question, as they join, contaminate and give each other, at the final step, other paths to cross. As those are theories of deconstruction, the focused terms are such as differance, trace, a venir and hostipitality. Trying to demonstrate, during the paper, how desire (between men) is configured in Romão’s poems, abandoning that only straight-focused point on violence and oppression, I try to think about the possibilities of other worlds to emerge, as well as other ways of loving, intertwining the two ideas (to live, to love), as an absolute surrender, in the text’s conclusions.

Keywords: Caetano Romão, desire, violence, love, Jacques Derrida.

Carátula del artículo

Ensaios

UM MAUSOLÉU CHAMADO DESEJO, UMA CARTOGRAFIA DO FRACASSO: PARA CAETANO ROMÃO

Fabio Pomponio Saldanha
Universidade de São Paulo, Brasil
Muiraquitã, vol. 11, núm. 2, pp. 440-453, 2023
Universidade Federal do Acre

Recepción: 12 Julio 2023

Aprobación: 12 Diciembre 2023

INTRODUÇÃO, OU, DIALÉTICA AUTOETNOGRÁFICA EM TORNO DA MALEDICÊNCIA

Tento apresentar algumas formas, a seguir, que quase foram as deste produto final, este ensaio, assim como os motivos pelos quais tal desejo de escrita não se concretizara, seus entraves, para depois podermos passar, por fim, à delimitação do que é o texto propriamente dito.

A primeira vez que tentei pensar questões a partir do livro de Caetano Romão, a ser apresentado na segunda seção deste texto, foram quase imediatamente ligadas ao próprio contexto de produção e lançamento, dada a chegada da cópia em minhas mãos. Questões a enunciarem possibilidades de se pensar o desejo entre homens, permeadas pela descrição de uma ética da violência, são inquietações antigas de pesquisa e, mesmo sabendo da não necessidade de tornar tudo que se lê em pesquisa/publicação, ainda assim a vontade resistia, guardada em algum lugar. Engavetada, até certo ponto, essa vontade logo se dissipava por todo e qualquer outro motivo (afinal, a pesquisa, ainda a ser entregue em algum momento, segue, toma tempo, exige outros focos de atenção).

Até, no entanto, a chamada da ABRALIC de 2023. A primeira tentativa de pensar uma proposta de comunicação não era voltada ao livro de Romão, nessa época já soterrado pelas estantes e montantes de livros na lista para serem lidos, mas uma tentativa de entender certo vocabulário da ruína como uma forma de reler tanto a memória como ponto de questionamento da narrativa historiográfica, quanto o silenciamento de outras maneiras de se discutir algo a não ser dicotômico na historiografia literária (presença versus ausência), tendo como ponto de partida Parque das ruínas, de Marília Garcia. No momento, porém, da tentativa de submissão, por não me lembrar do nome do Eixo Temático a ser destinado o envio da proposta de comunicação, acabei me deparando com outra, esta pensada em torno de questões voltadas à obra de Antonio Candido, nome talvez incontornável em certa maneira de se olhar para a crítica e historiografia literária a aqui ser chamada de uspiana.[1]

De forma a continuar confessando certos fracassos nesse exercício autoetnográfico, acabei reformulando as questões a serem apresentadas, dado que a proposta do Eixo Temático em si era assim descrita pelos organizadores:

O legítimo crescimento nas últimas décadas de produção e publicação vinculadas a literaturas de autoria negra, indígena, feminina e LBGTQiAP+, por exemplo, amplia também o interesse da pesquisa literária nesta área [...] propomos refletir em que medida aportes teóricos de estudos de cultura e literatura brasileiras, de viés democrático e humanitário, ainda que produzidos em período anterior, como os de Antonio Candido, favorecem análises e interpretações de literaturas do século XXI. [...] O olhar do crítico entrelaça tanto uma visão ancorada a uma tradição moderna, como oferece uma visão que considera o caráter inclusivo da literatura, na medida em que a entende como um bem incompressível, ou seja, indispensável ao desenvolvimento do ser humano. [...] O olhar para o processo humanizador, proposto por Candido, sem dúvida, contribuiu para a leitura de produções contemporâneas como as dos povos originários, negros e mulheres. [...] O universalismo do pensamento de Candido abre-se à demanda dos grupos politicamente não majoritários por se tratar de uma ideia de universalidade historicamente situada, ou seja, calcada na formação social da de sociedades concretas, não na ideia de um sujeito abstrato e a-histórico e, portanto, destituído de materialidade e singularidade. Desse modo, ainda que algumas das formulações do ensaísta sejam consideradas atualmente como parte de outro quadro de interpretação da realidade brasileira, ou seja, objeto de debates que questionam o legado de suas formulações, considera-se aqui que o pensamento do crítico, em grande medida, mantém-se atual e pode contribuir para a pesquisa que se detém sobre autores e obras contemporâneas.[2]

Aquilo que submeti como proposta era formulada da seguinte maneira:

A apresentação tenta observar momentos em que a descrição dos desejos, enquanto pulsões e afirmações perante o outro, desafiam as compreensões geralmente elogiosas do ensaísmo crítico de Antonio Candido já que “[l]ê-lo criticamente não é, portanto, apenas demonstrar que sua obra continua viva, mas dela extrair lições para outra leitura de nosso tempo e de nosso país. Leitura por certo menos cordial mas nem por isso menos empenhada.” (Lima, 1992, p. 16). Para isso, busca-se pensar, a partir de poemas de Caetano Romão (2021), como a representação do homoerotismo passa também por uma espécie de representação (Darstellung) (tendo como base Gayatri C. Spivak [2014]), em que aquilo que está em jogo é uma emulação da violência destinada a sujeitos entendidos como subalternos, aqui tendo como foco a literatura-LGBTQIAP+. Tendo como contraponto os escritos presentes em “O direito à Literatura” (2011) e Os Parceiros do Rio Bonito (2017), o que se busca observar é como, a partir de Candido, mantém-se ainda presente um modelo de representação que visa a supressão da diferença, dado que a transparência do desejo permite a representação pelo intelectual do subalterno e não dá vazão interpretativa a questões de repressão, preconceito e diferença, porque aquilo a ser garantido a partir do modelo crítico-teórico ensaístico de Candido é a exclusão da diferença, a partir da manutenção da categoria universal que perpassa o modelo do homem, branco, heterossexual. A partir da leitura de trechos selecionados tanto das obras ensaísticas, quanto de poemas em que desejo e violência parecem se traduzir como transparentes, o que se procura tensionar é aquilo a permanecer não dito, que se caracterizaria quase como o oposto do explicado e explicitado nas obras selecionadas, de que o desejo seria legível e explicável sem que qualquer tipo de mediação fosse necessária, assim como se a repressão não tivesse papel fundamental para caracterizar o outro como menos humano, não desenvolvido, termos que são utilizados por Candido para a caracterização da subalternidade como atraso.

Dado como pressuposta a necessidade de diálogo com a extensa produção candidiana, a fala privilegiava momentos em que a descrição dos desejos estava sendo não só apresentada como transparente, mas como também tal movimento parecia pressupor, em Candido e no simpósio, a certeza da aplicabilidade inquestionável da teoria. Se tal movimento se cercava somente ao nome de Candido, ou se isso é passível de maximização para a área de Teoria Literária como um todo, talvez, ficaria a convite da própria continuidade dos reverberamentos da fala para que se percebesse tal composição em/com outros ditames teóricos. Destaco duas cenas que gostaria de, no momento da explicação, ler em conjunto com os poemas de Romão. Uma está mencionada no resumo, presente em Os parceiros do Rio Bonito:

No Brasil, o erotismo zoofílico é comum nas zonas rurais, tendo sido Gilberto Freyre o primeiro a chamar sobre ele a atenção dos estudiosos, tratando da formação sexual do menino de engenho. De um ponto de vista psicossociológico, não se pode reputá-lo anormalidade. Nas fazendas e sítios, a iniciação à vida do sexo dá-se muitas vezes com animais, sendo que as novilhas, eguinhas e carneiras fixam de preferência o erotismo infantil e juvenil. A expressão eufêmica “encostar no barranco”, referente ao ato sexual em geral, deriva de tais práticas e revela a sua generalidade. Na área estudada elas são correntes, e como nem todos possuem gado de porte, os meninos e os jovens utilizam também as cabras, porcas e galinhas, mais acessíveis pela criação doméstica. Pode-se dizer que isso equivale à “masturbação compensadora” (Forel), corrente nas cidades, sendo, como ela, etapa transitória de iniciação, superada sem dificuldade aos primeiros contatos com mulher, que se estabelecem cedo devido ao casamento precoce. Num e noutro caso, apenas a incorporação definitiva aos hábitos sexuais do adulto poderia ser considerada desvio; e tudo bem pesado, a prática rural talvez seja menos nociva que a urbana, pois repousa menos na imaginação. Proporcionando ao adolescente um certo contato direto com a realidade, ela diminui o perigo de inibições e desvios, que podem desenvolver-se em relação ao ato normal do sexo (Candido, 2017, p. 290).

Começar a pensar certa possibilidade de tensionamento dos desejos em Candido já passa pela chance de pensarmos que há aí, nessa cena como descrita, diversas subsunções, quase como prolegômenos que devem ser lidos com cuidado, vagarosamente, para que também se notem os passos descritos pelo autor.[3] Pensando na economia proposta pela fala, uma maneira de se dizer, de forma direta, é pela seguinte:

[n]o trecho, Candido, explicando a origem da expressão “encostando no barranco”, avalia as práticas zoofílicas da juventude masculina de Rio Bonito, julgando-as favoravelmente como forma de prevenção do onanismo e de práticas homossexuais desviantes e urbanas. Sim, para o cândido-mestre, antes carneirinha do que viado (MoreschI, 2020, p. 197).

A máxima de Moreschi se apresenta como a chance de vermos, na formação etapista dos desejos, o ponto já preocupante, se fôssemos tomar como certa a aplicabilidade sem dissenso da teoria candidiana, tendo em mente produções que versassem qualquer relação com a homossexualidade, por exemplo, masculina. Antes de complicar tal ponto, a fala também suporia a leitura da seguinte passagem de “De cortiço a cortiço” (1993):

[...] Zola abordou francamente a inversão feminina em Nana, publicado três anos antes de La Joie de Vivre. Inversão tratada como subproduto da prostituição –, e foi assim que Aluísio a introduziu n’O cortiço, onde dá lugar à cena de mais rasgada violência sexual. A cocotte francesa Léonie protege Pombinha, se interessa pelo seu casamento e acaba iniciando-a no homossexualismo feminino. Mas é justamente esse ato desnatural que, ao contrário do desabrochar espontâneo de Pauline Quenu, provoca finalmente os sinais da maturidade sexual. (No fim do livro, Pombinha, tornada prostitua ela própria, retoma com a filha abandonada de Jerônimo o tipo de proteção depravada que recebera da francesa). [...] Mas aqui surge um traço original d’O cortiço, pois a nubilidade de Pombinha decorre de duas causas diferentes, motivando dois planos narrativos que resultam em algo mais complexo que o episódio homólogo de La Joie de Vivre: a primeira causa é degradante, abaixo da realidade natural (o safismo); a outra é redentora, acima dela (a mediação da natureza). [...]

É curioso observar como, mesmo mergulhado na objetividade naturalista, o escritor suspende o curso da mimese e recorre ao sonho carregado de conteúdo não apenas simbólico, mas alegórico: ao possuir figuradamente Pombinha, o Sol-Brasil, que escalda o sangue, dissolve os costumes, desencaminha os portugueses honrados é também força de vida. Assim, Aluísio põe entre parênteses a “explicação” determinista, encharcada de meio e raça, para recorrer à “visão”, que se interpreta na chave do símbolo e da alegoria (Candido, 1993, p. 149-151; negritos meus).

Separados por décadas entre as publicações originais do doutoramento em Sociologia de Candido, para sua leitura de O Cortiço como uma superação das discussões raciais no Brasil, dando a entender que o importante ali já era a criação de um país protocapitalista, tais cenas discursivas na argumentação deslizam em algumas certezas preocupantes. Uma delas é a própria categoria, em Parceiros, que depende da leitura salvaguardada de Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala, subsumindo toda a violência racial registrada pelo segundo na descrição da vida sexual do menino de engenho.[4] O transporte sem balizas da leitura freyriana para o contexto de Bofete faz com que outros problemas sejam estruturados pela argumentação: além de considerar como certa a ideia na qual o desejo pode ser simplesmente lido,[5] é do crítico a concepção de que se pode imaginar como somente certa a heterossexualidade no fim do túnel, tendo, na contraposição da iniciação sexual do menino da cidade com a do menino caipira, o elogio da zoofilia como contenção (cf. Moraes, 2023) de forma que se “previna” a homossexualidade masculina (cf. Moreschi, 2020).

O ponto pode ser visto, e questionado também a partir de perspectivas de gênero, dentro de “De cortiço a cortiço”, quando lemos a história da iniciação sexual de Pombinha. O salto argumentativo candidiano vai elencando como equivalentes as ideias de que a pobreza na cidade transfere, automaticamente, certa noção aquém do material, dando a entender que, por ser pobre e por ter sido estuprada, Pombinha se “tornara” lésbica, a partir da noção pela qual a homossexualidade feminina já é caracterizada como “inversão”. Outro tipo de “possessão”, “invasão”, no entanto, figurada pela metáfora da visão e da “entrada” do Brasil em “Pombinha” passa incólume: tal noção, por parecer configurar algo como uma iniciação sexual heteronormativa (o Brasil tendo relações com a personagem Pombinha) é elogiosa e “humaniza” Pombinha, por ser tal cena aquela que, inclusive, faz dela alguém “pronta para o casamento” pois, depois de tal “estupro civilizatório” elogiado na argumentação candidiana, a personagem menstrua.

Tal linguagem, ainda que aqui descrita de forma rápida e talvez tão perigosa quanto o salto argumentativo que gostaria de se deixar à mostra, tenta revelar certos pontos cegos dentro da argumentação candidiana em relação tanto ao desejo, quanto à construção da homossexualidade como perversão e degeneração de um caminho certo: o da heterossexualidade reprodutiva, dado que Pombinha aparentemente é mais humana, por exemplo, na interpretação candidiana, quando menstrua e pode ser enquadrada, a partir de lentes, quiçá, marcadas pelo patriarcado, como alguém adequada para a manutenção da heterossexualidade como reprodução compulsória.[6]

Enquadrar tais argumentos a partir da leitura de Candido com o contraste de cenas descritas pelos poemas de Romão buscava desestabilizar a certeza de certa economia elogiosa dentro do ensaísmo candidiano de se ver ali tudo como certo, natural, correlato de uma excepcionalidade crítica que prescindiria do dissenso e da crítica. A busca de diálogos com outras perspectivas a tensionar tal estilo argumentativo como destituidor do dissenso (Moreschi et. al., 2023; Saldanha, 2022) tentava demonstrar que, sim, para entendermos certos pontos da teoria “moderna” de Candido, não deixa de ser necessário lê-lo com atenção, se não pelos seus pressupostos, pelo menos a partir daquilo a ser garantido como espelho do que o autor continua a simbolizar como ideia comum da área de Teoria Literária.

Isso significaria ler, referenciar, questionar e propor para o debate certa preferência pela leitura em atrito com o texto, sem que isso significasse qualquer tipo de associação direta ao vitupério, ao paroxismo, como se criticar ideias candidianas, independentemente se dentro de um cenário de homenagem ou não, estivesse totalmente ligado a um contexto de más intenções e deturpamento do cenário que produz as leituras candidianas supracitadas. Para que se pudesse evitar a dialética da maledicência (cf. Campos, 2023), seria necessário pensar a salvaguarda que a teoria parece precisar para se garantir a figura do crítico como acima, aquém e além de qualquer questionamento ético perante a análise literária, como se, a partir de uma tensão vinda de outros tempos, sempre se estivesse deslizando, muito rápido, para qualquer tipo de condenação que suscita respostas apressadas, melancólicas e de interdição do debate, assim como de tréplicas de réplicas que, de alguma maneira, também se aproveitam de tal condenação moral maledicente para se permanecer dentro de certa estrutura bom-mocista.

No entanto, após uma rodada avaliativa em que me fora exigida uma reformulação a “repensar o papel de Antonio Candido como formador de uma ideia de literatura no Brasil”, a recusa para a proposta de comunicação final fora formulada pelos avaliadores da seguinte maneira:

Este simpósio propõe uma ampliação das possibilidades de análise da obra literária no século XXI a partir de conceitos pensados por Antonio Candido. Partimos do pressuposto de que Candido é um crítico essencialmente vinculado a seu tempo, o século anterior. Compreendemos, no entanto, que suas ideias servem também a um diálogo com a literatura produzida na contemporaneidade. Assim, espera-se que os trabalhos propostos a este simpósio considerem a validade das proposições do crítico para a análise da obra literária nas últimas décadas, o que não aparece na presente proposta.

A interdição à possibilidade do debate não aparece aqui em uma tentativa, como dito acima, para que se mantenha a estrutura dos diálogos em torno de Candido a partir da tensão entre a maledicência e o bom-mocismo. Menos, também, do que contestar a decisão da escolha pela impossibilidade de acolhimento da fala no simpósio, o que se busca destacar a partir desse percurso argumentativo é também algo a se metaforizar como entendimento da obra de Romão e da leitura aqui a ser apresentada da mesma, tendo como perspectiva uma noção de tentativa, erro, fracasso e reformulação a partir da economia da violência. Ter escolhido certos textos candidianos para debate, no entanto, também buscava demonstrar certa formulação generalizada em torno do autor, a ser reforçada nas reedições iniciadas em 2023 pela Todavia (Amancio, 2023), na qual, passados quase 80 anos desde os primeiros escritos candidianos, segue existindo a aura de certeza da qualidade inquestionável e da sempre aplicabilidade da teoria, nas Ciências Humanas, na qual não se tensionam os esquemas de autoelogios frequentes (cf. Moreschi et. al., 2023) a partir da inserção do argumento candidiano, sendo o maledicente, o mal-intencionado, sempre o outro metafórico, quase nunca referenciado (cf. Campos, 2023).

Aquilo a ser o indicativo de ausência na proposta de comunicação era, por fim, a falta de elogios, da certeza de que, perante a enunciação da possibilidade de juntar Candido a Romão, comprovasse o legado candidiano para análises dentro da literatura LGBTQIAP+. A recusa a entender a crítica como também possibilidade de elogio ou até mesmo homenagem, dada a pressuposição de, se critico, estou lendo o crítico tanto quanto aqueles a lhes dedicar somente elogios, parecia também deixar em suspensão a sequer possibilidade do debate: por que seria impossível questionar a validade de certos pressupostos na obra candidiana? Por que, também, é necessário manter intacta certa memória do passado, evitando que os olhares múltiplos (e válidos), como aparentemente descritos na chamada do Eixo Temático, também olhassem para a escritura da Historiografia como exclusão e violência? Não seria, assim, dito o contrário do indicado pela proposta, ou seja, que não são válidas as multiplicidades de pontos de vista “hoje em dia” existentes, afinal, elas podem questionar o valor pretensamente ahistórico das análises e dos pressupostos candidianos?

Estes caminhos para o fracasso, que seguiam impedindo, de certa forma, a vontade final, de falar do livro de Romão, se encerram, contudo, a partir da troca teórica a ser tanto base quanto possibilidade de questionamento.[7] Assim, seria possível, talvez, tentar entender, a partir de outros suportes teóricos, se as questões a serem elencadas, a partir dos poemas, teriam como chance também uma troca em via de mão dupla na própria teoria, retirando dela certa centralidade de neutralidade. A desconstrução, como fonte de diálogo, parece ser uma forma que pode condenar certa adoração, como toda e qualquer teoria a se ter como acatada e não discutida, ao olharmos para as próprias construções derridianas a serem tensionadas, que parecem permitir certa abertura de diálogo a ser demonstrado ao longo do tempo: se há discussão, se há dissenso, que vire também filosofia, análise, diálogo.

Passo ao fim de um possível fracasso, a decidir, todavia, qual é o porvir do imponderado até aqui.

UM ITINERÁRIO DE LEITURA POSSÍVEL, DISPONÍVEL PARA SER MONTADO

Livro de estreia de Caetano Romão, Um nome inteiro disposto à montaria (2021), poderia ser resumido como um exercício de reflexão do desejo e de tudo aquilo a ainda poder ser chamado de tal, sempre tendo em mente uma chance, um Outro, alguém ali presente não necessariamente nomeado e, muito menos, transparente. Desde seu início, o reconhecimento do corpo passa por uma possibilidade de observação, construção de mapa físico, descrevendo o acontecimento de cada aproximação invasora como uma nova forma de aperceber-se no mundo:

Sapatos de arame

tinha eu a idade de dezenove anos quando o amor me apanhou feito uma surra fui ao chão é o que digo não importava tanto que tivesse o corpo empolado comido amor pra mim aos dezenove anos era picada de borrachudo cobrindo a pele inteira mordida de carrapato no sumo tanto que queimaram minhas roupas no fundo do quintal cismaram com os fósforos dizendo infestação assim só se remedia com querosene ou saliva eu pelado no quarto caçando onde é que aqueles bichos abriram caminho em mim na virilha no sovaco na nuca o dedo tentando suas coceiras nem havia unguento pra me agradar tamanha febre tinha eu a idade de dezenove anos e fiquei arregalado no meio da noite nauseado antecipando remela no colchão já me fazia a guerra sem saber onde decidir as mãos eu por exemplo tinha a idade de dezenove anos quando o amor me infernizou de azul a paisagem e dirão que nem era manhã tinha as cuecas estendidas para secar na janela

Fuente: (Romão, 2021, p. 17-18).

Amor e desejo, mais de uma vez, parecerão substantivos a serem capazes de troca sem perda no conteúdo semântico, ou ao menos em uma primeira leitura. O arrebatamento causado pelo sentimento e pela forma a ainda se assumir desejo perante o outro, perante aquele a causar o estranhamento no corpo, gera não só a incapacidade de entendimento (amor versus picada de borrachudo, amor como picada de borrachudo), mas também o estranhamento daquele a observar sem saber como lidar com o desejo alheio (a queima das roupas, os fósforos gastos, o olhar destinado àquela vítima de seu próprio desejo que não sabe, todavia, viver dentro de sua própria pele).

A criação de uma geografia, no próprio corpo como um mapa, vai sendo marcada a partir da tentativa de descoberta de si, traduzindo-se na busca pela origem da coceira indeterminada, como se algo a se materializar fisicamente de forma temporária pudesse também se traduzir de maneira permanente através do poema. A consequência disso: noites em claro, roupas íntimas penduradas para secar, no exercício que não se encerra enquanto a permanência da tradução amor/desejo se desse como transparente.

Não há, no entanto, saída fácil nesta cartografia cuja permanência da feitura se dá pelo próprio ato do contato de si e de seu desejo enquanto forças constitutivas, formadas a partir da própria enunciação e tomada de ciência do acontecimento, sem se ver o Outro. “Goela seca”, título da primeira seção (de duas) do livro, transforma em inventário a busca e a forma de traduzir o desejo em outros meios que não só a manifestação do mesmo (muito menos também na sua versão ensimesmada) e, ainda assim, gera como correlato a constante insatisfação da tomada de consciência que esse, por ser traduzido, esconde algo como ponto-cego de si e do Outro. Sendo um homem mais que uma sarjeta e menos que uma calçada, o coração do amante de homens precisa ser primariamente caroço, nó, já que “coração desses/ é algo de se levar bem rente à gengiva” (Romão, 2021, p. 19), disponível para, disposto a, ser sentido, devorado, a ponto de se tornar um, mesmo se dentro de um regime de estranheza.

Segue sendo necessária a marcação desse desejo enquanto algo a ser definido pela própria exigência de que a tudo e a todos se coma, se prove pela e com a boca, alguns arrependimentos à parte: “tem vez que eu lembro/ de certas goiabas/ apodrecendo// deus que me perdoe” (Romão, 2021, p. 25). Comer, devorar o Outro, tem como correlato, ao mesmo tempo, a indicação impossível da alteridade absoluta sem que se passe como termômetro a medida do Eu, dada a forma pela qual se constrói o desejo como também aniquilador da diferença. Além disso, se traduz incessantemente essa necessidade de saber mais, sem considerar como definidora desse exercício de devoração a própria forma em que devorar o Outro é tanto uma nutrição do desejo, quanto uma formação do mesmo, no sentido, segundo o qual, quanto mais o desejado se encontra dentro do desejoso, mais se sabe sobre o segundo, não o primeiro.

A marcação do reconhecimento em trânsito entre o Eu e o Outro como necessariamente um código a ser trocado que envolva a sedução do convite ao devoramento aparece também em “Estive no Cinema Cauim”:

uma ou duas vezes. Rapazes que nem eu cheiravam cola e chutavam latinhas de soda com jeito de te espero na saída. Ribeirão e seu rosto de canavial cortado. Bastava isso para que seus meninos trouxessem a bermuda marcando as coxas. Mascavam chicletes de canela, punham apelido um no outro, se passavam a mão. Cada baforada dando zoeira na vista e formigando um volume maior nos pentelhos. Acho que ali, o sol sempre bateu maior que a nuca. Por isso, esses mesmos rapazes se chupavam atrás das caçambas da praça 7 de Setembro, por isso esporravam no muro de trás da Beneficiência Portuguesa, por isso conheciam cada paralela da Getúlio Vargas como se conhece a própria saliva. Com eles aprendi a segurar uma cidade como se deve: pelo gargalo. Estive todas as tardes no Cinema Cauim, tinham gosto de asfalto na boca. (Romão, 2021, p. 27)

Cidade e corpo se fundem em um exercício imaginativo enquanto a repressão ao desejo homoerótico parece ser plano de fundo, ainda que não destacado. Sinais contribuintes para essa forma de olhar são as referências aos instantes do ocultamento (no muro da Beneficiência, cada paralela da Getúlio Vargas, atrás das caçambas da praça 7 de Setembro) que deixam no primeiro plano uma contraposição a qualquer discurso oficial capaz de oprimir a exploração dos corpos de rapazes, assim como do eu-lírico. No entanto, mesmo se plano de fundo, os corpos com bermuda marcando as coxas, com as vistas turvas, permaneciam a se tocar, se entendiam e se construíam enquanto unidades juntas-todavia-separadas, a partir da tentativa de entendimento do desejo, de novas formas de traduzi-lo a partir do momento em que um Eu enuncia a um Outro: te espero na saída.[8]

Saber e experimentar, a partir do eu-lírico, que corpos podem também se entreter enquanto objetos e sujeitos desejosos e desejantes de mais, para se construírem concomitantemente à experimentação, parece desafiar a noção mínima segundo a qual o desejo simplificado e planificado poderia ser entendido sem levar em consideração a opressão. Ou seja, o fato segundo o qual se interpreta que o acontecimento em si da provação dos desejos passa por um entendimento da e pela violência, possível a sujeitos subalternizados dentro de uma lógica cisheteronormativa, mas não a ela se reduz e nem a ela se coloca somente como ordem de resposta, de reação a sempre ser entendida a partir do eixo segundo o qual o violento não deixa de ser norma e nem posto em suspeição.

Dizer que os garotos cheirando cola com a vista turva, ou mesmo o eu-lírico a pendurar cuecas para secar durante a noite, enquanto se coçava sem saber o que era realmente a cena final do acontecimento (amor ou picada, amor como picada), ou as diversas cenas do nome-esvaziado-chamado de Teodoro, cutucando bananeiras com faca para fazer ali um buraco, remexendo o vazio do olho com a língua enquanto o namorado comia jabuticaba, é somente uma resposta ou sintoma da repressão pareceria simplificar a ideia segundo a qual a agência do subalternizado[9] precisa estar sempre como correlação menor, derivada, do sujeito que oprime, a lógica cisteheronormativa a caracterizar o romance entre homens como depravação, exploração violenta a ser eventualmente corrigida.

As experimentações do usos e das formas de encontrar prazer e perpassar a geografia do corpo ao lado da geografia da cidade, dos vales enunciados de Ribeirão Preto podem sugerir, no entanto, agência, forma de (re)conhecimento do mundo a ainda caracterizarem uma maneira outra de existência,[10] a partir da estrutura mesma que se encontraria desejosa de transparência a ponto de se tornar invisível, a violência da norma. Se o traço é a forma pela qual a diferança segue se diferenciando (Derrida, 2013), não se deixa de encontrar possibilidade de, na mesma maneira pela qual a norma tenta se impor enquanto dominação, retomar o raciocínio da tentativa de anulação do outro enquanto reescrita de palimpsesto (Spivak, 2014), buscando tornar perceptíveis os caminhos desta reprodução a condenar o Outro, nunca a si, como desviante, perverso, etc.

A caracterização e a exploração de si como também reconhecimento e forma de se encontrar outros caminhos a partir da boca, com a experimentação do reconhecimento do fundo da garganta pelo Outro como nem mesmo o Eu se reconheceria (ou, no livro, como Teodoro reconheceria a região como mais ninguém), é, por fim, também possibilidade de abertura ao inevitável daquilo que não se sabe e nem se conhece, ao mesmo tempo a se tentar conhecer e saber, a partir do que se anuncia no contato com quem chega. Essa espécie de abertura total ao que chega ao eu-lírico, em um exercício de hospitalidade até mesmo em cenários hostis, no qual a violência não deixa de existir, mas ainda assim não opera, ou não precisa operar como a definição final da necessidade de acolhida, ou ao menos abertura ao Outro, é o que também sintetiza Derrida (2000) a partir da junção da hospitalidade com a hostilidade, como um conjunto indissociável: hostipitalidade.

É essa “espécie de peleja que me arroja as palmas/ vontade de triunfar no asfalto/ desse país/ provar do sal os homens as dunas/ ou os figos” (Romão, 2021, p. 49) também reconhecimento de uma possibilidade de desejo, vontade, meta a se cumprir sem fazer da violência sempre a forma de medida e razão da existência. Desde a epígrafe de “O Olho Silva”,[11] de Roberto Bolaño, há a possibilidade de pensarmos: se não a violência, o quê?

Fugir das explicações que sempre voltam à violência, à verdadeira violência (cf. Bolaño, 2008) significa resistir a o quê, exatamente?

Diria, desde já: pensar o cuidado, o amor. Ainda que de uma forma diferente da possivelmente observada no conto do qual é extraída a epígrafe do livro (afinal, Ojo/ Olho, aos prantos, é cuidado pelo amigo narrador, nessa dificuldade mesmo da narrativa a seguir o caminho após o pranto copioso, no qual talvez só reste se encerrar ali, no choro), o tipo de ética possível a partir de Romão, entre as diversas formas de se arriscar o movimento de saborear o Outro, parece sim exigir uma resposta que não a sempre voltada à violência, assim como interpretações mais recentes de Bolaño (cf. Natali, 2020). Mesmo se o desejo continue sendo impossível de transparência, ou de assim ser entendido por quem gostaria de torná-lo transparente para ser (o filósofo, o crítico literário ahistórico) entendido também como tal (SPIVAK, 2014), reconhecer sua opacidade ou sua impossibilidade de tradução perfeita sem mediação atravessa exatamente o itinerário, meta, rumo do livro: provar, testar, fracassar, tentar de novo, reelaborar a metáfora, encontrar em Teodoro outros tantos Teodoros, não dar um nome comprido a alguém.

CONCLUSÃO

Não reconhecer a obrigatoriedade da submissão à norma como se a mesma fosse natural, e não naturalizada, é o questionamento final para a criação de uma ética da anarquia do amor, como sugerirá Simon Critchley, em A fé dos sem-fé (2012, tradução livre do título). Ao interrogar a democracia neoliberal, a forma a suprimir tentativas de mundo outras, como se o mundo encontrado agora fosse a reunião de todas as outras equivalentes pelo destino,[12] quase como um brotamento natural, é por uma possibilidade de vida que leve em consideração como se vive, a partir de uma noção segundo a qual o doar-se ao outro estará sempre em primeiro plano, a ponto de estar na beira do impossível, do ridículo, do inacreditável, é que Critchley toma como chance de futuro, no porvir, o anarquismo do amor como a nova forma possível de reunir a vida, com a obrigatoriedade de reconsiderar o amor, o amar, na equação: só se vive se se ama, infinitamente, sem amarras, sem condicionamentos (Critchley, 2012; Natali, 2020).

Só se vive plena e absolutamente, a partir de uma noção segundo a qual a vida é ainda também anunciação do porvir de uma vida outra, se se ama e se come bem. Comer bem no sentido mais amplo possível, como responde Derrida (2018) a Jean-Luc Nancy:

é preciso comer bem e que faz bem, e que é bom, e que não há outra definição do bem, como é preciso comer bem? E no que isto implica? O que é comer? Como regular esta metonímia da introjeção? E em que a formulação mesma destas questões na língua dá ainda a comer? Em que a questão, se se quiser, é ainda carnívora? A questão infinitamente metonímica do sujeito “é preciso comer bem” não deve ser nutridora apenas para mim, para um eu, que então comeria mal, ela deve ser partilhada [...] “É preciso comer bem” não quer dizer, em primeiro lugar, tomar para si e compreender em si, mas aprender e dar de comer, aprender-a-dar-de-comer-ao-outro. Jamais se come totalmente sozinho, eis a regra do “é preciso comer bem”. É uma lei de hospitalidade infinita. [...] Ao infinito. Esta máxima dita a lei, a necessidade ou o desejo (jamais acreditei na radicalidade desta distinção às vezes útil), orexis, a fome e a sede (“é preciso”, “é preciso bem”), o respeito ao outro no momento mesmo em que, fazendo experiência [...] se deve começar a se identificar com ele, a assimilá-lo, a interiorizá-lo, a compreendê-lo idealmente [...] falar-lhe nas palavras que passam também na boca, na orelha e na vista, respeita a lei que é ao mesmo tempo uma voz e um tribunal [...]. O refinamento sublime no que diz respeito ao outro é também uma maneira de “bem comer” ou de “o Bem comer”. O Bem se come também. É preciso o comer bem. (Derrida, 2018, p. 180-181; destaques do original)

A forma de conhecimento de si a partir do outro é também pela boca, pelos orifícios a ainda serem apropriados e aproximados pelos do Outro, com o Outro, sem restrição, de forma infinita, ao assimilá-lo, ao devorá-lo, ao não restringir acesso a mim, ao Eu, àquilo que outra pessoa possa querer desejar e sentir da mesma forma como, em termos recíprocos, o Eu poderia. Sem ver a quem, sempre pensando na possibilidade de que isso deve ser bom, isso deve ser a partilha do Bem. Compartilhar e existir de forma boa, na boa forma, só é possível caso o sentimento e a partilha da justiça seja também uma chance do compartilhamento da justiça e da justeza do sabor do Outro (Derrida, 2005), do que lhe constitui e lhe marca, ao mesmo tempo, como entidade outra e parte permanente do Eu após a assimilação.

Assim gostaria de entender o livro de Caetano Romão, após uma série de fracassos para começar a pensá-lo. Como um salto de fé: em direção ao outro, seus sentidos, seus gostos, sempre em tradução, em um ato de hospitalidade sem fim, pois o acolhimento da chegada do Outro só pode significar itinerário enquanto houver, nessa duplicidade da troca do sabor do Eu e do Outro, a vontade, o desejo, a chance de viver e de amar. Queimando a nuca no sol, recolhendo dentes, traduzindo de outras formas os sais e os figos dos homens a ainda aparecerem. Como saúda também a prefaciadora do livro, Mariana Ruggieri (2021): que assim seja.

Material suplementario
REFERÊNCIAS
AMANCIO, Thomaz. Santo Antonio Candido, Intérprete do Brasil. Revista Porto Alegre. Disponível em: http:// revistaportoalegre.com/santo-antonio-candido-interprete-do-brasil/. Acesso em: 04 dez. 2023.
BOLAÑO, Roberto. O Olho Silva. Putas assassinas. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
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CRITCHLEY, Simon. Faith of the faithless: experiments in political theology. Londres: Verso, 2012. Edição Kindle.
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LIMA, Luiz Costa. Concepção de história literária na “Formação”. In: D’INCAO, Maria Angela; SCARABÔTOLO, Eloísa Faria (Orgs.). Dentro do texto, dentro da vida: ensaios sobre Antonio Candido. São Paulo: Companhia das Letras, p. 153-169, 1992.
MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: n-1 edições, 2021.
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MORESCHI, Marcelo; MORAES, Anita M. R. de; PINTO, Lúcia R. V. Antonio Candido em debate: uma constelação de estudos críticos. Criação & Crítica, n. 36, p. 218-247, 2023.
NATALI, Marcos. A literatura em questão. Campinas: Editora da Unicamp, 2020.
PITTY. Emboscada. Admirável Chip Novo. São Paulo: DeckDisc, 2003.
ROMÃO, Caetano. Um nome inteiro disposto à montaria. Rio de Janeiro: 7Letras, 2021.
RUGGIERI, Mariana. Prefácio. In: ROMÃO, Caetano. Um nome inteiro disposto à montaria. Rio de Janeiro: 7Letras, 2021.
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SEGATO, Rita. Crítica da colonialidade em oito ensaios: e uma antropologia por demanda. Tradução de Danú Gontijo e Danielli Jatobá. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
SPIVAK, Gayatri C. Pode o subalterno falar?. Tradução de Sandra R. G. Almeida, Marcos P. Feitosa e André P. Feitosa. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2014.
Notas
Notas
[1] Crítico literário que é parte de meu objeto de pesquisa atual.
[2] O resumo do simpósio “Antonio Candido, possibilidades de abordagem teórica para a literatura do século XXI” pode ser acessado em . Acesso em: 24 abr. 2023.
[3] Muito do dito aqui se apóia em textos compilados em Moraes (2023).
[4] Ponto que discuti em Saldanha (2022).
[5] Por isso, inclusive, me parece que se privilegia a leitura da sexualidade a partir de Forel, não de Freud. O primeiro, cujos escritos, em parte, também coincidem com as publicações freudianas em torno do inconsciente, não considerava a formação psíquica do ser humano algo contido em camadas fora da compreensão, ou seja, não existindo subconsciente/inconsciente, sendo possível entender o desejo como aquilo que ele é e sendo caracterizado como totalmente cognoscível e transparente.
[6] Ver, por exemplo, o trabalho de Rita Segato (2021), para complicações em torno de tais ferramentas do patriarcado como manutenção da exploração baseada no feminicídio colonialista.
[7] Mas que também só é posterior ao próprio acontecimento da interdição da fala. Se escrevo toda essa introdução aqui é, portanto, por acreditar que, na leitura que fornecerei de Romão, há certo fantasma sempre sendo “respondido”, cuja origem, de certa forma, também tem algo de melancólico na interdição anterior.
[8] Já diria Pitty (2003): “e vamo ver quem vai ganhar”.
[9] Ainda que tais termos sejam, no mínimo, aporéticos ou contraditórios.
[10] Ou seja, fora da subalternidade.
[11] “O resto, mais que uma história ou um argumento, é um itinerário” (Bolaño, 2008, p. 18).
[12] E, se pensarmos na possível conexão com Políticas da inimizade (2021), de Achille Mbembe, vemos que o espelho escondido da democracia neoliberal é exatamente seu lado explorador, aliado a novas táticas de guerra do mercado financeiro, a se basearem na acumulação da plantation, da violência antinegro e dos desdobramentos de novas formas a relembrar o colonialismo.
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